A adoção homoparental

Resumo: O presente ensaio se propõe ao estudo do direito a adoção homoparental, partindo da análise de um caso concreto (acórdão), enfrentando os principais fundamentos defendidos pelo relator do processo, abordando temas como racionalidade, motivação judicial, discricionariedade e legitimidade judicial. Será utilizado como método de trabalho a pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Adoção Homoparental. Decisão Judicial. Motivação judicial. Criatividade. Legitimidade judicial.

Abstract: This paper proposes the study of law adoption homoparental, starting from the analysis of a case, facing the main reasons advocated by the judge-rapporteur of the process, covering topics such as rationality, motivation judicial, discretion and judicial legitimacy. The method will be used as a working method to literature.

Keywords: Homoparental Adoption. Judicial motivation. Motivation judicial. Creativity. Judicial legitimacy.

Sumário: Introdução. 1. Legitimidade do Poder Judiciário 2. A interpretação à luz da Constituição 3. A necessidade da Motivação Judicial 4. Criatividade Judicial. Conclusão. Referências.

Introdução

A adoção homoparental é ainda um tema recente na jurisprudência nacional, havendo grandes divergências no meio jurídico acerca do tema, o que se extrai da própria jurisprudência dos tribunais. O presente trabalho tem por objetivo a análise de um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, reconhecido por suas posições de vanguarda, de relatoria do Desembargador André Planella Villarinho, sob a ótica da racionalidade da decisão judicial e outros aspectos relevantes. Segue a ementa a ser analisada, ressaltando que será anexada ao presente artigo a íntegra do acórdão citado.

“APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE HABILITAÇÃO À ADOÇÃO CONJUNTA POR PESSOAS DO MESMO SEXO. ADOÇÃO HOMOPARENTAL. POSSIBILIDADE DE PEDIDO DE HABILITAÇÃO. Embora a controvérsia na jurisprudência, havendo possibilidade de reconhecimento da união formada por duas pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, consoante precedentes desta Corte, igualmente é de se admitir a adoção homoparental, inexistindo vedação legal expressa à hipótese. A adoção é um mecanismo de proteção aos direitos dos infantes, devendo prevalecer sobre o preconceito e a discriminação, sentimentos combatidos pela Constituição Federal, possibilitando, desse modo, que mais crianças encontrem uma família que lhes conceda afeto, abrigo e segurança. Estudo social que revela a existência de relacionamento estável entre as habilitandas, bem como capacidade emocional e financeira, sendo favorável ao deferimento da habilitação para adoção conjunta, nos termos do § 2º do art. 42 do ECA, com a redação dada pela Lei 12.010/2009. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. Desembargador André Planella Villarinho. Sétima Câmara Cível n. 70031574833 Comarca de Santa Cruz do Sul”

Numa análise mais superficial acerca da matéria pode-se questionar acerca da possibilidade jurídica da demanda posta à apreciação do Poder Judiciário, uma vez que não há previsão expressa na legislação infracontitucional, tampouco na Constituição pátria que autorize a adoção de criança por casais formados por pares do mesmo sexo.

O instituto da adoção é regido atualmente pelas disposições do Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do adolescente, prevendo o Art. 1.618 do CC que a adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009). 

O Estatuto da criança e do adolescente permite a adoção pelas pessoas maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil, sendo necessário para a adoção conjunta que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família (art. 42, §2º do ECA com redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009).

Vale ressaltar que a finalidade da adoção é garantir os interesses da criança ou do adolescente a ser acolhidos por uma família e ter direito ao desenvolvimento pleno de sua personalidade.

1.A Legitimidade Judicial

O ponto de partida para a análise do referido acórdão é a discussão acerca da existência de legitimidade do Poder Judiciário em decidir um caso concreto ante a ausência de regra ou princípio claro sobre a matéria, podendo ser chamado do que a doutrina convencionou denominar de “hard cases”, ultrapassando as disposições legais estabelecidas pelo legislador, o que poderia ser entendido como violação ao princípio da separação de poderes.

A teoria da separação de poderes, desenvolvida por Montesquieu que prevê a autonomia entre os poderes, deve ser repensada diante do agigantamento do Estado, a fim de permitir s real paridade entre os poderes que compõem o Estado contemporâneo.

O Estado Democrático de Direito que tem como um dos alicerces o princípio da separação dos poderes que não pode ser entendido de forma absoluta, uma vez que os poderes que o compõem devem atuar de forma harmônica para alcançar os seus objetivos fundamentais.  Nesse contexto de readequação dos papéis exercidos pelos poderes do Estado é que se maximiza o papel do poder judiciário no controle das políticas públicas, a fim de garantir a efetivação dos direitos fundamentais.

Cappelletti sustenta que a expansão do papel do judiciário representa uma resposta ao crescimento dos demais poderes estatais (legislativo e executivo), representando contrapeso necessário, num sistema democrático de checks and balances, à paralela expansão dos ramos políticos do estado moderno[1], sendo manifesto o caráter criativo da atividade judiciária de interpretação e atuação da legislação e dos direitos sociais. 

A atuação do Poder Judiciário encontra sua legitimação no seio do próprio Estado de Democrático de Direito e no princípio da separação de poderes, pois a sua atuação impede que a discricionariedade da administração pública se transforme no não cumprimento de políticas públicas que acarretem a desarmonia da ordem jurídica pela inobservância dos direitos fundamentais abraçados pela Constituição.

Negar a legitimidade democrática do judiciário para aplicar, imediatamente direitos fundamentais seria ignorar a submissão do legislador à Constituição e o papel da jurisdição constitucional na efetivação do Estado Democrático de Direito. O judiciário deve zelar pelo respeito aos direitos fundamentais que são as bases substanciais para a realização da democracia, sendo que sem a sua permanente vigilância na observância dos direitos fundamentais, não há democracia[2].

No caso especifico brasileiro, a consolidação da democracia, as dificuldades econômicas perenes, aliadas à degradação dos costumes político-administrativos (corrupção, desvios de função), bem como a desagregação social (violência urbana, recrudescimento da miséria), também concorreram para o aumento das responsabilidades do judiciário. Assim, os diversos grupos sociais que compõem atualmente a sociedade brasileira tem percebido o poder judiciário como essencial para a afirmação dos direitos fundamentais e superação do déficit de cidadania[3].

O que se verifica é que a legitimidade do poder judiciário para atuar nessas demandas se fundamenta na força normativa da Constituição e no dever assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais. Contudo, a liberdade judicial não é absoluta, sendo limitada pelo próprio caso concreto que obriga o juiz a fazer uma interpretação das normas que regem o ordenamento jurídico e o caso concreto.

2- A interpretação à luz da constituição

O pós segunda guerra mundial foi o marco histórico para o nascimento de um novo direito constitucional, sendo o marco filosófico o chamado pós-positivismo jurídico, inspirado na teoria da justiça e na legitimação democrática. No Brasil, esse marco se deu no período de reabertura democrática, materializado pela nova Constituição promulgada no ano de 1988.

Nesse novo contexto jurídico, incluem-se as ideias de reentronização dos valores na interpretação jurídica, com reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras, a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana, havendo uma reaproximação do direito com a ética[4].

O que se deve ter em mente é que a Constituição e o reconhecimento de sua força normativa com o consequente caráter vinculativo e o obrigatório de suas disposições, redefiniram o papel dos demais ramos do direito dentro do ordenamento jurídico, devendo toda a ordem jurídica ser lida sob a ótica da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados[5].

Conforme salientado por Fernandez somente após a consideração da Constituição como norma jurídica com pleno valor normativo, diretamente operativa e invocável em juízo pelos próprios cidadãos e não somente organizadora dos poderes superiores do Estado e portadora de meros enunciados finalistas, contribuiu de uma forma mais significativa para a potencialização da interpretação sistemática sobre qualquer outro meio interpretativo, e segundo o qual o sistema jurídico deve ser tomado como um todo, na busca da unidade e harmonia de sentido; ou seja, a tarefa de realização do direito obriga o intérprete a considerar o sistema em sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais e infraconstitucionais a concretizar[6].

Partindo dessa premissa, o relator do caso em exame, enfoca em sua argumentação a supremacia da Constituição em face de outros aspectos legais, afirmando que “a discriminação, sentimento combatido expressamente pela Lei Maior. Admitir a adoção homoparental implica em possibilitar que mais crianças encontrem uma família que lhes dê afeto e segurança, atendendo, assim, ao preceito contido no art. 227 da Constituição Federal”.

O sistema jurídico deve ser analisado sob a premissa de que todos os seus postulados estão em harmonia, sob pena de se quebrar a lógica do próprio sistema. Dworkin defende que “a integridade é uma virtude ao lado da justiça, da equidade e do devido processo legal, mas isso não significa que (…) a integridade seja necessariamente, ou sempre, superior às outras virtudes[7]”.

Ante a ausência de norma específica acerca da matéria, o intérprete deve buscar, a partir dos princípios e fundamentos nos quais norteiam a Constituição, a solução para o caso concreto, visando a efetividade do direito na busca de decisões no âmbito dessa racionalidade jurídica.

O voto do relator do acórdão enfatiza que “o texto constitucional brasileiro revela como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), e, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ainda, no art. 5º, garante aos cidadãos o direito à igualdade. Portanto, a assunção pública da conduta homossexual não pode acarretar, para as requerentes, perante a família e a sociedade, qualquer tipo de discriminação, o que decorre do próprio princípio da isonomia”.

Ora, diante de um ordenamento jurídico que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana e a vedação de qualquer tipo de discriminação, não se apresenta razoável a impossibilidade que a mera opção sexual possa ser empecilho para a adoção homoparental, o que afronta os fundamentos da República brasileira.

Argumenta o relator no caso em exame que “o reconhecimento de uniões homoafetivas como entidades familiares se ampara na ausência de norma específica sobre o tema, seja para regulamentar, seja para vedar tal estrutura familiar. A ausência de lei regulamentando a matéria, por evidente, não impossibilita o reconhecimento do direito, já que o fato social é incontroverso, sendo perfeitamente possível, na omissão da lei, a aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito, de acordo com o disposto nos arts. 4º da LICC e 126 do CPC, do que tem se valido esta Corte”.

Assim, o relator após situar o problema sob a ótica da Constituição, traz para sua argumentação jurídica a possibilidade de integração das normas, sustentando que a mera ausência da norma, ou seja, a presença de lacuna, não impede o conhecimento da matéria aventada pelas partes, nos termos do que dispõe o art. 4º da lei de introdução ao código civil.

Dessa forma, o relator do acórdão aborda vários pontos para argumentar a sua decisão, utilizando-se das próprias possibilidades existentes dentro do ordenamento jurídico pátrio, tratando-o como um sistema de direito.

Fica claro que o Poder Judiciário pode e deve atuar nos casos em que exista omissão legislativa, uma vez que tem o dever de prestar a tutela jurisdicional adequada.

Nas palavras de Celso Fernandes Campilongo “a magistratura ocupa um posição singular nessa nova engenharia institucional. Além de suas funções usuais, cabe ao judiciário controlar a constitucionalidade e o caráter democrático das regulações sociais. Mais ainda: o juiz passa a integrar o circuito da negociação política. Garantir as políticas públicas, impedir o desvirtuamento privatista das ações estatais, enfrentar o processo de desinstitucionalização dos conflitos – apenas para arrolar algumas hipóteses de trabalho – significa atribuir ao magistrado uma função ativa no processo de afirmação da cidadania e da justiça substantiva. Assim, o juiz não aparece como o responsável pela tutela dos direitos e das situações subjetivas, mas também como um dos titulares da distribuição de recursos e da construção de equilíbrios entre interesses supraindividuais[8]”.

Contudo, a ideia de controle judicial implica a observância de regras de racionalidade e motivação, sendo esta uma importantís­sima singularidade dos pronunciamentos judiciais. As decisões proferidas pelo Judiciário necessitam sempre de motivação que é uma das prin­cipais garantias do cidadão e do jurisdicionado. O juiz pode decidir o que melhor lhe aprouver, mas deve ser capaz de indicar o itinerário racional que o conduziu àquela conclusão[9].

3- A necessidade da motivação judicial

A decisão judicial ora analisada apresenta diversos argumentos lógicos jurídicos para se chegar a uma conclusão adequada que tem por finalidade última a efetividade do direito das partes. Daí, porque se torna necessária a motivação da decisão judicial.

A motivação é inerente a qualquer decisão judicial ou ainda administrativa, sob pena de nulidade da decisão proferida, seja na solução de casos fáceis ou difíceis, isto é, que demandem maior argumentação jurídica e decisão criativa do juiz.

“Fundamentar significa o magistrado dar suas razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem aplicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão”[10].

Na decisão judicial, o juiz não pode apenas fazer alusão as provas produzidas por uma das partes do processo, devendo, para justificar a sua decisão, deverá demonstrar porque certas provas produzidas pela parte perdedora não lhe convenceram. “Se ninguém nega a importância da motivação como garantia do cidadão, pouco importa alardear isso de forma demagógica. Se o juiz tem o dever de motivar a sentença é preciso que ele possa decidir com base em critérios racionais explicáveis. Ou melhor, é necessário que a decisão se funde em critérios racionais, e, além disso, que sejam racionalmente justificados ou explicados”[11].

O dever de motivação tem previsão constitucional, funcionando como regra geral, devendo ser aplicada a qualquer decisão, nos termos do art. 93, inciso IX da Constituição Brasileira. O dever de motivação judicial também pode ser extraído da redação do art. 5º, inciso LXI, quando determinada que a ordem de prisão deverá ser fundamentada pela autoridade judiciária competente.

Assim, a motivação alcança status de direito fundamental à fundamentação, garantindo que sejam revelados os fundamentos e motivação de determinada decisão pelo magistrado, tendo uma dupla função no Estado Democrático de Direito, funcionando como garantia do cidadão contra possíveis excessos do julgador e impondo limites ao poder jurisdicional.

Contudo, embora exista a necessidade de valoração positiva e negativa das provas, não é razoável exigir que o magistrado enfrente todos os fundamentos de direito apresentados pelas partes, uma vez que o acolhimento de um dos fundamentos pode ser suficiente para que seja proferida a decisão. De fato, é contraproducente o exaurimento de todos os elementos levantados pelas partes do processo, diante da crescente demanda de ações no poder judiciário brasileiro, o que dificultaria a apreciação de todas as causas postas para apreciação.

A importância da fundamentação racional relaciona-se a legitimidade da função jurisdicional, uma vez que a justificação da decisão judicial é imprescindível para a prestação de contas de suas razões de decidir ao público, bem como confere ao litigante a possibilidade de controlar a decisão[12]. A motivação da decisão é importante para todas as partes do processo, tendo para o perdedor duas funções: permite a possibilidade de recurso e ainda a busca de conforto e explicação na justificação judicial.

A motivação permite às partes do processo identificar precisamente quais os motivos que levaram o juiz a julgar daquela forma, a fazer determinada escolha no momento de decidir, a fim de avaliarem a conveniência de recorrer. Indo mais além, a motivação adequada possibilita ao sucumbente definir o objeto e a profundidade da impugnação.  Assim, uma decisão carecedora de motivação, transforma-se em obstáculo ao exercício do direito ao contraditório pela parte prejudicada, na medida em que enfrentará dificuldades para aduzir adequadamente às razões de seu recurso.

A escorreita fundamentação das decisões judiciais garante ao Poder Judiciário um papel legítimo de manifestação num Estado Democrático de Direito, exercendo a motivação uma finalidade política, na medida em que adquire natureza de garantia de limitação do poder estatal ante a opinião pública.

Passa a motivação, portanto, a ser utilizada, não como simples justificativa da lei que foi aplicada no caso concreto, mas como forma de concretizar o direito e de legitimar a atuação do Poder Judiciário[13].

Pode-se dizer que o dever de motivação possui dupla função: a primeira endoprocessual que consiste em facilitar a impugnação por intermédio dos recursos, que se insere na garantia constitucional da ampla defesa, servindo de meio de controle ao arbítrio judicial. A segunda função extraprocessual, servindo de mecanismo de controle do exercício do poder. Assim, a motivação serve a todas as partes do processo, porque ao perdedor abre a possibilidade de recorrer de forma plena, servindo a motivação de explicação para a decisão. A motivação também se dirige a terceiros, na medida em que tem direito de conhecer as razões do julgamento, para o pleno exercício da cidadania, podendo ainda controlar o exercício do poder jurisdicional[14].

No Estado Democrático de Direito não se admite que as decisões judiciais sejam tomadas por critérios meramente emotivos ou pela citação vaga de princípios, sem a criteriosa análise do caso concreto e desacompanhada de argumentação jurídica sólida. Quanto mais vaga é a norma, maiores são os ônus argumentativos do intérprete[15].

No caso de ausência de norma regulamentadora, como o caso da adoção homoparental, o ônus argumentativo do intérprete e aplicador do direito também se amplia, uma vez que deverá conduzir a decisão sempre para o sistema jurídico no qual se fundamenta, devendo utilizar argumentos passíveis de utilização para casos semelhantes, bem como deve considerar as consequências práticas da tomada da decisão.

É através da motivação que se é garantida a independência e a imparcialidade do juiz, corolários do devido processo legal. Essas garantias estão interligadas, sendo a independência pressuposto da imparcialidade e a imparcialidade é manifestação da independência do magistrado no âmbito do processo[16]. Dessa maneira, o que se almeja é a observância do princípio da separação de poderes, evitando-se interferências indevidas nas decisões judiciais pelos demais poderes e vice-versa.

4- A criatividade judicial

Por fim, cabe analisar o aspecto da criatividade judicial da decisão proferida, uma vez que diante da inexistência de norma regulamentadora e ainda de divergência jurisprudencial acerca do tema, a atividade judicial é revestida de discricionariedade.

Defende Cappelletti que é manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais, sendo que em certa medida toda interpretação é criativa e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade da atividade judicial. As novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, como regra, espaço mais elevado grau de discricionariedade e, assim de criatividade, pela simples razão de quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos de direito, mais amplo se torna também o espaço deixado par a discricionariedade nas decisões judiciais[17].

O principio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. da Constituição brasileira, exige uma resposta rápida e eficiente do julgador, diante do volume de demandas submetidas à decisão, ainda que inexistente norma legal que preveja a situação fática, exigindo um esforço do juiz para alcançar uma decisão justa, sendo necessário o uso da criatividade judicial.

A decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul faz uso da discricionariedade judicial, na medida em que justifica e motiva as razões que embasam a decisão nos princípios, fundamentos e valores que norteiam o ordenamento jurídico vigente, não podendo ser traduzido como mero arbítrio judicial.

A criatividade judicial não pode ser confundida com total liberdade do intérprete, tampouco com arbitrariedade, uma vez que a decisão judicial não está despida de vínculos ou parâmetros que são extraídos do próprio ordenamento jurídico.

Defende Cappelletti, a criatividade jurisdicional – criatividade de direito e de valores – é ao mesmo tempo inevitável e legítima, e que o problema real e concreto, ao invés, é o da medida de tal criatividade, portanto, das restrições[18].

Não se deve esquecer, ainda, o fato fundamental é que a criatividade judiciária, ou a sua acentuação, foi em larga medida consequência do enorme crescimento dos próprios ramos políticos, e da necessidade, daí decorrente, de não deixá-los sem controle efetivo[19].

Quando existe indeterminação, o ato judicial deixa de ser mera aplicação, mas criação normativa, contudo de nível distinto daquele elaborado pelo legislador. O juiz cria a norma do caso, e nesse ato conecta o caso ao sistema e é elaborada uma norma jurídica individualizada, cujas regras de produção devem ser respeitadas, como acontece no ato legislativo. Há uma inseparabilidade entre a “questão de direito em abstrato” e “a questão de direito em concreto”[20].

Muitos são os casos de ineficiência do instrumento processual ou até de ausência de disciplina legal, a exigir uma atividade criativa do juiz também nesse plano, devendo o Poder Judiciário garantir a tutela jurisdicional de forma adequada ao caso concreto.

Deve-se repisar que as decisões que envolvem a atividade criativa do juiz potencializam o dever de fundamentação, por não estarem inteiramente legitimadas pela lógica da separação dos poderes – por esta última, o juiz limita-se a aplicar, no caso concreto, a decisão abstrata tomada pelo legislador. Para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretação nessas situações, o intérprete deverá, em meio a outras considerações: reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento, utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas, e levar em conta as consequências práticas que a sua decisão produzirá no mundo dos fatos[21].

O que se demonstra com o caso concreto escolhido para análise é que o Tribunal do Rio Grande do Sul optou pelo uso das regras e princípios que norteiam o ordenamento jurídico pátrio para fundamentar sua decisão, coadunando-se com as perspectivas sociais da sociedade que deve primar pelo princípio da dignidade humana, inclusive das crianças e adolescentes postos sob a guarda do Estado, que tem o dever de garantir uma vida digna, salvaguardando os direitos a elas garantidos constitucionalmente.

Aqui, são plenamente adequadas as ponderações colocadas acerca da motivação judicial, sendo necessário maior esforço argumentativo do juiz para justificar a sua ingerência nas políticas públicas, a fim de evitar decisões arbitrárias ou manifestamente ilegais, afastando as críticas contra o suposto livre arbítrio judicial.

Diz Cappelletti que o verdadeiro problema é o grau e o modo de criatividade judicial, os limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários. “Haverá sempre, com ou sem consciência do intérprete, certo grau de criatividade, sendo esta inerente a toda interpretação, não só a interpretação do direito, mas concernente a todos os outros produtos da civilização humana, como a música e a literatura”[22].

Dworkin afirma que mesmo quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes, pode ainda assim ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar direitos retroativamente[23]

O que deve ser pensado é que as escolhas que o julgador faz quando interpreta e aplica a norma ao caso concreto deverão sempre ser fundamentadas, em face do caráter criativo da jurisdição, garantindo a sua legitimidade nas escolhas e possibilitar o seu controle.

Há limites substanciais e processuais que devem balizar a decisão judicial. No que concerne aos limites substanciais, estes vinculam o juiz, mesmo que não completamente, variando profundamente de época para época e de sociedade para sociedade e até mesmo da mesma época e sociedade[24].

Segundo Cappelletti, quanto aos limites processuais, as características e princípios são a imparcialidade judicial, o direito ao contraditório e o princípio da inércia da jurisdição. Esses limites processuais são as características essenciais que diferem o processo jurisdicional dos de natureza política[25].

A existência de liberdade para julgar não significa dizer que a decisão judicial está alheia e desatrelada aos princípios, regras e a historicidade que norteiam o Estado Democrático de Direito. Na verdade, o julgador estará atrelado a todos esses elementos e ao próprio fato objeto da decisão, devendo a decisão ser proferida com responsabilidade e adequação ao fato concreto.

Conclusão

Por fim, entendemos que a decisão da adoção homoparental enfrentada pelo acórdão colacionado preenche os requisitos de adequação e harmonia com o sistema jurídico pátrio, estando em perfeita sincronia com as normas gerais e princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito no Brasil.

A aceitação da adoção de criança ou adolescente por casais do mesmo sexo se mostra de acordo com os anseios sociais, sendo mais um passo em busca da igualdade material, reforçando a ideia de uma sociedade plural, caminhando no mesmo sentido do Supremo Tribunal Federal quando reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.

Em que pese a ausência de norma específica permitindo ou proibindo a adoção homoparental, tal fato não pode servir de impeditivo para que o judiciário aprecie a matéria dando uma solução ao caso concreto, posto que a criatividade judicial é inerente à própria função jurisdicional, sendo impossível determinar quando o juiz poderá aplicá-la, uma vez que toda decisão judicial tem algum grau de criatividade, seja na mera aplicação da norma positivada ao caso concreto ou na fundamentação dos chamados hard cases.

Assim, o magistrado deve buscar é a adequada motivação judicial no caso concreto, com todas as suas facetas, a fim de permitir uma forma de controle da decisão judicial, devendo existir perfeita sincronia entre os fatos levados a juízo e a fundamentação jurídica da decisão, garantindo-se a efetividade das normas jurídicas que compõem determinado ordenamento jurídico.

Referências:
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. Fundamentos de uma  interpretação e aplicação da constituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
__________, Luis Roberto. A Reconstrução Democrática do Direito Público no Brasil (org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
__________, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003.
__________, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade (algumas observações sobre o Brasil). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0103-40142004000200007&script=sci_arttext. Acessado em 29 de julho de 2013.
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário – 2ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1999.
CAMPILONGO, Celso Furtado. Os desafios do judiciário: um enquadramento teórico. IN: Faria, José Eduardo (org.) Direitos Humanos, Direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002.
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da dignidade da pessoa humana nas Constituições abertas e democráticas. IN: CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. 1988 – 1998: uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. (Trad.) Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 20.
______. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
______. O Império do Direito. (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
FERNANDEZ, Atahualpa. Direito, Evolução, Racionalidade e Discurso Jurídico – A realização do direito sob a perspectiva das dinâmicas evolucionárias. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002,
HARTMANN, Érica. A parcialidade do controle jurisdicional na motivação das decisões. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial – Fundamentos de Direito. 2ª edição revista. Tradução Bruno Miragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MARINONI, Luis Guilherme e Arenhart, Sergio Cruz. Manual de Processo de Conhecimento. 7ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais – 3ª edição. São Paulo: Editora Altas, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
MOTTA, Cristina Reindolff da. A motivação das Decisões Cíveis como condição de possibilidade para resposta correta/adequada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
NASCIMENTO, Priscila Cunha do. A legitimidade democrática do controle de constitucionalidade na teoria da decisão judicial de Ronald Dworkin. IN: Gilmar, Ferreira Mendes (org). Jurisdição Constitucional. Brasília: IDP, 2012.
NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5ª edição. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
_________, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 9ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
_________, Ingo Wolfgang. (Org.) Jurisdição e Direitos fundamentais – vol. I tomo II. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006
SARMENTO, Daniel. O controle da constitucionalidade e a lei n 9.868/99. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.
SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012.
Notas:
[1]CAPPELLETTI, Mauro. Juizes legisladores? tradução Carlos Alberto Alvaro de Olilveira. Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.
[2] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário – 2ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
[3] CAMPILONGO, Celso Furtado. Os desafios do judiciário: um enquadramento teórico. IN: Faria, José Eduardo (org.) Direitos Humanos, Direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002.
[4] BARROSO, Luis Roberto.  A reconstrução democrática do direito público no Brasil. IN: BARROSO, Luis Roberto (org). A reconstrução democrática do direito público no Brasil. 1ª edição. São Paulo: Ronovar, 2007.
[5] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª edição rev, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004.
[6] FERNANDEZ, Atahualpa. Direito, Evolução, Racionalidade e Discurso Jurídico – A realização do direito sob a perspectiva das dinâmicas evolucionárias. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002
[7] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 261-262
[8] CAMPILONGO, Celso Furtado. Os desafios do judiciário: um enquadramento teórico. IN: Faria, José Eduardo (org.) Direitos Humanos, Direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 49.
[9] SARMENTO, Daniel. O controle da constitucionalidade e a lei n 9.868/99. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.
[10] NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5ª edição. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 175
[11] MARINONI, Luis Guilherme e Arenhart, Sergio Cruz. Manual de Processo de Conhecimento. 7ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 490.
[12] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário – 2ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 492
[13] SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012. p. 58.
[14] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário – 2ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 338.
[15] CAMBI, Eduardo. Obra cit., p. 304.
[16] HARTMANN, Erica de Oliveira. A parcialidade do controle jurisdicional na motivação das decisões. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 130.
[17] CAPPELLETTI, Juízes legisladores? Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1999.
[18] Idem, p. 103.
[19] Idem, p. 90.
[20] LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial – Fundamentos de Direito. 2ª edição revista. Tradução Bruno Miragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[21] BARROSO, Luis Roberto. A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil. IN: Barroso, Luis Roberto (org).  A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 19.
[22] CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores. Juízes legisladores? Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1999, p. 21
[23] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 127.
[24] CAPPELLETTI, Mauro. Obra cit., p. 24
[25] CAPPELLETTI, Mauro. Obra cit., p. 76

Informações Sobre o Autor

Carla Sodré da Mota Dessimoni

Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Pará


Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

TDAH tem direito ao LOAS? Entenda os critérios e como funciona o benefício

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…

4 horas ago

Benefício por incapacidade: entenda como funciona e seus aspectos legais

O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…

4 horas ago

Auxílio reclusão: direitos, requisitos e aspectos jurídicos

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…

4 horas ago

Simulação da aposentadoria: um guia completo sobre direitos e ferramentas

A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…

4 horas ago

Paridade: conceito, aplicação jurídica e impacto nos direitos previdenciários

A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…

4 horas ago

Aposentadoria por idade rural

A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…

5 horas ago