Resumo: O objetivo do presente estudo é discorrer sobre a chamada “antecipação de tutela punitiva” que vem prevista no art. 273, II, do CPC, especificamente no que concerne à possibilidade de ser concedida de ofício pelo juiz. Para tanto, analisamos os objetivos das tutelas jurisdicionais diferenciadas e, a partir do sistema constitucional, especialmente do direito de acesso à ordem jurídica justa, tentamos solucionar o problema, tomando por base o papel do magistrado no processo judicial, que é instrumento de realização de justiça e não um mero “negócio de família”.
Palavras-chave: tutela antecipada punitiva – abuso do direito de defesa – manifesto propósito protelatório do réu
Abstract: The aim of this study is to discuss the so-called “punitive early relief” that is prescribed by art. 273, II of the Code, specifically with regard to the possibility of being granted ex officio by the judge. Therefore, we analyze the goals of court injunctions and differentiated from the constitutional system, especially the right of access to fair legal system, we try to solve the problem, based on the role of the magistrate in the judicial process, which is instrument in achieving justice and not merely a “family business”.
Keywords: injunctive relief punitive – abuse of the right of defense – manifest purpose of the defendant dilatory
Sumário: 1. Introdução – 2. Das tutelas jurisdicionais diferenciadas e a antecipação de tutela sancionatória – 3. Da possibilidade de concessão de ofício da antecipação de tutela sancionatória à luz do sistema constitucional e do papel do juiz na condução do processo – 4. Conclusão – 5. Bibliografia
1. Introdução
A antecipação dos efeitos da tutela é instrumento dos mais valiosos que nosso ordenamento jurídico possui, justamente por distribuir o ônus que representa os males do tempo do processo. O artigo 273, do CPC, como hoje se encontra, é previsão da Lei n 8952/94 e da Lei nº 10.444/02, in verbis:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:…
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
O assunto tratado no presente estudo tomará em consideração a expressão a requerimento da parte, constante da parte inicial do dispositivo mencionado acima, analisará a possibilidade ou não da tutela antecipada nele prevista ser concedida de ofício pelo magistrado.
2. Das tutelas jurisdicionais diferenciadas e a antecipação de tutela sancionatória
Primeiramente, devemos ter em mente que as tutelas provisórias (seja a cautelar ou a satisfativa) se justificam pelo elemento temporal necessariamente ligado ao processo. O processo, com todas as garantias conquistadas pelo cidadão a duras penas no transcorrer da história, exige tempo para se desenvolver validamente até a entrega da prestação jurisdicional.
Todavia, o processo deve ser compreendido na esteira do acesso à uma ordem jurídica justa (art. 5, XXXV, CF/88), conformado segundo a Constituição e os direitos fundamentais, nos quais se incluem os de índole processual. Isto, segundo Eduardo Cambi, implica que o acesso à justiça não se limita apenas à admissão ao processo ou à possibilidade de ingressar em juízo, devendo ser aliado ao direito fundamental à tutela jurisdicional célere, adequada e efetiva. Deste modo, impõe-se a leitura do processo à luz da Constituição.[1]
Fredie Didier[2] expõe que, para que não fique comprometida a efetividade da tutela definitiva satisfativa (padrão), haveria a necessidade de criação de mecanismos de preservação dos direitos contra os males do tempo, o que fundamentou a criação da tutela cautelar e a antecipação dos efeitos da tutela do art. 273 do CPC, como forma de tutelas jurisdicionais diferenciadas.
Daniel Amorim Assumpção Neves explica:
“Normalmente, coloca-se como característica comum a essas tutelas diferenciadas (cautelar e antecipada) o pressuposto do perigo (a urgência), mas nem sempre é isso que acontece, como é o caso da tutela antecipada fundada no inciso II, do art. 273 do CPC (tutela antecipada punitiva), que dispensa o pressuposto do perigo.”[3]
Esta antecipação de tutela de natureza sancionatória ou punitiva é aquela que se caracteriza quando houver manifesto propósito protelatório do réu ou abuso do direito de defesa.
3. Da possibilidade de concessão de ofício da antecipação de tutela sancionatória à luz do sistema constitucional e do papel do juiz na condução do processo
Sobre a possibilidade de acesso de ofício do juiz à hipótese do art. 273, II, do CPC, iremos encontrar doutrina nos dois sentidos, ambas com fundamentos consistentes.
Fredie Didier entende não se possível a concessão ex officio da antecipação de tutela, por vislumbrar violação do princípio da congruência (arts. 128 e 460, CPC) e pela circunstância de que tal medida se dá sob responsabilidade objetiva do beneficiário da decisão, que deverá arcar com os prejuízos do adversário caso, ao final, seja reformada a decisão. Elpídio Donizetti também não admite a concessão de ofício.[4][5]
De outro modo, Carlos Augusto Assis entende ser possível que o juiz defira, de ofício, a antecipação de tutela de natureza sancionatória, como forma de se preservar a lealdade processual, veja-se suas palavras:
“Poder-se-ia aventar, contudo, de lege ferenda, que, passado esse primeiro momento de adaptação para os operadores do direito, fosse procedida uma ampliação do instituto, permitindo, especificamente na hipótese do inciso II, que a medida fosse concedida ex officio. Sim, porque neste caso, a atitude protelatória ou abusiva que a motiva ofende a própria seriedade da atividade jurisdicional. Não é demais lembrar, inclusive, que a litigância de má fé, um dos parâmetros para a concessão da antecipação do inciso II, pode, justamente por força da reforma processual, ser declarada de ofício.”[6]
Cássio Scarpinella Bueno também entende ser possível a concessão sem provocação da parte, ao fundamento de que somente assim se realizará a efetividade do processo[7]
Segundo MARINONI, no caso de direito evidente e defesa infundada podemos supor que o réu está a requerer provas para retardar a realização do direito, o que não pode ser permitido quando se deseja construir um processo que realmente garanta o direito constitucional à tutela efetiva.[8]
A preocupação exagerada com o direito de defesa, fruto que é de uma visão excessivamente comprometida com o liberalismo clássico, não permitiu, por muito tempo, a percepção de que o tempo do processo não pode ser jogado nas costas do autor. Em contrapartida, a demora do processo implica em vantagens para o réu, beneficiado que é pela demora da prestação jurisdicional, o que justifica que o mesmo abuse de seu direito de defesa.
O abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, de fato, não pode ser admitido pelo magistrado, o qual, constatando a caracterização perfeita destas circunstâncias, poderá deferir a antecipação de tutela sancionatória, sem que haja provocação do autor para tanto.
Exemplo citado por Luiz Guilherme Marinoni esclarece bem a questão. Diz o autor que:
“Em grande parte dos casos o autor pretende alterar uma situação que se estabilizou em favor do réu. Busca-se, nessas situações, reverter uma vantagem que está sendo usufruída pelo demandado. Assim, por exemplo, quando o autor pede uma soma em dinheiro ou uma coisa móvel ou um imóvel, quanto mais o processo dura, mais tempo o réu tem para usufruir o bem que vem mantendo na sua esfera patrimonial. Nessa linha é fácil concluir que o autor com razão é prejudicado pelo tempo da justiça na mesma medida em que o réu sem razão é por ela beneficiado. Vistas as coisas através desse ângulo, fica muito claro o valor que o tempo possui diante desses conflitos.”[9]
Importante é deixar assentado que o devido processo legal é um direito à um processo efetivo, que satisfaça o direito material almejado. Uma vez vedada a autotutela, o Estado chama para si a responsabilidade não somente de declarar o direito no caso concreto, afastando a situação de incerteza, mas também lhe é imposto o dever de efetivar este direito, dando-lhe concretude fática, através de um devido processo legal sem dilações indevidas. Constitui verdadeiro direito fundamental a efetividade do processo.
Para Cândido Rangel Dinamarco:
“a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade.”[10]
Com efeito, o processo não pode ser visto como “negócio de família” e não fica exclusivamente nas mãos das partes o seu desenvolvimento até a efetiva prestação jurisdicional. A jurisdição deve cumprir sua função, o processo deve se desenvolver de forma útil e em tempo razoável, dilações indevidas e procrastinatórias não são admissíveis, de forma que o magistrado, tendo a presidência do processo, tem o dever de zelar pelo seu bom andamento para que atinja seu objetivo, que é a distribuição da justiça e não o mero atendimento de interesses privados.
Neste diapasão, a ausência de pedido do autor não pode servir de óbice para que se confira efetividade ao processo quando se verifica incontestavelmente que o réu vale-se de defesa protelatória ou abusa de seu direito de defesa.
A lealdade, boa-fé, cooperação das partes são deveres que se impõe, tuteláveis de ofício pelo juiz. Tanto é verdade que o art. 14, do CPC, dita que é dever da parte não alegar defesa destituída de fundamento, expor os fatos conforme a verdade, não produzir provas nem praticar atos desnecessários à solução da lide etc., sob pena de configurar-se ato atentatório ao próprio exercício da jurisdição.
A má-fé processual possui um desvalor assente no ordenamento jurídico. Ao juiz incumbe zelar pela rápida solução do litígio e reprimir atos contrários à dignidade da Justiça, sem que a ausência de provocação das partes possa o impedir de assim proceder.
Busquemos no contexto sistemático do ordenamento a justificativa para a atuação do juiz se faça independentemente de provocação das partes.
O ordenamento jurídico permite que o magistrado indefira as provas protelatórias (art. 130, CPC), assim como atribui a ele o poder de aplicar sanções ao litigante de má-fé, sanções estas aplicáveis de ofício, conforme art. 18, CPC, que dita que o juiz ou tribunal, de ofício, pode condenar o litigante de má-fé a pagar multa. Mesma interpretação deve ter o parágrafo único do art. 14, que permite a aplicação de ofício das sanções nele previstas. Outrossim, o art. 125, do CPC, incumbe o juiz de velar pela rápida solução do litígio. O art. 5º, inciso LXXVIII, CF/88, traz o direito à uma razoável duração do processo, o que não se compatibiliza com defesas protelatórias abusivas, pois o processo que tem duração razoável é aquele em que não se prolonga em virtude de procrastinações deliberadamente causadas pelo réu.
Portanto, a antecipação de tutela prevista no inciso II, do art. 273, do CPC, pode ser deferida de ofício se presentes seus requisitos, tendo em vista que o magistrado deve efetivar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e, ainda, zelar pelo cumprimento dos deveres das partes, dentre os quais, o de agir com lealdade e boa-fé, com escopo de se obter uma rápida solução do litígio dentro de uma razoável duração do processo.
O processo não é um mero negócio privado, possui escopo social, e o juiz de ofício pode zelar pelo seu bom andamento. As atitudes protelatórias e abusivas do réu, que age de má-fé, podem ser conhecidas de ofício pelo magistrado, o qual pode se valer da antecipação de tutela prevista no inciso II, do art. 273, do CPC.
4. Conclusão
Pelo exposto, concluímos ser possível a concessão de ofício pelo magistrado da antecipação de tutela punitiva, prevista no art. 273, II, do CPC, uma vez que
Ressaltamos nossa opinião de que o magistrado, vislumbrando a hipótese do art. 273, II, do CPC, poderia intimar o autor para que se manifeste a respeito, uma vez que, em última análise, quem se beneficiará disto será ele, que terá abreviado o tempo para fruição do bem da vida que justifica o seu ingresso em juízo. Com isto, afastam-se problemas que se como a responsabilidade objetiva ou ofensa ao princípio dispositivo ou da demanda.
Entretanto, tal não se impõe como dever indeclinável, não podendo servir de óbice para o magistrado, pois não pode se pretender que o juiz seja obrigado a dar andamento a defesas protelatórias, não se pode pretender que o juiz seja obrigado à impulsionar o feito rumo à instrução tomando por base apenas uma defesa abusiva que de antemão se sabe que não irá prosperar, não se pode pretender que o juiz seja obrigado a aceitar o prolongamento do processo e a prática de atos processuais desprovidos de razão que lhe possa influenciar o convencimento, em suma, é inadmissível deixar o juiz nas mãos das partes, assistindo como mero expectador um desenrolar processual em que o réu procrastina o feito utilizando-se abusivamente de seu direito de defesa.
Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Pós-graduando (lato sensu) em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.
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