Resumo: O presente trabalho monográfico tem por escopo fazer um estudo aprofundado acerca da efetivação do direito à ação nos Juizados Especiais Cíveis, instituídos por intermédio da Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, atentando-se, especialmente, ao princípio consagrado na Constituição Federal de 1998 do due process of law. Uma das maiores reclamações da população com referência ao Poder Judiciário, se não for a mais relevante delas, é a morosidade de nossos Tribunais. Tendo em vista que a solução rápida dos conflitos de interesses é um dos paradigmas do brocardo do devido processo legal, cumpre analisar se com o advento da Lei n. 10.259, tal máxima está sendo atendida, já que foi este um dos principais desideratos do legislador.
Palavras-chave: Direito; ação, Justiça; celeridade; efetividade; Juizados Especiais Cíveis Federais; Lei n. 9.099/95; Lei n. 10.269/2001.
Abstract: This monograph aims at making a detailed study about the realization of the right to action in Small Claims Courts, established through Law No. 10 259 of July 12, 2001, observing in particular the principle enshrined in the Constitution 1998 of the due process of law. One of the biggest complaints from the population with respect to the judiciary, if not the most important of them is the length of our Courts. Considering that the rapid solution of conflicts of interests is one of the paradigms of the maxim of due process, we must look with the advent of Law 10 259, this maximum is met, since this was one of the main wishes of the legislature.
Key words: Law; action, Justice expeditiously; effectiveness; Small Claims Courts Federal, Law No. 9.099/95, Law n. 10.269/2001.
Sumário: Introdução. 1. Os dispositivos da lei n. 10.259/2001. 1.1 Breves considerações sobre a Lei n. 10.259/2001.1.2 Competência.1.3 Legitimidade. 1.4 Prazos. 1.5 Execução. 1.6 Conciliação. 1.7 Prova pericial e Ônus da Prova para os Entes Públicos. 1.8 Recursos. 2. Dos brocardos da efetividade e da celeridade processuais e da tempestividade da tutela jurisdicional. 2.1 O princípio do devido processo legal em face da garantia constitucional do acesso à Justiça pela população. 2.2 O princípio da tempestividade da tutela jurisdicional. 2.3. A demora na prestação jurisdicional como denegação de justiça. 3. O papel da lei n. 10.259/2001 dentro da problemática do direito do acesso à justiça. 3.1 O papel da Lei n. 10.259/2001 dentro da problemática da asseguração do direito do acesso à Justiça pela população. 3.2 Sugestões. Conclusão. Referências.
Introdução
A ação ocupa hoje, de um modo geral, o centro da Teoria do Processo, especialmente na seara civil. Embalados pela doutrina alemã da segunda metade do século XIX, os processualistas modernos deram enorme relevância ao problema da ação e do seu exercício. E tal questão encontra-se intrinsecamente vinculada à problemática do acesso ao Poder Judiciário pela população, presente praticamente em todos os Estados espalhados pelo globo terrestre, sendo que, no Brasil, referida constatação toma contornos extremamente dilargados.
O brocardo do due process of law que, por sua vez, engloba a máxima da efetividade da prestação da tutela jurisdicional, idealizado no Estado Democrático de Direito, apesar de ter sido recepcionado pelo ordenamento jurídico de várias nações em grau de subdesenvolvimento, sendo que algumas destas ainda têm laços estreitos com sua história ditatorial, ainda não conseguiu obter uma plenitude na forma com que é levado para o corpo social. Falando especificamente da República Federativa do Brasil, a maior reclamação por parte do jurisdicionado com referência à Função Jurisdicional é a demora com que as lides são decididas, o que acaba, sobremaneira, comprometendo, a incolumidade dos princípios acima mencionados e, por via transversa, a própria democracia.
Ante tal situação, veio a lume, inicialmente, a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que cuidou dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais. Após, em 12 de julho de 2001, editou-se a Lei n. 10.259/2001, responsável pela criação e estruturação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais. O escopo do legislador ao formular estes instrumentos normativos foi tentar dar maior celeridade ao andamento das ações ajuizadas, desde que sujeitas à jurisdição de tais células jurisdicionais. O presente trabalho monográfico procurará, sem ter a ilusão de querer esgotar o tema, até porque há muitas opiniões, de todos os matizes imagináveis, provenientes das mais respeitadas vozes dos meios doutrinário e jurisprudencial do País, verificar se a aplicação da Lei n. 10.259/2001 está alcançando os desideratos traçados pelo Poder legiferante, especialmente no que atine aos brocardos do direito à ação, do devido processo legal, da celeridade processual e da tempestividade da tutela jurisdicional.
1 A lei n. 10.259/2001 perante os princípios da efetividade e da celeridade processuais
1.Breves considerações sobre a Lei n. 10.259/2001
Com o objetivo de abrir novos caminhos para a solução dos conflitos e ampliar o acesso à Justiça, a Constituição Federal em seu artigo 98, I, tornou obrigatória a criação de “juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.
O parágrafo único do mesmo artigo, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 22/99, atribuiu à Lei Federal a competência para dispor sobre a criação de Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal.
Três opções político-legislativas seriam cabíveis para a regulamentação dos Juizados Especiais Federais: a) criação de um microssistema específico e amplo, isto é, versando a respeito das normas de direito instrumental de ordem criminal e civil que se fizessem mister, a exemplo do que se verificou com a Lei n. 9.099/95; b) a simples regulamentação dos Juizados Especiais Federais, por meio de um novo Capítulo III a ser criado na própria Lei n.9.099/95 para este fim específico; c) implementação de um microssistema específico de caráter processual e procedimental normativo restrito, com aplicação subsidiária da Lei n. 9.099/95, naquilo que lhe fosse aplicável.
Fez-se a opção legislativa, desde a fase de anteprojeto de lei, pela terceira forma aludida, qual seja, aquela preconizada no Projeto de Lei n. 3.999-A de 2001 (Poder Executivo), que se transformou na atual Lei n. 10.259/2001, delineando-se um sistema específico bastante específico e delimitado para os Juizados Especiais Federais, a ser regido por normas próprias, contudo, com aplicação subsidiária da Lei n. 9.099/95.
A criação dos Juizados Especiais Federais é “uma solução diversa da justiça tradicional, feita nos moldes do Código de Processo Civil, ainda apegada ao formalismo, e sobretudo, uma excelente oportunidade para democratizarmos o processo, tratando as partes paritariamente, sem qualquer privilégio para os entes federais”[1].
Como o advento da Lei n. 10.259/2001, houve a criação de um verdadeiro “procedimento especial”, valorizando os critérios da informalidade, oralidade, simplicidade, celeridade e economia processual, tendo com finalidade primordial a conciliação entre as partes e a transação penal, apesar de que alguns estudiosos têm o entendimento de que o mencionado diploma legal não teria inovado, mas apenas aprimorado a sistemática tratada pela Lei n. 9.099/95.
É lícito ainda asseverar que com o surgimento da Lei dos Juizados Especiais Federais não houve uma mera deslocação de competência, tendo em vista que o legislador, responsável pela edição do ato normativo, estava imbuído de ideias que visavam à rápida solução dos litígios levados à apreciação pelo Poder Judiciário a nível federal, como aconteceu em 1999 com a entrada em vigor da Lei dos Juizados Especiais Estaduais.
O primeiro aspecto, presente no procedimento previsto nas Leis n. 9.099/95 e 10.259/2001, que merece destaque é que os institutos da conciliação e da transação, que mereceram notável valorização pelos mencionados atos normativos, proporcionam a extinção da lide processual, de forma total ou parcial, por meio de uma sentença de mérito (art. 22, parágrafo único, da Lei 9.099/95 c/c o art. 269, III, do CPC), sem que dele resultem vencedores ou perdedores. Por conseguinte, não há qualquer espécie de sucumbência, o que, por si só, propicia às partes um sentimento de satisfação.
Não há como negar que o surgimento do referido diploma legal foi um avanço que merece aplausos por parte de toda a sociedade. A tramitação mais célere das ações, através de um procedimento mais expedito, que objetiva mitigar a lentidão inerente do rito comum, permitindo uma agilização dos processos de menor expressão econômica e complexidade técnica, foi uma grande vitória para o grupamento social. O vencedor da lide fica mais satisfeito ao saber que obterá o direito reconhecido na sentença transitada em julgado em um espaço de tempo mais curto, não dependendo da expedição e posterior execução dos burocráticos precatórios judiciais.
Não bastasse isso, aproximou a população menos favorecida economicamente do Poder Judiciário, fomentando o acesso à Justiça, além de desonerar as instâncias superiores de uma infinidade de recursos. Neste diapasão, impende destacar que dependendo da complexidade da causa, o autor não necessitará da intervenção de um advogado, o que facilita, o acesso à Justiça, tendo em vista a desproporção existente entre os valores dos honorários advocatícios e os dos salários da maioria dos integrantes da população.
Segundo Tourinho Neto e Figueira Júnior[2]:
“Essa nova forma de prestar jurisdição significa antes de tudo um avanço legislativo de origem eminentemente constitucional, que vem dar guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente aos da população menos abastada, de uma justiça apta a proporcionar uma prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura, capaz de levar à liberação da indesejável litigiosidade contida e, o que é talvez mais importante em sede federal, a prestação de tutela jurisdicional de maneira informal e muito mais célere e verdadeiramente efetiva (v.g., as novas técnicas de execução – arts. 16 e 17). Em última análise, trata-se de mecanismo hábil de ampliação do acesso à ordem jurídica justa.”
A teor de tais inovações, nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes[3], os Juizados Especiais Federais:
“Representam transcendental contribuição para a superação da denominada crise do Poder Judiciário. (…) Ao facilitar e ampliar o acesso à Justiça Federal, a nova lei fortalece a cidadania, ao mesmo tempo em que permite desonerar as vias ordinárias da Justiça de um sem-número de processos.(…) Contribui, assim, de maneira decisiva para desafogar a Justiça Federal ordinária de primeiro e segundo graus, bem como os Tribunais de Superiores, em benefício sobretudo dos cidadãos de renda mais baixa, para os quais o acesso à Justiça via-se virtualmente bloqueado, seja em razão dos custos envolvidos, seja em decorrência da própria morosidade no andamento dos processos.”
1.1 Competência
Esta foi a forma como foi disciplinada a competência dos Juizados Especiais Cíveis Federais:
“Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
§ 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:
I – referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;
II – sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;
III – para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;
IV – que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.
§ 2o Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3o, caput.
§ 3o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta[4]”.
Antes de mais nada, cumpre salientar que a Lei n. 10.259/2001 estabeleceu que a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta (cânon 3º, § 3º), sendo que, na seara cível, as causas de valor até sessenta salários mínimos serão obrigatoriamente submetidas aos Juizados, onde houver, salvo se tais causas enquadrarem-se no rol de exceções previsto no artigo 3º, §1º, do mesmo diploma legal. Neste átimo, destaque-se que se o valor da causa for superior ao montante de sessenta salários mínimos e o autor optar pela via do Juizado, automaticamente, estará abrindo mão daquele valor que superar o referido limite. Contrariamente ao procedimento dos Juizados Especiais Estaduais, previsto na Lei n. 9.099/95, a competência, em sendo absoluta, não dá ao autor a escolha pelo procedimento ordinário, no caso do valor dado à causa for inferior ou igual a sessenta salários mínimos.
A Lei n. 10.259/2001 prevê, em seu preceito 4º, que os juízes terão a faculdade de conceder medidas cautelares, de ofício ou a requerimento das partes, no curso do processo, com o escopo de evitar a ocorrência de danos irreparáveis a qualquer um dos contendores. Aqui, vislumbra-se que o objetivo primordial da Lei dos Juizados Especiais Cíveis, seja de ordem federal ou estadual, foi o de propiciar a rapidez na prestação jurisdicional.
Importante, ainda, aplaudir a inovação trazida na Lei n. 10.259/2001 no que atine à possibilidade da criação de Juizados Especiais com competência exclusiva em matéria previdenciária. Estatísticas comprovam que a maior parte das ações aforadas nos Juizados Especiais Cíveis Federais é em face do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social. Daí, especializando juizados nesta seara, a probabilidade de que os julgamentos sejam dados em menor tempo é muito maior. Basta adotar como exemplo a Justiça Trabalhista. Como o magistrado e os servidores analisarão questões de uma única ordem, qual seja, previdenciária, poderão dar maior celeridade ao andamento dos processos.
A Lei dos Juizados Especiais Federais, em seu artigo 3º, § 1º, excluiu expressamente da competência dos Juizados as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; a disputa sobre direitos indígenas; as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, ações populares, execuções fiscais, ações relativas à improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais; para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal; que tenham como objeto à impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.
Por fim, saliente-se que existe disposição expressa na Lei n. 10.259/2001 (art. 1º), autorizando a aplicação subsidiária aos Juizados Especiais Federais da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Estaduais). Só no caso em que o último diploma legal não trouxer regra expressa acerca de uma questão particular, é que é de se recorrer ao Código de Processo Civil.
1.2 Legitimidade
Segundo o preceito 6º da Lei n. 10.259/2001, legitimados ativos são as pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte, ao passo que no lado réu do feito, podem figurar a União, suas autarquias, fundações e empresas públicas federais. Inclusive, Carreira Alvim[5] assinala que:
“todos sabemos que os grandes responsáveis pelo acúmulo de demandas na justiça são exatamente estes entes, por conta da recalcitrância dos poderes públicos em cumprir a lei neste País. (…) Enquanto a própria Administração Pública e seus agentes, de forma reiteradamente irresponsável, utilizarem a Justiça para não cumprir a lei, e, sobretudo para utilizar esse famigerado precatório – que nem depois de ter dado as conseqüências que deu no Sul, foi extirpado do ordenamento jurídico – para pagar suas dívidas judiciais não teremos Justiça rápida neste País”.
1.3 Prazos
A Lei n. 10.259/2001 suprimiu dos entes federais o benefício dos prazos diferenciados em dobro (para recorrer) e em quádruplo (para se defender), passando a assumir posição de igualdade perante os demais litigantes. Porém, a citação para a audiência de conciliação deve ser feita às pessoas jurídicas de direito público com antecedência mínima de trinta dias (art. 9º), deixando à Fazenda um prazo razoável para preparar a peça de defesa, se for o caso.
Sem querer adentrar na contenda existente na jurisprudência e na doutrina sobre a legalidade ou não dos benefícios de prazo que são ofertados pela Lei Processual Civil às pessoas jurídicas de direito público para apresentar defesa e recursos, relevante dizer que se por um lado é patente a deficiência do quadro de procuradores da União, os objetivos do legislador ao editar a Lei n. 10.259/2001, quais sejam, celeridade processual e efetividade do acesso à Justiça, não podem ser ignorados. Portanto, notamos que existem dois interesses públicos em conflito: a defesa dos interesses do Estado, o que, indiretamente, constitui na preservação do querer dos cidadãos; a necessidade de dar prevalência ao princípio do rápido e efetivo acesso ao Poder Judiciário pela coletividade.
Da mesma forma, prevê que as comunicações dos atos processuais serão feitas na forma da Lei Complementar n. 73/93, realizadas na pessoa do representante máximo da entidade, no local onde proposta a causa (art. 7º, parágrafo único). Da sentença, as partes serão intimadas na audiência ou através de aviso de recebimento em mão própria (art. 8º).
1.4. A execução
O procedimento executivo, nos Juizados Especiais Federais, não se constitui de um processo autônomo (art. 17 e parágrafos), vez que, após o trânsito em julgado da decisão, haverá requisição de pagamento expedida pelo juiz, sob pena de seqüestro dos bens, caso não seja efetuada a devida quitação. Quando se referir a obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa certa, a execução proceder-se-á mediante ofício do magistrado à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença, na forma do artigo 16 da Lei n. 10.259/01. No que pertine à execução de pagar quantia certa, dentro do limite de 60 salários mínimos, será efetuada na forma do cânon 17, por ordem do juiz, no prazo de sessenta dias da requisição à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, sob pena de seqüestro do valor suficiente para cumprimento da decisão.
Pode-se perceber pelas determinações da nova lei, a concretização da atual tendência do processo civil em substituir a execução tradicional, como processo autônomo, pelas chamadas sentenças mandamentais, mais céleres e eficientes. Nada mais lógico, tendo em vista que a adoção desta sistemática nos Juizados Especiais contribui, e muito, para a consecução dos princípios do acesso à Justiça e da celeridade processual.
A eliminação da necessidade dos precatórios judiciais para cumprimento da sentença foi outra salutar contribuição da Lei n. 10.259/2001. Do que adiantaria ter um processo de conhecimento ágil e eficaz se, em contrapartida, tivéssemos uma execução lenta, burocrática e contraproducente? Estatísticas comprovam que cerca de 81,48% dos precatórios devidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e 83,12% dos devidos pela União possuem valor inferior ou igual a 60 salários mínimos[6].
Por outro lado, a Lei n. 10.259/2001 oportunizou ao autor a faculdade de renunciar ao valor excedente a sessenta salários mínimos a fim de receber mais rapidamente o seu crédito. Aliás, importante asseverar que existia certa divergência se o autor precisaria fazer constar na petição inicial o pedido expresso de renúncia ao montante que superasse os sessenta salários mínimos.
Mas, por intermédio do julgamento no Pedido de Uniformização de Jurisprudência de processo originário da Seção Judiciária de Sergipe (autos n. 2002.85.10.000594-0-SE, em relação à decisão proferida pela Turma Recursal do Juizado Especial daquele Estado) pela Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, em 16 de fevereiro de 2004, ficou decidido que quem ingressa com ação nos Juizados Especiais Federais, em que valor da causa ultrapasse o limite de sessenta salários mínimos, deverá manifestar, de forma expressa, na peça exordial, a renúncia ao montante excedente[7]. No caso concreto, a autora, querendo obter seu direito de forma mais rápida, por meio do rito do Juizado Especial Federal, resolveu entrar com uma ação que excedia o valor estipulado pela lei. O juiz de primeiro grau extinguiu o processo sob o fundamento de que as causas que excedem 60 salários não poderiam ser processadas nos Juizados Especiais Federais, pois haveria incompetência absoluta; a possibilidade de renúncia se daria exclusivamente na fase da execução. A autora recorreu da sentença na Turma Recursal de Sergipe, mas o colegiado rejeitou o recurso. Ela entrou com um Pedido de Uniformização de Jurisprudência junto à Turma Nacional, demonstrando a divergência entre os acórdãos da Turma Recursal de Sergipe e Roraima. Na primeira, havia o entendimento da impossibilidade de renúncia tácita ao valor excedente a 60 salários mínimos. Já a Turma do Juizado Especial de Roraima tem posição de que, quando o valor da causa ultrapassa essa quantia, ocorre a desistência do crédito excedente, não sendo o Juizado Especial Federal incompetente para o processo e julgamento do processo. O relator do pedido de uniformização, Juiz Ourem Campos, afirmou que "esta decisão é um benefício para os menos favorecidos". Mais: "A pessoa mais pobre precisa também ter o direito de saber o quanto está abrindo mão no processo; se vale a pena optar pelo Juizado Especial Federal ou pelo rito da Justiça comum"[8]. |
1.5 Conciliação
Inegavelmente, essa é uma das maiores contribuições das Leis n.s 9.099/95 e 10.159/2001 para a rápida solução das contendas. Apesar do problema ter sido minorado, ainda nos deparamos com a prática costumeira que os entes públicos, recalcitrantes em reconhecer direitos dos administrados, adotam a fim de postergar o julgamento nas ações, como a interposição de inúmeros recursos de caráter meramente protelatórios. Não bastasse isso, usam a Teoria da Indisponibilidade do Interesse Público como um verdadeiro escudo, impossibilitando, na maior parte dos casos a possibilidade de transação. E mais grave do que isso é constatar que mesmo tendo o ente público sucumbido em outra ação com sentença transitada em julgado em caso similar, a procuradoria insiste em criar obstáculos à marcha processual.
A indisponibilidade do interesse público não pode ser compreendida como a proibição total e absoluta de transação, mas apenas a vedação de realização daquelas que sejam manifestamente desvantajosas para o Poder Público. O representante da Administração Pública pode e deve realizar a conciliação naquelas hipóteses em que a formulação de um acordo é a medida mais sensata a ser tomada. Anote-se que “um acordo pode ser extremamente útil para a coletividade, caso em que, impedi-lo é que vulnera o interesse público”[9].
Sem embargo disso, nota-se que na maioria das vezes, os procuradores até querem conciliar, por entenderem que será interessante para o Ente Público, mas recusam-se a fazê-la por não possuir poderes e por temer possível responsabilização. Assim, afigura-se necessária a revisão por parte da Administração Pública da sua conduta, sob pena de violação do espírito da Lei n. 10.259/2001.
1.6 Prova pericial e Ônus da Prova para os Entes Públicos
O artigo 11 da Lei n. 10.259/2001 prevê que as pessoas jurídicas de direito público, quando demandadas, deverão apresentar as provas que contribuam para o esclarecimento da causa até a audiência de conciliação.
As provas periciais nos Juizados Especiais Federais receberam tratamento privilegiado e inovador. Se o juiz da causa constatar a necessidade de exame técnico, determinará que se proceda a perícia independentemente de intimação das partes litigantes. Após a realização do exame, o perito apresentará laudo em até cinco dias antes da audiência, correndo por conta de dotação orçamentária do respectivo Tribunal os honorários do técnico, que serão pagos por antecipação. Não obstante, quando for vencida na causa a entidade pública federal, o valor dos honorários do técnico retornará ao Tribunal, sendo incluído na ordem de pagamento.
Se, entretanto, a causa for de natureza previdenciária ou assistencial, determina o citado diploma legal que as partes devam ser intimadas para apresentar quesitos e indicar assistentes no prazo de dez dias.
1.7 Recursos
Objetivando a agilização, com o procedimento previsto na lei dos Juizados Especiais Federais, restou eliminado o instituto do reexame necessário. Tal medida acarreta grande avanço no que pertine à celeridade da tutela jurisdicional. É que, como é sabido, os entes públicos são os grandes responsáveis pelo volume excessivo de processos e recursos, mormente os que são levados de ofício às instâncias superiores. Um bom exemplo, são as inúmeras lides surgidas a partir da edição de leis inconstitucionais, bem como a realização de sucessivos planos econômicos elaborados pelo Governo.
Embora o número de recursos e a remessa obrigatória tenham sido limitados, caberá apelação ou recurso inominado para as Turmas Recursais, bem como pedido de Uniformização de Jurisprudência e Recurso Extraordinário, estes últimos disciplinados nos artigos 14 e 15 da referida legislação federal e nos Regimentos dos Tribunais Regionais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
2 Dos brocardos da efetividade e da celeridade processuais e da tempestividade da tutela jurisdicional
2.1 O devido processo legal
O due process of law (devido processo legal) é, na verdade, um conceito extremamente genérico, enfeixando vários outros direitas e garantias, a saber: a) acesso à Justiça; b) juiz natural; c) tratamento paritário dos sujeitos parciais da relação processual estabelecida; d) plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) publicidade dos atos processuais; f) motivação das decisões jurisdicionais.
Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci assim dissertam acerca do princípio do due process of law:
“Trata-se esta – em vernáculo devido processo legal, e como explicitado na já referida monografia Constituição de 1988 e Processo… – de difundida locução mediante a qual se determina a imperiosidade, num proclamado Estado de Direito, de:
a)elaboração regular e correta da lei, bem como sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process of law, segundo o desdobramento da concepção norte-americana);
b)aplicação judicial das normas jurídicas (não só da lei, como tal própria e estritamente concebida, mas, por igual, de toda e qualquer forma de expressão do direito), através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, o que é o “processo” (judicial process); e,
c)assecuração, neste, de paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial”[10].
Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci expõem da seguinte forma:
“O processo, como é curial, presta-se à concreção do direito à jurisdição, sendo que seu desenrolar, com estrita observância dos regramentos ínsitos ao denominado due process of law, importa a possibilidade de inarredável tutela de direito subjetivo material objeto de reconhecimento, satisfação ou assecuração, em Juízo”[11].
E continuam:
“Não basta, pois, que se tenha direito ao processo, delineando-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo), com a verificação efetiva de todas as garantias asseguradas ao usuário da justiça, num breve prazo de tempo, para o atingimento do escopo que lhe é destinado”[12].
O cidadão tem direito a uma justiça rápida e eficiente. Disse Rui Barbosa: “as declarações constitucionais de direitos” “atuam ipso jure, pelo mero fato da sua existência nas Constituições onde se consignam”, porque “a declaração de um direito individual pela Constituição do Estado importa na imediata aquisição do direito assegurado e na proibição geral, aos particulares e às autoridades públicas, de o violarem”[13].
Logo, proclama que todos devem ter acesso à Justiça. Daí, dizerem Capelletti e Garth:
“O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado com o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”[14].
A garantia constitucional do devido processo legal deve ser atendida em todas as fases do processo, a fim de que outros direitos e prerrogativas não sejam violados, sendo que o direito à uma rápida prestação jurisdicional é um destes valores que devem ser protegidos.
2.2 O princípio da tempestividade da tutela jurisdicional
O direto ao acesso à Justiça está insculpido no preceptivo 5º, XXXV, da Lei Maior e, sem sombra de dúvidas, é um dos principais alicerces do Estado Democrático de Direito. Entretanto, o que percebemos é que faltam instrumentos processuais no ordenamento jurídico pátrio a fim de dar efetividade a tal garantia constitucional.
Com certeza, a maior reclamação do jurisdicionado com relação ao Poder Judiciário, especialmente no Brasil, relaciona-se à mora na entrega do pronunciamento jurisdicional final. Como já diz o ditado, “justiça tardia é denegação de justiça”.
Apesar de fazer parte do conceito de processo a ideia de que o mesmo é um conjunto coordenado de vários atos que tem por escopo final a resolução do conflito de interesses (lide), impende destacar que o processo só é eficaz quando a resposta do Poder Judiciário ao caso sub judice é dada no menor tempo possível. Tal questão encontra-se vinculada à própria soberania estatal, tendo em vista que o Estado tomou para si o monopólio da atividade julgadora, impedindo, dessa forma, a aplicação da vingança privada no corpo social, em que cada indivíduo se encontraria autorizado a fazer justiça com as próprias mãos, de acordo, por exemplo, com a Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”).
Ademais, lembremos que a demora no deslinde das contendas fere, sobremaneira, o princípio da segurança jurídica, já que cria, de forma indevida, expectativas enganosas no íntimo do jurisdicionado. O particular acaba se tornando um ferrenho crítico da máquina judiciária ao perceber, por exemplo, que o seu direito foi reconhecido no julgamento de outras ações, mas o andamento da sua não prospera.
Daí vislumbra-se a necessidade de se coadunar o princípio da segurança jurídica ao brocardo da efetividade do processo que, em princípio, seriam opostos. Ao passo que o primeiro postulado denota a ideia de que é imprescindível um lapso temporal razoável para a tramitação do processo, impedindo-se assim, a adoção de condutas temerárias, o segundo relaciona-se ao fato de que o andamento do processo não pode se perpetuar no tempo, não devendo durar mais do que o imprescindível.
Com a aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004 (Reforma do Judiciário), acrescentou-se o inciso LXXXVIII ao art. 5º: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
Inseriu-se, portanto, no texto constitucional, o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional ou da razoável duração do processo, que, entretanto, já estava positivado no ordenamento jurídico brasileiro em razão do art. 8º, 1, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de direitos Humanos), ratificado pelo Brasil em 1992. A Emenda Constitucional n. 45/04, portanto, simplesmente elevou tal princípio ao patamar de garantia constitucional.
Por meio dele se assegura a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas – o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo legal.
A Constituição brasileira, é bom que se frise, não garantiu um processo rápido, ela consigna apenas a duração do processo será razoável. Carnelutti dizia em sua obra Direito e Processo que “o tempo pode ser comparado a um inimigo contra o qual o juiz luta sem descanso”.
Portanto, o tempo é o inimigo do processo. Quanto mais demorar pior será para o processo. Já em outra obra de sua autoria, A Prova Civil, Carnelutti disse que “O tempo é o pai da verdade”. O juiz para julgar bem precisa saber como os fatos ocorreram de verdade e, para isso, é necessário produzir prova, tem que ter debate sobre a prova, tem que valorar a prova. O juiz tem que amadurecer as suas ideias e formar seu convencimento e isso leva tempo. Só que o tempo é inimigo do processo, por isso, se busca o equilíbrio. O processo tem que demorar o tempo necessário para produzir o resultado justo, mas não pode demorar mais que isso.
Assim, é evidente que se uma determinada questão envolve, por exemplo, a apuração de crimes de natureza fiscal ou econômica, a prova pericial a ser produzida poderá demandar muitas diligências que justificarão duração bem mais prolongada de fase instrutória. Por outro lado, não poderão ser taxadas de indevidas as dilações proporcionadas pela atuação dolosa da defesa, que, em algumas ocasiões, dá azo a incidentes processuais totalmente impertinentes e irrelevantes.
E, ademais, é necessário que a demora, para ser reputada inaceitável, decorra da inércia, pura e simples, do órgão jurisdicional encarregado de dirigir as diversas etapas do processo. É claro que a pletora de causas, o excesso de trabalho, não pode ser considerado, nesse particular, justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional.
Assim, torna-se legítima a punição de todas as condutas (comissivas e omissivas) que tenham por propósito protelar o resultado final do processo, Assim, por exemplo, decorre do princípio a possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional satisfativa como sanção contra o réu que abusa do direito de defesa (art. 273, II, do CPC); bem como ficam constitucionalmente legitimadas as sanções contra a litigância de má-fé (art.17, CPC) e a responsabilidade civil do juiz que injustificadamente retarda a prática de um ato que deveria praticar (art. 133, II, CPC).
Na Europa Ocidental, já houve condenações em indenização por danos morais por parte da Corte Européia dos Direitos Humanos a nações que não cumpriam a regra da aceleração processual (Beschleunigungs-prinzip) ou o direito ao processo sem dilações indevidas, sendo que o artigo 6º, 1, da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datada de 04 de novembro de 1950, assim prescreveu:
“Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um Tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.”
O advento do referido diploma legal estatuiu que o direito ao processo sem dilações indevidas é um direito subjetivo, de caráter autônomo, sendo que a expressão “dilações indevidas” é entendida como “os atrasos ou delongas que se produzem no processo por inobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas que separam a realização de um ato processual de outro, sem subordinação a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que aludidas dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários”[15].
A Constituição da Espanha, de 29 de dezembro de 1978 (art. 24, II – “todos têm direito ao juiz ordinário determinado previamente por lei, à defesa e à assistência de advogado, a ser informado da acusação contra si deduzida, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias…”), a Carta Canadense dos Direitos e Liberdades de 1982 (preceito 11, b – “toda pessoa demandada tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável”) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 (cânon 8º, I – “toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável…”) salvaguardaram o direito ao processo sem dilações indevidas.
2.3. A demora na prestação jurisdicional como denegação de justiça
Várias são as causas por que a Justiça só existe para “constar”, a começar por nossas faculdades de Direito, com um ensino altamente conservador, burocrático, amorfo, bolorento. A Justiça é explicada como sendo pura e exclusivamente o direito positivo. Ainda se ensina que o proprietário, tal como assegura o art. 524 do Código Civil, tem “o direito de usar, gozar e dispor de seus bens” como lhe aprouver; que o domínio se presume exclusive e ilimitado (art. 527 do mesmo Código).
Como verifica José Eduardo Faria:
“(…) o tom de aulas magistrais desconectadas de uma realidade tensa e dos problemas inéditos dela emergentes apenas permite aos futuros juízes adaptar-se à linguagem da autoridade instituída, por um lado impedindo o aluno de hoje (e o intérprete de amanhã) de refletir sobre a produção, função e condições sociais, econômicas, políticas e culturais de uma aplicação alternativa do direito positivo, e por outro, fazendo das salas de aula o que Graciliano Ramos, em suas memórias de infância, chama de ‘prisão’ (….)”[16].
Ensina-se que a Justiça não tem alma, que é uma coisa insensível, neutra. O juiz é mostrado como sendo um homem de um outro mundo, que não está integrado à sociedade. Ensina-se que a lei deve ser aplicada mecanicamente. E o jovem bacharel chega, depois, à magistratura certo de que o juiz é um semideus, se um deus não for. Não sabe, como disse o Min. Cordeiro Guerra, do Supremo Tribunal Federal, que:
“Julgar, por certo, não é um atributo divino, é um ato humano, que exige um claro entendimento, um reto proceder, acendrado amor ao trabalho, elevado respeito às leis e seguro senso de justiça. Se se exigem dos magistrados virtudes personalíssimas, o caráter, a renúncia e a coragem, o desprezo pela incompreensão freqüente, a serenidade diante do apodo e da malícia dos vencidos, por outro lado, à virtude própria se acrescenta a necessidade de um saber adquirido através dos tempos e constantemente atualizado”[17].
Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior continuam:
“As leis, de um modo geral, são confusas – talvez propositadamente -, mal elaboradas, incompreensíveis, prestando-se a inúmeras interpretações. E o direito, no fundo, é simples. Se as leis fossem mais inteligíveis, perceptíveis, compreensíveis, evidentemente, mais fácil seria ao homem do povo ir à Justiça, pois saberia quais os seus direitos.
O Governo não investe na Justiça. Observe-se que o Juizado Especial Federal foi criado sem a previsão de qualquer recurso orçamentário, nem humano, sem juiz e sem funcionários. A Justiça é algo, segundo sua compreensão, de somenos importância. Daí termos um amesquinhamento salarial tanto dos juízes como dos demais servidores. As instalações são acanhadas. Os equipamentos de informática, poucos. No plano federal, o maior interesse do Governo é que a Justiça realmente não funcione. Sim, os atos, as medidas ilegais e inconstitucionais que o chefe do Executivo edita em detrimento do povo são em número assustador. A Justiça, funcionando com rapidez e eficiência, não tardará a condenar o Governo”[18].
Mauro Cappelletti e Bryan Garth, analisando o acesso à Justiça nos séculos XVIII e XIX, dizem:
“Afastar a ‘pobreza no sentido legal’ – a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições – não era preocupação do Estado. A justiça, como outros bens, no sistema do laisser-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva”[19].
Sobre o assunto, disse Dalmo de Abreu Dallari:
“Essa atitude de apego exagerado às formalidades legais, sem preocupação com a justiça, é uma herança do positivismo jurídico desenvolvido no século dezenove e que, por sua vez, foi uma aplicação degenerada de um processo muito antigo, enunciado por Platão e desenvolvido por Aristóteles, segundo o qual “um governo de leis é melhor do que um governo de homens”. Quando as revoluções burguesas dos séculos dezessete e dezoito enterraram o absolutismo, trouxeram a bandeira do legalismo, que foi exaltada como a garantia da justiça contra o arbítrio. Na obra consagrada de Montesquieu, Do espírito das leis, está presente a ideia de que todos os seres humanos estão sujeitos a leis, que são expressões da razão. Há uma lei política e uma lei civil, não sendo admissível um relacionamento humano fora da lei”[20].
E o inc. LXXIV do art. 5º da nossa Constituição Federal proclama: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior argumentam que:
“Mas o que vemos são os defensores públicos ganhando mal e não se interessando, em sua maioria, pelas questões do pobre. Além disso, o número de defensores nos Estados é pequeno para a grande quantidade de causas, o que os leva a não poderem dedicar-se com afinco às que lhe são entregues. Conseqüentemente, o pobre não tem bons defensores. Fica em situação inferior àquele que tem uma boa situação econômica”[21].
Por falar em pobreza, José Renato Nalini chama a atenção para o seguinte:
“Num Estado como o Brasil, de muitos milhões de miseráveis, o juiz precisa refletir continuadamente se ele está sendo fator de resgate de seus semelhantes ou instrumento de mais intensamente afligir o aflito. Poderá ser um e outro, utilizando-se da mesma técnica de julgamento”[22].
É lamentável verificar que ainda para aqueles indivíduos tidos como não miseráveis, segundo o ordenamento jurídico pátrio, não tendo, por conseguinte, direito ao benefício da assistência judiciária, são coagidos a quitar valores astronômicos referentes às custas, o que, obviamente, dificulta, se não impede, o acesso à Justiça pelos mesmos.
Há doutrinadores que entendem que é incompatível com o direito fundamental do acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da Lei Maior) o comando do artigo 257 do CPC, que determina o cancelamento da causa em que não se fez o pagamento das custas[23].
Aloísio Surgik, fazendo uma reflexão crítica sobre o Judiciário, disse:
“É claro que o acúmulo de processos, o mau funcionamento e a paralisação da justiça não são obra do acaso, nem dos magistrados ou funcionários, mas têm outras causas, como o tecnicismo processual e, principalmente, a intrincada selva de leis, falsas leis muitas vezes, que proliferam abundantemente e se amontoam discricionariamente”[24].
Uma justiça demorada é causa, também, e forte, do difícil acesso do cidadão à prestação jurisdicional. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais diz isso expressamente no art. 6º, § 1.º:
“(…) a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível”[25].
Além do mais, infelizmente, a figura do advogado, nos dias de hoje, não é respeitada como deveria, apesar do fato de o causídico ser tido pela Constituição Federal de 1998 (cânon 133, caput) “indispensável à administração da justiça”. É que a divulgação pela mídia, seja de que ordem for (impressa, televisiva, Internet, etc), de práticas imorais ou até ilícitas, cometidas por procuradores, acabam desmoralizando-os. Não que os meios de comunicação estejam agindo mal ao divulgar tais fatos. Não está fazendo nada mais do que seu papel. É um problema que não pode ser, de forma alguma, ignorado. Primeiro, tem-se que as faculdades de Direito, em sua maioria, não formam bons bacharéis, já que a maioria destes não possui um conhecimento pelo menos razoável da lei. E isso porque todos as pessoas interessadas em obter a carteira de advogado precisam passar pelo Exame da Ordem. Avalie se esta prova de aptidão não existisse para avaliar a qualidade dos egressos dos bancos das faculdades de Direito de todo o País, ideia defendida por uma minoria. Seria o caos. Inúmeros integrantes da coletividade, com certeza, seriam prejudicados, como alguns já são atualmente.
Ademais, o Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, seja na ordem estadual ou federal, normalmente, não pune com rigor condutas tomadas pelos componentes de seus quadros. É de ressaltar também que foi criada uma cultura nefasta que prega que o bom advogado é aquele que conhece as brechas da lei, isto é, aquele profissional que tem o conhecimento das artimanhas que só têm um objetivo: burlar o ordenamento jurídico posto. Especialmente, nas áreas tributária e penal (os direitos de propriedade e de liberdade são os mais importantes para a sociedade em geral), os clientes acabam buscando causídicos que prometem fazer aquilo que não está de acordo com a lei.
Alfim, basta lembrar que muitos profissionais do meio advocatício demonstram muito egoísmo e ganância no momento de elaborar os famigerados contratos de honorários. Muitas das vezes, ignoram, por completo, a situação desesperadora por que passa o seu cliente, pensando tão-somente no lucro que irão obter. É uma verdadeira mercantilização do ofício, o que deveria ser coibido, de forma dura e intransigível, pela Ordem dos Advogados, especialmente naquelas hipóteses em que o advogado chega ao cúmulo de oferecer seus serviços em anúncios de jornal ou por intermédio de cartazes afixados em muros ou postes.
Todavia, impende salientar que problemas são verificados na aplicação da lei, o que é demonstrado pelo acúmulo de ações nas estantes dos Juizados Especiais espalhados por todo o território nacional, mesmo tendo a Lei n. 10.259/2001 menos de quatro anos de vigência. Uma célula jurisdicional, que havia sido criada para dar agilidade ao andamento das contendas instaladas, acabou se tornando mais um depósito de papéis, como qualquer vara, sendo que as audiências preliminares de conciliação estão, em alguns casos extremos, sendo marcadas um ano após a data da propositura da actio.
Lamentavelmente, o legislador pátrio não consegue acompanhar a dinâmica do fato social. Daí, nota-se uma enorme distância entre os anseios da população e o desiderato dos componentes do Poder legiferante. Entretanto, cumpre ressaltar que tal circunstância é verificada em todos os países espalhados pelo globo terrestre, já que é impossível passar para a lei, incontinenti, uma situação que surgiu dentro do seio social. Referida conduta só pode ser tomada após os devidos trâmites dentro da casa legislativa, o que, sem sombra de dúvida, leva tempo.
Infelizmente, a função jurisdicional no Brasil é falha em muitos aspectos. A título exemplificativo, podemos dizer que a legislação prevê um número infindável de recursos que impede a rápida solução dos litígios. Advogados inescrupulosos, que têm um conhecimento mais aprofundado de todas as espécies recursais, irá se utilizar de todas ou procurar brechas na lei, a fim de postergar, ao máximo, a formação da res judicata ou possibilitar a verificação de prescrição no caso sub judice.
Pedidos de reapreciação/reconsideração, excesso de formalidades, prazos muito dilatados, carência de profissionais habilitados nos quadros de pessoal dos tribunais e no meio advocatício, aliados à falta de recursos materiais e ao sucateamento da máquina estatal são outros fatores que também contribuem para a morosidade do Poder Judiciário. Conseqüentemente, notamos que nossa legislação processual se tornou inadequada às necessidades da sociedade moderna.
Hoje, imperam no meio social, a facilidade na troca de informações, especialmente por meio da Internet, o alto de volume de transações comerciais, algumas de enorme vulto, a queda de barreiras comerciais entre os países, a uniformização de linguagens, costumes e tradições. Tais questões precisam ser levadas em consideração no momento em que o legislador formula as leis. Mas devemos ir além. Não basta um arcabouço de leis materiais que se encontre em consonância com a realidade dos fatos que ocorrem no substrato social. Leis processuais devem, da mesma forma, estar em sintonia com o fato social. Ocorre, costumeiramente, de nos depararmos com a seguinte situação. Em virtude da ocorrência de um fato novo no meio social, a coletividade pugna pela elaboração de uma lei para regulá-lo. Daí, o Poder legiferante edita um ato normativo, muitas das vezes, de afogadilho, só para dar uma prestação para os cidadãos. Isto não é suficiente.
Do que adianta uma lei que regule materialmente uma hipótese se não temos um instrumento processual adequado para fazer valer o primeiro diploma legal? O novo Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406/2002) é um exemplo. Nasceu para substituir o defasado Código Beviláqua de 1916. Entretanto, o Código de Processo Civil, apesar de ainda ser relativamente jovem (1973), necessita de um amplo processo de modernizagem. Alías, é oportuno asseverar que as atualizações pontuais que estão sendo feitas no Estatuto Instrumental desde 1994 ajudam, mas, de maneira alguma, constituem na melhor forma de atualização da legislação existente. Quando o legislador opta pelas modificações em pontos específicos de uma lei processual, corre o grande risco de criar conflitos com artigos que não sofreram alteração. E há mais uma agravante: no Brasil, o indivíduo que assume um cargo do Poder Legislativo, normalmente, não possui conhecimento jurídico que o habilite a formular projetos de lei adequados, constitucionais, lógicos e de acordo com as teorias existentes no Direito. De igual modo, os integrantes do corpo de assessoramento dos edis, geralmente, não se encontram habilitados a idealizar atos normativos, pois não conhecem, de forma profunda, conceitos, justificativas e valores da ciência jurídica.
3 A lei n. 10.259/2001 perante os princípios da efetividade e da celeridade processuais
3.1.O papel da Lei n. 10.259/2001 dentro da problemática da asseguração do direito do acesso à Justiça pela população
Sem dúvida, a morosidade na prestação da tutela jurisdicional constitui-se no maior entrave para se alcançar a satisfação do jurisdicionado. Como restou patente neste trabalho, o crescente número de ações que são aforadas e a demora na entrega do pronunciamento jurisdicional final, com o devido trânsito em julgado, são os principais fatores que contribuem para a morosidade do Poder Judiciário do País.
Flávio Dino de Castro e Costa assim tratou do problema:
“(…) atuam principalmente as ‘lesões de massa’ – a crescente complexidade das sociedades contemporâneas e a grande intervenção do Estado no campo econômica aumentam a incidência dos casos em que um mesmo ato ilícito atinge, simultaneamente, direitos de milhares e milhares de pessoas – (v.g., ações de reparação de danos causados por planos econômicos) e fenômenos como recessão e desemprego, os quais acarretam mais processos trabalhistas, execuções propostas por bancos ou pela Fazenda Pública etc. No tocante ao segundo, além da permanente defasagem entre novas ações ajuizadas e processos arquivados, merecem menção a enorme cadeia de recursos processuais postos à disposição dos litigantes e as dificuldades que marcam a execução das sentenças no Brasil, especialmente contra o Erário”[26].
Entretanto, não resta dúvida que a Lei n. 10.259/2001 constitui-se em um fabuloso avanço na legislação pátria no sentido a assegurar aos destinatários da jurisdição um acesso mais facilitado ao Poder Judiciário e um procedimento mais conciso, lógico e célere, o que restou evidenciado ante as restrições aos recursos, a proibição de reexame necessário, a redução de demandas nas varas de competência comum e nos tribunais regionais federais, a igualdade formal absoluta entre as partes, a supressão dos privilégios da Fazenda Pública.
2.Sugestões
Contudo, cumpre notar que o problema da morosidade do Poder Judiciário – em particular a crise da Justiça Federal – não será resolvido com a simples edição da Lei n. 10.259/2001. Aproximadamente, nove anos já se passaram da data da entrada em vigor do mencionado ato normativo, mas inúmeros entraves à rápida solução das contendas nos Juizados Especiais Cíveis Federais ainda são encontrados. Infelizmente, no Brasil, há uma cultura de que a edição de uma lei, entendida em sentido lato, pode resolver todas as situações originadas no corpo social. Mas o que percebemos é que há um enorme distanciamento entre a letra fria da lei e a produção de resultados concretos, decorrentes de sua incidência, na sociedade.
Melhor do que a reforma do Poder Judiciário seria uma reforma infraconstitucional das leis processuais. Como observa José Renato Nalini:
“A reforma processual poderia auxiliar a consolidação de práticas propiciadoras de mais fácil ingresso à litigância institucionalizada. Sem a exclusão de outras, podem ser mencionadas as propostas de eliminação das custas, simplificação dos atos de comunicação, a otimização dos instrumentos da informática, a simplificação procedimental e a especialização jurisdicional”[27].
Ideia de Cappelletti e Garth é a criação de planos de convênio para serviços jurídicos, que funcionariam “como mecanismos através dos quais os indivíduos concorrem com algo semelhante a uma contribuição social ou um prêmio de seguro, para obterem, sem custos, ou com custos reduzidos, alguns serviços jurídicos predeterminados, quando surja a necessidade de utilizá-los”[28].
Para Tourinho Neto e Figueira Júnior:
“Um meio de facilitar a defesa dos interesses do cidadão seria aprimorar a representação dos interesses difusos, direitos coletivos e individuais homogêneos. Diminuir-se-ia o aspecto individualista do processo. Passaríamos a ter o processo mais como instrumento para a solução das questões coletivas, sociais. Aí, abrangeríamos os direitos dos consumidores, dos servidores, dos previdenciários, dos inquilinos, dos sem-tetos, dos sem-terras, etc”[29].
Segundo o seu entender, a valorização de ações coletivas poderia diminuir, substancialmente, o número de demandas que chegam às varas e aos tribunais de todo o País diariamente.
Neste átimo, é de bom alvitre realçar que os Juizados, seja de que ordem for, não são uma “justiça menor”, um minus na prestação da tutela jurisdicional ou uma solução alternativa discriminatória. Como afirma Tourinho Neto:
“Os Juizados Especiais não podem ser considerados uma justiça de segunda classe, porquanto não refletem qualquer dado indicativo capaz de importar num desprestígio ou diminuição para a resolução de controvérsias. Ao contrário, a faixa valorativa de limitação imposta pelo legislador em quarenta salários mínimos (Lei 9.099/95) e sessenta salários mínimos (Lei 10.259/2001) significa o alcance de litígios que atingirá o interesse de todas as classes sociais, sobretudo se considerarmos que a renda per capita do povo brasileiro gira em torno de três mil dólares”[30]. (pp. 45)
Para que a Lei n. 10.259/2001 atinja os seus objetivos, é necessário um investimento de recursos bastante relevante nos Juizados Especiais, com o escopo de aprimorar suas estruturas física e funcional, primando pela simplicidade do procedimento e pela facilidade de acesso da população aos mesmos. Como disse Fátima Nancy Andrighi:
“(…) é imprescindível o desvelo dos tribunais ao implantarem os Juizados, especialmente com a dignidade das suas instalações e do necessário distanciamento da Justiça tradicional. Os jurisdicionados merecem a atenção do Judiciário e devem ser recebidos de forma respeitosa e confortável, principalmente por se tratar de uma Justiça que envolve muitas emoções, devido à proximidade da ocorrência dos fatos e o respectivo comparecimento na casa da Justiça”[31].
Ademais, juízes e servidores que atuam nos Juizados Especiais devem estar cientes de que qualquer ato ou conduta que possa dificultar a tramitação das ações deve ser abolido no mais curto espaço de tempo possível, pois a celeridade, como instrumento para se dar primazia ao brocardo constitucional do acesso à Justiça, merece ser acatado como um verdadeiro dogma em sede de tal espécie célula jurisdicional. Diante disso, todos os atos judiciais, de meros despachos de expediente a sentenças meritórias, devem ser elaborados, atentando-se a alguns princípios.
Primeiramente, destaque-se o paradigma da clareza, que se faz necessária, já que grande parte dos autores de ações aforadas perante Juizados Especiais Cíveis Federais não tem a assistência de um advogado. Como a maioria da população brasileira é semianalfabeta, sendo que apenas sua minoria tem conhecimento do Direito, é imprescindível que serventuários e magistrados utilizem termos e expressões inteligíveis, sem rebuscamento, a fim de impedir a oposição de sucessivos e intermináveis embargos declaratórios. Não bastasse isso, haverá uma melhora no rendimento de servidores e de juízes, já que não terão mais que ficar solucionando dúvidas de litigantes a respeito de termos empregados nos pronunciamentos jurisdicionais.
Fátima Nancy assim leciona sobre tal questão: “O juiz que atua nos Juizados Especiais terá de proferir sentença em linguagem compreensível para as partes, sem grandes e profundas pesquisas doutrinárias ou jurisprudenciais (..)”[32].
Objetividade é outra máxima que não pode ser esquecida dentro do âmbito dos Juizados. O maior número de atos tem que ser praticado no menor tempo possível. É a tão conhecida concentração, já prevista no Código de Processo Civil de 1973, que, nos Juizados, ganha uma relevância ainda maior.
Ademais, de acordo com Tourinho Neto e Figueira Júnior, “o juiz integrante do Juizado não pode ter pressa, deve ter paciência para ouvir, calma, espírito conciliador, jamais perder o controle, fidalguia de caráter. Não deve jamais perder o controle, ser afetado, não chamar atenção para si mesmo, não querer ser a estrela da audiência”[33].
Finalmente, frise-se que a não adoção das referidas premissas pode enfraquecer a instituição dos Juizados Especiais Federais, fazendo com que o Poder Judiciário caia em descrédito perante a população, o que poderá redundar na renúncia ao direito de agir por alguns dos componentes da coletividade, o que, por sua vez, indiscutivelmente, contribuirá para a desestabilização do Estado Democrático de Direito e à paz social.
Conclusão
Não há maiores dificuldades em concebermos hoje a ação como um direito subjetivo, público e abstrato de provocação da tutela jurisdicional, sendo que compete ao Ente Estatal, já que este tomou para si a função de resolver os conflites de interesses que surgem no seio social, dar efetividade ao princípio do due process of law que, por sua vez, engloba o brocardo da efetividade do direito do acesso à Justiça. De nada ainda existir uma regra no principal documento legal da Nação, qual seja, a Constituição Federal, estabelecendo que a todos é assegurado o amplo acesso ao Poder Judiciário (preceito 5º, XXXV), se tal prerrogativa não é disponibilizada de maneira real para os cidadãos. É uma faca sem corte ou um edifício sem alicerces. Uma verdadeira ilusão, um engodo.
Tendo em vista que a maior reclamação dos jurisdicionados com referência ao Poder Judiciário é a demora no julgamento do pedido jurisdicional final das ações, o legislador pátrio editou a Lei n. 9.099/95 e, mais tarde, a Lei n. 10.259/2001, tendo a primeira criado os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais, enquanto que a segunda, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais. Por possuírem as demandas aforadas perante os Juizados uma tramitação mais acelerada, criou-se a esperança de que finalmente o problema teria sido solucionado.
Entretanto, lamentavelmente, especialmente no que atine à Lei n. 10.259/2001, após aproximadamente nove anos da sua entrada em vigor, notamos que o desiderato do legislador não foi alcançado, pois, como sabemos, há uma enorme distância entre o querer do legislador, o dever ser, e o ser, o que acontece, de fato, no mundo real dos fatos. O que podemos inferir, verdadeiramente, é que houve uma excessiva preocupação com a formulação do texto legal, sendo que não houve a dotação orçamentária devida por parte do Governo Federal para implementar, de forma adequada, os Juizados Especiais Federais.
Portanto, cumpre aos aplicadores da lei, no aguardo de instrumentos normativos mais eficazes, procurarem, na medida do possível e dentro de suas possibilidades, dar aplicação ao princípio do devido processo legal e aos demais brocardos daí decorrentes, atentando-se, em contrapartida, à máxima da preservação da segurança jurídica. Por óbvio, não se mostra de forma alguma producente esperar que o Estado, mais especificamente o Poder Legislativo, formular leis que melhorem a prestação jurisdicional, em especial no que atine ao seu tempo de duração.
Assim sendo, o princípio do due process of law não deve ser visto como uma espécie de utopia, mas sim, de um objetivo que pode ser alcançado com um relevante comprometimento do Poder Público com a asseguração de tal direito constitucional à sociedade em geral.
Mudanças na legislação brasileira, inobstante não sejam os únicos meios, são imprescindíveis a fim de superar as dificuldades e obstáculos que tornam inacessível ou pelo menos extremamente penoso aos cidadãos a concretização dos direitos salvaguardados pela Constituição Federal.
Como foi ressaltado neste trabalho, alguns mecanismos de ordem prática poderiam ser adotados a fim de aprimorar o funcionamento dos Juizados Especiais Federais, especialmente os Cíveis.
De início, afigura-se primordial a remessa de recursos orçamentários substanciais aos Tribunais Regionais Federais por parte do Poder Executivo para que a infra-estrutura dos Juizados possa ser melhorada. Hoje, há enorme déficit de servidores e de magistrados, sendo que, em alguns casos, varas federais, já existentes, tiveram que cedê-los a fim de colaborar com a instalação dos primeiros, o que, sem sombra de dúvida, afeta o desempenho das últimas.
Não bastasse isso, investimentos na aquisição de equipamentos de informática (scanners, impressoras, computadores) e de mobiliário adequado são imprescindíveis. Alguns Juizados ainda não detêm a condição de poder ofertar a cada um de seus servidores um computador, fato este que deve ser combatido, a bem da eficiência do serviço. Além disso, cadeiras, mesas, móveis em geral, que contribuam para o combate à LER e à DORT, devem ser disponibilizados, vez que estatísticas comprovam que a cada dia aumenta o número de servidores afastados do serviço por tais enfermidades. Qualidade de vida no ambiente do trabalho não poder ser apenas entendido como um lema, mas sim, um verdadeiro paradigma a ser seguido, pois, nenhum serviço é bem prestado e nenhum produto é bem fabricado por um “trabalhador” descontente, sem auto-estima, estressado e desmotivado. Tal entendimento também alcança o serviço público e não somente a iniciativa privada.
A implantação de Defensorias Públicas é primordial para o bom funcionamento dos Juizados e, acima de tudo, para assegurar à população o efetivo acesso ao Poder Judiciário, mais especificamente, aos Juizados. Boa parte das unidades federadas não detém tais órgãos, sendo que nos locais onde existem, o quadro de pessoal é insuficiente. Tendo em vista que a maior parte das pessoas que recorrem aos Juizados não possui condição econômica que lhe possibilite a contratação de um advogado, a disponibilização de defensores públicos é condição sine qua non para que os Juizados não se tornem uma ficção jurídica.
Aliás, neste ponto, é importante ressaltar que a demora na criação das Defensorias pode estar relacionada ao fato de que a Ordem dos Advogados do Brasil, nestes casos, costumeiramente, alega que o mercado de trabalho de seus associados seria prejudicado. Permissa venia, referida argumentação não merece recepção, já que o interesse público vinculado à existência dos Juizados deve se sobrepor ao querer de uma determinada associação de classe.
Há de se destacar também que a implementação e aprimoramento do sistema de virtualização dos processos, já presente em alguns Estados, não podem ser esquecidos. Os meios eletrônicos e a Internet são ferramentas que integram o mundo moderno e que não podem, de maneira alguma, serem desprezadas no mundo jurídico. O envio de peças por meio do computador, o constante melhoramento dos sistemas de informação processuais, a disponibilização do maior número possível de padrões-modelos de petições ao jurisdicionado são algumas iniciativas que podem ser levadas em consideração.
Entretanto, frise-se que com o aumento das atividades de hackers e do número de vírus que percorrem os corredores da Internet, há de ser dada notável importância à segurança dos sistemas informatizados dos Tribunais, a fim de preservação de seus dados. Backups, programas de proteção contra invasões e vírus, dentre outras ações, fazem-se necessárias. Não bastasse isso, ressalte-se que o programa de gerenciamento de envio e recebimento de peças processuais através da Internet deve ser bastante robusto e confiável, impossibilitando a interposição de recursos ou reclamações por parte dos usuários, o que acarretaria o descrédito do mesmo perante os últimos. Os princípios da celeridade processual e da segurança jurídica, apesar de, a princípio, possuírem ideias completamente opostas, podem, sim, ser compatibilizados.
Programas governamentais que pudessem disponibilizar acesso à consulta de processos de forma gratuita às pessoas mais carentes em locais como agências de atendimento de outros órgãos, agências bancárias ou lotéricas, poderia minimizar o problema das filas nos Juizados. Um número considerável de indivíduos que vão aos Juizados quer, somente, o andamento do processo, em que momento da marcha processual se encontra.
A especialização de Juizados também poderia ser adotada, pois acelera o andamento dos processos, vez que servidores e magistrados, por repetição, acabarão se inteirando das questões de forma mais rápida, o que redundará em um julgamento mais rápido. A Justiça Trabalhista é um bom exemplo do sucesso na especialização da matéria a ser estudada e, posteriormente, decidida.
A edição de atos normativos no seio administrativo de órgãos públicos federais que costumeiramente são acionados nos Juizados, no sentido de autorizar que os seus procuradores façam o acordo ou reconheçam a procedência do pedido, quando a questão já se encontra pacificada, também seria bem-vinda. A burocracia é um grande empecilho ao sucesso dos Juizados Especiais Federais. Se a questão, já definida pelos tribunais, puder ser resolvida em sede administrativa, alcançando todos os beneficiários, mesmo aqueles que não chegaram a recorrer ao Poder Judiciário, os Juizados não ficarão tão sobrecarregados.
A implementação de programas de qualidade total, como ISSO 9002, e de ouvidorias, com a figura do ombusdman, poderia estabelecer um novo patamar de excelência de atendimento ao público pelo Estado-juiz, além de aproximar os “clientes” ao “prestador de serviço”, no caso, o Poder Judiciário. Seria até o caso de estabelecer uma espécie de concurso entre Juizados e/ou entre Tribunais Regionais Federais, sendo que o vencedor seria laureado com uma parcela maior de recursos como premiação.
Em outras palavras, a mudança da mentalidade de servidores e de juízes é premente. Mudança de mentalidade no sentido de que cada Juizado deve ser entendido como um pequeno estabelecimento comercial. O mais lucrativo deles seria aquele que possuísse as melhores estatísticas e, concomitantemente, recebesse as melhores notas em programas como o do ISO 9002. Eficiência, padronização de peças/método, respeito ao jurisdicionado, correção nos atos judiciais prolatados, tudo seria levado em consideração.
Em contrapartida, a instalação de superjuizados, aqueles que são, na verdade, vários Juizados reunidos, permissa venia, atrapalha a prestação jurisdicional. Todos sabem, a partir do que ocorreu com o Império Romano, que quanto maior é a estrutura a ser administrada, mais penoso será. Daí, os Juizados devem ser instalados com base em uma estrutura mínima e suficiente de servidores e magistrados. É mais fácil manter o controle hierárquico e das atividades desenvolvidas, não se esquecendo que torna-se mais difícil a existência de posicionamentos contrários entre os magistrados dentro do mesmo Juizado.
E esse fato não costuma ser bem recebido pelo jurisdicionado. Este, com certeza, se revoltará ao saber que foi sucumbente na ação julgada por um determinado juiz, sendo que outro magistrado do mesmo superjuizado teria acatado o pedido jurisdicional final se tivesse sido o responsável pelo processamento do feito. Ademais, a existência de vários entendimentos dos juízes dentro do mesmo superjuizado sobre questões relativas à marcha processual poderá dificultar o trabalho da secretaria.
A adoção de súmulas vinculantes dentro do âmbito dos Juizados, especificamente em matérias que não exigem prova, também seria um instrumento eficaz para diminuir o número de demandas. Apesar de entendimento existente na doutrina e entre parte dos juízes do País no sentido que a adoção da súmula vinculante tiraria o poder do magistrado de decidir de acordo com a sua livre convicção, em ações, cuja matéria não envolva análise de provas (testemunhal, pericial, colheita de depoimento pessoal), tal medida poderia ser adotada.
Como já foi ressaltado, um número razoável de demandas que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis Federais relaciona-se a questões previdenciárias, sendo que boa parte destas refere-se a índices de reajuste de benefícios. No caso, a questão é meramente de direito, não necessitando de dilação probatória, o que autorizaria a recepção da súmula vinculante editada pela Turma de Uniformização dos Juizados Federais ou pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal.
A criação dos Juizados Especiais Federais não representa a grande solução para o problema do deficiente acesso à Justiça. É cedo para afirmar que a Lei n. 10.259/2001 irá se tornar um marco na história do nosso ordenamento jurídico, na maneira como é ofertada para a sociedade a prestação jurisdicional. Não obstante, constitui-se em um instrumento moderno e bem elaborado que, apesar de não ser perfeito, necessitando de alguns ajustes, poderá contribuir pela afirmação da garantia constitucional do acesso à justiça.
Os Juizados Especiais Federais assegurarão, e talvez seja essa sua mais louvável contribuição, celeridade principalmente às causas previdenciárias, possibilitando àqueles que sobrevivem exclusivamente de seus proventos de aposentadoria, uma resposta rápida e efetiva, restaurando a dignidade proveniente dos direitos humanos há muito violados pelas ilegalidades perpetradas pelo próprio ente estatal.
Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG
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