Sumário: I- Intróito; II- Sentença Argentina; III- Situação nacional; IV- Tendência mundial; V- Conclusão; VI- Bibliografia.
I- Intróito
Em recente projeto que estamos desenvolvendo com organizações internacionais como o Instituto de Investigación para la Justicia Argentina (www.iijusticia.edu.ar) e The Association for Progressive Communications – Internet and ICTs for Social Justice and Development (www.apc.org) intitulado “Estado de los Derechos Humanos despues de la expansión de internet” fomos informados pelo investigador sobre decisão de juiz argentino que absolveu vários hackers sob o argumento de que uma página web violada não pode assimilar-se ao significado de “coisa” previsto no crime de dano e que portanto, a figura não pode ser equiparada legalmente e assim torna-se atípica e não suscetível de punição.
Ficamos de certa forma assustados com a decisão apesar de termos alertado em artigo publicado intitulado “Delitos Virtuais” sobre a necessidade da formulação e promulgação de leis que visem dar tipificação e punição a esses delitos. Sendo assim resolvemos comentar o julgado argentino para demonstrar o perigo legal que estamos correndo.
II- Sentença Argentina
Na sentença publicada no site http://www.lexpenal.com.ar o juiz federal Sergio Gabriel Torres na parte que aborda a qualificação penal relata que os réus violaram o sistema da página web da Suprema Corte de Justiça da Nação substituindo-a por outra alusiva ao aniversário de falecimento do jornalista José Luis Cabazes e que, teoricamente, implicaria nas sansões do artigo 183 do Código Penal Argentino com a agravante do artigo 184 inciso 5º do mesmo corpo legal.
Entendeu o juiz que os artigos referem-se especificamente a ataques a materialidade, utilidade ou disponibilidade de coisas encontrando com isso obstáculo no enquadramento da conduta em epígrafe como crime o que culmina na atipicidade do feito sob julgamento. Para ele não é possível considerar a página web da Corte Suprema de Justiça da Nação, como uma coisa, nos termos em que esta deve ser entendida. “Coisa” definida no artigo 2311 do Código Civil da Nação são objetos materiais suscetíveis de ter um valor.
Sendo assim, a página web por sua natureza não é um objeto corpóreo, nem pode ser detectado materialmente e adverte ainda que o país se encontra em um claro vácuo legal somente com previsões em projetos e anteprojetos de lei que tentam criar uma figura penal similar ao de dano e tendo como objeto não mais a “coisa”e sim dados ou sistemas informáticos
O juiz destaca que uma interpretação extensiva do conceito de coisa, ao ponto de permitir inclusão da página web dentro do mesmo tipo legal compreenderia em uma acepção forçada que implicaria em claro menoscabo ao princípio da legalidade estabelecido no artigo 18 da Constituição Nacional da Argentina.
Por fim, conclui o magistrado que o fato não constitui crime e que atualmente a legislação em vigor não permite sansão penal uma vez que estes tipos de delitos não tem enquadramento legal em nenhuma figura penal prevista no Código Penal Argentino da Nação e nem mesmo nas leis complementares.
III- Situação nacional
O resumo da sentença proferida pelo juiz argentino demonstra o perigo que estamos passando e a falta de estabilidade legal que vivemos levando o cidadão a total insegurança e desproteção jurídica que pode levar a sociedade a ter sérios prejuízos, sem falar na intranqüilidade permanente que pode ser e esta sendo gerada pela falte de legislação.
Uma das questões que mais provocam perplexidade é justamente, a que diz respeito a punição dos delitos cometidos pela via eletrônica. A leitura de alguns artigos e livros sobre o assunto refletem a imaturidade intelectual em que nos encontramos pois nem sequer sabemos se há possibilidade de punir ou não este tipo de crime.
Autores apontam algumas premissas legais e doutrinárias tradicionais que não possibilitam a aplicação da legislação penal em condutas delituosas cometidas através de um computador. O primeiro argumento é baseado no princípio da reserva legal que obriga que a legislação tipifique determinado fato como criminoso, uma vez que sem lei, não há crime. (art. 1º do CPP e 5º, XXXIX da CF)
Além disso a doutrina tradicional na área penal é majoritária ao dizer que não é possível a construção de interpretações extensivas e analógicas (salvo exceção), muito menos se estas trouxerem considerações que venham a trazer prejuízo no julgamento do acusado. A analogia é aceita portanto, apenas in bonam partem e mesmo assim com sérias restrições feitas pela doutrina e jurisprudência conforme permissão legal do artigo 3º.Código de Processo Penal. Levando em consideração essas afirmações podermos chegar a conclusão de que os crimes chamados virtuais são atípicos e não poderão ser punidos com base na legislação penal vigente.
A corrente que defende a punição baseia-se no fato de que os crimes praticados pela via eletrônica são os mesmos tratados pelo Código Penal, com a peculiaridade de serem apenas versões modernas dos tipos, ou seja, a modificação ocorreria apenas no modus operandi e portanto não teria o condão de mudar o tipo penal que enseja punição penal.
A nosso ver nenhuma das afirmações traz segurança suficiente para o julgamento e é por isso que devemos desenvolver mais institutos que visem tipificar estas figuras delituosas viabilizando uma correta e justa aplicação do Direito Penal. Cabe ainda o estudo do direito alienígena de alguns países que tenham estudos mais avançados sobre o assunto.
IV- Tendência mundial
Podemos perceber a nível mundial duas tendências. A primeira delas é a de adoção da interpretação extensiva como forma mais adequada de abarcar os delitos provenientes das relações virtuais e a segunda é a promulgação de leis específicas para combate e punição desses tipos de delitos como é o caso da Alemanha, que 1986 promulgou lei contra a criminalidade econômica que contempla os delitos de espionagem e falsificação de dados e a fraude eletrônica; da Austria na lei de reforma do Código Penal de 22 de dezembro de 1987 que prevê os delitos de destruição de dados (art 126) e fraude eletrônica (art. 148); da França na lei n 88-19 de 05 de janeiro de 1988 dispõe sobre o acesso fraudulento a sistema de elaboração de dados (462-2), sabotagem (462-3), destruição de dados (462-4); falsificação de documentos eletrônicos (462-5) e uso de documentos informatizados falsos (462-6) e; dos Estados Unidos com a adoção de Ata Federal de Abuso Computacional que modificou a Ata de Fraude e Abuso Computacional de 1986 direcionada a atos de transmissão de vírus.
V- Conclusão
Diante do apresentado podemos perceber que estamos passando por um processo de mudança e evolução mundial que deve ser acompanhado pelo estudioso da área jurídica que, de maneira alguma, poderá ficar alheio aos desafios que a Sociedade Informatizada impõe. Não devemos, portanto, medir esforços para desenvolver respostas coerentes, gerar modelos de conhecimento, métodos de análises inovadores que alcancem fórmulas que permitam um correto e justo desenvolvimento da Justiça Penal.
A solução passa necessariamente pela criação de leis específicas que venham trazer tipicidade a essas condutas perpetradas pelo uso das novas tecnologias acompanhadas de sansões penais específicas que coíbam a prática do chamados delitos virtuais que podem causar graves danos a comunidade.
Vale ressaltar por fim que estes tipos de crimes não fazem mais parte de nossa imaginação ou de um suposto futuro e sim da realidade atual que assola a todos e que portanto deve ser levada a sério pelas autoridades competentes no sentido de realizar de forma efetiva as mudanças necessárias para tentar acabar como o território sem lei instalado no universo virtual.
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista
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