Resumo: O presente artigo visa traçar uma breve análise acerca do Princípio da Insignificância, estabelecendo o seu conceito e origem, bem como delineando parâmetros para a sua aplicação aos casos concretos, culminando, por fim, na importante e novel questão acerca da Bagatela Imprópria e sua relação com as finalidades da pena, o Funcionalismo Penal e os critérios interpretativos atrelados ao Princípio da Razoabilidade.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância – parâmetros de aplicação – casos – bagatela imprópria – razoabilidade
Abstract: This article is a brief analysis about the Princípio da Insignificância, establishing the concept and its origin as well as outlining the parameters for their application to concrete cases, culminating finally in the important and novel questions about the Bagatela Imprópria and its link with the purposes of the penalty, the functional and Criminal interpretive criteria linked to the reasonableness.
Keywords: Princípio da Insignificância – parameters for application – cases – bagatela imprópria – reasonebleness
Sumário: 1. Introdução: Identificação Central do Estudo Proposto. 2. Natureza Jurídica do Princípio da Insignificância e sua Contextualização. 3. A Dificuldade de Ponderação na Aplicação do Princípio da Insignificância e as Lições do STF sobre o tema. 4. O Entendimento dos Tribunais Superiores acerca da Aplicabilidade do Princípio da Insignificância. 5. Os Parâmetros Interpretativos de Aplicação do Princípio da Insignificância e o Princípio da Proporcionalidade. 6. A Questão da Insignificância Imprópria. 7. Conclusão
1. Introdução: Identificação Central do Estudo Proposto
Trata-se o Princípio da Insignificância sem dúvida alguma de um dos mais estudados hoje em dia no Direito Penal moderno, embora seja implícito à atual sistemática existente; o que não o torna menos importante, muito ao contrário disso, garante uma série de infindáveis discussões doutrinárias, nas quais resultam em notória polarização: uns defendendo de forma mais expansiva a sua aplicação e outros apregoando o seu caráter apenas excepcional.
O Princípio ora estudado, assim, decorre dos primórdios do Direito Romano Privado, onde era bem sumarizado pelo brocardo latino Minimus non Curat Praetor, isto é, o mínimo não preocupa aos tribunais, vindo a ser estudado e transladado ao Direito Penal pelas lições do ilustre jurista Claus Roxin por volta do ano de 1.970, sendo atualmente de pacífica aceitação, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátria, inclusive pelo próprio STF.
Não obstante a aceitação mencionada, o que mais se discute pelos doutos do Direito Penal é o grau de ponderação necessário a ser estabelecido para a aplicação do referido Princípio diante de um caso concreto, sendo esta a principal polêmica que se buscará abordar no presente artigo, não sem antes se apresentar de forma didática a natureza jurídica do Princípio esmiuçado.
2. Natureza Jurídica do Princípio da Insignificância e sua Contextualização
Nos termos do que entende o Pretório Excelso, o Princípio sob exame nada mais faz do que dividir a tipicidade em tipicidade formal e tipicidade material. Nesta esteira, a norma penal em abstrato sofreria dois tipos de adequação típica, isto é, o aplicador do Direito, para concluir se determinada conduta é contrária ao modelo legal descrito e positivado, deveria primeiro enquadrar a referida conduta de maneira objetiva à descrição do tipo penal e, em segundo momento, estabelecer um juízo valorativo no sentido de se descobrir se a mesma conduta seria capaz de lesar o bem jurídico tutelado penalmente.
Logo, se a conduta se enquadrasse à descrição do tipo, desde já restaria configurado o que se entendeu por denominar tipicidade formal; entretanto, se ainda assim não fosse tal conduta capaz de lesar significantemente o bem jurídico penalmente tutelado, esta seria atípica, por falta de tipicidade material. Daí se dizer que o STF e a doutrina majoritária hoje entendem ter o Princípio da Insignificância, ou também chamado de Princípio da Criminalidade de Bagatela, uma natureza jurídica de excludente de tipicidade supralegal, servindo-se em última instância como parâmetro restritivo de interpretação da norma penal.
Em que pese o atual entendimento, vale lembrar que em tempos não muito remotos, já houve quem defendesse ser o Princípio da Insignificância uma excludente de ilicitude supralegal. Para esta doutrina, a ilicitude é que seria dividida em ilicitude formal – análise objetiva da não correspondência da conduta ao Ordenamento Jurídico e ilicitude material – verificação fática se houve verdadeiramente conduta contrária ao Direito.
Tal doutrina não mereceu aplausos, eis que não haveria sequer necessidade de ser a conduta do agente examinada sob o ponto de vista da sua contrariedade para com o Ordenamento Jurídico – sob o prisma da sua ilicitude ou não, eis que é, já em momento antecedente, o próprio fato típico que restará prejudicado, pois, embora possa existir conduta humana (ou das pessoas jurídicas nos crimes ambientais) voluntária e consciente quanto à ação ou omissão e quanto ao resultado, este resultado não poderá ser considerado suficientemente danoso ao bem jurídico que a lei penal visa proteger. Desta feita, o Princípio da Criminalidade de Bagatela, ao atacar o resultado jurídico, elemento este inserto no fato típico, somente poderia ensejar em atipicidade e não em ilicitude.
Posto isso, o Princípio da Insignificância pode ser muito bem contextualizado como sendo preceito, abstrato e implícito ao Direito Penal, capaz de valorar, segundo as regras máximas de experiência, fato social determinado, e concluir pela existência de um resultado jurídico relevante ou não, tudo para se definir a conduta real de um agente como criminosa – típica ou não.
3. A Dificuldade de Ponderação na Aplicação do Princípio da Insignificância e as Lições do STF sobre o tema
Da contextualização assim trazida, retira-se agora a melhor oportunidade de se apresentar o problema de ponderação na aplicação do princípio sob comento e estudar métodos úteis para tanto. Destarte, o aplicador do Direito haverá de ponderar se na conduta realizada pelo agente se verifica fatidicamente a ofensa a um bem jurídico que seja digno de proteção pelo Direito Penal, até porque não outra é a razão para que o próprio Direito Penal exista, a não ser para a proteção exclusiva de bens jurídicos, ou seja, em singelas palavras, para a perfeita tutela de Direitos Fundamentais previstos constitucionalmente e que mereçam a atuação como ultima ratio do Direito Penal (Teoria Constitucional do Direito Penal, conforme ensina Claus Roxin).
Nestes termos, facilmente será, diante do exposto, se verificar a aplicação ou não do Princípio diante de situações extremadas; por exemplo: a ação daquele que, sendo réu primário e de bons antecedentes, furta um lápis em um escritório, não será passível de ser punida pelo Direito Penal, eis que sem dúvida alguma a sua conduta resta materialmente atípica, posto que incapaz de lesar o bem jurídico tutelado, qual seja: a proteção ao patrimônio.
No entanto, a situação se torna muito mais difícil a partir do momento em que se adentra em uma zona cinzenta, na qual a conduta do agente, em que pese ser ínfima se considerada isoladamente, somada a uma série de outras circunstâncias, se mostra reprovável socialmente, ocasião em que sendo o Direito Penal negligente a tal respeito, decerto que o clima de impunidade restaria insustentável.
Justamente por isso que o STF, visando estabelecer um caráter minimamente objetivo à análise de condutas que se encontram nesta chamada zona cinzenta, estabeleceu determinadas regras de aplicabilidade do Princípio da Insignificância, sendo pertinente a lição do brilhante Ministro Celso de Mello, no HC nº 97.927/RS, 2ª Turma, julgado em 02/06/2009:
“O postulado da insignificância – que se qualifica como expressivo instrumento de política criminal – subordina-se, quanto à sua incidência, à presença, a ser constatada em cada situação ocorrente, de determinados vetores, que assim podem ser identificados: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.”
Com efeito, caberá agora detalhar os referidos parâmetros acima traçados, pois o que se percebe, que seja criticado, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, é a mera repetição impensada dos termos utilizados pelo Pretório Excelso, sem sequer uma mínima reflexão acerca das razões e significados dos requisitos apontados acima.
Desta feita, iniciar-se-á pela mínima ofensividade da conduta do agente, que nada mais representa do que a necessidade do julgador de, quando da análise do comportamento do agente, verificar se o mencionado comportamento de fato foi capaz de lesar o bem material penalmente tutelado, bem este que haverá de se encontrar na esfera de disponibilidade da vítima.
Embora o termo ofensividade se refira à conduta do agente, se o exame do julgador houver que recair somente na conduta em si, este primeiro requisito seria simples paráfrase ou do requisito (b) a nenhuma periculosidade social da ação ou do requisito (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento. Com efeito, não parece ser esta a melhor solução, restando concluir que o termo ofensividade refere-se, em exame mais aprofundando, ao bem material alvo da conduta.
Seguindo-se nas breves explicações sobre o presente requisito, é válido lembrar ainda que o bem material protegido pela lei penal relaciona-se não só com a sua possível disponibilidade por parte da vítima, mas também por conta da disponibilidade trazida por lei ou pela Constituição, eis que de nada adiantará a vítima, por exemplo, dispor de sua vida, ante a morte certa por doença incurável, em nítido caso de eutanásia, se o bem material (a pessoa vitimada) não for passível de disponibilidade, consoante se depreende, por consequência, do Direito Constitucional à Vida – bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.
Ademais, não se pode igualmente olvidar o fato de que o Princípio da Insignificância não se aplica apenas a bens materiais suscetíveis de valoração pecuniária, mas também a outros igualmente disponíveis, consoante disposições legais, como é o caso da vítima (não mulher, pois aqui há discussões acerca da disponibilidade sob comento) de crimes de lesão corporal leve, nos termos da Lei nº 9.099/95 e desde que respeitados os requisitos apresentados pelo Pretório Excelso.
Nesta senda, o que se verifica é que o STF realiza juízo de maior objetividade no sentido de se verificar se a lesão ao bem material foi relevante o suficiente à aplicação do Direito Penal. Destarte, especificamente quanto aos crimes patrimoniais vem a jurisprudência convergindo ao entendimento de que condutas lesivas a bens materiais no valor de aproximadamente dez por cento do salário mínimo vigente no país devem ser consideradas atípicas, embora a conclusão pela atipicidade não possa ser pautada apenas pelo valor do bem material objeto da conduta criminosa, conforme leciona o Ministro Gilson Dipp, no HC nº 188.524/RS, 5ª Turma do STJ, julgado em 23/08/2011:
Aliás, é de rigor esclarecer ainda que nem sempre será possível o exame da conduta do agente só com base na lesão ao bem material, uma porque existem crimes em que a doutrina identifica até mesmo a inexistência de bem material (v.g ato obsceno), outra porque os requisitos atinentes à aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela haverão de ser cumulativos, nos termos do que se denota no HC nº 100.367/RS, 1ª Turma do STF, julgado em 09/08/2011.
Vale ressaltar ainda que, em posição um tanto quanto diversa, já entendeu o STJ pela aplicação do Princípio da Insignificância com base no caso concreto, com fundamento no bem material lesado em relação à situação econômica específica da vítima, consoante se denota do REsp nº 1.169.904/RS, 5ª Turma, julgado em 17/03/2011:
Nestes termos, o referido posicionamento enseja razoável crítica por parte da doutrina, conforme leciona Rogério Sanches Cunha, que defende ser o referido tratamento muito próximo ao do Direito Penal do Inimigo – não admitido no país, vez que para alguns casos o bem material seria lesado, já para outros casos idênticos não.
Em verdade, o que se percebe é que a partir do momento em que a análise do bem material atingido é feita com base no caso concreto e na situação fática da vítima, o que se verifica é uma inversão da correta análise, que deixa de focar-se na conduta objetiva realizada pelo agente (responsabilidade pelo fato) e passa a estabelecer critérios subjetivos, o que sem dúvida ensejará ofensa à Segurança Jurídica e a Isonomia, ao passo que se o agente, por exemplo, furtasse o bilhete de ônibus de pessoa mais abastada – tal situação seria passível de aplicação do Princípio da Insignificância, já se este mesmo agente furtasse pessoa menos abastada – neste caso haveria crime; tudo isso sem contar ainda que tal situação poderá engendrar uma responsabilidade objetiva, ao passo que nem sempre é possível se identificar a vítima mais abastada em relação a menos abastada economicamente.
A situação, repita-se, certamente revela um subjetivismo altamente perigoso, sendo muito mais seguro à aplicação de um entendimento geral, como é o caso do critério dos dez por cento citado anteriormente.
Já em relação aos crimes contra a ordem tributária (contrabando e descaminho em sua ampla maioria), vem entendendo o STF (HC nº 92.940, 1ª Turma, julgado em 19/02/2008) ser aplicável o Princípio da Criminalidade de Bagatela no valor aproximado de até dez mil reais de tributo sonegado – valor da lesão ao bem material, quantum este retirado por analogia à Lei de Execuções Fiscais da Fazenda Pública – Lei nº 10.522/02 – art. 20, que estabelece restar a execução fiscal arquivada sem baixa na distribuição até que esta atinja patamar superior ao acima referido.
Contrariamente ao abordado entendimento, encontra-se o STJ (Resp nº 685.135/PR, julgado em 02/05/2005), que em lição defendida principalmente pelo Ministro Felix Fischer, e que de forma um tanto quanto mais equilibrada apenas aplica o Princípio ora sob tela aos crimes tributários, cujo valor do tributo sonegado seja de aproximadamente até cem reais, valor este também previsto na Lei de Execução Fiscal – Lei nº 10.522/02, art. 18, § 1º, como limite para que tal execução seja extinta, assim como o débito tributário.Todavia, mesmo no STJ já existem julgados seguindo o entendimento antes estampado pelo Pretório Excelso (AgRg no REsp 1.021.805-SC, rel. Min. Hamilton Carvalhido).
Finalizando, então, o exame da mínima ofensividade da conduta do agente, vale ainda salientar alguns casos específicos de extrema relevância jurisprudencial, sem o qual o estudo proposto careceria de figuração prática. O primeiro diz respeito ao entendimento pacífico, tanto no STJ, quanto no STF, no sentido de não admitir a aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela quando a conduta criminosa se voltar a objeto jurídico que, ainda que de mínimo valor pecuniário, possua valor emotivo à vítima (HC nº 60.949/PE, 5º Turma do STJ, julgado em 20/11/2007 e HC nº 190.002/MG, 6ª Turma do STJ, julgado em 03/02/2011); é o caso, por exemplo, da conduta daquele que furta porta-retrato contendo a única fotografia que uma mãe possuía de seu filho antes dele falecer.
Neste caso, ainda que absurdamente fosse possível negar à conduta do agente uma mínima ofensividade quanto ao bem material atingido, tal conduta sem sombra de dúvidas, no entanto, haveria de ser considerada perigosa sob o ponto de vista social e reprovável sob o prisma individual, embora seja prudente frisar que o bem material haverá de manter um mínimo cunho pecuniário, como bem explicita o ilustre mestre Guilherme de Souza Nucci.
Já no que diz respeito à inexistência de periculosidade social, o estudado vetor nada mais esclarece do que a importância do julgador examinar a conduta do agente sob a ótica coletiva (social), sob o ponto de vista social, eis que sem dúvida alguma quando o Direito Penal pune alguém, este transmite uma mensagem muito clara à sociedade, mensagem esta vista sob dois prismas diversos: a prevenção geral negativa, que, de modo informal, assim esclarece – sociedade não faça como o delinquente ou será punida da mesma forma e a prevenção geral positiva, que por outro lado observa – a conduta do agente foi lesiva ao Direito Penal, de modo que este agirá impulsionado a dar efetividade as suas normas e transmitir a mensagem coletiva de que o Direito Penal é eficaz socialmente. Nesta esteira, a inexistência de periculosidade social haverá de ser enxergada sob o ponto de vista coletivo.
Quanto ao reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, a observação a qual visa o STF para se verificar se determinada conduta é típica ou não se pauta no sentido de se concluir ter o agente atuado de forma contrária ao Ordenamento Jurídico, o que não deixa de revelar uma certa mescla de análise da ilicitude do comportamento do agente, comportamento este que será avaliado com base em uma visão individual acerca das ações ou omissões, em tese, criminosas.
Por derradeiro, no que tange à inexpressividade da lesão jurídica provocada, a idéia aqui se relaciona ao exame da lesão provocada pela conduta, no que diz respeito ao bem jurídico tutelado. Logo, se o furto de um lápis em uma papelaria eventualmente foi capaz de lesar o bem material, eis que o lápis de fato foi afanado; tal conduta, não obstante, foi incapaz de ofender significantemente o bem jurídico tutelado, posto não ser razoável se dizer que houve efetiva ofensa ao patrimônio da vítima, de modo que, no caso exemplificado, o Direito Civil já daria cabo de resolver a pendenga.
Deste modo, é perfeitamente possível se concluir ainda que é neste diapasão em que se pode denotar o viés inerente à materialização do Princípio da Lesividade ou Ofensividade no Direito Penal, bem como do Princípio da Mínima Intervenção do Direito Penal e seus desdobramentos: Princípio da Fragmentariedade e Princípio da Subsidiariedade; todos os aludidos princípios expressando em última análise a necessidade do Direito Penal ser interpretado de forma restritiva, como já aludido alhures.
Contudo, possuindo a conduta do agente todos vetores bem explanados pelo ilustre Ministro Celso de Mello, a conclusão será uma só, qual seja, a de perfeita possibilidade de aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela, caso contrário, haverá de ser crime toda conduta que se revele, em última análise, perniciosa aos critérios de prevenção e retribuição da pena, motivo pelo qual deve-se examinar com redobrada atenção o que hoje vem a doutrina denominando de Princípio da Insignificância Imprópria, o que será ulteriormente pormenorizado.
4. O Entendimento dos Tribunais Superiores acerca da Aplicabilidade do Princípio da Insignificância
Com o precípuo fim de enriquecer o presente artigo e garantir rigor prático a um dos Princípios mais discutidos atualmente, é pertinente ainda ressaltar mais alguns casos em evidência que demonstram as divergências jurisprudenciais existentes acerca da lesividade ou não de determinadas condutas aos bens jurídicos penalmente tutelados e, mais especificamente, acerca da aplicabilidade ou não do Princípio da Criminalidade de Bagatela para:
1º) Aquele que porta arma não municiada (arts. 12,14 e 16 do Estatuto do Desarmamento – Lei nº 10.826/03);
2º) Aquele que dirige embriagado em via pública (art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/95);
3º) Aquele que falsifica moeda (art. 289 do Código Penal);
4º) Aquele que comete crimes contra a administração pública (art. 312 e seguintes, do Código Penal);
5º) Aquele que comete improbidade administrativa;
6º) Aquele que comete crime ambiental (Lei nº 9.605/98);
7º) Aquele que pratica crime de apropriação indébita previdenciária;
8º) Aquele que pratica crime de roubo e
9º) Aquele que pratica o delito do art. 28 da Lei nº 11.343/06.
Quanto à lesividade ou não da conduta de porte ilegal de arma de fogo, conforme Lei nº 10.826/03, existem precedentes pela atipicidade ( RHC nº 81.057/SP, da 1ª Turma do STF, julgado em 25/05/2004), bem como precedentes pela tipicidade da conduta (HC nº 142.667/RS, da 6ª Turma do STJ, julgado em 02/12/2010). Em suma, a questão se mostra extremamente ligada ao exame do caso em concreto, ao passo que existindo uma mínima possibilidade de se municiar a arma, de pronto a conduta se tornará inequivocamente ofensiva ao bem jurídico tutelado pela lei penal, qual seja, a paz social. Vale ainda ressaltar que já quanto à conduta do tráfico internacional de armas, resta pacífica na jurisprudência a não aplicação do Princípio ora sob tela (HC nº 97.777/MS, 1ª Turma do STF, julgado em 26/10/2010).
Em relação à embriaguez ao volante, a pendenga igualmente é divergente, ao passo que doutrinadores como o ilustre mestre Luis Flávio Gomes acabam por criticar crimes como este (crimes de perigo abstrato), eis que contrários à ofensividade e, portanto, inconstitucionais. Já para outro segmento doutrinário (Fernando Capez), referidos crimes de perigo abstrato seriam completamente constitucionais, como medida viável de punição e prevenção de condutas em seu estágio embrionário. Neste diapasão, a jurisprudência também é divergente.
Ao que se refere ao crime de falsa moeda, enfim pode-se dizer estar a jurisprudência em relativa harmonia no sentido de rechaçar a aplicabilidade do Princípio da Criminalidade de Bagatela (RHC nº 26.874/AM, 5ª Turma do STJ, julgado em 16/06/2011), tudo por conta de que o bem jurídico que estaria em jogo seria atinente à defesa da coletividade como um todo, em especial, por conta da necessária credibilidade do sistema financeiro pátrio e da fé pública. Justamente por tais argumentos é que também resta inaplicável o Princípio estudado aos crimes contra a fé pública em geral.
Contrariamente a mansidão acima estabelecida, verifica-se a divergência quanto à aplicação do Princípio da Criminalidade Bagatela nos crimes contra a administração pública, restando posição negativa do STJ de um lado (HC nº 165.725, 5ª Turma, julgado em 31/05/2011), eis que o bem jurídico abarcaria não somente o patrimônio público, que é de interesse metaindividual, mas também a tutela da moralidade administrativa (art. 37, caput, da Constituição Federal); e de outro lado a posição favorável do STF (HC nº 107.370/SP, 2ª Turma, julgado em 26/04/2011) e também de parcela da doutrina, consoante ensina o professor Cleber Masson.
Já para aquele que comete improbidade administrativa, nos termos dos arts. 9º a 12, da Lei nº 8.429/92, a jurisprudência volta novamente a se acalmar, optando pela inaplicabilidade do aludido Princípio, haja vista a indisponibilidade do interesse público (REsp nº 892.818/RS, 2ª Turma do STJ, julgado em 11/11/2008), o que há de prevalecer, ainda mais porque as sanções inerentes a improbidade administrativa não possuem natureza de Direito Penal, mas sim natureza política e civil apenas.
No que se refere à aplicabilidade ou não do Princípio da Insignificância ao crime ambiental, da mesma maneira, existe razoável turbulência, posto que, quando da análise em concreto, o STJ já entendeu pela inaplicabilidade (HC nº 192.696/SC, 5ª Turma do STJ, julgado em 17/01/2011), assim como em tantas outras vezes houve jurisprudência favorável ao acusado, como já assim julgou o STF (AP nº 439/SP, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008).
Quanto àquele que pratica apropriação indébita previdência, assim já decidiu o STF, em HC nº 98.021/SC, 1ª Turma, julgado em 22/06/2010:
“Ementa : EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. BEM JURÍDICO TUTELADO. PATRIMÔNIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER SUPRAINDIVIDUAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA..INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. ORDEM DENEGADA.”
Em razoável semelhança argumentativa ainda definiu o Pretório Excelso ser inaplicável o Princípio analisado a crimes como o de fraude no recebimento de benefícios da União, em especial o do programa Bolsa Família, conforme HC nº 85.739/PR, 5ª Turma do STJ, julgado em 28/11/2007.
Ainda haver-se-á de lembrar do crime de roubo, ao qual por ser um crime complexo, ou seja, por tutelar não só o bem patrimonial, mas também a integridade física e/ou a vida da vítima, não será cabível a aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela, nos termos uníssonos da doutrina, consoante leciona Cleber Masson, e da jurisprudência, com fulcro no entendimento pacífico do STF (HC nº 97.190, 1ª Turma, julgado em 10/08/2010).
Finalmente, lembre-se mais um último crime, no qual aqui a aplicação do Princípio da Insignificância é absolutamente polêmica. Refere-se ao crime esculpido no art. 28 da Lei nº 11.343/06 – este nada mais incrimina do que a conduta daquele que “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. No que se refere à redação do citado artigo, houve até mesmo quem defendesse ter ocorrido abolitio criminis, tudo por conta das penas lá previstas, vez que não mais se estabelecia pena privativa de liberdade, o que seria essencial ao conceito legal de crime trazido pelo art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal.
O argumento, no entanto, foi falacioso e não mereceu muita atenção por parte da jurisprudência e doutrina majoritária, vez que a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLVI, estabelece penas de caráter penal diversas da de privação de liberdade, além do fato de que as penas estabelecidas contra as pessoas jurídicas nos crimes ambientais nunca estipularam, por questões óbvias, a privação de liberdade, o que nem por isso se defendeu a inocorrência de crimes ambientais.
Posteriormente, houve quem dissesse que o art. 28 da Lei nº 11.343/06 seria inconstitucional por ofensa ao Princípio da Alteridade, ou seja, não seria viável se punir alguém por conduta que ofendesse bem jurídico próprio – o fato seria atípico. Mais uma vez o referido fundamento foi rechaçado tudo por conta de que o bem jurídico tutelado é a saúde pública, o que cairia por terra a frágil retórica de ofensa ao Princípio ora citado.Ademais, o referido dispositivo nunca incriminou o uso das drogas, mas sim o seu porte e outras condutas análogas a esta.
Finalmente tentou-se dizer que a conduta não poderia ser incriminada apenas nos casos em que houvesse uma mínima ofensa ao bem jurídico tutelado pela Lei Antidrogas, sendo possível a aplicação do Princípio da Insignificância à conduta do usuário de drogas. Não obstante, mais uma vez, resta impossível a aplicação do Principio da Criminalidade de Bagatela, eis que ainda que o agente esteja no porte de pequena quantidade de droga, da mesma forma já estará lesando a coletividade.
Perceba-se que o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal no referido caso é de ótica difusa, sendo certo que a proteção de Direitos Difusos como é o caso da saúde pública não haverá de ser mitigada de forma alguma. Ainda que existam vozes dissonantes defendendo ser a questão do usuário de drogas um tema de saúde pública, da mesma forma se encontra a questão dos não usuários de drogas, que igualmente deve ser incluída nesta mesma política de saúde pública – o Estado não somente deve reduzir o consumo de drogas, mas cuidar para que aqueles que não são dependentes permaneçam assim, aliás, o cunho preventivo no setor da saúde pública é de solar evidência, principalmente quando da leitura do art. 196 da Constituição Federal.
Todavia, o problema acima apresentado e a aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela são altamente polêmicos e divergentes, seja na doutrina, seja na jurisprudência, inclusive do STF, eis que a divergência ora citada encontra-se encravada no entendimento das duas turmas do Pretório (pela absoluta inaplicabilidade do Princípio – HC nº 102.940/ES, 1º Turma do STF, julgado em 15/02/2011 e pela parcial aplicabilidade do Princípio, em especial no âmbito da Justiça Castrense – HC nº 94.809, 2º Turma do STF, julgado em 12/08/2008; o que contraria anterior posicionamento existente na Corte, consoante HC nº 94.685/CE, Plenário, julgado em 11/11/2010), o que haverá de ser bem definido mais uma vez pelo Pleno, sob pena de notória insegurança jurídica.
Finalmente, pertinente será ainda salientar que, conforme jurisprudência firme do STJ “as condições pessoais desfavoráveis, maus antecedentes e ações penais em curso não impedem a aplicação desse princípio”, nos termos do HC nº 163.004/MG, 6ª Turma, julgado em 05/08/2010, ao passo que a análise das condições pessoais do agente se encontra no art. 59 do Código Penal, devendo ser realizada somente quando da aplicação da pena, nos termos do sistema trifásico (aplicação de pena privativa de liberdade) ou do sistema bifásico (aplicação de multa), conforme o caso.
Pois bem, a análise da aplicabilidade do Princípio da Insignificância haverá de ser anterior à análise de aplicação da pena, eis que deverá ser realizada quando do exame do fato típico. Não obstante a conclusão lógica ora esposada, tal fundamentação não é da mesma forma aplicada quando da análise da conduta delituosa daquele que tem no crime a sua verdadeira profissão. Nestes termos, e com razões mais de política criminal do que propriamente técnicas, o que não lhe retira a correção do entendimento, o STJ vem impedindo a aplicação do Princípio da Insignificância em casos de habitualidade criminosa (HC nº 196.132/MG, 5ª Turma, julgado em 10/05/2011).
De toda forma, não é demais lembrar que em tais casos, ao menos um dos requisitos de aplicabilidade da Criminalidade de Bagatela não restará preenchido: a inexistência de periculosidade social.
5. Os Parâmetros Interpretativos de Aplicação do Princípio da Insignificância e o Princípio da Proporcionalidade
Por tudo o exposto até o momento, é mais que pertinente frisar que a aplicação do Princípio da Insignificância haverá de ser estipulada com base em interpretação focalizada da lei aplicável ao caso concreto. Em outras palavras, não será possível analisar a conduta daquele que realizou contravenção penal, por exemplo, tendo-se por base toda uma ampla gama de crimes existentes no ordenamento jurídico, posto que se assim fosse, a conclusão seria sempre a mesma, a contravenção penal praticada é irrelevante e não ofende bem jurídico algum se comparada com a gravidade de inúmeros outros crimes.
Não se quer com isso dizer, no entanto, que o aplicador do Direito quando da subsunção do fato concreto à norma deva olvidar-se de realizar interpretação à luz da Constituição Federal e basear-se ainda na razoabilidade das penas impostas. No momento de estudo e aplicação da pena, sem dúvida alguma a interpretação haverá de ser pautada por um critério lógico sistemático, mas quando da análise da conduta, quando da verificação de que referida conduta é típica ou não, é neste ponto inicial e atinente ao preceito primário da norma penal, em que o parâmetro deve ficar restrito à lei que versa sobre o comportamento do agente.
Assim, quando da subsunção do fato concreto ao preceito primário da norma penal, o intérprete deve-se focar apenas na análise da lei penal que comporta a conduta criminosa, ocasião em que, concluindo-se pela existência de fato típico, ilícito e praticado por agente culpável, deverá em segundo momento analisar o preceito secundário da norma penal, agora se pautando principalmente pela Razoabilidade/Proporcionalidade.
Nestes termos, é possível que se apliquem ou não o Princípio da Criminalidade de Bagatela em condutas definidas como contravenção penal ou crime de menor potencial ofensivo, tendo como base/parâmetro de análise a Lei de Contravenções Penais e a Lei nº 9.099/95, respectivamente. Tudo, em último grau, dependerá da análise do caso concreto, do exame dos requisitos trazidos pelo STF, da perfeita subsunção da conduta do agente ao preceito primário da norma penal ou não.
Didático será ainda o seguinte exemplo: agente que pratica adulteração de produtos destinados a fins terapêuticos (art. 273 do Código Penal), sendo preso com um único comprimido de ácido acetilsalicílico, remédio para alívio sintomático da dor de garganta, vendido em qualquer farmácia e sem qualquer prescrição médica. Diante do caso concreto, seria eventualmente possível se pensar na aplicação do Princípio da Insignificância, eis que viável o reconhecimento dos requisitos explanados pelo STF, bem como a verificação de atipicidade material na conduta.
Veja, com efeito, que o enquadramento do fato à norma penal em abstrato (em especial ao preceito primário da norma penal) teve como parâmetro de análise somente o disposto no art. 273 do Código Penal, pelo que se concluiu pela aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela, até porque seria desproporcional (ofensivo à Razoabilidade) se punir alguém por conduta tão pequena com pena de reclusão de 10 a 15 anos, e multa.
Agora, digamos que o mesmo agente tenha sido preso em flagrante com cem comprimidos de ácido acetilsalicílico, sendo novamente enquadrado na conduta delituosa do art. 273 do Diploma Penal. Sem dúvida alguma, quando do enquadramento da conduta à norma penal em abstrato (em especial ao preceito primário da norma penal), a conclusão certamente será pela existência de fato típico, ilícito e praticado por agente culpável. Não obstante, é quando da análise do preceito secundário da norma que se verifica, diante de uma interpretação lógico-sistemática e a luz da Constituição, que ainda assim, haveria ofensa à proporcionalidade e, com isso, ofensa à Constituição Federal, o que não por outra razão é defendido por segmento considerável da doutrina.
Nesta senda, o que se pretendeu provar com o exemplo a seguir é que o Princípio da Insignificância deve ser visto como norte interpretativo quando da subsunção do fato concreto ao preceito primário da norma penal (descrição em abstrato da conduta proibida pelo Direito Penal), tendo inicialmente como parâmetro apenas o dispositivo legal a ser aplicado, ocasião em que, somente após a conclusão de que houve crime (ao menos em tese), é que se partirá para uma segunda indagação: seria razoável punir tal conduta com a pena prevista no preceito secundário da norma? E finalmente para uma terceira indagação: a pena é razoável analisando-se sob uma ótica global de todos os crimes previstos no ordenamento jurídico?
Denota-se, com efeito, que, embora o Princípio da Insignificância sirva como vetor de interpretação restritiva da norma penal, especificamente do preceito primário da norma penal, a Razoabilidade haverá de se aplicar de forma ampla tanto quando da subsunção do comportamento do agente ao preceito primário da norma penal, quanto quando da resposta às indagações acima levantadas. Por isso, em última instância, não seria exagero se dizer que o Princípio da Insignificância nada mais seria, sob a mais aprofundada análise de sua natureza jurídico-interpretativa, do que uma forma especializada da Razoabilidade.
Corroborando-se a assertiva anterior, denota-se que a Proporcionalidade desdobra-se em necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito; o que, se trasladado ao Princípio da Insignificância, seria possível, tomando-se novamente o exemplo antes elaborado, se indagar o seguinte: seria necessário a punição daquele que comete a conduta concreta de adulterar um comprimido de ácido acetilsalicílico? Se sim, seria adequada a pena de 10 a 15 anos de reclusão, mais multa? Se sim, seria ponderável aprisionar o agente infrator, em face de seu direito de locomoção? Portanto, a identidade do Princípio da Insignificância com a Razoabilidade é mais evidente do que se parece.
Da mesma forma, se verifica razoável coincidência dos termos necessidade de punição e adequação da punição (já bem identificados no Princípio da Insignificância e na Razoabilidade) com as idéias trazidas pelo Funcionalismo Penal Moderado, de Política Criminal, Dualista ou Paralelo, bem defendido por Claus Roxin, sendo esta a base necessária à introdução do ápice do presente estudo, a moderníssima noção de Princípio da Criminalidade de Bagatela Imprópria.
6. A Questão da Insignificância Imprópria
O Princípio da Insignificância Imprópria toma relevo principalmente com decisão prolatada no TJMS, Revisão Criminal 2008.002829-1, a qual se analisava a conduta realizada por R.M.M., que cometera o crime de roubo para sustentar o seu vício em drogas. Tal crime fora cometido há cerca de cinco anos atrás, sendo certo que durante este ínterim entre a conduta e o julgamento do agente, este se recuperou das drogas, obteve emprego honesto e digno, constituiu família e, inclusive, começou a trabalhar como voluntário no CADEF – Casa de Apoio a Dependentes e Familiares, instituição voltada à recuperação de viciados em tóxicos.
Logo, o grande debate travado entre acusação e defesa repousava na possibilidade da aplicação do que se pretendeu denominar Princípio da Criminalidade de Bagatela Imprópria, sendo este identificado como aquele aplicável a uma conduta típica material e formalmente falando, ilícita e praticada por agente culpável ab initio, porém que, passado algum tempo, referida conduta tenha se tornado irrelevante ao Direito Penal, sofrendo uma espécie de exclusão de punibilidade supralegal e superveniente.
Destarte, bem leciona Cleber Masson (2011:36):
“Veja-se que, ao contrário do que se verifica no princípio da insignificância (própria), o sujeito é regularmente processado. A ação penal precisa ser iniciada, mas a análise das circunstâncias do fato submetido ao crivo do Poder Judiciário recomenda a exclusão da pena.”
Nestes termos, está-se diante não mais de um exame a priori acerca da conduta do agente, eis que esta, como já salientado, haverá de ser identificada como típica, ilícita e praticada por agente culpável, mas sim de um exame em concreto, mais especificamente quando da aplicação da pena, nos termos do art. 59 do Código Penal, e quanto à necessidade ou não de se aplicar a referida pena, o que se resumirá, grosso modo, e de forma direta, porém interna ao pensamento do julgador, na seguinte indagação: é necessário o encarceramento de uma pessoa (cuja conduta tenha comprovadamente ensejado um crime passível de punição), dentro de um sistema prisional falido como o nosso, ainda que tal pessoa esteja socialmente reajustada?
A resposta à referida indagação é de extrema dificuldade, se por uma lado o crime foi cometido e, por isso, haverá de ensejar a punição do agente (Teorias Retributivas da Pena), por outro lado, a pena se mostra inútil e sem sentido, vez que o agente apresenta-se reajustado ao convívio social (Teorias Relativas). A questão fica ainda mais delicada a partir do momento em que se percebe que, pelo estudo do citado art. 59 do Código Penal, a única conclusão que se retira é a de que o Brasil adotou uma Teoria Mista ou Eclética de pena, isto porque, em nosso país, embora a pena possua a finalidade de prevenção geral e individual, a mesma pena também terá a função inevitável de causar um mal justo aquele que causou um mal injusto: o crime cometido.
Logo, a resposta à indagação anteriormente citada não poderá vir fundamentada apenas na teoria geral a pena, devendo ser baseada ainda na mais moderna e aceita Teoria acerca do crime no Brasil, a Teoria do Funcionalismo Penal Moderada ou Teleológica ou de Política Criminal, defendida por Claus Roxin.
Assim, segundo o Funcionalismo Penal Moderado, teoria esta de grande aceitação pelos doutrinadores brasileiros, o Direito Penal possui a finalidade precípua de garantir a tutela dos Direitos fundamentais trazidos na Constituição Federal, de modo que o próprio Direito Penal também haverá de ser limitado pelos preceitos constitucionais.
Ademais, o Funcionalismo Penal Teleológico defende com maestria a necessidade de ampliação do conceito de culpabilidade para uma noção conjunta de responsabilidade e necessidade, de modo que para a verificação do crime seria necessário não somente se estabelecer se a conduta é reprovável e praticada por agente imputável, consciente quanto a potencial ilicitude do fato e agindo sem que houvesse a inexigibilidade de conduta diversa, mas também seria imprescindível que ao agente, diante de sua conduta, fosse necessária a aplicação da pena.
Portanto, o que atualmente se verifica na doutrina pátria é a preponderância das finalidades da pena inerentes à prevenção individual negativa (evitar a reincidência) e positiva (ressocializar o delinquente) e à prevenção geral negativa (intimidação coletiva) e positiva (garantia de efetividade social do Direito Penal) em detrimento da retributividade da pena. E que se diga que a referida preponderância, por vezes, e ainda mais no Brasil, será defendida justamente por questões de política criminal, ainda mais por conta da atual situação dos presídios do país, que estão muito longe de alcançar as finalidades ora apregoadas.
Nestes termos e enfim respondendo a última indagação ora levantada, a depender da análise do caso concreto e principalmente da prevenção geral, em alguns casos de menor repercussão social, restará viável a aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela Imprópria. Fala-se que a questão dependerá da prevenção geral porque, por vezes, a não punição baseada em uma causa de exclusão de punibilidade supralegal e superveniente, como é o Princípio da Insignificância Impróprio, poderá ensejar um sentimento insuperável de impunidade na sociedade, acarretando no descrédito do Direito Penal e na sua inefetividade, algo completamente malévolo ao próprio Estado de Direito como um todo.
Nesta senda, a razoabilidade haverá de novamente ser utilizada, ao passo que no crime de roubo, como foi aquele ensejador da aplicação do Princípio da Criminalidade de Bagatela Impróprio até se poderia, como se fez, optar-se pela não punição do agente, eis que a pena resta desnecessária sob o ponto de vista de sua finalidade preventiva, porém, se estivéssemos diante de um latrocínio, por mais que o agente estivesse reajustado socialmente e, sob o ponto de vista individual, a pena fosse desnecessária, sob o prisma geral, certamente a pena haveria de ser aplicada, tudo como forma de intimidação coletiva e garantia da efetividade social do Direito Penal.
7. Conclusão
Conclui-se de tudo o quanto foi explanado que o Princípio da Criminalidade de Bagatela hoje haverá de seguir os bons parâmetros traçados pelo STF, que, embora não sejam matematicamente objetivos, nos trazem um norte a ser seguido, devendo o julgador assim, quando da subsunção do fato social a norma penal utilizar-se do Princípio da Insignificância primeiramente em relação ao preceito primário da norma, seguindo-se a análise da Razoabilidade do preceito secundário.
Finalmente, quanto à Criminalidade de Bagatela Imprópria, não podemos olvidar que em alguns casos excepcionais, esta, diante das finalidades atualmente preponderantes da pena no Direito Penal e, após a efetivação de um processo criminal, poderá ser aplicada em alguns casos, porém somente naqueles em que não haja risco a própria credibilidade e efetividade do Direito Penal. Ante todo o exposto, no entanto, o Princípio da Insignificância ainda terá lugar nas mais acaloradas discussões jurídicas por muito tempo, vez que sem dúvida alguma é uma das questões mais intrigantes do Direito Penal, merecendo que do leitor especial atenção e a continuidade deste singelo trabalho, com os seus essenciais aprofundamentos.
Advogado formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, militante nas áreas de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor, pós graduando pela Escola Paulista da Magistratura em Direito Empresarial e professor em Direito Comercial.
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