1. Introdução
Em nosso estudo, vamos enfocar se a realização da audiência una no processo trabalhista não prejudica o direito do reclamante na análise do conteúdo da resposta da reclamada, como também dos documentos juntados aos autos, além de uma constatação prévia e mais acurada de quais seriam as testemunhas necessárias para o prosseguimento da instrução processual.
Em outras palavras, será que a necessidade do reclamante se manifestar em audiência, em poucos minutos, sobre a defesa e documentos apresentados pela Reclamada viola o princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, CF) e o princípio da razoabilidade?
2. Audiência Trabalhista. Breves enfoques
As audiências são realizadas dentro dos órgãos da Justiça do Trabalho, em horários pré-determinados e com ciência prévia aos efetivos interessados. São realizadas das 8:00 às 18:00 horas, não podendo ultrapassar cinco horas seguidas, salvo quando houver matéria urgente (art. 813, caput, CLT). Em casos especiais, poderá ser designado outro local para a realização das audiências, mediante edital afixado na sede do Juízo, com antecedência mínima de vinte e quatro horas (art. 813, § 1º). Sempre que for necessário, poderão ser convocadas audiências extraordinárias, com ciência prévia às partes, no mínimo, de vinte e quatro horas (art. 813, § 2º).
Como regra, a audiência[1] será contínua[2], mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o magistrado designará nova data para a sua realização (art. 849, CLT). No procedimento sumaríssimo, explicitamente, o legislador adota a expressão audiência única[3] (art. 852-C).
3. A Realização da Audiência Una é Obrigatória?
O legislador consolidado adota a audiência una, como forma de valorização do procedimento oral[4], além do respeito ao princípio da concentração[5]. Contudo, a prática indica que nem todos os órgãos judiciários realizam a audiência una. O que se tem é a cisão[6] da audiência em várias etapas: a inicial, a instrução e o julgamento.[7]
A cisão da audiência não viola o texto legal, logo, a sua ocorrência não é motivo de nulidade processual. Isso porque: a) o adiamento permite ao reclamante a análise da resposta e dos documentos, o que viabiliza, com maior objetividade, a ocorrência da conciliação, que também é um dos princípios peculiares ao processo trabalhista (art. 764, CLT); b) o adiamento não viola os direitos processuais dos litigantes, com destaque ao do contraditório e da ampla defesa[8]; c) o não prejuízo ao reclamante na elaboração da sua estratégia de defesa (produção das provas orais etc.). O adiamento possibilita ao reclamante ter a noção concreta de quais são os fatos efetivamente relevantes e controvertidos e que desafiam a realização das provas orais (relatos pessoais, testemunhais etc.).[9]
Não podemos concordar com o disposto no art. 852-H, § 1º, da CLT, quando no procedimento sumaríssimo enuncia que a parte deverá manifestar sobre os documentos juntados sem a interrupção da audiência, ficando condicionado o respectivo adiamento a critério do juiz. Inegável que a parte tem o pleno direito de analisar a defesa e os respectivos documentos com serenidade, o que não é possível durante o desenrolar da audiência, em poucos minutos, ferindo o princípio constitucional do contraditório e da razoabilidade.
A jurisprudência declina:
“Adiamento da Audiência em Virtude de Doença da Patrona do Autor. Nulidade. Se, por um lado, ainda existe a figura do jus postulandi, na Justiça do Trabalho, por outro, há de se ver que, se o reclamante optou por ser assistido por um profissional competente, é porque desta forma sentiria maior segurança na instrução processual. Se o pedido de adiamento da audiência, em virtude da doença da patrona do autor, devidamente comprovada, nem sequer foi apreciado, só por isto o processo se encontra eivado de nulidade – quanto mais em se concluindo que, em razão deste vício processual, resultou autêntico prejuízo para o argüente” (TRT – 3ª R – 1ª T – RO nº 16.931/96 – Rel. Manuel Cândido Rodrigues – DJMG 13/06/97).
“Perícia. Cerceio de Defesa. Encerramento de Instrução. Prova Pericial em Curso. Pena de Confissão. Incorre em cerceio do direito de defesa, o encerramento da instrução probatória, quando em curso prova pericial acolhida e designada pelo Juízo, que, ainda incompleta, impunha o adiamento da audiência em prosseguimento anteriormente designada. O processo não pode traduzir-se numa armadilha para as partes, não podendo seu condutor apegar a tecnicismos para obliterar a livre produção de provas importantes para o deslinde da controvérsia, ainda mais quando, requerida pela parte a quem interessa, foi deferida, e mais adiante, simplesmente negada. Ademais, deve-se verificar que a parte já havia comparecido em juízo e na ocasião não foi colhido o seu depoimento pessoal, porque entendeu-se necessária, antes, a produção da prova técnica. Ora, o que acontece ordinariamente nestes casos é a produção da prova oral após a conclusão da prova pericial, pois que pode haver necessidade de complementação de uma pela outra. O normal, então, seria o adiamento da audiência, jamais o encerramento da prova em face da pena de confissão, incidindo sobre quem já havia comparecido à audiência, que, ademais, é uma” (TRT – 3ª R – 5ª T – AP nº 00802-2003-028-03-00 – Rel. Emerson José Alves Lage – DJMG 27/03/04 – p. 15).
“Cerceio do direito de defesa. ‘A justiça existe em função do jurisdicionado. E o ofício do julgador é instruir o processo, dando às partes a possibilidade de ampla defesa (devido processo legal). O princípio da celeridade deverá ter a convivência harmônica com os demais princípios. O juiz que julga ouvindo somente uma das partes poderá até fazer justiça, mas jamais será um juiz justo (Carlos Maximilano)’” (TRT – 17ª R – RO nº 01282.2000.001.17.00.4 (2782/2002) – Rel. Hélio Mário de Arruda – DOES 02/04/02).
“Antinomia de Segundo Grau. Conflito Entre os Princípios da Preclusão e do Devido Processo Legal/Ampla Defesa. Prevalência dos Últimos em Razão do Princípio da Proporcionalidade. Encerrada a instrução na primeira audiência, excepcionada a juntada posterior da resposta pela ré e a manifestação do autor sobre ela, com prévia adução de razões finais remissivas, tem-se por invertidas as fases postulatória e probatória. A eventual aquiescência do autor quanto ao encerramento da instrução processual antes de estabilizada a lide e conhecidos os limites da litiscontestação não impede a configuração da nulidade do processo, decorrente da formulação e indeferimento de pedido de produção de prova oral, por lesionados os princípios da ampla defesa e do devido processo legal. A antinomia existente entre esses princípios e o princípio da preclusão se resolve em favor dos primeiros, em face do princípio da proporcionalidade que indica a solução que mais preserve o sistema como um todo” (TRT – 12ª R – 1ª T – Ac. nº 00482/05 – RO-V nº 03525-2003-039-12-00-1 – Rel. José Ernesto Manzi – DJSC 19/01/05).
4. Conclusão
A audiência trabalhista há de ser contínua, com a realização de todos os atos processuais cabíveis e necessários, contudo, a aplicação do princípio da concentração há de ser cotejado com os princípios do contraditório e da razoabilidade.
Há determinados momentos, de acordo com as peculiaridades de cada processo, que o adiamento é inevitável, para que o reclamante possa ter o tempo necessário para o exame do teor da resposta e dos documentos pela parte contrária, para que possa explorar, de forma meticulosa, o contraditório.
Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Ex-coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integrada Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Autor de várias obras jurídicas em co-autoria com Francisco Ferreira Jorge Neto, com destaques para: Direito do Trabalho (4ª ed., no prelo) e Direito Processual do Trabalho (3ª ed., 2007), todos pela Lumen Juris.
Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Coordenador e Professor da Pós-Graduação Lato Sensu do Pró-Ordem em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em Santo André (SP). Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Autor de livros, com destaques para: Direito do Trabalho (5ª edição) e Direito Processual do Trabalho (4ª edição), publicados pela Lumen Juris, em co-autoria com Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
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