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A coerência da aplicação da Lei Maria da Penha a um homem: direito como integridade e pluralismo jurídico

Resumo: A lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Em abril de 2011, o juiz da 11º vara criminal do Rio de Janeiro, Alcides da Fonseca Neto, aplicou o referido dispositivo a um casal homoafetivo composto por homens.  Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo principal analisar a postura do magistrado, aparentemente incoerente no plano formal, à luz das teorias do direito como integridade, de Ronald Dworkin, e do pluralismo jurídico, de Antonio Carlos Wolkmer. Este trabalho foi orientado pela Professora Maria Sueli Rodrigues de Sousa.


Palavras-chave: Lei Maria da Penha, Homoafetividade, Homem, Direito como integridade, Romance em cadeia, Princípios, Justiça, Equidade, Dworkin, Pluralismo Jurídico, Movimentos Sociais, Wolkmer.


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Abstract: The law 11.340/06, Maria da Penha Law, aims to curb domestic violence against women. In April 2011, the judge of the 11th criminal court of Rio de Janeiro, Alcides da Fonseca Neto, such a device applied to a couple Homoaffective composed of men. Thus, this study aims to analyze the position of chief magistrate, apparently incoherent at a formal level, in the light of theories of law as integrity, Ronald Dworkin, and legal pluralism, Antonio Carlos Wolkmer.


Keywords: Maria da Penha Law, Homo­sexuality, Man, Law as integrity, Novel Chain, Principles, Justice, Equity, Dworkin, Legal Pluralism, Social Movements, Wolkmer.


Sumário: 1. Introdução. 2. Lei Maria da Penha aplicada a um casal homoafetivo compost por homens. 3. Direito como Integridade e Pluralismo Jurídico aplicados à decisão. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Introdução


A sociedade hodierna é marcada por acentuada dinamicidade e complexidade: a evolução do conceito das relações íntimas de afeto é um exemplo claro disso, posto que não é mais hegemônica a ideia de que é uma instituição formada, necessariamente, pelo par homem-mulher. Nesse contexto, o Direito, enquanto norma posta, não consegue solucionar satisfatoriamente os novos casos que emergem. Portanto, é preciso recorrer a fundamentações teóricas que permitem que o magistrado vá além da interpretação literal da lei, sem perder de vista a harmonia do ordenamento e a segurança jurídica.


No presente artigo, partiu-se da análise de um caso concreto – a sentença proferida pelo juiz Alcides da Fonseca Neto, aplicando a Lei Maria da Penha para um casal homoafetivo composto por homens – para fazer-se um estudo de tal decisão à luz das teorias de Ronald Dworkin e Antonio Carlos Wolker. Para tanto, foi preciso abordar temas tais quais: a ideia da interpretação principiológica, do romance em cadeia, da direito como integridade, do reconhecimento de direitos através da luta dos movimentos sociais, dentre outros.


Por fim, buscou-se a discussão crítica – e não o esgotamento – do tema, utilizando as teorias acima citadas para endossar a avaliação da decisão proferida.


2. Lei Maria da Penha aplicada a um casal homoafetivo composto por homens


Em abril de 2011, o juiz da 11º vara criminal do Rio de Janeiro, Alcides da Fonseca Neto, decretou que o réu Renã Fernandes Silva mantenha uma distância de 250 metros do seu companheiro, Adriano Cruz de Oliveira. Este vinha sendo vítima de várias agressões praticadas por seu companheiro durante os três anos em que estiveram juntos. A última foi registrada na madrugada de 30 de março, quando foi atacado com uma garrafa, lesionando seu rosto, perna, lábios e coxa. A vítima apelou ao Ministério Público Estadual. Segundo os autos do inquérito, os atos de violência ocorriam habitualmente, e de acordo com Adriano, Renã teria também envolvimento com drogas. Como práxis em muitos casos de violência doméstica entre casais heterossexuais, Adriano alega ter sido ameaçado, caso chamasse a polícia para relatar as agressões.


A decisão do juiz foi fundamentada com a lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que é direcionada para as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher:


“Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (…).” (LEI 11.340/06)


Nesse sentido, como a postura do juiz, aparentemente incoerente no plano formal – por aplicar a um homem uma lei claramente direcionada à mulher – representa, na verdade, a concretização da própria coerência?


3. Direito como Integridade e Pluralismo Jurídico aplicados à decisão


Em fevereiro de 2011, o Juiz Osmar de Aguiar Pacheco, da comarca de Rio Prado, Rio Grande do Sul, apresentou a primeira decisão da Lei Maria da Penha a um casal homoafetivo composto por homens, concedendo uma medida protetiva a um homem que afirmava estar sendo ameaçado por seu ex-companheiro. Até então, a lei só era aplicada a pessoas do mesmo sexo quando se tratavam de mulheres, por uma previsão da própria lei:


“Art. 2o  Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.(Ibidem).


Nos centros de discussões jurídicas, é corriqueiro associar esse tipo de decisão à corrente do direito alternativo (Carvalho,1997), surgido na Itália na década de 70, e no Brasil, no período pré-constituinte (década de 80), com vanguarda no Rio Grande do Sul.  Embora essa corrente, originariamente, esteja comprometida com uma posição de classe, seus princípios norteadores estão comprometidos com uma prática jurídica disposta a criar, colocando-se ao lado dos mais vulneráveis socialmente. Para tanto, não prende-se aos dogmas e às verdades definidas.


Pode-se dizer que esta decisão reflete uma aplicação do direito alternativo, ou trata-se de um caso interpretado conforme o direito como integridade (Dworkin, 2003)?


Segundo Ronald Dworkin, filósofo do Direito norte-americano, a complexidade da aplicação e da interpretação do direito se resolve por meio de um processo integrativo, considerando o devido processo legal, a equidade e a justiça. Aqui, o direito não é composto apenas por regras, mas também por princípios, que são standards a serem observados por exigências da moral política e da justiça. Por esse motivo, Dworkin questiona outras correntes de pensamento, como o convencionalismo e o pragmatismo. Em relação ao convencionalismo, ele critica o fato de os seus adeptos darem mais importância à forma, podendo assim os juízes decidirem de qualquer modo, desde que respeitem o aspecto formal, estando excessivamente presos às decisões tomadas pelas instituições jurídicas no passado. Ao mesmo tempo, o jusfilósofo não aceita o pragmatismo, que, na ausência ou incompletude da lei, permite que o juiz preencha as lacunas com princípios morais próprios, desvinculando-se do texto da lei:


“O direito como integridade é, portanto, mais inflexivelmente interpretativo do que o convencionalismo ou o pragmatismo. (DWORKIN, 2003, p.272) (…) O direito como integridade deplora o mecanismo do antigo ponto de vista de que ‘lei é lei’, bem como o cinismo do novo ‘realismo’.” (Ibidem, p.274)


Dworkin argumenta que a interpretação da prática social é uma forma de interpretação criativa. Esta é um modelo construtivo de interação entre o propósito do intérprete e o objeto interpretado. Assim, interpretar uma prática social (no caso, a lei) é propor um valor a ela, por meio da descrição de seus objetivos. Essa interpretação construtiva é feita em etapas: primeiramente, são consideradas as regras e padrões que fornecem o conteúdo experimental da prática. No caso em análise, em que a Lei Maria da Penha é aplicada a um casal homoafetivo composto por homens, o juiz recorreu ao ordenamento jurídico para observar as regras que melhor se aplicariam a este caso. “Importa finalmente salientar que a presente medida, de natureza cautelar, é concedida com fundamento na Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), muito embora esta lei seja direcionada para as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher.”, afirmou o juiz Alcides da Fonseca Neto.


 Na etapa seguinte da interpretação criativa, o intérprete busca formular uma justificativa geral para os principais elementos observados na etapa anterior, argumentando se deve ou não buscar uma prática com essa forma geral. Aqui, o juiz considerou insuficientes as determinações do direito penal convencional e recorreu à lei 11.340/06 para atender às especificidades desse caso concreto.


Por fim, na etapa pós-interpretativa, o aplicador busca o ajuste entre sua ideia daquilo que o caso requer para servir à justificativa formulada na etapa anterior. Logo, o magistrado do caso discutido estendeu a abrangência da Lei Maria da Penha, considerando o princípio constitucional, portanto hierarquicamente superior, da isonomia. “(…) Entretanto, a especial proteção destinada à mulher pode e dever ser estendida ao homem naqueles casos em que ele também é vítima de violência doméstica e familiar, eis que no caso em exame a relação homoafetiva entre o réu e o ofendido, isto é, entre dois homens, também requer a imposição de medidas protetivas de urgência, até mesmo para que seja respeitado o Princípio Constitucional da Isonomia”, afirmou o juiz Alcides da Fonseca Neto.


É possível relacionar a prática hermenêutica do juiz com a interpretação baseada no direito como integridade (Dworkin,2003)? No contexto integrativo, o juiz, diante de um caso concreto, deve analisar casos anteriores parecidos com o seu, tendo em vista que a prática de interpretação do direito precisa considerar tanto o passado, sob o olhar interessado do presente, quanto o futuro. Isso porque o exercício da atividade jurídica está em um processo contínuo de desenvolvimento, ou seja, pelo princípio da adequação, não se pode quebrar a harmonia do sistema jurídico. Nesse cenário integrativo da interpretação jurídica, podemos considerar a decisão proferida pelo juiz Alcides da Fonseca Neto e a do juiz Osmar de Aguiar Pacheco como capítulos do direito, sendo essa continuidade o cerne da ideia do direito como romance em cadeia.


O romance em cadeia é uma metáfora que compara o texto literário ao direito. Assim, cada romancista recebe os capítulos anteriores para interpretar e, a partir daí, escrever seu próprio capítulo. Essa produção deve preservar a unidade e harmonia da obra como um todo, como se ela fosse elaborada por um único autor.  É nesse sentido que o juiz é considerado autor do direito, mas também seu crítico:


“Os juízes, porém, são igualmente autores e críticos (…) introduzindo acréscimos na tradição que interpretam (Ibidem, p. 275) (…) Se for um bom crítico, seu modo de lidar com essas questões será complicado e multifacetado, pois o valor de um bom romance não pode ser apreendido a partir de uma única perspectiva.”(Ibidem, p.277).


É importante ressalvar que o artigo 5º da referida lei, em seu parágrafo único, traz que as relações pessoais enunciadas no citado artigo independem de orientação sexual, ideia acentuada pelos incisos II e III, ao definirem a família como comunidade formada por indivíduos e unidade doméstica como espaço de convívio permanente de pessoas unidas por quaisquer relações íntimas de afeto, respectivamente. Dessa forma, o legislador ampliou o conceito de família, dando abertura para uma interpretação conforme os moldes atuais. Entretanto, no caput do mesmo artigo, bem como na ementa da lei e no artigo 1°, o legislador explicita a violência contra a mulher. Por esse motivo, as decisões de até então destinavam-se a casos de casais heterossexuais e, no máximo, a casais homoafetivos compostos por mulheres.


Nesse contexto, a aplicação a um homem de uma lei destinada especificamente à mulher produziu uma decisão inovadora, embora não configure uma transgressão ao ordenamento jurídico, pois é o caso concreto que aponta o conteúdo de justiça para determinada sociedade em determinado contexto.


É importante ressaltar que o exercício interpretativo é sempre criativo, mas deve haver uma vinculação ao texto, o que reflete um compromisso com o enredo do romance em cadeia. Assim, a atividade criadora do juiz é distinta da criação do legislador, pois o direito como integridade pressupõe que eles estão em pólos diferentes, já que as decisões judiciais são práticas interpretativas, e não produção normativa.


Não obstante, o direito como integridade também pressupõe que o juiz consciente de sua função deve apreciar vários critérios, dentre eles as circunstâncias do caso concreto, a moral política da comunidade e a opinião das instituições, que estão em coerência com o grupo social. Assim, o bom aplicador acrescenta valores da comunidade no direito que interpreta, ou seja, a adequação entre a norma e a moral política da comunidade é importante para preservar a própria segurança jurídica. Ao mesmo tempo, a norma já posta é o pressuposto de toda atividade judicial, porém, prezando pela justiça e equidade.


Isso só é possível diante de uma visão principiológica do direito. Consideramos que o juiz do caso em análise fez uma interpretação integrativa, pois partiu da lei posta, Maria da Penha, restrita à violência doméstica contra a mulher, e, tomando as circunstâncias do caso concreto, buscou a justiça e a equidade. Ou seja, ressignificou o alcance da lei sob o prisma do princípio constitucional da igualdade, evitando a hermenêutica legal da forma “tudo ou nada” (Dowrkin, 2003), que engessa a aplicação jurídica em uma sociedade dinâmica.


É importante ressaltar que o processo integrativo de interpretação direciona-se com ênfase maior aos hard cases (Dworkin,2003), que são aqueles em que há  aparente colisão de princípios. Entretanto, o caso discutido, pode-se dizer, constitui um “falso” hard case, tendo em vista que não há tal colisão, apenas uma aparente incoerência formal entre uma lei infraconstitucional e um princípio maior da Carta Magna.


“Uma comunidade de princípios não encara a legislação do mesmo modo que uma comunidade baseada em códigos (…). Trata a legislação como uma decorrência do compromisso atual da comunidade com o esquema precedente de moral política.” (Ibidem, p. 413). “Rejeita a hipótese de um momento canônico no qual a lei nasce e tem todo – e único- significado que sempre terá (…). Sua interpretação muda à medida que a história vai se transformando” (Ibidem, p. 416).


Embora Dworkin defenda o direito posto como pressuposto de toda atividade judicial – apresentando, portanto, uma tendência ao positivismo jurídico – esta orienta-se pela busca da justiça e da equidade, o que só é possível segundo uma perspectiva principiológica do direito. Dessa forma, a necessidade de se atualizar as normas com a moral política e os valores compartilhados pela comunidade abre, inegavelmente, espaço para a interpretação condizente com a complexidade e pluralidade social.


É nesse ponto que a corrente do Pluralismo Jurídico (Wolkmer,2001), com ressalvas, aproxima-se deste autor: Dworkin nega um momento canônico para as leis, que não têm sentido estático, fixo, mas uma interpretação que acompanha a mutabilidade das circunstâncias históricas. É a tentativa de ver o direito através da sociedade: aproximar a concretude da sociedade à abstração da lei formal.


O Pluralismo é um movimento surgido da necessidade de captar o conteúdo jurídico fora do processo convencional estatal, ou seja, percebe que o direito não pode apartar-se do social. Assim, o direito precisa trabalhar com casos concretos, de forma que a universalidade legal não negue a individualidade, pois esta é a própria segurança jurídica. Nesse contexto, surgem novos agentes que são fatores potenciais para a definição de novos contornos da cultura jurídica e que complexificam a aplicação do direito. Tais agentes, os novos movimentos sociais, são frutos de ciclos culturais ideológicos e de mudanças sociais.


Os novos movimentos sociais buscam ser reconhecidos como sujeitos de direito, tematizando a necessidade de suprir as demandas de grupos que não são novos historicamente, mas de recente projeção no cenário político institucional. Esses movimentos são sujeitos coletivos e transformadores que rompem com a lógica do paradigma social dominante (Wolkmer,2001).  


O movimento GLBT, por exemplo, pode-se dizer, tem um sólido histórico de reivindicações, e esta luta abre campo para que decisões como a do caso analisado tenham legitimidade, correspondência com as novas demandas sociais, além de servirem como precedentes para o reconhecimento de direitos dos novos agentes. É, inclusive, nesse sentido que o consagrado pensador alemão Rudolf Jhering afirma que “todos os direitos da humanidade são conquistados na luta“ (JHERING,2009,p.23) e que “o direito sem a balança apresenta-se não pelo seu lado real, mas puramente lógico, como sistema de regras abstratas, imprimindo um caráter que de forma alguma concorda com a realidade”(JHERING,2009,p25).


Por tudo isso, o caso em análise, que faz uma releitura da Lei Maria da Penha – pautada no princípio constitucional da isonomia – reflete a complexidade e a pluralidade da sociedade hodierna. O magistrado, com sua decisão, rompe com o paradigma dominante na busca da justiça e da equidade para o caso concreto, considerando a individualidade do caso sem opirimi-la diante da universalidade da lei abstrata. Ou seja, considerando a peculiaridade do caso, não houve uma relativização do direito, mas a própria concretização da segurança jurídica.


Ao mesmo tempo, a lei 11.340/06 não se esgota na vontade do legislador, pois a contingência e a complexidade sociais exigem que ela seja interpretada à luz de um novo tempo, já que a lei é dotada de autonomia. Assim, o direito precisa ser atualizado, sem perder de vista o princípio da unidade do ordenamento jurídico, em que a interpretação conforme a Constituição confere coerência e harmonia à decisão. Ademais, a necessidade de fazer justiça para o caso concreto pressupõe uma hermenêutica sociológica, que abre espaço para uma interpretação teleológica-axiológica. Neste caso, a Lei Maria da Penha prevê, em seu artigo 4º, que os fins sociais aos quais se destina deverão ser considerados no processo interpretativo.


4. Conclusão


A decisão do juiz, estendendo a aplicação da Lei Maria da Penha, originalmente destinada à punição da agressão contra a mulher na relação doméstica familiar e, portanto, sendo aparentemente incoerente no plano formal, representa a concretização de uma coerência não de forma, mas de fundo, ou seja: um compromisso com a busca da justiça para o caso concreto, com a aplicação de um princípio maior constitucional – o da isonomia.


Essa decisão mostra que o formalismo excessivo deturpa a natureza do direito e não resolve as novas situações emergidas do social. Assim, as normas não devem ser entendidas como tendo um caráter canônico, imutável, inquestionável, fixo, estático. Pelo contrário, é função do aplicador do direito atualizar no processo hermenêutico tais normas conforme a moral política da comunidade e a mutabilidade das circunstâncias históricas.


O direito, embora tenha um conteúdo variável de acordo com a sociedade e o contexto em que está inserida, tem um alvo imutável, que é a busca pela justiça. Em outras palavras, “o valor do direito é a justiça” (RADBRUCH,1979,p.44) e o seu sentido é a realização do justo. Por isso, a hermenêutica orienta-se, também, em função dos valores, como instância de compreensão. É assim que a concretude social informa a abstração legal.


Ademais, foi o resgate da interação entre a concretude social e a abstração legal que levou o STF a, recentemente, estender as implicações da união estável a casais homoafetivos. Isso nada mais é do que o resultado da luta de movimentos sociais em prol do seu reconhecimento como sujeitos de direitos. Ao mesmo tempo, embora o caso em análise não seja propriamente aplicação do direito alternativo, as decisões proferidas por essa corrente estimularam mudanças na cultura jurídica e constituem capítulos do romance em cadeia (Dworkin,2003), bem como a decisão em análise, a sua precedente e o julgamento do STF.


É, pois, papel do aplicador, dentro de parâmetros razoáveis, estender a norma, em nome da equidade e da isonomia, para alcançar a justiça. O direito justo não se esgota no direito positivo. Summum jus, summa injuria – supremo direito, suprema injustiça. ”O direito elevado ao máximo, injustiça em grau máximo resultante. Faça-se justiça, porém do modo mais humano possível, de sorte que o mundo progrida e jamais pereça” (MAXIMILIANO,1999,p.138).


 


Referências bibliográficas:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 e suas emendas.

DMITRUK, Erika Juliana. O princípio da integridade como modelo de interpretação construtiva do Direito em Ronald Dworkin. Revista jurídica da UniFil, Ano IV – nº 4

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

JHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2009.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. São Paulo: Revista Forense, 1999.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979.

URA, Ricardo César Pereira. A aplicação do Direito e a Lei Injusta. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano I, JanlJun – 2000.

WALDMAN, Ricardo Libel. A teoria dos princípios de Ronald Dworkin. Revista de Ciências Jurídicas – ULBRA. Volume 2. N°2. 2° semestre de 2001.

WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

Informações Sobre os Autores

Ana Cléia Clímaco Rodrigues da Silva

Estudante de Direito.

Thamyres Camarço de Oliveira

Estudante de Direito.


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Equipe Âmbito Jurídico

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