Welisson Ribeiro Arthur da Silva – Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: ribeirowelisson@gmail.com
Resumo: O artigo tem por objetivo investigar a condução coercitiva e o seu cabimento no inquérito policial, fazendo uma análise desta medida sob o aspecto constitucional. Para isto, aborda-se o instituto do interrogatório, previsto no Código de Processo Penal, bem como posicionamentos doutrinários, demonstrando entendimentos favoráveis e contrários à condução coercitiva do indiciado. Por último, analisa-se o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: condução coercitiva; sistema acusatório; direitos fundamentais; inquérito policial; interrogatório policial.
Abstract: The article aims to investigate coercive conduct and its place in the police investigation, making an analysis of this measure under the constitutional aspect. For this, the interrogation institute, provided for in the Code of Criminal Procedure, is addressed, as well as doctrinal positions, demonstrating understandings favorable and contrary to the coercive conduct of the accused. Finally, the current position of the Federal Supreme Court is analyzed.
Keywords: coercive conduct; accusatory system; fundamental rights; police inquiry; police interrogation.
Sumário: Introdução; 1 Sistemas inquisitório e acusatório; 2 O interrogatório e o sistema processual penal brasileiro; 3 A condução coercitiva na esfera policial; 4 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 395; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo consiste em um estudo sistemático do instituto da condução coercitiva existente no sistema processual penal pátrio, com a finalidade de demonstrar a sua origem, a sua natureza jurídica e as regras expressamente previstas no ordenamento jurídico, enfatizando-se as irregularidades no manuseamento da referida medida processual, com base em nossa ordem constitucional.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inovou no ordenamento jurídico brasileiro, firmando o Estado Democrático de Direito e prevendo uma série de direitos fundamentais, entre eles o direito ao silêncio, também conhecido como direito a não-autoincriminação, o direito à ampla defesa, o direito ao devido processo legal, o direito à liberdade de locomoção, bem como os doutrinariamente conhecidos como princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência.
O instituto da condução coercitiva, previsto no Código de Processo Penal de 1941, tem sido ultimamente utilizado por magistrados e requerido por membros do Ministério Público, de forma a confrontar com direitos fundamentais expressamente previstos e garantidos em nossa Carta Política de 1988, daí a importância de se discutir academicamente acerca da referida medida processual.
Em relação às incongruências na utilização do referido instituto diante da Constituição da República de 1988, basta lembrarmos da condução coercitiva do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, determinada pelo então Juiz Federal Sérgio Moro na data de 04 de março de 2016, durante a 24ª fase da Operação Lava Jato, conduzida pela Polícia Federal, sob o controle externo do Ministério Público Federal. Nesta ocasião, o ex-Presidente foi conduzido, sob força policial, ao Aeroporto de Congonhas, na zona sul do Estado de São Paulo, para prestar depoimentos à autoridade policial que lá já se encontrava para iniciar o interrogatório[1].
Assim, diante da problemática envolvendo a má utilização da medida coercitiva na esfera policial, a presente pesquisa tem como objetivo geral conhecer o referido instrumento previsto no artigo 260 do Código de Processo Penal vigente, de modo a destacar os equívocos que acompanham a utilização deste instituto, tendo em vista as flagrantes violações a direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A presente pesquisa foi estruturada a partir da análise minuciosa da legislação vigente em nosso ordenamento jurídico, bem como da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema, tendo em vista as atuais discussões acerca da (in)constitucionalidade da condução coercitiva. Como base teórica e informativa, ainda, utilizou-se pesquisas doutrinárias, visando destacar entendimentos contrários e favoráveis ao instituto objeto deste trabalho, e, também, foi realizada pesquisa de artigos científicos, escritos por operadores do Direito conhecidos na seara jurídica.
Nesse sentido, a pesquisa foi dividida em 3 (três) partes. Na primeira, aborda-se todo o contexto histórico dos sistemas processuais penais já utilizados em nosso ordenamento jurídico, antes e depois da promulgação da Carta Magna de 1988. Na segunda parte, destaca-se o instituto do interrogatório, previsto no Capítulo III do Título VII do Código de Processo Penal, que prevê as espécies probatórias do nosso sistema processual vigente. Neste instituto, tratado nesta pesquisa como o objetivo da condução coercitiva, apresentou-se as regras estabelecidas em nosso código processual e como tem sido utilizado pelas autoridades policiais durante a fase de inquérito. Já na terceira parte, analisa-se o referido instrumento coercitivo sob o viés constitucional, questionando-se a utilização desta via na esfera policial. Nesta parte, ainda, realiza-se uma leitura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 395, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), na qual se pretendeu a declaração, pela Suprema Corte, da não receptividade do artigo 260 do Código de Processo Penal pela Constituição da República de 1988.
A compreensão dos institutos que permeiam o Código de Processo Penal de 1941, atual código processual penal vigente no ordenamento jurídico pátrio, prescinde de uma análise histórica dos sistemas processuais penais ditos puros, quais sejam, o sistema inquisitório e o sistema acusatório, de modo a investigar o surgimento e a aplicabilidade de cada um destes em nosso sistema processual.
O Sistema Inquisitório ou Inquisitorial tem sua origem em Roma, tendo em vista que o ordenamento jurídico da época possibilitava ao magistrado deflagrar a ação penal ex officio, isto é, sem a participação e/ou provocação de um órgão acusador, que, nos dias atuais, seguindo o modelo acusatório, seria o Ministério Público. Assim, durante o período medieval, mais precisamente a partir do Concílio de 1215, o processo penal do tipo inquisitivo, por forte influência da Igreja, que, em épocas passadas, exercia grande poder sobre os sistemas político e jurídico, passou a predominar no continente europeu, conferindo publicização a este sistema[2].
O Sistema Inquisitório tem como características a ausência de contraditório e ampla defesa, bem como a acumulação, pela figura do Juiz, das funções de investigar, acusar e julgar. Neste processo, o réu é tratado como o objeto da própria ação penal, ou seja, leva-se em consideração tão somente o aspecto subjetivo da pessoa do acusado, e não o fato delituoso propriamente dito, como o que acontece no sistema acusatório. Em relação à referida subjetividade, os autores Eduardo Ribeiro Moreira e Margarida Lacombe Camargo ensinam que:
(…)O réu é o objeto do processo, e as avaliações recaem sobre sua conduta pregressa e até sobre seu estado de espírito, permitindo arbitrariedades e incertezas. O direito penal do autor sempre está comprometido a agravar situação reconhecidamente prejudicial ao réu, já que admite interpretações nocivas e, o pior, as perseguições aos desafetos e a proteção aos amigos.[3]
O processo penal inquisitório, desde a origem deste sistema, tinha a confissão do réu, que não era visto como sujeito de direitos, como o meio probatório de maior relevância. Para isto, as autoridades da época utilizavam-se de práticas desumanas e hediondas, como a tortura, conduta atualmente inadmissível em nosso sistema constitucional e processual, onde predomina o sistema acusatório, no qual o réu, além de outros direitos reconhecidos pela Carta Magna de 1988, é considerado presumidamente inocente.
A prática da tortura, durante o período de abrangência do sistema inquisitivo, era amplamente autorizada no território e justificada por meio de falácias tidas como jurídicas. Era dado ao acusado um determinado prazo para que confessasse a prática de um delito, mesmo sem haver qualquer investigação prévia acerca dos indícios de materialidade e autoria, isto é, mesmo sendo inocente, o réu, sob a prática de violência física e psicológica, acabava por declarar-se culpado tão somente para se ver livre daquela situação degradante. Esgotado o prazo sem que houvesse declaração de culpa por parte daquele indivíduo, este era liberado, sob o pretexto de que a tortura havia sido aplicada de forma exauriente[4].
O Sistema Acusatório, por sua vez, motivado pelo surgimento de direitos intrínsecos à dignidade da pessoa humana, bem como pela necessidade de se criar um método processual mais eficiente à apuração dos fatos imputados ao acusado, tem sua origem no ordenamento jurídico inglês, durante o império de Henrique II, no qual passou-se a admitir a realização de um processo penal sem interferências do Rei ou de seu representante maior.
O processo penal sob a via acusatória, então, começou a abranger uma pluralidade de sujeitos processuais, isto é, as funções passaram a ser divididas a órgãos distintos, sendo a de julgar exclusivamente do magistrado, e a de acusar exclusivamente do órgão ministerial com a competência para, de forma externa (ou indireta), acompanhar a investigação policial e, satisfazendo-se da reunião de indícios de autoria e materialidade, oferecer a peça processual acusatória.
No Sistema Acusatório, o Poder Judiciário, diante da repartição de funções a diferentes órgãos que integram a relação processual, perde poderes investigatórios que outrora lhes pertencia durante o período em que o Juiz, detentor do poder supremo perante o processo e o réu, era capaz de, ao mesmo tempo, investigar, acusar e julgar o acusado, que era visto como mero objeto da ação penal[5].
O ordenamento jurídico pátrio, embora não preveja expressamente acerca da adoção a um dos sistemas processuais penais supramencionados, revelou-se admitir o sistema acusatório, tendo em vista as características de nosso processo penal, recepcionadas pela Constituição da República de 1988. Sobre tal conformidade das regras previstas em nosso Código de Processo Penal com o texto constitucional, esclarece Douglas Fischer:
Com efeito, nos termos do art. 129, I, CF, compete ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública. Portanto, o titular da ação penal (ressalvado os casos específicos), de regra, é o parquet. E a função de julgar pertence ao Judiciário, observado o princípio (fundamental) do juiz natural (grifo do autor).[6]
No Brasil, contudo, apesar da predominância do sistema processual acusatório, a aplicação do referido sistema, em sua totalidade, isto é, em sua natureza pura, ainda constitui uma utopia jurídica, se assim pode se dizer, tendo em vista as flagrantes violações a direitos fundamentais do investigado, do indiciado ou do réu por parte de autoridades policiais e judiciárias.
Nesse sentido, a má utilização dos institutos, a desenfreada busca por uma verdade real e uma pequena dose de autoritarismo policial e judicial fizeram com que alguns autores, entre eles Aury Lopes Jr.[7], classificasse nosso sistema como (neo) inquisitório, em razão dos vestígios que o período inquisitorial acabou deixando em nosso modelo atual de processo.
Apenas como exemplo de resquícios de um sistema inquisitório que reinava em épocas passadas, podemos citar o artigo 156 do Código de Processo Penal vigente, que prevê em seu caput: ‘’A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (…)’’[8]. Tal dispositivo legal, em seus incisos I e II, confere ao magistrado poderes investigatórios sobre a condução das provas, privilégios processuais estes que nada guardam relação com o sistema acusatório.
O instituto do interrogatório, previsto no Código de Processo Penal de 1941 no Título referente aos meios de prova, consiste em um ato de competência privativa do magistrado, no qual este ouve o que o acusado tem para falar em relação aos fatos a ele imputados. Tal instituto, entretanto, ao longo da vigência do nosso código processual, passou a ser tratado não só como meio probatório, mas também como meio de defesa do réu, haja vista ser a sua oportunidade de se manifestar no processo, de forma personalíssima, diretamente ao Juiz da fase de conhecimento, isto é, da fase da instrução criminal[9].
O Código de Processo Penal brasileiro traz previsão, em seu artigo 187, de duas etapas, também chamadas de fases, do interrogatório. Na primeira fase, o Juiz formulará perguntas a respeito da pessoa do acusado, levando-se em consideração a sua qualificação, isto é, a sua subjetividade. Já na segunda fase, as perguntas serão dirigidas exclusivamente ao(s) fato(s) delituoso(s) imputado(s) ao réu.
Com o advento da Lei nº 10.792/2003, que alterou a redação original do artigo 186 do Código de Processo Penal, o réu passou a ter garantido o seu direito constitucional ao silêncio[10] na segunda fase do interrogatório, direito esse muito utilizado, diga-se de passagem, sem que isso o prejudique. Tal modificação legislativa, então, baseada em nosso modelo acusatório, tornou este sistema cada vez mais próximo daquilo que a doutrina chama de puro, conferindo ao acusado garantias constitucionalmente previstas, de modo a protegê-lo dos resquícios que o período inquisitorial deixou em nosso sistema, tendo em vista que, à época, utilizavam-se de práticas hediondas, entre elas a tortura, como visto anteriormente, para se conseguir uma confissão do indivíduo verdadeiramente culpado ou inocentemente acusado.
Na esfera policial, ou seja, durante a fase de inquérito, o interrogatório consiste na oitiva da pessoa objeto da investigação, devendo a autoridade policial observar estritamente as regras do interrogatório previstas para a fase processual, conforme prevê o inciso V do artigo 6º do Código de Processo Penal vigente.
No período do inquérito policial, o indiciado também possui direito ao silêncio garantido, não sendo obrigado a declarar à autoridade policial eventual prática do delito ora investigado ou a responder questionamentos acerca do fato delituoso, tendo em vista que não se trata apenas de uma norma a ser observada pelo Juiz no âmbito processual, mas sim de um direito fundamental tanto do réu quanto daquele indivíduo objeto de uma investigação policial[11].
Assim, em razão das garantias fundamentais previstas em nossa Carta Magna de 1988, que fortificou o modelo acusatório em nosso sistema processual penal, o instituto do interrogatório, seja em âmbito investigativo-policial, seja em esfera processual, deve ser manejado de forma sistemática, em estrita obediência aos direitos do interrogado.
Diante do direito constitucional de permanecer calado, que a Constituição da República de 1988 confere ao acusado, conforme previsão do seu artigo 5º, inciso LXIII, iniciou-se uma discussão no âmbito da doutrina e da jurisprudência pátrias em relação à real necessidade, ou obrigatoriedade, da realização do interrogatório no processo penal, haja vista que passou a se reconhecer que não havia sentido em assegurar ao acusado o direito de permanecer calado, e, posteriormente, determinar o seu comparecimento ao juízo para exercer tal prerrogativa.
O Supremo Tribunal Federal, adiantando-se de demais discussões, pronunciou-se primeiramente acerca do tema, firmando entendimento de que a não realização do interrogatório, apesar de ser este considerado um meio defensivo do réu, não importaria em cerceamento à sua defesa, sendo, portanto, uma causa de nulidade relativa, podendo sofrer efeitos preclusivos. Entendeu o Pretório Excelso que a competência, ou obrigatoriedade, em relação ao cumprimento do interrogatório, não estaria na esfera do acusado, mas sim do próprio Estado[12]. Em posicionamento divergente ao da Suprema Corte, a doutrina brasileira, destacando-se nela o magistério de Eugênio Pacelli[13], entende que a ausência de interrogatório provoca nulidade absoluta do ato, tendo em vista a perda do direito do réu de exercer a sua defesa naquele momento processual. O autor, então, esclarece que o acusado não possui apenas o direito à autodefesa durante a segunda fase do interrogatório, mas também um direito à oportunidade de realização daquele ato processual.
Antes de adentrarmos na questão envolvendo a utilização da condução coercitiva na esfera policial, torna-se imprescindível conhecermos a natureza jurídica desse instituto, bem como sua legalidade e hipótese de cabimento.
A condução coercitiva, no ordenamento jurídico brasileiro, tem sua presença prevista no caput do artigo 260 do Código de Processo Penal vigente. Da simples leitura do referido dispositivo legal, torna-se claro que o legislador pretendeu conferir ao magistrado o poder de determinar a condução coercitiva somente do réu, isto é, depois de iniciada a ação penal, em caso exclusivo de não comparecimento injustificado, após ter sido efetivamente intimado.
Tal mandamento legal gerou grandes discussões em âmbito doutrinário, tendo em vista que alguns autores passaram a defender a não receptividade, pela Constituição da República de 1988, do referido dispositivo legal, sob o fundamento de que o interrogatório, previsto pelo código processual como meio de prova, é considerado também meio de defesa do réu, razão pela qual este poderá invocar seu direito constitucional de permanecer calado, sem que isto o prejudique. O ponto central desta corrente é que, tendo o réu o direito de ficar em silêncio, não haveria sentido em conduzi-lo, sob força policial, perante um juízo, para só então exercer tal garantia.
Acerca da discussão supramencionada, Tourinho Filho adverte que, como o direito ao silêncio abrange tão somente a segunda fase do interrogatório, não haveria óbice na determinação da condução coercitiva do réu em caso de dúvidas quanto à sua qualificação, isto é, quando o Juiz não possuir elementos informativos em relação à pessoa do acusado[14].
Por outro lado, há aqueles que se posicionam de forma favorável à realização da condução coercitiva, entre eles Paulo Rangel. Para o autor, o devido processo legal, que deve ser observado durante toda a tramitação da ação penal, autoriza ao magistrado mandar conduzir o acusado à força policial, em caso de prévia recusa a comparecer ao respectivo ato processual[15].
Saindo um pouco da análise da condução coercitiva no seu âmbito processual, tal como prevê o Código de Processo Penal de 1941, passaremos agora a analisar a utilização da referida medida na esfera policial, isto é, durante a fase de inquérito, em face do investigado e/ou indiciado.
Na fase investigatória, na qual a Polícia Judiciária realiza diligências a fim de apurar a prática de um determinado crime, tem-se a instauração do chamado inquérito policial. Nos dizeres de Tourinho Filho:
(…) há de se concluir que o inquérito visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato delituoso. Para tanto, a Polícia Civil desenvolve laboriosa atividade, ouvindo testemunhas que presenciaram o fato ou que dele tiveram conhecimento por ouvirem a outrem, tomando declarações da vítima, procedendo a exames de corpo de delito, exames de instrumento do crime, determinando buscas e apreensões, acareações, reconhecimentos, ouvindo o indiciado, colhendo informações sobre todas as circunstâncias que circunvolveram o fato tido como delituoso, buscando tudo, enfim, que possa influir no esclarecimento do fato (…)[16]
Durante as investigações policiais, no entanto, podem ocorrer de determinadas diligências dependerem da oitiva do investigado, para que a autoridade policial possa concluir o procedimento, como, por exemplo, a tomada de suas declarações a respeito dos fatos presumidamente criminosos. Todavia, apesar do inquérito policial ser sigiloso, ser inquisitivo e não abarcar os princípios do contraditório e da ampla defesa, não restam dúvidas de que o investigado, mesmo que não tenha sobre si uma denúncia realizada pelo Ministério Público, órgão acusador em nosso sistema acusatório, também possui garantias fundamentais, tais como o direito de permanecer calado e a presunção de inocência.
Sob esse enfoque, discute-se em âmbito acadêmico a respeito da recusa do indiciado de comparecer à Delegacia de Polícia para prestar depoimento. Tal discussão abriu espaço para interpretações, tidas como equivocadas pela melhor doutrina, no sentido de que, como, no processo penal, isto é, na ação penal em curso, o Código de Processo Penal autoriza a condução coercitiva do réu em caso de recusa de comparecer ao seu interrogatório, tal previsão legal também abrangeria a fase de inquérito, vista como uma preparação para a deflagração da ação penal. Sobre o tema, advertem Larissa Cardoso Moreira e Júlia Veloso dos Santos que, diante da inexistência de previsão legal quanto à condução coercitiva do indivíduo alvo das investigações, a doutrina favorável à realização da medida se utiliza de analogia, ainda que dificulte a situação de tal sujeito[17].
O Supremo Tribunal Federal, posicionando-se de forma não tanto surpreendente, haja vista os entendimentos atuais em matéria penal e processual penal que geraram polêmicas e críticas na seara jurídica, mais precisamente daqueles que atuam no polo defensivo da ação penal, sustenta que tanto o Código de Processo Penal, em seu artigo 6º, quanto o próprio texto constitucional, em seu artigo 144, §4º, confere poderes à autoridade policial para utilizar-se da via da condução coercitiva, com a finalidade de possibilitar o regular prosseguimento do procedimento investigatório.
Nesse sentido, entendeu a Suprema Corte do país que a própria autoridade policial estaria legalmente autorizada a conduzir, sob coerção, o indiciado, independente de prévio pronunciamento judicial. Tal entendimento se deu no julgamento do HC 107.644[18], no qual o Ministro Relator, a saber, Ricardo Lewandowski, enfatizou não haver maiores tergiversações a respeito do tema, pois, segundo ele, o próprio texto constitucional confere função de polícia judiciária às polícias civis do país, na qual estaria incluída, também, a prática da condução coercitiva, caso esta medida fosse necessária à elucidação dos fatos tidos como delitivos.
Importante destacar que, no julgamento do referido remédio constitucional, ficou vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que, em seu voto, entendeu que o instituto da condução coercitiva, ainda que em âmbito pré-processual, isto é, na investigação policial, depende de prévia ordem judicial, não podendo o Delegado de Polícia, ao seu alvedrio, fazer-se utilizar de tal método para, visando concluir o procedimento instaurado com a maior celeridade possível, forçar o investigado e/ou indiciado a comparecer à sede policial para cumprir determinada diligência. Assim, encerrou o Ministro que a condução coercitiva sem mandado judicial configura hipótese de ilegalidade.
Grande parte da doutrina, entre ela o Desembargador e Professor Guilherme de Souza Nucci, que já havia defendido a não recepção constitucional do artigo 260 do Código de Processo Penal, entende de forma divergente de nosso Tribunal Maior. Para o autor, a condução coercitiva, na hipótese, visa também diminuir a liberdade da pessoa alvo das investigações policiais, isto é, uma prisão[19]. Acrescenta, ainda, que, não sendo o caso de flagrante delito ou de cumprimento de mandado de prisão devidamente fundamentado, não há que se falar em prisão, e, por tal fundamento, não há hipótese de cabimento da condução coercitiva, haja vista que esta, ainda que por curto espaço de tempo, também restringe a liberdade de locomoção do conduzido.
Tal entendimento encontra-se baseado no fato de que o conduzido sob força policial poderá, dependendo da situação, ficar algemado até chegar à sede policial. É o que acontece, por exemplo, nas conduções coercitivas realizadas pela Polícia Federal, que, segundo suas normas internas, a colocação de algemas será realizada em qualquer indivíduo que entrar na viatura policial, sob o pretexto de salvaguarda da integridade física dos agentes. Assim, permanece o indivíduo algemado enquanto estiver no interior da viatura.
A condução coercitiva, então, vista também como meio prisional, encontra-se em discordância com o sistema jurídico brasileiro, tendo em vista a flagrante ausência de uniformidade entre a finalidade da prisão e a finalidade da medida coercitiva. Acerca disto, explica Aldo Ribeiro Britto:
Neste particular, insta salientar, que a finalidade precípua da prisão é retirar o paciente do convívio social, para que este não continue transgredindo a ordem jurídica. E, justamente por ter uma finalidade de segregação, que a prisão, ressalvados os casos de flagrante delito e crime ou transgressão militar, somente poderá ser decretada pelo juiz competente (art. 5º, LXI da CF), visto que sua aplicação é norma a ser utilizada em casos excepcionais, por isso revestida de uma série de requisitos que em nada se adequam à condução coercitiva, cuja finalidade apenas de fazer com que os sujeitos desta medida colaborem com a Polícia Judiciária e a Justiça.[20]
À época das reiteradas conduções coercitivas realizadas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Lava Jato, um fato que chamou a atenção da mídia, e, sobretudo, da seara jurídica, foi a condução de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-Presidente do país, determinada pelo então Juiz Federal Sérgio Moro, para cumprimento de diligências durante a 24ª fase da referida operação.
A respeito das discussões em relação à ilegalidade, ou até mesmo à inconstitucionalidade da medida, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, pronunciou-se de forma contrária à determinação do referido magistrado federal. Para o Ministro, a medida só deveria ser decretada em caso de prévia recusa a comparecer ao ato, o que não foi o caso, tendo em vista que não houve sequer mandado de intimação, e, sendo assim, a determinação do Juiz de primeiro grau restou completamente dissociada do ordenamento jurídico pátrio[21].
Em sentido contrário ao posicionamento do referido Ministro, os defensores da Operação Lava Jato, tais como os membros do Ministério Público Federal, aduzem que o processo penal também se vale do chamado poder geral de cautela, previsto no Código de Processo Civil de 2015, no sentido de conferir ao Juiz a possibilidade de tomar todas as providências possíveis para a preservação da prova.
Entre tais defensores, está Silvana Batini, membra do Parquet Federal. Para ela, o ordenamento jurídico brasileiro possibilita ao julgador determinar a condução coercitiva do investigado, ainda que não haja recusa prévia de comparecer à Delegacia de Polícia ou a outro órgão para prestar depoimento, mas desde que tal medida não prejudique a atual situação do investigado[22].
Um dos argumentos utilizados pela corrente favorável à condução sob vara durante a fase de inquérito policial é o de que a referida medida, vista como uma alternativa à prisão temporária de que trata a Lei nº 7.960/89, possui procedimento mais célere e mais brando do que esta modalidade de prisão.
O argumento acima mencionado não parece plausível, segundo a melhor doutrina. Para isto, basta lembrarmos de que a condução coercitiva, mais precisamente em âmbito de investigação policial, visa tão somente proteger a coleta de provas indispensáveis à elucidação dos fatos, isto é, a referida medida guarda em si uma natureza acautelatória.
Seguindo o raciocínio, não parece razoável comparar o mecanismo coercitivo realizado contra o indiciado à prisão temporária, haja vista que ambos os institutos possuem finalidades distintas, conforme já demonstrado anteriormente.
O equívoco realizado por alguns operadores do Direito ao fazer tal comparação está no fato de que, tanto a condução coercitiva quanto a prisão temporária são realizadas antes da deflagração da competente ação penal. Contudo, diante das garantias fundamentais que também possuem incidência sobre a investigação realizada pela Polícia Judiciária, entre elas a presunção de inocência, não restam dúvidas de que o indiciado, presumidamente inocente, ao ser conduzido sob força policial para prestar depoimento, está sendo tratado como se culpado fosse, razão pela qual tal instrumento não se mostra constitucionalmente cabível na hipótese.
Acerca de tal entendimento, Vladimir Aras argui que a condução coercitiva, vista por ele também como substitutiva da prisão temporária, possui as mesmas vantagens processuais que esta, pois, ao mesmo tempo em que evita eventuais conluios entre os investigados, também confere maior agilidade ao procedimento investigatório[23].
A questão da ilegalidade ou até mesmo da inconstitucionalidade da condução coercitiva realizada em sede de inquérito policial contra o indiciado, isto é, contra aquele indivíduo alvo das investigações, nas quais a autoridade policial, realizando um juízo fático-valorativo, o apontou como autor do fato delituoso, encontra cada vez mais impedimentos constitucionais, tendo em vista as garantias constitucionalmente previstas, que alcançam também tal indivíduo.
Certo é que o nosso Código de Processo Penal em vigor, no que tange ao reconhecimento de pessoas e coisas (artigo 6º, inciso VI), confere à autoridade policial a prerrogativa de conduzir o indiciado coercitivamente à sede policial, a fim de que seja colhido o seu depoimento, visando sanar dúvidas quanto à sua pessoa, ou seja, sua qualificação, sua identidade, sua subjetividade. Entretanto, tal instrumento deverá ser realizado da forma mais prudente possível, haja vista o direito do indiciado de optar por permanecer calado em relação aos fatos a ele imputados.
Tal observação se mostra indispensável de se fazer em razão do fato de que, em muitos casos, o conduzido à Delegacia de Polícia recebe tratamento de criminoso, ocasião em que a autoridade policial, utilizando-se de métodos obscuros, como coação moral, promessas de benefícios na prisão, entre outros, induz o indiciado, presumidamente inocente, a falar sobre os fatos investigados.
Assim, em observância aos direitos fundamentais e às garantias constitucionais que orbitam em nosso sistema processual penal, não há como concluir pela possibilidade constitucional de se decretar a condução coercitiva para interrogatório do indiciado, haja vista a ineficiência desta medida processual, utilizada até mesmo como medida cautelar autônoma por alguns magistrados.
Nesse sentido, destaca-se o direito de ir e vir, também conhecido como direito de locomoção, previsto em nossa Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, inciso XV, tendo em vista que, ao longo da história, deu ensejo a muitos conflitos de cunho desumano, aos quais, nos dias atuais, não devem ser novamente vivenciados.
A operação policial popularmente conhecida como Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal, sob o controle externo do Ministério Público Federal, trouxe à evidência muitos escândalos envolvendo políticos de alto escalão, tais como Deputados Federais, Senadores, e até mesmo ex-Presidente da República, investigados pela suposta prática de crimes fiscais, corrupção ativa e passiva, peculato, entre outros delitos.
Um dos pontos que mais chamou a atenção da imprensa, e, principalmente, do mundo jurídico, de forma bastante negativa, não há que se negar tal fato, foi a condução coercitiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida em 04 de março de 2016, durante cumprimento de diligências da 24ª fase da referida operação policial.
O conduzido, apesar de detentor do direito de permanecer calado e do direito de locomoção, e, sobretudo, de ser considerado presumidamente inocente, foi encaminhado, sob força policial, a uma sala do Aeroporto de Congonhas, no Estado de São Paulo, onde já se encontrava uma autoridade policial para interrogá-lo.
Tal fato fez com que o Partido dos Trabalhadores (PT), na data de 11 de abril de 2016, ingressasse com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), qual seja, a de número 395, perante o Supremo Tribunal Federal, na qual alegou, em síntese, que as conduções coercitivas determinadas no âmbito da Operação Lava Jato violavam direitos e garantias fundamentais, conforme se verá adiante. Sobre tais fundamentos, sustentou o partido, ainda, que o artigo 260 do Código de Processo Penal não foi recepcionado por nossa Carta Política de 1988, razão pela qual deveria a Suprema Corte declarar a sua inconstitucionalidade.
Um dos direitos que serviu de base para a referida ADPF foi o direito de locomoção, também conhecido como direito de ir e vir, previsto no artigo 5º, inciso XV, da Constituição da República de 1988, como supedâneo ao remédio constitucional do habeas corpus.
De acordo com Bernardo Gonçalves Fernandes, o direito de locomoção se encontra estritamente vinculado à condição de pessoa física, abrangendo não só o ato de se deslocar em território nacional. Em suas palavras: ‘’Mas falar em direito à liberdade de locomoção é muito mais que falar em deslocamento: é pensar no acesso, na permanência, no deslocamento e na saída de um território nacional’’[24].
Na ADPF nº 395, de relatoria do Senhor Ministro Gilmar Mendes, o Supremo acolheu a pretensão autoral e decidiu que o direito de ir e vir, durante a condução coercitiva, sofre violação da autoridade que determinou a medida. Sobre tal entendimento, destacou o Ministro Dias Toffoli que a Suprema Corte do país tem o dever de proteger a observância dos direitos fundamentais, de modo a não permitir interpretações restritivas a tais direitos, sem qualquer respaldo jurídico[25].
Em relação ao referido princípio, o Relator, ao acolher o fundamento invocado pelo autor, destacou que o conduzido, apesar de permanecer por curto espaço de tempo à disposição da autoridade policial, sofre diminuição em sua liberdade de ir e vir[26].
Outro fundamento acolhido pelo Supremo foi o de que a condução coercitiva viola a presunção de não culpabilidade, também conhecida como presunção de inocência, prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna de 1988.
Para Bernardo Gonçalves Fernandes, tal princípio se encontra diretamente interligado ao princípio máximo da dignidade da pessoa humana. Em suas palavras:
Outro importante princípio é a presunção de inocência (art. 5º, LVII), que se traduz em uma presunção constitucional da não culpabilidade (garantia constitucional da não culpabilidade), vedando-se qualquer forma de prejulgamento por parte do aparato estatal e da própria sociedade, bem como dos órgãos do Poder Judiciário (…)[27]
Nesse sentido, entendeu o Pleno do Supremo que a condução coercitiva do investigado, com a finalidade de ser submetido a interrogatório policial, viola o princípio da presunção de inocência, haja vista o fato de que o conduzido sob custódia policial recebe tratamento discriminatório, como se realmente fosse autor dos fatos, e não o de um indivíduo presumidamente inocente. Em seu voto, enfatizou o Relator Ministro Gilmar Mendes que: ‘’A restrição temporária da liberdade mediante condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não é tratamento que normalmente possa ser aplicado a pessoas inocentes’’[28].
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Pretório Excelso entendeu de forma favorável, também, a argumentação de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição de 1988.
Para grande parte da doutrina, entre ela o magistério de Bernardo Gonçalves Fernandes, o princípio da dignidade da pessoa humana não deveria ser interpretado como um princípio, considerando-se a sua superioridade perante os demais princípios (ou direitos) fundamentais. Para o autor:
(…) a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR/88) é erigida à condição de meta-princípio. Por isso mesmo esta irradia valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamentais, exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em si mesma, nunca como meio (coisa) para satisfação de outros interesses ou de interesses de terceiros.[29]
Acerca de tal princípio, asseverou a Corte Suprema que a condução coercitiva para interrogatório, no âmbito de investigação policial, não possui valor probatório e/ou instrutório algum, tendo em vista que a sua finalidade, na hipótese, seria de apenas demonstrar a força estatal perante o indivíduo conduzido, submetendo-o ao seu poder supremo, e, consequentemente, desrespeitando a dignidade da pessoa humana[30].
Com base nos fundamentos acima expostos, o Relator da referida Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a saber, Ministro Gilmar Mendes, deferiu a liminar requerida pelo autor, no sentido de proibir a realização da condução coercitiva do investigado para interrogatório. Como forma de sanção ao descumprimento da referida decisão, asseverou o Ministro que a inobservância ao posicionamento da Corte incidiria em responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente público ou da autoridade pública, bem como de transformação da prova colhida em ilícita, excluindo-a do respectivo procedimento investigatório ou da competente ação penal.
O Pleno do Supremo, então, por maioria dos votos, acompanhando o entendimento do Relator, julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 395, para declarar a inconstitucionalidade da condução coercitiva para interrogatório, seja em âmbito de inquérito policial em face do investigado ou indiciado, seja no curso de ação penal em face do réu, haja vista a não receptividade constitucional da expressão ‘’para o interrogatório’’ de que trata o artigo 260 do Código de Processo Penal brasileiro[31].
CONCLUSÃO
Diante da problemática envolvendo a utilização da condução coercitiva, seja ela no âmbito pré-processual, entendido como a fase onde se realizam as investigações policiais, seja ela no âmbito processual propriamente dito, entendido como a ação penal já em curso, o presente trabalho teve como finalidade demonstrar, com base em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, o equívoco na operacionalização do referido instrumento processual, haja vista as inúmeras violações a direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos em nosso ordenamento jurídico.
Inicialmente, abordou-se um contexto histórico em relação aos sistemas processuais penais conhecidos doutrinariamente como puros, quais sejam, o sistema inquisitório e o sistema acusatório. Nesta via, demonstrou-se as particularidades de cada sistema, fazendo uma análise de seus aspectos em comparação ao nosso modelo constitucional atual, de modo a concluir que o sistema acusatório, de fato, é o que melhor se amolda às garantias constitucionais atualmente presentes.
Em segundo lugar, foi visto o instituto do interrogatório, tanto na esfera processual, realizada por um Juiz ao réu, quanto na esfera policial, realizada por uma autoridade policial ao indiciado. Nesta parte da pesquisa, buscou-se evidenciar a dissonância entre o interrogatório policial e os direitos do indiciado, tendo em vista que, nos últimos anos, o indivíduo presumidamente inocente, ainda no curso das diligências policiais, diga-se de passagem, tem sido tratado como verdadeiro autor do fato delituoso. Destacou-se, ainda, o direito de permanecer calado, constitucionalmente previsto, haja vista que, em muitos casos, o interrogado, sem qualquer orientação jurídica, acaba sofrendo coações morais por parte dos agentes policiais, que o fazem no intuito de forçar uma confissão a respeito de fatos que a própria Polícia Judiciária não possui elementos suficientes para indiciar o indivíduo alvo das investigações.
No que tange à condução coercitiva, tema principal deste trabalho, realizou-se uma análise sistemática deste mecanismo processual, abordando, inicialmente, a sua legalidade e as hipóteses de cabimento. Como ponto de enfoque da discussão acadêmica, focalizou-se no manuseamento da condução em face do indiciado durante as diligências policiais, no intuito de evidenciar as flagrantes violações aos direitos de locomoção e de não culpabilidade, bem como ao princípio máximo da dignidade da pessoa humana, ante o tratamento desumano sofrido pelos indivíduos investigados.
Acerca das polêmicas discussões nas quais a condução coercitiva para interrogatório esteve envolvida, a presente pesquisa buscou analisar o posicionamento da Suprema Corte do país. Conforme restou demonstrado, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 395, para declarar a inconstitucionalidade da condução coercitiva, quando esta medida tiver como finalidade o interrogatório do investigado ou do réu, eis que confronta diretamente com o texto constitucional.
Assim, por todo o exposto, visou o presente trabalho acadêmico reforçar o posicionamento daqueles que entendem, assim como o Supremo Tribunal Federal, que as garantias fundamentais do indivíduo alvo das investigações policiais devem ser ao máximo protegidas e observadas, de modo a não permitir que nosso sistema jurídico atual retroaja a épocas em que o acusado, visto tão somente como objeto do processo, não tinha sobre si qualquer proteção constitucional.
REFERÊNCIAS
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[1] MACEDO, Letícia; PAULO, Paula Paiva. ‘’Me senti um prisioneiro’’, diz Lula sobre condução coercitiva em SP. Portal G1, São Paulo, 4 mar. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/jamais-me-recusaria-prestar-depoimento-diz-lula.html>. Acesso em: 15 de julho de 2019.
[2] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. Vol. I, 32. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 122.
[3] MOREIRA, Eduardo Ribeiro; CAMARGO, Margarida Lacombe. Sistemas processuais penais à luz da Constituição. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, 14 mar. 2017. Disponível em:<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/
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[4] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 70.
[5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.18.
[6] FISCHER, Douglas. O Sistema Acusatório Brasileiro à Luz da Constituição Federal de 1988 e o PL 156. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2011/2011_Dir_Penal_fischer.pdf>. Acesso em: 16 de julho de 2019.
[7] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11 ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 71.
[8] BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941, Título VII, Capítulo I, Art. 156. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 21 de julho de 2019.
[9] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19 ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 413.
[10] BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Título II, Capítulo I, Art. 5º, LXIII. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 de julho de 2019.
[11] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. Vol. I, 32. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 296.
[12] BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Processual Penal. Habeas-corpus nº 82.933-3/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 27 de março de 2003.
[13] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 383.
[14] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. Vol. III, 33. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 300.
[15] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18 ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 27.
[16] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. Vol. I, 32. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 240-241.
[17] PEREIRA, Larissa Cardoso; SANTOS, Júlia Veloso dos. A inconstitucionalidade da condução coercitiva no inquérito policial sem prévia intimação. Jus Navigandi, nov. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/44680/a-inconstitucionalidade-da-conducao-coercitiva-no-inquerito-policial-sem-previa-intimacao>. Acesso em: 18 de julho de 2019.
[18] BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Processual Penal. Habeas-corpus nº 107.644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 06 de setembro de 2011.
[19] NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade. 4 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 31.
[20] BRITTO, Aldo Ribeiro. Particularidades da condução coercitiva no inquérito policial. Âmbito Jurídico, 01 nov. 2012. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-106/particularidades-da-conducao-coercitiva-no-inquerito-policial>. Acesso em: 19 de julho de 2019.
[21] SOUZA, André de. Ministro do STF critica autorização para condução coercitiva de Lula. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 04 mar. 2016. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/ministro-do-stf-critica-autorizacao-para-conducao-coercitiva-de-lula-18808285>. Acesso em: 19 de julho de 2019.
[22] GRILLO, Cristina. A condução coercitiva de Lula foi legal?. Revista Época, Rio de Janeiro, 08 mar. 2016. Disponível em: <https://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/03/conducao-coercitiva-de-lula-foi-legal-sim.html>. Acesso em: 19 de julho de 2019.
[23] ARAS, Vladimir. Debaixo de vara: a condução coercitiva como cautelar pessoal autônoma. Blog do Vlad, 16 jul. 2013. Disponível em: <https://vladimiraras.blog/2013/07/16/a-conducao-coercitiva-como-cautelar-pessoal-autonoma>. Acesso em: 19 de julho de 2019.
[24] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7 ed., Bahia: Juspodivm, 2015, p. 388.
[25] BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Plenário declara a impossibilidade da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório. Notícias STF, Brasília, 14 jun. 2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=381510>. Acesso em: 20 de julho de 2019.
[26] Idem. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 395/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 14 jun 2018, p. 21. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340212844&ext=.pdf>. Acesso em: 20 de julho de 2019.
[27] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7 ed., Bahia: Juspodivm, 2015, p. 452.
[28] BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 395/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 14 jun 2018, p. 20. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340212844&ext=.pdf>. Acesso em: 20 de julho de 2019.
[29] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7 ed., Bahia: Juspodivm, 2015, p. 358.
[30] BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 395/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 14 jun 2018, p. 20-21. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340212844&ext=.pdf>. Acesso em: 20 de julho de 2019.
[31] Ibidem, p. 3.
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