Thiago dos Santos Dias[1]
Resumo: Este artigo tem por objetivo geral analisar a como a política externa brasileira moldou o Direito Ambiental Internacional por meio do estudo da história do Brasil nas organizações internacionais e como isso afetou a forma como veio a participar da Organização das Nações Unidas, e, a partir disso, pode ter papel central na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano – ou Estocolmo-72, realizada em 1972, no contexto internacional da Guerra Fria e internamente durante o Regime Militar. Foi relatada brevemente a atuação do país e como seu papel produziu frutos para a elaboração de vários dos princípios hoje presentes no Direito Ambiental e positivados em legislação infraconstitucional e, acima de tudo, observados na Constituição da República, em 1988. São examinados os principais pontos assumidos pelo governo na conferência de 1972, tendo como objetivo específico esclarecer se o Brasil tem uma política de Estado consolidada dentro das Nações Unidas e no cenário multilateral, o que fortaleceria os assuntos ambientais trazidos pelo Brasil. Conclui-se que o Direito Ambiental Internacional tem sob o seio das Nações Unidas, em tutela brasileira quanto ao meio ambiente, solo fértil para sua divulgação, ampliação e defesa, dentro de instrumentos políticos como o multilateralismo.
Palavras-chave: Conferência de Estocolmo de 1972. Direito Ambiental Internacional. Nações Unidas. Meio Ambiente. Paz.
Abstract: This paper aims to analyze how Brazilian foreign policy has shaped International Environmental Law through the study of the history of Brazil in international organizations and how this affected the way it came to participate in the United Nations Organization, and from there, may play a central role in the 1972 United Nations Conference on the Human Environment – or Stockholm-72, in the international context of the Cold War and internally during the Military Regime. It has been briefly reported on the country’s performance and how its role has produced fruits for the elaboration of several of the principles now present in Environmental Law and positive in infraconstitutional legislation and, above all, observed in the Constitution of the Republic in 1988. The main points assumed by the government at the 1972 conference, with the specific objective of clarifying if Brazil has a consolidated state policy within the United Nations and in the multilateral scenario, which would strengthen the environmental issues brought by Brazil. It is concluded that International Environmental Law has, under the umbrella of the United Nations, in Brazil’s protection of the environment, fertile soil for its dissemination, expansion and defense, within political instruments such as multilateralism.
Keywords: Stockholm Conference of 1972. International Environmental Law. United Nations. Environment. Peace.
Sumário: Introdução; 1. A Conferência de Estocolmo e o Brasil. 2. O papel da ONU e de seus órgãos para o Direito Ambiental. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa se dá em razão do momento em que o Brasil se encontra no cenário internacional, sua atuação nos foros internacionais e tentativa ou retirada da participação de importantes controvérsias ambientais no jogo das relações internacionais e, enfim, um papel ativo na defesa do direito ambiental internacional, seja nas Nações Unidas quanto em outros foros. Resultado de uma pesquisa que vem desde os estudos de iniciação científica na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o estudo do Brasil na ONU e sua atuação nos vários campos de atuação dentro daquela Organização, contudo, o foco aqui se especializa na seara ambiental, tema que já apresenta alterações com o novo governo brasileiro.
Contudo, esta pesquisa tem como foco a histórica participação do país na seara ambiental dentro das Nações Unidas, todavia o foco deste artigo não se encontra no objetivo fim da Organização para a manutenção da paz, mas sim em outra atividade fundamental, atividade-meio da Organização das Nações Unidas, a proteção do meio ambiente. Ao analisar a atuação do Brasil na ONU chegamos ao ponto fulcral dessa participação com o papel na Conferência Ambiental de 1972, a Conferência de Estocolmo, mediante atuação incipiente, a priori, todavia bastante firme na defesa soberanista do seu desenvolvimento no contexto de “milagre econômico”.
A pesquisa, portanto, tem como fim analisar a participação do Brasil na ONU acerca das questões ambientais celebradas em acordos promovidos pela Organização, e mais específico em seu Conselho de Segurança, o ingresso como membro permanente desse órgão e a participação internacional através da política e direito internacional ambiental. Esta análise histórica e política, raramente feita, é deveras primordial para entender o real tamanho da influência do Brasil dentro da ONU para quanto ao meio ambiente.
Ademais, analisa-se, brevemente, a história da política exterior brasileira e suas demandas para uma política ambiental internacional multipolar, inclusive durante o regime militar, e as divergências existentes com as grandes potências frente aos debates ideológicos sobre o desenvolvimento sustentável.
Assim, em razão das alterações sofridas pelo Brasil após os anos de regime militar e mais recentemente nas Conferências sediadas no país após os vinte anos de Estocolmo 1972, dando sede à Conferência Rio-92 e a Rio+20, utilizada, aliás, como possível ferramenta diplomática para provar sua competência como agente capaz para contribuir para a proteção ambiental.
Para a sociedade moderna é perceptível muito ou pouco, mas ainda assim é notável que o Direito Internacional, em muito, se desenvolveu pari passu ao ritmo das guerras do século XX, sendo que “o desenvolvimento do Direito das Gentes teve papel fundamental na realidade da guerra” (DIAS, 2019), porém num cenário de relativa paz e desenvolvimento permitido pelo Plano Marshall e o reerguimento da dos chamados países do primeiro mundo – em uma linguagem da guerra fria – foi necessário que o Direito começasse a regular outras matérias, anotando a transição da sociedade industrial para a sociedade de risco, tão citada por Beck ao falar sobre o combate aos riscos decorrentes da sociedade industrial e as ameaças da sociedade de risco[2].
Após os eventos marcantes da primeira metade do século XX, alguns países desenvolvidos começaram a enfrentar novos desafios, mas de esfera muito diversa da guerra, como a questão da poluição das mais variadas formas ou as consequências do desenvolvimento econômico, para isso, importante citar os acidentes ambientais que levaram a reações da opinião pública, como aponta Lago (2006), em tese apresentada no curso de altos estudos do Ministério das Relações Exteriores:
“A maior atenção a questões de meio ambiente nessas sociedades deu-se por diversos motivos, entre os quais uma série de acidentes ecológicos de grandes proporções (como o caso de intoxicação por mercúrio de pescadores e suas famílias em Minamata, no Japão, entre os anos 50 e 70 – que provocou revolta na opinião pública com a ampla divulgação mundial das extraordinárias e dramáticas fotos de W. Eugene Smith – ou os danos causados nas costas inglesa e francesa pelo naufrágio do petroleiro “Torrey Canyon”, em 1967) e denúncias de membros das comunidades científica e acadêmica.”[3] (Grifo nosso).
Todavia, no Brasil, em um contexto de desenvolvimento acelerado por políticas realizadas durante os governos militares resultaram em crescimento e expansão que surpreendem em comparação com os atuais níveis de crescimento dos países ocidentais e do Brasil contemporâneo, chegando a níveis de crescimento chineses, como diriam os economistas hoje[4], um problema surgiu ou, ao menos, começou a ser notado pela população e divulgado pela opinião pública, qual seja, a poluição ambiental e os acidentes locais em zonas industriais brasileiras durante o auge do desenvolvimento econômico, na véspera da Conferência de Estocolmo, em 1972, ou posteriormente, como em Cubatão.
Surgindo um fato, valorando-o e dispondo do assunto em norma, numa pífia tentativa de citar o professor Miguel Reale[5], a sociedade se viu no dever de minimizar os efeitos e impactos dos danos ao meio ambiente, sendo necessário que o Direito regulasse a questão, o que ocorreu internacionalmente, a priori, e no Brasil, a posteriori. Após uma explosão populacional decorrente dos impactos causados ao fim da Segunda Guerra, a realização dos investimentos nos países da Europa Ocidental e no Japão com vistas a desenvolver suas economias e afastar a influência soviética, a economia capitalista demanda grande utilização dos recursos naturais, levando ao desmatamento e a destruição de vários ecossistemas, não apenas isso, mas, como aponta Edis Milaré, os impactos ao meio ambiente começam a ocorrer em escala global, confirmando o temor dos primeiros ambientalistas e de movimentos relacionados à causa “verde”.[6]
Obra fundamental nesse cenário de alerta sobre os danos ambientais é publicada por Rachel Carson cujo nome é Silent Spring (1962), que depois é seguida por uma série de outros textos e autores[7] que apontam previsões catastróficas e alertas que reviviam um pesadelo Malthusiano de necessidade de controle populacional ou tentativas de parar o crescimento, o que entraria em pauta com o Clube de Roma, grupo de debates compostos por empresários e acadêmicos de países desenvolvidos, como diz Lago:
“A repercussão de obras como Silent Spring (1962), de Rachel Carson, e This Endangered Planet (1971), de Richard Falk, ou de ensaios e livros de Garrett Hardin, como The Tragedy of Commons (1968) e Exploring New Ethics for Survival (1972), tiveram forte impacto na opinião pública. As mudanças sugeridas pelos ambientalistas mais radicais – desde a alteração profunda nos padrões de produção e consumo até a noção de “no growth” (crescimento zero) – ganhavam ampla divulgação pela imprensa, mas pareciam dificilmente aceitáveis tanto do ponto de vista econômico quanto do político, principalmente em curto prazo.
Apesar de sua considerável influência, esses livros não obtiveram o impacto político internacional de The Limits to Growth, publicado sob os auspícios do Clube de Roma. (Lago, André Aranha Corrêa do. Conferências de desenvolvimento sustentável. Brasília: FUNAG, 2013, p. 24).” (Grifo nosso).
O Clube de Roma, criado em 1968, pelo executivo italiano Aurélio Peccei e o cientista escocês Alexander King, inicia uma série de encontros com vistas a debater os efeitos do crescimento econômico e seus impactos, corroborados por vários cientistas e economistas, o que trazia uma credibilidade internacional, especialmente por se tratarem de especialistas de países desenvolvidos. Na discussão, o meio ambiente e como cada sociedade poderia contribuir para a melhora das condições do globo, o que resultou em um documento chamado de “The Club of Rome Project on the Predicament of Mankind” (O projeto do Clube de Roma sobre o apuro da humanidade) reunindo um sistema de projeções calculado em computador. O texto veio a ser publicado com o nome “The Limits to Growth”, um pouco antes da primeira Conferência Ambiental da ONU, a Conferência de Estocolmo. [8]
O que, porém, surpreende é como o receio às consequências dos impactos ambientais afetou de forma tão profunda o consciente coletivo nos países desenvolvidos, efeito causado pelas imagens produzidas por fotógrafos ou cinegrafistas, que trouxeram para a realidade dos lares as cenas de destruição, poluição ou morte relacionadas ao dano ambiental em vários locais do planeta. Em artigo publicado pelo Professor Antônio Teixeira de Barros, este descreve a força do impacto e a origem da influência da televisão sobre a temática ecológica:
“A emergência da agenda ambiental, antes mesmo do êxito mediático, foi marcada pela polarização entre elementos dramáticos e racionais, desde os marcos mais remotos, em decorrência das discussões sobre as consequências da I Guerra Mundial, especialmente devido ao uso de substâncias químicas. Tal cenário antecedeu o agendamento jornalístico propriamente dito, o deu origem, inclusive, à denomina jornalismo ambiental (Barros; Sousa, 2010). (BARROS, Antônio Teixeira de. A TV como agente político da visibilidade ecológica no Brasil: uma perspectiva sociológica. Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.6, no 1, p. 273, jan./jun. 2016).” (Grifo nosso).
Com uma agenda ambiental provocada pelas sociedades, apoiada pela força da mídia, os países desenvolvidos provocam uma conferência ambiental dentro da esfera das Nações Unidas, demonstrando a importância da Assembleia Geral da organização, o que resultou na Resolução 2398 da XXIII Sessão da Assembleia Geral em dezembro de 1968[9]. O nome da resolução “Problems of the Human Environment”, já indicava o teor daquilo que poderia se tornar a conferência, nada mais que uma sessão de propostas elaboradas ou influenciadas pelo Clube de Roma, ao menos assim foi interpretado pelo governo brasileiro à época, bem como por muitos países do chamado terceiro-mundo. No ano de 1969, pela Resolução 2581 da XXIV Sessão da Assembleia Geral ficou estabelecido que Estocolmo seria o local da conferência e a criação de um comitê preparatório para a discussão da organização e de quais temas seriam discutidos, tal comitê foi composto de 27 países, entre os quais o Brasil[10].
Os países pobres e aqueles em desenvolvimento se viram numa possível armadilha visto que se a conferência a ser realizada tivesse as características do texto do Clube de Roma, poderiam enfrentar cerceamentos dos mais importantes, tais como a interrupção do seu desenvolvimento econômico, especialmente na seara industrial, em que eram incipientes ou meros compradores de produtos industrializados, todavia sonhadores de uma industrialização. Nos anos que precederam a conferência, o comitê preparatório escolheu Maurice Strong, canadense de origem modesta, que, entretanto, enriqueceu na indústria do petróleo, para a função de Secretário-Geral[11].
O então Secretário-Geral buscou os países do terceiro-mundo e aqueles que, em desenvolvimento, poderiam ver na realização da conferência uma ameaça grande o suficiente para suas experiências de crescimento econômico ou caminho para a prosperidade. Tal gestão diplomática incluiu visitas aos países e uma possibilidade de diálogo determinante para o comparecimento e sucesso daquilo que viria a ser chamado de Conferência de Estocolmo de 1972[12] e geraria consequentes conferências capazes de mudar o sistema de proteção ambiental e a criação de normas ambientais pelo mundo, a partir da assinatura dos tratados internacionais discutidos naquelas.
Em 1971, em Founex, Suíça, um grupo de peritos em Desenvolvimento e Meio Ambiente se reuniu, e, mais uma vez na história das Nações Unidas, a atuação do Brasil foi destacada com a participação do Embaixador Miguel Ozório de Almeida, relator de um dos papers ali redigidos que fundamentariam os textos de Estocolmo. Outro ator de destaque em Founex foi Ignacy Sachs, polonês que viveu no Brasil por muitos anos, e ficou conhecido por seu trabalho na área do “ecodesenvolvimento”, vindo a assessorar a Conferência Rio-92 futuramente. [13]
Na XXVI Sessão das Nações Unidas, os países aprovaram a Resolução 2849 sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente que trouxe em seu bojo muitos dos elementos do Relatório de Founex, compreendendo a preocupação dos países em desenvolvimento, o que preocupou os países desenvolvidos sobre o curso da conferência que estavam a realizar. O Brasil teve certa dificuldade na busca de organizar especialistas do tema ambiental que não fossem diplomatas, mas foi certeiro ao trazer para a conferência o saudoso professor Paulo Nogueira Neto[14] que, em entrevista, relata o acaso:
“[…]Dezesseis dos países presentes já tinham instituições governamentais em nível central para cuidar do meio ambiente. O Brasil não tinha nenhuma. Nada! E a delegação brasileira que foi a Estocolmo era contrária a qualquer medida maior em defesa da natureza. Henrique Brandão Cavalcanti, que foi ministro do Meio Ambiente anos depois, era o secretário da delegação. Ele agiu com muita habilidade durante a conferência, conseguiu mudar um pouco a opinião do pessoal, porque a delegação, na verdade, não vou dizer interesse nenhum”porque talvez seja exagero, mas o fato é que ela não tinha maior interesse em tratar com mais rigor os problemas ambientais. Isso se deu já no final do governo Médici. (NOGUEIRA-NETO, Paulo: entrevista. Rev. bras. psicanál, São Paulo , v. 41, n. 4, p. 15-24, dez. 2007).” (Grifo nosso).
Em 4 de junho de 1972 foi aberta a Conferência de Estocolmo sob a presidência de Ingemund Bengtsson, da Suécia, e secretariado de Maurice Strong, estando presente a China (futuro grande poluidor), mas na ausência da União Soviética. Na realização da conferência, foi negociada a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano e o Plano de Ação para o Meio Ambiente Humano, contudo, a conferência foi bastante direcionada a fins políticos de natureza diversa da ambiental pelos países mais pobres[15]. À luz do conceito de “no growth” do texto do Clube de Roma, os países em desenvolvimento firmaram posição no tema da soberania, crescimento demográfico e desenvolvimento sob a ótica das próximas gerações, evitando que fossem celebrados princípios ou recomendações que lhes fossem prejudiciais.
Ao fim, a Conferência de Estocolmo aprovou a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, assim como o Plano de Ação para o Meio Ambiente Humano. Ambos os textos se tornaram a base do que hoje tratamos como princípios do Direito Ambiental, especialmente quando diz que o indivíduo é titular do direito ao meio ambiente e que há um dever de protegê-lo para si e para as gerações futuras, conforme Bettina Bulzico aponta:
“Já no que tange à Declaração de Estolcolmo, importante observar que ela representa não só o marco inicial do Direito Internacional Ambiental, como também o primeiro diploma a reconhecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um Direito Humano. Por meio de seu texto, o meio ambiente recebeu tratamento jurídico de forma sistemática. Embora não revestido de obrigatoriedade, seus conceitos passaram a permear os ordenamentos internos dos países participantes, estimulando a formulação de instrumentos institucionais para sua proteção. (BULZICO, Bettina Augusta Amorim. O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: origens, definições e reflexos na Ordem Constitucional Brasileira, Curitiba, 2009, p. 55-57).” (Grifo nosso).
Entre os frutos da Conferência, aliás, destacam-se a Resolução sobre Aspectos Financeiros nas Nações Unidas e a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA (UNEP, em inglês), respondendo à Assembleia Geral. A pressão para que nos países fossem criados órgãos para a proteção do meio ambiente foi também uma realização da Conferência e, no Brasil, resultou na Secretaria Especial do Meio Ambiente, que viria a se transformar no Ministério do Meio Ambiente (MMA) décadas mais tarde[16].
Muitos dos resultados e dos princípios hoje positivados, quando não internalizados como normas formais da Constituição de 1988, e também em outros tantos países como Espanha, Portugal, – para citar os países que estiveram à frente na constitucionalização dos termos celebrados em Estocolmo – foram possíveis graças a atuação brasileira na liderança de países em desenvolvimento que puderam negociar os textos a partir da força qualitativa representada em seus votos em comparação com os países desenvolvidos, em menor número. O papel da delegação brasileira é avaliada por Lago da seguinte forma, em síntese:
Essa vitória, indiscutível do ponto de vista diplomático, enriquecia a dualidade que existia no Ministério das Relações Exteriores, durante a primeira metade do regime militar e que se revelou amplamente em Estocolmo: um lado essencialmente conservador, presente na posição “soberanista”, e outro em que se preconizava o direito ao desenvolvimento e a diminuição dos desníveis de riqueza entre as nações – posição moderna, vista com respeito e simpatia até hoje. (LAGO, André Aranha Corrêa do. Conferências de desenvolvimento sustentável. Brasília: FUNAG, 2013, p. 61). (Grifo nosso).
Em que pese a necessária crítica à posição brasileira durante a Conferência de Estocolmo, sua conduta de entender o desenvolvimento econômico como conciliável com o meio ambiente permitiu com que uma tragédia dentro do Direito Ambiental incipiente ocorresse, qual seja o fim, condenar os países pobres a um congelamento do seu desenvolvimento e perpetuação das disparidades econômicas ou, em oposição, a realização da Conferência com a participação da maioria dos membros das Nações Unidas, o que majoritariamente significaria a presença de países pobres, entretanto, esvaziando a participação dos países industrializados, que poderiam ter se retirado ou se ausentado já nas reuniões preparatórias.
Quanto ao peso de Estocolmo, frisa-se que os anos que a antecederam a traziam como tema de discussão a ecologia, considerando os aspectos românticos ou biológicos da fauna e flora, numa primeira fase ainda durante a Era do Nacionalismo, no século XIX, tendo, aliás, influenciado setores do Nazismo, o que viria a ser utilizado como crítica de setores ideológicos opostos para associar o totalitarismo nacional-socialista aos “verdes” ou quaisquer associações equivocadas ou meramente políticas[17]. Após a Segunda Guerra, com a criação das Nações Unidas, a preocupação ambiental se volta ao território, ainda sem uma base científica sólida, tratando de assuntos como rios transfronteiriços ou a Antártica, preocupações ainda associadas ao tema da paz sob a perspectiva clássica. Em Estocolmo, sob influência dos cientistas do Clube de Roma e de outros cientistas que refutavam aquelas teses, como também a presença de setores governamentais profissionais, a tese debatida entra em uma espiral científica, debatendo poluição do ar, poluição nuclear, florestas e temas correlatos[18].
Com o conhecimento e breve análise sobre a Conferência de Estocolmo – 1972, a partir de síntese dos seus temas, à luz de uma série de etapas que foram necessárias até sua realização, vide a muito citada participação brasileira na Liga das Nações e na Organização das Nações Unidas, sobre seu alcance e importância, voltamos ao tema da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A participação brasileira nas conferências multilaterais, sua inserção no jogo de poder das grandes nações, confiança nas instituições do multilateralismo, já no período republicano do país, se iniciou na busca de ver seus interesses assistidos e o país projetado como figura eminente no cenário internacional.
Alterado o sistema de poder e a realidade política no globo após a queda do Eixo, com o fim da Segunda Guerra, o conceito de “ecologia”, antes assunto dos românticos, dos botânicos e dos nacionalistas, começava a aparecer nos estudos dos pesquisadores das searas econômica e científica o assunto do Meio Ambiente como tema de Direito Internacional, alcance possibilitado pela paz, contudo, não parecia bem se sustentar no discurso entre países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.
Em ato precedente à Conferência do Rio de Janeiro e no retorno ao foco do multilateralismo, reencontrando, o Brasil, seu espaço e avançando em sua terceira fase de participação e aceitação do multilateralismo como meio de atuação do país para ver seus interesses nacionais assegurados, após duas décadas afastado da inovação do Direito Internacional e com atuação conservadora e soberanista no Direito Ambiental que se manteve, às vezes, em distância do multilateralismo, o governo brasileiro se manifestou em Assembleia Geral da ONU sobre o tema[19]. Quanto a isso, no ano de 1988, sob a iniciativa e coordenação do Embaixador junto à Organização das Nações Unidas, Paulo Nogueira Batista, o Brasil se propôs a acolher a próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), aproveitando o contexto do multilateralismo e visando mudar a visão estrangeira sobre como o Brasil tratava seu meio ambiente, em oposição ao isolacionismo predominante durante as décadas anteriores, como segue em publicação do Instituto Rio Branco, academia diplomática brasileira:
“Lembra Everton Vargas, Embaixador do Brasil em Berlim: “estávamos na 43ª AGNU, em outubro de 88, numa reunião de coordenação de todos os diplomatas na Missão, às 9 da manhã, conhecida jocosamente como ‘Bom dia PNB’. Na tarde anterior, a colega do Canadá na Segunda Comissão (Assuntos Econômicos) me entregara a primeira versão de um anteprojeto de resolução com a ideia de se realizar a Conferência sobre meio ambiente vinte anos depois de Estocolmo. O texto, de iniciativa dos Nórdicos, Canadá e Holanda, fora apresentado no âmbito do item sobre o relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Aqueles países desejavam o co-patrocínio do Brasil. Informei o Embaixador e os colegas sobre o conteúdo da proposta e PNB imediatamente fuzilou-me: ‘por que não fazemos essa Conferência no Brasil?’ Respondi-lhe ser uma ideia que deveria ser considerada, mas que teríamos que preparar um telegrama a Brasília. Ele me instruiu a fazê-lo. O telegrama foi enviado; tempos depois veio uma instrução concordando com o oferecimento do Brasil como sede. (LIMA, Lucas Oliveira Barbosa. O negociador – um perfil do embaixador Paulo Nogueira Batista. JUCA, Revista do Instituto Rio Branco, nº 04, p. 16, ano 2010).” (Grifo nosso).
A forma soberana de atuação do Ministério das Relações Exteriores, portanto, foi alterada para uma postura mais colaborativa, entretanto, não se deve olvidar que o Direito Ambiental ganhou força com a ascensão do multilateralismo e da retomada do Brasil a um viés mais agregador, mediando conflitos internos e externos dentro das Nações Unidas, como ocorrido na organização de Estocolmo e que poderia ser crucial, eventualmente, caso o Brasil ingressasse no núcleo de poder real das Nações Unidas, o Conselho de Segurança, ambição histórica brasileira, conforme relatado neste trabalho exaustivamente.
Em que pese este artigo breve tenha como objetivo tratar do desenvolvimento do Direito Ambiental Internacional, objetiva-se abordar como a organização da paz, a ONU, é ferramenta indispensável para com que o Brasil possa ver seus planos de desenvolvimento correlacionados com a legislação ambiental internacional e possa, ademais, desenvolver legislação própria de proteção efetiva ao meio ambiente.
Uma eventual entrada do Brasil no Conselho de Segurança asseguraria propor os principais pontos, evitar teses de cunho desagregador e poluidor do meio ambiente, realizando a vontade da Constituição Federal no campo externo, demonstrando como o Direito Ambiental é, sim, difuso e abrange outros Estados, demonstrando, sim, que a poluição não conhece fronteiras.
As aspirações brasileiras a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas ganharam ainda mais destaque após a realização da CNUMAD, a Rio-92, em especial o período Lula-Amorim (2003-2010), já no século XXI. A gestão do Itamaraty, então, passou a dar mais ênfase à importância de alteração dos meios de governança global, atuando de forma a demonstrar o valor que atribuía ao multilateralismo[20]. Mudando os meios de governança global, os assuntos seriam também trocados, possivelmente, como novos jogadores. Novos jogadores, novas abordagens, ao que estaria incluído o tema ambiental, vocação brasileira.
CONCLUSÃO
Percorridos os caminhos traçados pelo Brasil em sua aventura pela ampliação de seus direitos e responsabilidades no cenário internacional, sob uma perspectiva do Direito Ambiental e do Direito Internacional, podemos afirmar que é, sim, uma ambição histórica do Estado brasileiro, participar dos meios de governança global, em função correspondente ao seu tamanho territorial, populacional e econômico.
O Brasil ingressou em organizações internacionais em que se pode utilizar de meios democráticos de maioria quantitativa para abarcar temas qualitativos como o Meio Ambiente sob o olhar do desenvolvimento sustentável, como descrito quanto ao papel exercido em todos os foros preparatórios para a Conferência de Estocolmo, mas que também se fez valer na Organização das Nações Unidas como um todo e que pode vir a ganhar destaque superior ao como membro de um Conselho de países que, antes, chefiavam a paz, podendo introduzir o Meio Ambiente como objetivo para se atingir aquela.
Durante a Guerra Fria, em que o Brasil permaneceu mais distante dos temas multilaterais; na prevalência de uma aparente bipolaridade, o assunto ambiental, o Meio Ambiente, como tema, surge com o Clube de Roma, em consequência de uma série de eventos ocorridos, essencialmente, em países desenvolvidos e foram noticiados pela imprensa desses países, à tônica do processo de proteção ambiental ou mesmo cerceamento do desenvolvimento de países periféricos à luz de um argumento malthusiano, o Brasil bem soube penetrar nas conversas e tratar do tema, lembrando às nações sua vocação ambiental, todavia, em um contexto de desenvolvimentismo e desastres ambientais.
Entretanto, a posição brasileira ainda parecia ser marcada por ambiguidades, pois o país não parecia mostrar que seu interesse na proteção ambiental era superior ao seu interesse em se desenvolver industrialmente, buscando distanciamento de qualquer sinal de imperialismo ou hegemonia dos desenvolvidos sobre os estados pobres e em desenvolvimento, o que poderia pesar de forma negativa em negociações futuras para a votação brasileira como membro de uma conferência ambiental que estaria prestes a se realizar.
Na Conferência de Estocolmo – 1972, a conciliação entre Meio Ambiente e Desenvolvimento ganhou destaque com o enfraquecimento do discurso malthusiano dos países desenvolvidos, visibilidade negativa que havia na ONU por parte dos países periféricos e que trazia e insatisfação dos povos com a maneira que os Estados possuidores de contingente de poder econômico e jurídico tratavam os Estados não possuidores do mesmo, ou de outras formas de proteção. Nesse diapasão, os Estados pobres se veem na obrigação de alterar as regras do Direito Internacional, moldando e criando o verdadeiro Direito Ambiental Internacional, única forma possível de assegurar aos mais fracos que seus direitos de desenvolvimento não serão violados, preservando, acima de tudo, seu Meio Ambiente.
Ao mesmo tempo em que a movimentação internacional parece disposta a dialogar sobre a interpretação do que seria o desenvolvimento à luz do Meio Ambiente e da proteção ambiental, o Direito Ambiental Internacional foi moldado através da mediação brasileira, já famosa nas áreas de paz e segurança, e direcionada, em Estocolmo, para a proteção do meio ambiente e a visão certeira que o tema ambiental deve ser prioritário dentro das Nações Unidas, o que levou ao Estado brasileiro se encontrar em reflexão no Direito Ambiental incipiente, à época da Conferência, e resultou no país vocacionado em desenvolver-se sob normas protetivas ao meio ambiente. A alteração de governo altera a formulação de política externa com objetivo de alcançar o tão esperado desenvolvimento e sua inserção no jogo de potências, conforme o pensamento histórico do Itamaraty, porém alterando seu modus operandi e elevando o tema do Meio Ambiente ao ápice das discussões sobre paz e desenvolvimento.
O Brasil, assim, a partir de Estocolmo, se apresenta em nova rota, ascendendo ao status de Estado capaz de influir no cenário global, não mais apenas regional. Com a formação de concursos com países emergentes, decorrência de suas políticas. Os resultados na seara da formulação do Direito Ambiental Internacional e das práticas nas relações internacionais vieram com a aceitação do Brasil em sediar uma nova Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento vinte anos após a formação de uma nova doutrina sobre proteção ambiental, o que também frutificou para uma outra conferência quarenta anos após 1972, a Rio+20.
Resta ao país, portanto, a conquista de novos assentos nos órgãos internacionais, como o Conselho de Segurança, tarefa de natureza das mais complicadas, porque fere os interesses de outros países, sempre existindo a possibilidade de o Brasil sofrer grandes resistências no momento da discussão do tema ambiental em qualquer foro nacional, a que se imaginar a hercúlea tarefa, por exemplo, dentro do Conselho de Segurança e, posteriormente, na Assembleia Geral. Concluindo-se como importante a gestão do Brasil com a maior quantidade de países, na busca de inferir pontos de vista que reúnam a proteção ambiental interna com a preservação ambiental internacional.
O fato acima pode explicar porque o país, atualmente, possui relações diplomáticas das mais diversas com os países membros da ONU, além do aumento de medidas reais de proteção e punição às violações aos princípios-norma e regras ambientais dentro do Brasil. O que resulta em acréscimo de custos ao erário brasileiro, porém com maior respeitabilidade e demonstração do alcance não apenas do discurso, mas das práticas ambientalistas, com a cooperação em várias áreas, além de aumento das trocas comerciais resultante da real pressão da opinião publica para quanto ao nosso planeta e como somos capazes de fiscalizar a efetividade das normas ambientais.
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[1] Advogado e professor, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Direito Ambiental, Direito Constitucional e Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Tem experiência na área de Direito Público, especialmente Direito Internacional Público e Direito Constitucional. É autor do livro “O G-4 e a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas: o Brasil na ONU”. E-mail: thiago0603@hotmail.com
[2] Bettina Augusta Amorim BULZICO. O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado:
origens, definições e reflexos na Ordem Constitucional Brasileira, p. 27
[3] André Aranha Corrêa do LAGO. op. cit., p. 27.
[4] Pedro SOARES. 1973, o ano em que o Brasil cresceu 14%. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 jun. 2007. Mercado, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1706200714.htm. Acessado em 20 dez. 2018.
[5] Miguel REALE. Filosofia do Direito, p. 543.
[6] Edis MILARÉ. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário, p. 51
[7]Em janeiro de 1972 a revista inglesa The Ecologist publica Blueprint for Survival com um manual de propostas para evitar uma catástrofe ambiental global, entre as sugestões estava o controle migratório e políticas demográficas rígidas.
[8] André Aranha Corrêa do LAGO. Conferências de desenvolvimento sustentável, p. 29.
[9] Ver https://research.un.org/en/docs/ga/quick/regular/23. Acesso em 23 de jan. 2019.
[10] André Aranha Corrêa do LAGO. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: O Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas, p. 34.
[11] Ibid., p. 35.
[12] Ibid., p. 36.
[13] André Aranha Corrêa do LAGO. Conferências de desenvolvimento sustentável, p. 46.
[14] Ver https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/02/morre-paulo-nogueira-neto-criador-da-politica-ambiental-brasileira.shtml. Acessado em 26 de fevereiro de 2019.
[15] Ver MINISTÉRIO DO INTERIOR. Relatório da Delegação Brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (mimeo). Brasília, 1972.
[16] Ver Nogueira-Neto, Paulo: entrevista. Rev. bras. psicanál, São Paulo, v. 41, n. 4, p. 15-24, dez. 2007.
[17] André Aranha Corrêa do LAGO. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: O Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas, p. 122.
[18] Bettina Augusta Amorim BULZICO. op. cit., p. 40.
[19] Amado Luiz CERVO, op. cit., p. 98.
[20] Amado Luiz CERVO, op. cit., loc. cit.
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