Resumo: A pesquisa discute a necessidade de releitura do instituto da propriedade agrária a fim de que sua normatização possa alcançar uma harmonização democrática do instituto à maior efetividade possível da função a que se destina, garantindo adequado cumprimento aos termos sociais preconizados pelo Estatuto da Terra e pela Constituição Federal de 1988. Justifica-se pelo tratamento contraditório que lhe é conferido pela literalidade dos enunciados normativos constitucionais que lhe dão forma, ao tratar de sua desapropriação por não atendimento à função social. A investigação de seu por meio de pesquisa bibliográfica exploratória, a qual redundou na proposição de uma construção hermenêutica tendente a garantir o máximo proveito social do instituto com o fim de garantir o cumprimento do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, postulado reitor dos ordenamentos jurídicos contemporâneos.
Palavras-chave: constituição; propriedade agrária; função social; dignidade da pessoa humana; direitos humanos.
Abstract: The research discuss the necessity of a new study about the rural property in such a way that its legal regulation may achieve a democratic composition between the institute and the possible effectiveness of its functions, ensuring the best social attendance of legal social terms as "Land Estatute" and the Brazilian's 1988 Constitution forecast. It is embased in the contradictory treatment of the law when abbording desapropriation as a sanction for the bad use, considering constitution's literalism. The investigation was based in exploratory bibliographic exams that reaches to a proposition of a new hermeneutics proposal, in way to safeguard the maximum social gain, preserving human dignity, rector postulate of present-day different law.
Keywords: constitution; rural property; social function of law; human dignity; human rights.
Sumário: Introdução. 1. A "constitucionalização" dos direitos. 2. A função social da propriedade agrária no Estatuto da Terra. 3. A função social da propriedade na Constituição Federal em rota de colisão com a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. 4. Proposta de solução do “caso difícil” pela superação episódica do estrito formalismo jurídico. Considerações finais.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 inaugurou, formalmente, em terras pátrias, uma nova forma de conceber o direito. Na nova democracia popular que então se delineava, fizeram-se presentes as influências ocidentais no que tocava à necessidade de ressignificação do direito, estrutura destinada ao cumprimento de um fim[1].
Não obstante, é assente, tanto em sede doutrinária quanto em seara jurisprudencial, que o Estatuto da Terra, nomenclatura pela qual designada a Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, foi, em muitos pontos, uma legislação inovadora e à frente de seu tempo[2], chegando mesmo a antecipar previsões constitucionais.
Na contemporaneidade, não há qualquer dissenção quanto à necessidade de cumprimento da função social da propriedade, instituto antes "absolutizado" por ocasião do direito liberal que preponderou no ocidente a partir das Revoluções Burguesas, em fins do século XVII e XVIII na Europa.
Isso posto, é de se consignar e ressaltar as previsões legais que condicionam a configuração da propriedade em direito admitida à seu caráter social, ético e democrático.
Nesse sentido são as previsões legais brasileiras de regulamentação do tema.
Ocorre, todavia, que a Constituição Federal, ao dispor sobre os requisitos ensejadores do cumprimento da função social da propriedade rural, conquanto o tenha feito de forma abrangente e digna da importância que ostenta, por certo deixou de prever de forma expressa a irradiação de seus consectários lógicos à sua negação, qual seja, seu descumprimento. Isso se verificou na medida em que o constituinte, ao prever a desapropriação-sanção para fins de reforma agrária, não estendeu a reprimenda ética-social a todos os casos de não adequação do instituto previsto em lei, gerando situação curiosa de afronta a norma emanada do próprio sistema constitucional.
Ante tal fato, reiteradamente constatado e criticado em estudos prévios, tem-se a intenção de avançar, o que se buscará fazer pela propositura de forma alternativa de conformação e integração das normas constitucionais em conflito aparente.
1. A "constitucionalização" dos direitos
Durante muito tempo o Direito Privado funcionou como plexo central em torno do qual gravitavam todas as construções jurídico-normativas.
Tal fato se deve, em grande medida, aos ideais liberais burgueses de liberdade, igualdade e fraternidade, que se impuseram pela Europa e, ainda que com especificidades, às Américas.
Como a igualdade era meramente formal, prevista tão somente em lei, e a fraternidade inicialmente era noção tecnicamente incipiente, sem os contornos epistemológicos concretos da contemporaneidade, verificou-se uma primazia pela busca da garantia do direito à liberdade, então concebido como sendo assegurado pela mera atuação absenteísta do Estado, que deveria "deixar-fazer"[3], não se imiscuindo na autonomia "da vontade"[4].
Ocorre, todavia, que em face da desigualdade material, em muito evidenciada pela Revolução Industrial, e pelas atrocidades das duas grandes guerras mundiais, operou-se uma reformulação filosófica de enfrentamento do fenômeno jurídico.
Assim, logo após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU e um arrefecimento do pendor beligerante das nações europeias literalmente destroçadas pelos caprichos humanos, chegou-se com certa naturalidade à concepção segundo a qual o direito positivo, conquanto fundamental para a segurança jurídica, não se poderia apresentar mais apresentar, na formulação das decisões governamentais, em sentido amplo, e jurídico, em sentido estrito, sem uma modulação operada pelos valores éticos oriundos das sociedades a que destinado.
Tal fenômeno, inobstante vozes críticas, das quais são expoentes, por exemplo, Dimitri Dimoulis (2006, p. 45) e Uadi Lammêgo Bulos (2014, p. 82)[5], tem comumente recebido a denominação no campo filosófico de pós-positivismo, sendo transposta para a seara jurídica com o nome de "neoconstitucionalismo".
Todavia, merece referência a ideia e as denominações, na medida em que suscitadas por estudiosos como Robert Alexy, Ronald Dworkin e Gustav Zagrebelsky (2008, p. 33). No direito pátrio, Barroso utiliza-se comumente das expressões, ainda que mencione sempre o fato de se tratar de denominação provisória para o contemporâneo, ainda em construção e sem qualquer pretensão de definitividade (2005, p. 79-80).
Conforme bem assenta Bulos, cada um dos pesquisadores acima, em estilo próprio, busca relativizar a separação entre direito e moral, admitindo critérios materiais de validação das normas jurídicas positivadas em dado ordenamento, aduzindo, ainda, ao fato de que, para os "neoconstitucionalistas", a convergência de propostas entre concepções filosóficos e jurídicas antes inconciliáveis não enseja contradição ou perplexidade, posto defenderem que os direitos fundamentais (ou, como preferem os internacionalistas, direitos humanos), têm feição multifacetária, da qual decorre complexidade de estrutura que não é passível da explicação de um único ângulo, sendo corriqueira a composição de três vertentes jusfilosóficas, a saber: o juspositivismo, o jusnaturalismo e o realismo jurídico[6] (2014, p. 85).
Ensina o Ministro do Supremo Tribunal Federal:
“A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais” (2009, p. 327).
Do exposto, afere-se o lastro epistemológico a partir do qual se remodelou a ordem jurídica brasileira, ainda que em movimento tardio se comparado a outros países[7], mesmo latino-americanos, sendo certa a potencialização da força normativa da constituição, que irradia efeitos aos diversos ramos do direito público e do direito privado, não sendo diversa a hipótese em face do direito agrário.
Evidencia-se, em âmbito nacional, a especial interpenetração conceitual-metodológica operada entre o direito constitucional e o direito civil.
Tanto assim que já foram revistos inúmeros institutos civis desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (família – ampliada e afetivizada -, contrato – socializado -, empresa – redimensionada -, responsabilidade – em muito objetivada). E não foi diferente com a propriedade e os institutos possessórios e de direitos reais, de forma geral, seja ela a propriedade urbana ou a propriedade rural.
E, como salta aos olhos, ainda que se defenda, com sóbria autoridade, a autonomia do direito agrário enquanto disciplina jurídica[8] (MARQUES, 2007, p. 10), é inegável sua derivação e seu embrincamento com o direito civil, sendo ele igualmente objeto de uma conexão intensa com a constituição federal e as funções sociais que esta concebe aos institutos jurídicos, de modo a garantir a realização da missão do direito, ordinariamente referida como sendo a de promover a pacificação social, permitindo o convívio harmônico entre os homens.
Contextualizado o panorama de exercício contemporâneo dos direitos, inclusive daqueles derivados da legislação agrarista, passa-se ao exame da função social da propriedade agrária.
2. A função social da propriedade agrária no Estatuto da Terra
A busca dos reais parâmetros dentro dos quais a função social da propriedade agrária deve ser formatada é uma necessidade premente no direito agrário tendo em vista a essencialidade de tal conformação para o estudo de referido ramo das ciências jurídicas.
Desde clássica e pioneira obra de Norberto Bobbio, "Da estrutura à função", tem se difundido e pacificado a noção segundo a qual o direito não tem sentido em si próprio, mas carece de construção significativa constante e mediada pelos intercâmbios diuturnos verificados com a sociedade a que se dirige e à qual se reporta. É, pois, o direito, uma estrutura posta à serviço da realização de uma função, sem a qual não se fundamenta numa sociedade pretensamente democrática. Ensina o teórico do direito que a perspectiva meramente estrutural do ordenamento não é mais suficiente para explicar os fenômenos atuais, devendo a teoria do direito ser complementada por uma perspectiva funcionalizada do ordenamento, com ênfase no que chama o autor de "função promocional", qual seja, a ação que o direito fomenta pelo manejo das sanções positivas, tendentes a maximizar a realização de atos socialmente desejáveis (2007, p. XII).
Nessa senda, não tardou o legislador ordinário, na década de 60 do século passado, a consignar, de forma expressa, no art. 2º, caput, do Estatuto da Terra, regramento de acordo com o qual todos têm assegurado a oportunidade de acesso à propriedade da terra, garantia essa condicionada pela sua função social[9].
Ato contínuo, fez previsão, no parágrafo primeiro do mesmo dispositivo legal os requisitos tendentes a realizar a função social da propriedade da propriedade agrária, a saber:
(i) favorecer o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores e das respectivas famílias;
(ii) manter de níveis satisfatórios de produtividade;
(iii) assegurar conservação de recursos naturais;
(iv) observar a legislação trabalhista correlata ao labor verificado na propriedade agrária.
O legislador foi adiante, estabelecendo ser dever atribuível ao Poder Público a promoção do acesso do trabalhador rurícola à propriedade da terra, preferencialmente na sua região de morada, bem como zelar para o desempenho da função social pela estrutura jurídica concernente à propriedade (parágrafo segundo do artigo mencionado)[10].
Em tal contexto histórico-social, é bom que se lembre, vigia o Código Civil de 1916, que sequer tangenciou qualquer avanço semelhante na área da funcionalização do direito à propriedade.
Observa-se, a toda prova, ter se tratado de grande avanço à época, pionerismo digno de destaque.
Tanto que a Constituição Federal, décadas após, seguiu a mesma orientação.
3. A função social da propriedade agrária na Constituição Federal em rota de colisão com a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária
Estabelece a Carta Magna, no que tange à temática da propriedade e de sua função social:
(i) em seu art. 5º, que a propriedade é direito fundamental a ser assegurado ao cidadão, uma vez atendida sua função social (caput, incisos XXII e XXIII, respectivamente)[11];
(ii) no art. 170[12], a função social da propriedade como um dos princípios informadores da ordem econômica brasileira (inciso III);
(iii) no art. 186[13], os requisitos necessários à verificação do atendimento à função social pela propriedade, em termos basicamente similares aos previstos no Estatuto da Terra (incisos I a IV).
Ocorre, de outra feita, que há previsão constante do art. 185[14], da qual se extrai, literalmente, conteúdo normativo no sentido de serem insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária tanto a pequena e média propriedade rural, no caso e o proprietário não ser titular do domínio de outra propriedade, quanto a propriedade produtiva.
Ora, a previsão quanto a pequena e média propriedade não chega a ser perniciosa ao sistema, mas a segunda, no que toca à impossibilidade de desapropriação da propriedade produtiva, é, no mínimo, assimétrica em relação aos fundamentos, funções e cogitações em que concebido o direito de propriedade agrária contemporâneo.
A constatação deflui do fato de que, numa interpretação literal do preceito constitucional em análise, pode uma propriedade que descumpre a função social causando, por exemplo, crimes ambientais de natureza dolosa que acarretem danos intangíveis de grande vulto à ambientalidade e à vizinhança, mas que mantenha uma propriedade considerada pelas balizas legais produtiva jamais será molestado em seu direito de propriedade, nesse caso desproporcionalmente considerado pelo sistema posto como verdadeiramente absoluto.
A crítica aventada seria deveras contornável no plano hermenêutico-argumentativo não fosse outro "detalhe" gerado pelo ordenamento positivo, desta feita o infraconstitucional: a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, atualmente responsável pela definição dos parâmetros dentro dos quais uma propriedade será tida como produtiva, dispõe, em seu art. 6º[15], que será considerada aquela que, explorada econômica e racionalmente por seu senhorio, atinja, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, fixados por órgão federal competente.
Outrossim, em perfeito exemplo de desfuncionalização do sistema jurídico, indesejável contradição em termos insofismavelmente constatada, os mencionados índices de aferição de produtividade em tese utilizáveis para a quantificação da produtividade da terra pelo Instituto de Colonização e de Reforma Agrária (INCRA) trabalham com dados referentes à produção de 1975, quando sequer se pensava em mecanização e ganhos exponenciais de possibilidade produtiva por área de trabalho da terra.
O desvio de finalidade em comento, legal, e, a priori, constitucionalmente amparado, foi alvo de pronunciamento crítico até mesmo da Organização das Nações Unidas (ONU), que alguns ideologicamente engajados poderiam definir como instituição representante do estabilishment (ONU, p. 14).
Nesse sentido, menciona-se noticiário veiculado pelo diário jornalístico Folha de São Paulo, em 26 de janeiro do corrente ano, levando a conhecimento público relatório confeccionado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, em que resta consignada a informação de que "a alta produtividade das grandes fazendas é empecilho para as desapropriações, sem, entretanto citar que o índice para medir a produtividade pode estar artificialmente baixo".
Pertine, ainda, destacar a crítica de Elisabete Maniglia:
“Ao se adentrar na questão maior do atendimento da função social pelo imóvel rural, deduz-se que a simples leitura legal pouco diz no texto constitucional, art. 186, bem como no art. 9º da Lei nº 8.629. No plano teórico constata-se que, muito embora o texto da lei infraconstitucional tenha-se esmerado em criar definições claras em seus incisos, na prática inviabiliza-se o controle desse cumprimento, uma vez que o INCRA em sua vistoria, determinada em lei, emite um laudo, centrado apenas na produtividade do imóvel… Os demais itens constantes na definição da função social são desprezados”. (BARROSO, 2013)
4. Proposta de solução do "caso difícil" pela superação episódica do estrito formalismo jurídico
Inicialmente, a fim de lastrear a sustentação da proposta de solução do "caso difícil" que se passa a fazer, esclarece-se a ciência e a concordância com a não possibilidade de reconhecimento no ordenamento jurídico pátrio de "normas constitucionais inconstitucionais", tal como defendido pelo alemão Otto Bachof, sobretudo em face da rigidez constitucional prevalente no Brasil[16].
Observa-se, todavia, que eventual incongruência no sistema constitucional originário, ainda que no plano lógico-funcional e em contraposição a texto expresso de preceito posto, pode e deve ser enfrentado pelos intérpretes da Carta Política, tendo em vista a necessária ponderação dos valores em atrito no caso em exame, que pode trazer situação de descumprimento efetivamente pernicioso da função social da propriedade agrária em contraposição a um "posto" direito de intangibilidade da propriedade produtiva que não mais encontra respaldo na realidade social a que se reporta.
É certo que ao Poder Judiciário não é dado funcionar em substituição ao Poder Legislativo na criação abstrata de normas, mas, por outro lado, pode e deve atuar na construção da norma aplicável ao caso concreto sempre que essa não restar evidente da simples leitura da norma em tese aplicável.
Nessa perspectiva, no âmbito das novas propostas hermenêuticas contemporâneas, caracterizadas pela irradiação dos princípios e postulados por todo o sistema jurídico, na condição de efetiva norma jurídica que ostentam, e não de meros programas a serem perseguidos abstratamente, acredita-se defensável diretriz hermenêutica segundo a qual a aparente antinomia sistêmica deve ser decidida mediante o sopesamento dos valores em causa, ponderados em consonância com valores ético-sociais tendentes à melhor realização do princípio democrático aventado em razão da prevalência dos direitos humanos capitaneados pela dignidade humana, sem que com isso se esteja, pelo só fato da superação episódica do formalismo metodológico, proferindo decisão juridicamente insustentável.
Ao contrário, defende-se a aproximação do Poder Judiciário dos valores sociais eticamente emanados do corpo social, num diálogo permanente e construtivo orientado por processo dialético de aferição de valores e consequente argumentação justificadora e legitimadora da própria função em que acometidos os julgadores maiores da República, responsáveis pela defesa das funcionalidades ético-sociais emanadas de nossa Carta Política Fundamental.
Nesse tanto, é de todo positivo que haja a captação do sentimento coletivo de justiça, sempre que juridicamente possível e adequado (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 180).
Magistral, ante o discutido, é a conclusão de Canotilho ao acentuar a tese de que a constituição ideal não pode ser atribuída tão somente ao Poder Constituinte, demandando, na realidade prática, o que ele dá o nome de "plebiscito cotidiano", sustentado e conformado pelas modificações sociais e políticas diuturnas (CANOTILHO apud SILVA, 2007).
Em arremate, cita-se Lucas Barroso, para quem:
“Não tem sido outro o caminho trilhado pelo direito agrário desde o irromper da pós-modernidade, a pressupor uma sua indeclinável aproximação com os direitos humanos e com os direitos fundamentais. Na doutrina de Ricardo Zeledón, cuida-se de "uma concepción humanista encargada de colocar em su centro al ser humano". Portanto, a pessoa é o lugar comum na construção do direito agrário contemporâneo. (…)
Dialogando em nível constitucional, o desiderato contido em tais direitos de segunda dimensão (direitos de natureza econômica e social), não levados a efeito no âmbito privatístico das codificações, deram origem ao direito agrário como reflexo da luta pelo reconhecimento dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. O que o afasta do campo do direito tradicional do direito privado pela incapacidade deste em promover a socialidade e, portanto, busca seu sentido na garantia da proteção à pessoa, a transcender ao patrimônio e ao individualismo proprietário; afinal, à propriedade privada.” (2014)
Considerações finais
Buscou-se, a partir do estabelecimento do contexto epistemológico do direito em construção na contemporaneidade, traçar as mudanças sistêmicas observadas a partir do ocaso do positivismo restrito pelos acontecimentos que marcaram a história social ocidental recente, estabelecendo-se, então, a concatenação com a ciência jurídica praticada no Brasil.
Evidenciou-se, então, o fenômeno da constitucionalização dos direitos, com todo o subjacente espectro de democratização das relações sociais aferidas pelo direito, que outra função não ostenta senão a de conformar a convivência social na sociedade a que se refere.
Traçadas as premissas filosóficas pertinentes, adentrou-se, de forma específica, às influências do novo constitucionalismo propiciadas no âmbito dos direitos, em geral, e do direito agrário, de forma específica, sem que se olvidasse do fato de que é tal disciplina jurídica intrinsecamente relacionada a institutos típicos do direito civil, tal como a propriedade, os quais revisita para emprestar feição própria.
Tal releitura se dá em consonância com a funcionalização do direito proposta por Norberto Bobbio e amplamente respaldada pela comunidade jurídica e social das democracias contemporâneas, tal como a brasileira.
Nesse tanto, examinou-se a função social da propriedade rural, desde a sua consagração no Estatuto da Terra à encampação constitucional pela Carta de 1988, a qual, se foi amplamente meritório no sentido de ressignificar o direito como um todo, por vezes deixou escapar algumas incoerências sistêmicas, tal como a previsão de impossibilidade de desapropriação da propriedade produtiva para fins de reforma agrária.
Defendeu-se, contudo, a possibilidade de superação das antinomias aparentes pela superação episódica do formalismo jurídico nos considerados "casos difíceis", o que se propugnou possível ante a referibilidade social e democrática do direito que se constrói em tempos atuais, e que deve ser concebido na perspectiva de maximização dos direitos humanos que são sua causa maior de existência.
Graduado em Direito pela Pontifícia Univerdade Católica de Goiás. Pós-graduado em Direito Público pela Fundação de Ensino Superior de Rio Verde/GO. Pós-graduando em Direito Civil pela Universidade Anhanguera e em Tecnologias e Educação a Distância pela Universidade Dom Bosco (ambos os cursos em caráter “lato sensu”). Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás desde 2005. Aprovado para o cargo de Promotor de Justiça Substituto do Estado do Tocantins
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