THE CONSTITUTIONALITY OF THE NON-PROSECUTION AGREEMENT
Eduardo Freire da Costa[1]
Rubens Alves da Silva[2]
RESUMO: Este estudo tem por objetivo analisar a constitucionalidade do acordo de não persecução penal, que consiste na possibilidade de o Ministério Público, na investigação preliminar, obstar o oferecimento da denúncia e instauração da ação penal quando o investigado confessa o crime e se compromete a observar determinadas condições. A pesquisa é de natureza qualitativa, descritiva e bibliográfica. O instituto foi regulamentado pela Resolução nº 181 de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, alterada recentemente pela Resolução nº 183 de 2018. Trata-se de instrumento de justiça penal negociada, que busca desafogar o Judiciário. Contudo, a sua constitucionalidade é questionada no direito brasileiro, principalmente por ter sido instituída por uma Resolução, e não por uma lei federal. Não obstante, o instituto apresenta bons resultados e se coaduna com o que preconiza o Supremo Tribunal Federal quanto à natureza das normas editadas pelo referido Conselho. Logo, seguindo a tendência mundial, a justiça penal negociada vem ganhando espaço no direito brasileiro, contribuindo para uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz sem, contudo, violar direitos do acusado.
Palavras-chave: Persecução Penal. Justiça Penal Negociada. Acordo de Não Persecução Penal. Constitucionalidade.
ABSTRACT: This study aims to analyze the constitutionality of the non-prosecution agreement, which consists of the possibility of the prosecutor, in the preliminary investigation, prevent the offer of complaint and prosecution when the investigated confesses the crime and undertakes to observe certain conditions. The research is qualitative, descriptive and bibliographical in nature. The institute was regulated by Resolution nº. 181 of 2017 of the National Council of the Public Prosecution Service, recently amended by Resolution nº. 183 of 2018. It is a negotiated criminal justice instrument that seeks to relieve the judiciary. However, its constitutionality is questioned in Brazilian law, mainly because it was instituted by a Resolution, and not by a federal law. Nevertheless, the institute has good results and is in line with what the Federal Supreme Court recommends regarding the nature of the rules issued by the said Council. Therefore, following the global trend, negotiated criminal justice has been gaining ground in Brazilian law, contributing to a faster and more effective judicial delivery without, however, violating the rights of the accused.
Keywords: Criminal Persecution. Negotiated Criminal Justice. Non-prosecution Agreement. Constitutionality.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Acordo de não persecução penal e sua constitucionalidade. 1.1. Da investigação preliminar no ordenamento jurídico brasileiro. 1.2. Investigação criminal judicial. 1.3. Investigação criminal realizada por órgãos não policiais. 1.4. Investigação criminal preliminar realizada pelo Ministério Público. 1.5. A justiça negociada com fundamento no acordo de não persecução penal. 1.6. Do acordo de não persecução penal: aspectos gerais. 1.7. Da Resolução nº 181 de 07 de agosto de 2017. 1.8. Constitucionalidade do acordo de não persecução penal. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico brasileiro o Ministério Público é, por expressa determinação constitucional, titular da ação penal. Logo, se discute a possibilidade de o Parquet dispor da ação penal, ou seja, deixar de ofertar a denúncia quando presentes as condições da ação.
Em meio a esse cenário ganhou relevo, nos últimos anos, a discussão quanto a constitucionalidade do acordo de não persecução penal. O instituto foi regulamentado em 2017 pela Resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público, recentemente alterada pela Resolução nº 183 de 2018.
Tão logo veio a lume aquela Resolução, as discussões se acirraram, seja pela indisponibilidade da ação penal, seja pela iniciativa da normatização do instituto, já que a competência para legislar sobre matéria processual penal é da União, de forma privativa.
Contudo, não se pode negar que o ordenamento jurídico brasileiro vem seguindo orientação internacional, já que a justiça penal negociada vem ganhando cada vez mais importância, mormente pela possibilidade de resolução dos conflitos de forma consensual.
É nesse contexto que se situa o presente estudo, que tem por objetivo analisar a constitucionalidade do acordo de não persecução penal perante o ordenamento jurídico brasileiro.
Destarte, metodologicamente a pesquisa se classifica como qualitativa, no que tange à abordagem, e descritiva, quanto ao procedimento; e, quanto à técnica de pesquisa, é bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação, artigos e dentre outras fontes, elementos para a compreensão do tema.
1. Acordo de não persecução penal e sua constitucionalidade
1.1 Da investigação preliminar no ordenamento jurídico brasileiro
O Estado por intermédio do Poder Legislativo elabora leis de matéria penal, que visam à tutela dos bens jurídicos considerados relevantes pela sociedade, atribuindo sanções àqueles que pratiquem a conduta descrita no fato típico. Com isso, surge o direito de punir em abstrato para o Estado enquanto que para o particular nasce também um dever, o de se abster à pratica de infrações penais definidas em lei. Todavia, praticada a conduta delituosa, o direito de punir no plano abstrato assume uma qualidade se transformando no jus puniendi in concreto, ou seja, a pretensão concreta de punir um eventual autor de crime (LIMA, 2014, p. 43).
Isso demanda um aparelhamento estatal organizado, a fim de que o Estado disponha de elementos suficientes de autoria e materialidade que subsidiem uma eventual ação penal e a consequente imposição de sanção ao autor do fato delituoso. É então que se torna imprescindível o processo penal, e especialmente a investigação criminal (LIMA, 2014, p. 43).
Diante dessa realidade o Estado deve se apresentar munido de instrumentos hábeis a descobrir e elucidar o fato criminoso, a fim de não deixar que se aumentem os índices de criminalidade, uma vez que este fato traz à população um descrédito quanto aos sistemas formais de controle. Nesse ponto, o papel da investigação criminal é precípuo, pois é um caminho necessário que ao fim, pode levar à pena ou não, vai depender da efetividade de uma denúncia fundamentada em sólidos indícios de autoria e materialidade do fato, para que se vença a luta contra o injusto penal (LOPES, 2014, p. 255).
Quanto à importância da investigação criminal, Lopes Júnior (2014, p. 256) acrescenta:
A investigação preliminar é o primeiro degrau da escada e, através dela, se chegará a uma gradual concreção do sujeito passivo. Com base nos elementos fornecidos pela investigação preliminar, serão realizados esses diferentes juízos, de valor imprescindível para chegar ao processo ou não processo. Dadas a relevância e as dificuldades que encerram a investigação do delito, essa atividade não pode ser deixada nas mãos do particular (como no processo civil) e exige a intervenção do Estado, por meio de seus órgãos oficiais.
Em um Estado Democrático de Direito, no qual a presunção de inocência é um dos princípios basilares em matéria processual penal e que o próprio processo é visto sob um enfoque garantista, a pena somente pode ser infligida se há elementos suficientes para tanto. A investigação criminal estatal, tem como atribuição precípua sustentar a propositura de uma ação penal, com respaldo em uma justa causa (lastro probatório mínimo). Essa é a principal forma de buscar a verdade real dos fatos e assegurar o devido processo legal, já que ninguém pode ser privado de seus bens e de sua liberdade sem exercer tal garantia constitucional (TOURINHO FILHO, 2003, p. 186).
A investigação criminal é corolário do princípio da presunção de inocência, princípio constitucional explícito do processo penal, é igualmente conhecido como princípio do estado de inocência (ou da não culpabilidade), ou seja, todos são presumidamente inocentes, enquanto não se declarar por meio de sentença condenatória transitada em julgado. Segundo Nucci (2014, p. 33-34), “as pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz, a culpa do réu”.
Desta feita, a investigação criminal consiste em um procedimento administrativo inquisitório e preparatório que tem por objetivo reunir por meio de diligências fontes de prova e elementos de informação (depoimentos, objetos, instrumentos, produtos, perícias) que se volte a elucidar a autoria e materialidade delitiva da infração penal em foco (CAPEZ, 2013, p. 113).
A investigação criminal é conceituada por Lopes Júnior (2014, p. 252) nos seguintes termos:
O conjunto de atividades realizadas concatenadamente por órgãos do Estado; a partir de uma notícia crime ou atividade de ofício; com caráter prévio e de natureza probatória com relação ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delitivo, com fim de justificar o exercício da ação penal ou o arquivamento (não processo).
Nesse contexto, se tem preferência da expressão investigação ao invés de instrução, uma vez que esta se refere à fase processual. São momentos distintos que compõem a persecutio criminis, o da investigação e o da ação penal. Neste existe uma análise de mérito em que se julga a pretensão punitiva do Estado, mediante o contraditório e a ampla defesa ligada à fase processual, já aquele consiste na atividade preparatória à ação penal, com hialino caráter inquisitório (MARQUES, 2002, p. 138).
Nos termos do art. 4°, parágrafo único, do Código de Processo Penal, extrai-se o entendimento de que não há apenas uma forma de investigação que vise à apuração da infração penal e sua respectiva autoria: “A competência definida neste artigo não exclui a de outras autoridades administrativas a quem por lei seja acometida a mesma função” (BRASIL, 1941).
O instrumento mais comum de investigação criminal é o inquérito policial, entretanto essa atividade na prática não vem sendo exclusiva da polícia judiciária, há outras formas existentes que são presididas por autoridades administrativas, como por exemplo, a investigação realizada pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, as investigações judiciais, o procedimento investigatório realizado pelo Ministério Público, o Inquérito Policial na seara militar. Quando presidida por órgãos integrantes da Polícia Judiciária, com fulcro no art. 144, §1º, inciso I e § 4° da Constituição Federal, a investigação criminal será chamada de policial, quando não, extrapolicial ou instrumentos investigatórios diversos do Inquérito Policial (LIMA, 2014, p. 169-174).
Nucci (2014, p. 95-96) também defende que o inquérito policial é o instrumento de investigação de mais envergadura no campo penal:
O Estado pode e deve punir o autor da infração penal, garantindo com isso a estabilidade e a segurança coletiva, tal como idealizado no próprio texto constitucional (art. 5º, caput, CF), embora seja natural e lógico exigir-se uma atividade controlada pela mais absoluta legalidade e transparência. Nesse contexto, variadas normas permitem que órgãos estatais investiguem e procurem encontrar ilícitos penais ou extrapenais. O principal instrumento investigatório no campo penal é o inquérito policial, cuja finalidade precípua é estruturar, fundamentar e dar justa causa à ação penal é o inquérito policial. Aliás, constitucionalmente, está prevista a atividade investigatória da polícia judiciária – federal e estadual (art. 144, §1°, IV, e §4°, CF).
Adiante será feita uma análise acerca das principais formas de investigação presentes no Estado Brasileiro, principalmente o inquérito policial, haja vista ser dedicado um capítulo específico a essa forma de investigação no Código de Processo Penal, ainda que não seja a única que dê subsídio à ação penal. Essa tarefa se faz essencial, a fim de se aferir a legitimidade do órgão Ministério Público em presidir procedimentos de investigação.
1.2 Investigação criminal judicial
Neste sistema, o juiz opera como uma verdadeira autoridade investigatória, além da produção das provas ser realizada à sua presença, muitas das provas são também produzidas por ele mesmo, sem que ele esteja atrelado a requerimentos ou requisições do Ministério Público ou da defesa, que passam, então, a ser simples auxiliares (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 262).
Em resumo, o autor define o sistema de investigação presidido pela autoridade judiciária da seguinte maneira:
Em síntese, o juiz de instrução é o titular da investigação preliminar e cabe a ele receber direta ou indiretamente a notícia-crime, buscar as fontes de informação e investigar os fatos apontados. Dirigirá de perto a atividade policial e atuará pessoalmente, indo ao local do delito, determinando as perícias necessárias, interrogando os suspeitos, ouvindo a vítima e testemunhas, etc. Dessa forma, o instrutor poderá investigar, mesmo que o titular da futura ação penal entenda que não existem motivos razoáveis para isso (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 262).
Atualmente esse sistema padece de diversas críticas, no sentido de que o magistrado ao funcionar ativamente na investigação criminal teria sua imparcialidade atingida, nesse diapasão é que, no atual sistema acusatório, a atribuição de proceder na fase investigatória fica a cargo das autoridades policiais, mediante controle externo do Ministério Público, que com os autos do inquérito policial em mãos, decidirá quanto à apresentação da opinio delict. A autoridade judiciária não atuando de forma relevante e ativa na investigação preserva qualquer tendência psicológica pré-definida (CAPEZ, 2013, p. 85).
Diante do ordenamento jurídico que se construiu no país, não se pode admitir que o juiz dê início a uma investigação antes da ação penal. Durante o inquérito, ele deve funcionar como um garantidor dos direitos e garantias individuais que sejam dependentes de análise por parte do magistrado nas situações previstas em lei e na constituição, em tutela daquele a quem se imputa a prática de uma infração penal (LIMA, 2014, p. 46-47).
Nos países em que se adota o sistema do juiz instrutor, há presunção absoluta de sua parcialidade. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, desde meados da década de 80, segue no sentido de que aquele juiz que tenha operado com poderes instrutórios será considerado prevento de modo que ficará inviabilizado de decidir o conflito intersubjetivo no caso concreto. A violação a esse entendimento violaria a imparcialidade do julgador e, por conseguinte, os atos até então produzidos. Isso trouxe importantes alterações legislativas em países como Espanha e França (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 263).
Existem possíveis vantagens do sistema judicial de investigação preliminar, uma delas é apontado como a maior credibilidade dos elementos de informação produzidos pelo magistrado. Outro ponto refere-se ao fato de mormente se necessitar nas diligências investigatórias de medidas que limitam direitos fundamentais (busca e apreensão, restrição de liberdade, interceptação telefônica e outras cautelares), portanto, nada mais efetivo que seja aquele que detém o poder jurisdicional de limitá-los ser o titular na condução de investigação criminal.
Outrossim, acredita-se que outras vantagens advêm do que se produz ao final da investigação, uma vez que, em tese, é procedida por um órgão imparcial e atento a elucidar a infração penal investigada, podendo, então, servir tanto para fundamento dos argumentos da acusação, quanto da defesa. Além disso, confia-se em uma maior independência e imparcialidade do juiz que serve como garantia de uma investigação preliminar eximida de perseguição política por parte do Poder Executivo (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 263).
Essa última vantagem se justificaria pelo fato de a autoridade policial estar mais suscetível à contaminação política em face das ordens advindas do governo, o que levaria, em princípio, a ser utilizada com meio de perseguição política e nas injustiças frente às rápidas ações em casos de maior repercussão transmitidas pela mídia. Essa subordinação política cria um campo vulnerável à pressão de setores políticos e econômicos (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 261).
Por outro lado, o sistema de investigação preliminar presidido pelo magistrado apresenta profundos inconvenientes que estão intimamente ligados com a história do juiz inquisidor, pois nele, estão concentradas as atribuições de investigar e acusar (acusação lato sensu). Isso é apontado pela maioria da doutrina como um obstáculo à consolidação do sistema acusatório, nesse sentido conclui Lopes Júnior (2014, p. 264) quanto às suas desvantagens:
Transforma o processo penal (lato sensu) em uma luta desigual entre o inquirido, o juiz-inquisidor, o promotor e a polícia judiciária. Essa patologia judicial acaba por criar uma grave situação de desamparo, pois, se o juiz é investigador, quem atuará como garante? Por vício inerente ao sistema, a investigação judicial tende a transformar-se em plenária, comprometendo seriamente a celeridade que deve nortear a fase pré-processual. Representa também, uma gravíssima contradição lógica, pois o juiz investiga para o promotor acusar, e, o pior, muitas vezes contra ou em desacordo com as convicções do titular da futura ação penal. Em definitivo, se a investigação preliminar é uma atividade preparatória que deve servir, basicamente, para formar a opinio delict do acusador público, deve estar a cargo dele e não de um juiz, que não pode e não deve acusar. Gera uma confusão entre as funções de acusar e julgar, com inegável prejuízo para o processo penal.
Por fim, um caráter negativo eminente consiste em transformar a investigação preliminar em uma fase criadora das principais provas a servirem de fundamento para sentença, fato não aceitável em face da ausência do contraditório e da ampla defesa durante esse sistema de investigação preliminar judicial. Não se discute quanto à característica informadora de probabilidade dos fatos no bojo na investigação, porém isso não se confunde com a permissão de estear um juízo de condenação (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 265).
O sistema de juiz instrutor não é o que vige no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo se encontram presentes resquícios de tal sistema, é o que se depreende da reforma introduzida pela Lei nº 11.690/2008, que dispôs acerca do princípio da persuasão racional do magistrado diante das provas produzidas sob o contraditório judicial, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Então, permite-se ao julgador cercear sua decisão final em elementos obtidos durante a investigação sem fazê-lo com exclusividade (NUCCI, 2014, p. 72).
O que se espera hoje em um Estado Democrático de Direito da posição do Juiz frente às investigações criminais é sua atuação como garantidor, e não como instrutor. Aquele que detém poder jurisdicional se apresenta como o mais relevante responsável pela proteção dos direitos fundamentais e não pode ficar omisso diante lesão ou ameaça de lesão a direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, em síntese, deve operar como garante dos direitos fundamentais daquele sujeito que se imputa formalmente à prática de infração penal (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 281).
A despeito das críticas expostas, existe hodiernamente a permissão ainda de a autoridade judiciária decidir “ex officio” acerca da produção de provas no seio da investigação criminal ou do processo penal. Permanece o poder instrutório do juiz, inclusive na fase investigatória, consoante se extrai da dicção do art. 156 do Código de Processo Penal.
Acredita-se que além de representar um retrocesso aos ditames do juiz instrutor, a reforma utiliza de conceitos vagos e imprecisos “[…] (necessidade e adequação para que e para quem?) e o manipulável princípio da proporcionalidade que com certeza será utilizado a partir da falaciosa dicotomia entre o interesse público e o direito individual do imputado” (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 282).
Incontroversamente, à luz de uma visão constitucional e do atual estágio do processo penal brasileiro, o sistema de investigação preliminar judicial se mostra incompatível com o sistema acusatório. Um modelo que o juiz não propusesse interferências relevantes que levem à sua parcialidade, mas apenas funcionasse como fiscalizador das atividades investigatórias e dos direitos e garantias individuais é o que se espera de um sistema ideal de investigação.
1.3 Investigação criminal realizada por órgãos não policiais
Buscar a elucidação dos fatos criminosos e de sua autoria por intermédio de uma atividade investigatória não é uma atribuição exclusiva da Polícia Judiciária, é o que acentua o art. 4°, parágrafo único do Código de Processo Penal, quando dispõe que a apuração das circunstâncias que norteiam uma infração por parte das autoridades policiais não excluirá a de autoridades administrativas a quem por lei seja acometida a mesma função (LIMA, 2014, p. 169).
O legislador de 1941 autorizou outras hipóteses de investigação criminal não necessariamente policiais. Com base nessa autorização legal, é permitido que uma autoridade administrativa dirija sindicâncias e processos administrativos em face de servidores públicos para que os elementos obtidos fundamentem uma eventual denúncia oferecida pelo Ministério Público; assim como uma infração penal praticada por militar seja objeto de investigação de inquérito policial militar. Há previsão na Constituição Federal, segundo o art. 58, § 4º, que Comissões Parlamentares de Inquérito também possuem legitimidade para proceder à investigação criminal, essas CPIs possuem poderes de investigação próprios e são criadas para apurar fato determinado em prazo certo por intermédio de requerimento de um terço da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, em conjunto ou de forma isolada, sendo que o que for apurado será encaminhado ao Ministério Público para promoção da respectiva ação penal que responsabilize os infratores (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 279).
Apesar de a Polícia Judiciária não ser o único órgão competente para promover a atividade investigatória, para que outras autoridades exerçam tal atribuição é necessário que se tenha fundamento em lei. Por isso essencial se fazer uma análise quanto as outras formas de investigação mais comuns e autorizadas pelo ordenamento jurídico.
1.4 Investigação criminal preliminar realizada pelo Ministério Público
Há nos dias de hoje, forte tendência dos operadores do direito brasileiro em aceitarem a investigação criminal presidida pelo órgão ministerial. Isso se dá devido à adoção desse sistema por diversos países europeus em substituição ao modelo do juiz investigador que até então vigorava (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 265).
Na história constitucional brasileira, o Ministério Público veio crescendo como instituição destinada à tutela da ordem jurídica e dos interesses do cidadão, por conseguinte, suas funções institucionais foram largamente ampliadas, principalmente pela Constituição Federal de 1988, que atribui ao órgão ministerial caráter intimamente ligado ao Estado Democrático de Direito (RANGEL, 2005, p. 146).
Quanto à eminente evolução constitucional do Ministério Público brasileiro, hoje o órgão ministerial encontra-se revestido de garantias e atribuições inéditas, nenhuma das outras constituições passadas conferiu à instituição tratamento tão minucioso de suas características como usufrui atualmente, como afirma Bastos (1992, p. 339).
Hodiernamente há uma inclinação em se outorgar ao Ministério Público a possibilidade de dirigir diretamente uma investigação preliminar na busca da elucidação de infrações penais. Isso acaba por criar a figura do Promotor Investigador, que opera pessoalmente ou por intermédio da Polícia Judiciária, nas diligências inerentes à atividade investigatória. Esse modelo consiste em uma investigação criminal preliminar, a qual se tem o promotor como diretor da investigação, incumbindo-lhe receber a notitia criminis e apurar os fatos e circunstâncias nela constantes. Ao fim, concluída a investigação formará sua convicção diante dos elementos de informação trazidos e opinará por uma acusação ou quando na falta de justa causa pelo arquivamento (não processo) (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 265-266).
Nesse modelo de investigação, não se exime o promotor, na condução das atividades investigatórias, de requerer autorização judicial para adoção de medidas que impliquem privação ou restrição de direitos e garantias fundamentais, como medidas cautelares, busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica. Esses requerimentos devem ser analisados pelo juiz da instrução, que não mistura com a figura pretérita do juiz instrutor, aquele juiz atua como garantidor e controlador da legalidade (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 266).
Contudo, a investigação preliminar a cargo do Ministério Público tem sido adotada nos países europeus como Alemanha, Portugal, Itália, Espanha, em substituição ao modelo de investigação judicial e apesar de ser um modelo que vem se disseminando, está distante de ser adequado ou não passível de críticas. Nele se tem um desequilíbrio diametral na estrutura dialética do processo, que se inicia com a visão viciada e inclinada daquele que formulará a própria acusação, é uma via que conduz mormente a uma injusta apuração dos fatos (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 270).
Acredita-se que essa seja uma de suas desvantagens, na vida prática a atuação do Ministério Público na investigação ocorreria de forma parcial, de modo que se recolham provas somente em face do indiciado, o que viola a busca da verdade real (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 269-270).
Outro inconveniente desse sistema de investigação criminal é que de nada adiante se transferir normativamente a legitimidade para o Ministério Público proceder a atividades investigatórias e efetivamente estas não serem conduzidas por este (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 270).
Diante do exposto, o sistema de investigação conhecido como Promotor investigador consiste em nada mais do que uma atividade investigatória levada a cabo efetivamente por órgãos estranhos ao Ministério Público, principalmente a própria Polícia Judiciária, que é quem detém instrumentos e meios voltados para o trabalho investigatório.
Nesse cenário vem ganhando relevo, ao longo dos últimos anos, o acordo de não persecução penal, mormente nas investigações sob responsabilidade do Ministério Público ou que contam com a sua efetiva participação, como se passa a analisar no tópico seguinte.
1.5 A justiça negociada com fundamento no acordo de não persecução penal
A justiça negociada vem ganhando relevo ao longo dos últimos anos, principalmente com a maior utilização da colaboração premiada, regulamentada em 2013, no que tange aos aspectos procedimentais, pela Lei de Organização Criminosa. Contudo, outros institutos existem, como o acordo de não persecução penal, que desde o ano de 2017 encontra amparo normativo no ordenamento jurídico brasileiro.
A justiça negociada, como lembra Cavalcanti (2018), torna-se relevante em todo o mundo, principalmente como alternativa aos problemas enfrentados pelo Judiciário, em especial no que tange ao grande número de processos judiciais.
Na mesma senda leciona Oliveira (2015, p. 11), para quem a justiça negociada é uma alternativa que busca concretizar a “aceleração e simplificação procedimental […] essencialmente caracterizada pelo instituto da barganha, a antecipação da punição por meio de acordos entre acusação e defesa […]”.
Cavalcanti (2018) ressalta que a justiça negociada tem seu berço no direito norte-americano, onde se denomina plea bargaining. Contudo, outros países também adotam semelhante instituto, no afã, repita-se, de desafogar o Judiciário e tornar mais célere a atuação do Judiciário.
Segundo Conserva (2019, p. 216), o plea bargaining refere-se à “modalidade de propulsão dos procedimentos inquisitoriais em determinados ordenamentos jurídicos” e, em livre tradução significa que o investigado se declara culpado e negocia a sua confissão”.
1.6 Do acordo de não persecução penal: aspectos gerais
Moraes (2018) lembra que não é recente, na seara doutrinária, as discussões quanto a obrigatoriedade ou não da ação penal, até mesmo porque o constituinte se limitou a tratar da titularidade exclusiva do Ministério Público para a ação penal condenatória. Contudo, relativizou a obrigatoriedade em alguns pontos, motivo pelo qual deve-se sempre analisar, no entender do autor, a obrigatoriedade da ação penal em contraposição às mitigações impostas pelo próprio ordenamento jurídico, a exemplo do que ocorre na Lei nº 9.099/1995.
Em meio a esse cenário alguns institutos ganham relevo, em especial aqueles que obstam a ação penal, denominados, como já dito alhures, de institutos ou mecanismos negociais em matéria penal.
Segundo Alves (2018, p. 107), o acordo de não persecução penal é um ajuste realizado entre Ministério Público e investigado, acompanhado de defensor, que, “uma vez cumprido, enseja a promoção de arquivamento da investigação”, configurando-se clara hipótese de mitigação da obrigatoriedade da ação penal pública, comumente utilizada em países como Estados Unidos e Alemanha, em que “casos penais são resolvidos, em sua grande maioria, por meio de acordo”.
Contudo, a competência para legislar sobre matérias relativas à questão processual penal é da União, nos termos do inciso I, do art. 22 da Constituição Federal. Porém, o acordo de não persecução penal foi tratado por meio de Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, como se passa a expor.
1.7 Da Resolução nº 181 de 07 de agosto de 2017
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), considerando o entendimento firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal quanto à prerrogativa investigativa do Ministério Público na seara criminal, já que enquanto titular da ação penal condenatória também pode atuar na investigação preliminar, o que não afasta a possibilidade do exercício do controle externo, editou a Resolução nº 181, de 07 de agosto de 2017, para regulamentar questões como a transação penal, a suspensão condicional do processo e a colaboração premiada.
Polastri (2018) lembra que o objetivo primordial da Resolução era, em observância ao que preconizou o Supremo Tribunal Federal, quando a possibilidade do Ministério Público atuar na investigação criminal, regulamentar a questão. Porém, o Conselho Nacional do Ministério Público foi além, e tratou de inserir o acordo de não persecução penal em seu bojo, com a finalidade de abordar a instauração da ação penal e, consequentemente, possibilitar que o Ministério Público disponha da ação penal.
Cavalcanti (2018) defende que a Resolução em comento segue a tendência mundial no que tange à justiça penal negociada, regulamentando o acordo de não persecução penal que, em síntese, busca a não instauração da ação penal já que o Ministério Público tem a prerrogativa de não oferecer a denúncia e dar início à ação penal caso obtenha acordo com o investigado.
Como observa Moraes (2018), a referida resolução, em seu art. 18, trouxe também a regulamentação do acordo de não persecução penal para os delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, desde que o investigado confesse formal e detalhadamente a prática do delito, indique eventuais provas do seu cometimento e, ainda, cumpra os requisitos formais elencados nos incisos do dispositivo em comento.
Mais recentemente, o art. 18 da Resolução nº 181/2017 ganhou nova redação por força Resolução nº 183, de 24 de janeiro de 2018. Assim, já no caput percebem-se mudanças. Desde então, para ser proposto o acordo de não persecução penal, não sendo caso de arquivamento da investigação, o Ministério Público deve propô-lo nos casos em que a pena cominada for inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, e que o investigado tenha confessado formal e circunstancialmente a prática do delito, mediante as condições estabelecidas nos incisos, de forma cumulativa ou alternativamente (BRASIL, 2018).
Destarte, segundo Moraes (2018), o Conselho Nacional do Ministério Público inovou ao incorporar o instituto da não persecução penal, estabelecendo um verdadeiro obstáculo à punibilidade do Estado.
1.8 Constitucionalidade do acordo de não persecução penal
A primeira questão ao se tratar da constitucionalidade do acordo de não persecução penal é lembrar que tão logo veio a lume a Resolução nº 181/2017, tratada no item anterior, a Associação de Magistrados Brasileiros e a Ordem dos Advogados do Brasil, propuseram as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5790 e 5793 questionando a constitucionalidade da justiça penal negociada nesse ponto em específico. Nesse cenário, é que veio a lume a Resolução nº 183/2018, que alterou vários pontos daquela Resolução para obstar discussões quanto a constitucionalidade.
Nessa perspectiva, cumpre ressaltar que a ADI nº 5790, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, argumenta, em resumo, que a norma editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público invade a competência legislativa, já que inova em matéria processual penal e, por conseguinte, viola direitos e garantias individuais do investigado. Logo, a Resolução, no entender da Associação, padece do vício de inconstitucionalidade formal e material, pois há dispositivos que afronta as competências dos órgãos responsáveis pela investigação.
Já a ADI nº 5793, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sustenta inicialmente que a Resolução exorbitou o poder regulamentar do Conselho Federal do Ministério Público, tratando de questões processuais penais e inovando a regulamentação do tema em clara afronta ao que dispõe a Constituição Federal, já que usurpou poderes da União no que tange à instituição policial, além de ofender o princípio da reserva legal e da segurança jurídica.
Aqui cumpre abrir um parêntese para lembrar que o art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dispõe ser competência privativa da União legislar sobre questões processuais penais.
De igual forma, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ressalta que a ação penal é indisponível, devendo ser norteada pela imparcialidade, impessoalidade, ampla defesa e princípios outros, consagrados constitucionalmente. Logo, quando Ministério Público firma acordo com o investigado, dispõe da ação penal, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.
Decerto, o inciso I, do art. 129 da Lei Maior trata das atribuições do Ministério Público e dispõe, expressamente, que lhe cabe promover, de forma privativa, a ação penal. Trata-se, segundo Pacelli (2015), do princípio da indisponibilidade da ação penal que, em termos menos congestionados, nada mais é que a impossibilidade do Ministério Público, por discricionariedade, optar por deixar de oferecer a denúncia quando presentes os elementos que comprovem a conduta delitiva, a materialidade e a autoria e presentes as condições da ação penal.
Cavalcanti (2018) lembra que apesar de as autoras das Ações Diretas de Inconstitucionalidade acima citadas terem realizado o aditamento da petição inicial, reconhecendo que vários pontos foram sanados pela Resolução de 2018 e, consequentemente, afastada a inconstitucionalidade, mantiveram o pedido de declaração de inconstitucionalidade em alguns pontos, fomentando as discussões quanto à questão na seara doutrinária e, repita-se, jurisprudencial.
Conserva (2019, p. 219) ressalta que a discussão tem justificativa, pois a Resolução que instituiu o acordo de não persecução penal no direito brasileiro padece do vício de iniciativa:
O acordo de não persecução penal instituído na Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público resta prejudicado formalmente e apresenta grave inconstitucionalidade por vício de iniciativa e por desrespeito ao devido processo legislativo, pois se trata de norma produzida unilateralmente por órgão sem competência legislativa.
Logo, no entender do autor, ao contrário do que ocorre com institutos como a colaboração premiada, também reflexo da justiça negocial, a persecução penal não encontra amparo na legislação, em sentido amplo, pois apenas a União pode legislar sobre matéria processual penal (CONSERVA, 2019).
Anote-se, ainda, que embora o acordo de não persecução penal não tenha qualquer natureza condenatória, ele exige, como se extrai do caput do art. 18 da Resolução em comento, a confissão do investigado. E, de igual forma, como observa Moraes (2018), também impõe pena sujeita à homologação judicial, “não obstante, com o advento da Resolução CNMP n. 183/2018, o acordo se submeta à aferição judicial de sua regularidade”.
De acordo com Cavalcanti (2018, p. 450), em que pese a relevância da justiça negociada no que tange ao desafogamento do Poder Judiciário, parte da doutrina questiona que a aplicação consensual da pena acaba por causar prejuízos ao processo penal democrático, “por não haver efetivo consenso entre as partes, mais se assemelhando a um ‘contrato de adesão’ por parte do investigado”.
Também Schünemann (2013, p. 140) vislumbra, nos institutos que decorrem da justiça negocial, inexistência de consenso, pois o que faz o investigado, na verdade, é consentir com os termos que lhe são impostos, pois se não aderir às condições apresentadas pelo representante do Ministério Público, não se beneficiará.
O acordo de não persecução penal vai além de um mero procedimento ou rito no âmbito investigativo. Ele, como observa Moraes (2018), “adentra o núcleo inerente às garantias de liberdade, ou seja, assunto que deveria, a nosso sentir, submeter à reserva legal (lei em sentido estrito)”. Logo, para o autor, não há que se falar em constitucionalidade do acordo em comento.
Por isso, Conserva (2019, p. 2018) defende que não se coaduna com o direito brasileiro, nos seguintes termos:
O exercício de uma negociação extrajudicial acerca da culpabilidade não encontra fundamento positivo na Constituição Federal, visto que o que se entende por devido processo legal desenvolve-se em instrumentalização de um procedimento garantidor da ampla defesa e contraditório, na pura resistência à imputação estatal ora ventilada.
Lembra Moraes (2018), ainda que a legislação ordinária, a exemplo do art. 42 do Código de Processo Penal, de forma expressa determina que apenas a lei pode estabelecer critérios mitigatórios para o afastamento da obrigatoriedade da ação penal. Portanto, ao regulamentar a questão por Resolução, estaria o Conselho Nacional do Ministério Público exorbitando de suas funções, indo além de sua competência normativa.
Em sentido contrário, reconhecendo a possibilidade do Conselho Nacional do Ministério Público tratar da questão, lecionam Brandalise e Andrade (2018, p. 212), in verbis:
[…] não envolve matéria de direito processual, vez que se trata de avença realizada em procedimento administrativo em que não há o exercício de pretensão punitiva por meio de denúncia, não há propriamente partes, não há exercício da função jurisdicional penal, nem se faz necessária a observância do princípio do contraditório e da ampla defesa. Em suma, não há processo penal.
Trata-se, na visão dos autores, de normatização primária, totalmente aceita no ordenamento jurídico brasileiro.
Porém, Cavalcanti (2018) ressalta que não há como negar a natureza processual penal da norma editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o que justifica, no entender da autora, questionamentos quanto a legalidade e constitucionalidade dos acordos de não persecução penal, o que decerto não ocorreria se fosse a matéria tratada por lei federal, de iniciativa da União, a quem compete legislar sobre processo penal.
Uma forma de contornar a problemática é apontada por Moraes (2018), no que tange à exigência de se submeter, desde o início, ao crivo do Judiciário, o acordo de não persecução penal. E conclui o autor que, de certa forma, suas críticas sucumbiram diante da Resolução nº 183/2018, que efetivou o controle do acordo.
Assim, as críticas tecidas por Moraes (2018), ante à redação dada pela Resolução nº 183/2018, perderam sua razão de ser, pois esta buscou exatamente sanar discussões e superar obstáculos que vinham comprometendo o acordo de não persecução penal, mormente quanto às críticas acerca da constitucionalidade por ter sido a matéria regulamentada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em detrimento da edição de lei pela União.
Outra questão que merece ser ressaltada é que o Supremo Tribunal Federal, em que pese pedido liminar em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, não parece ver problemas quanto ao acordo de não persecução penal.
Cavalcanti (2018, p. 450) observa que apesar das críticas tecidas ao instituto da não persecução penal, e que por certo alcança outros institutos, decorrentes da justiça negocial, não há como negar um verdadeiro “fortalecimento da investigação preliminar, já que o acordo se aperfeiçoa com fundamento nos elementos produzidos na fase investigativa”. Por conseguinte, também reforça o sistema acusatório e a participação do Ministério Público na fase de investigação preliminar.
Resta evidente, portanto, que o acordo de não persecução penal, apesar dos entendimentos em sentido contrário, é sim compatível com a ordem constitucional vigente, não violando direitos do acusado, sendo uma importante medida para desafogar o Judiciário.
Conclusão
Buscou-se, ao longo do presente estudo, compreender as questões afetas ao acordo de não persecução penal, mormente a sua constitucionalidade. Tal instituto visa obstar que o Ministério Público apresente a denúncia, mesmo presentes as condições da ação, em virtude da realização de um acordo com o acusado, que deve confessar o crime e submeter-se a determinadas condições.
Para que o acusado faça jus ao acordo de não persecução penal, o crime não pode ter pena cominada superior a quatro anos, e também não pode ter sido praticado com violência ou ameaça à pessoa.
Porém, não há como negar que inicialmente, com o advento da Resolução nº 181/2017, o Conselho Nacional do Ministério Público acabou fomentando discussões quanto à constitucionalidade do instituto, já que foi além do que inicialmente se propôs, que foi regulamentar a investigação criminal a cargo do parquet.
Porém, com o avento da Resolução nº 183/2018, a questão mudou, até porque diante das críticas e principalmente de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade em tramitação no Supremo Tribunal Federal, problemas pontuais foram sanados.
Em que pese a nova Resolução, as ADIs continuam em tramitação e as divergências quanto à constitucionalidade persistem. De um lado, alguns defendem que a matéria deveria ter sido tratada por lei federal, e nunca por uma Resolução, o que, somado a indisponibilidade da ação penal pelo Ministério Público, maculam o instituto do vício de inconstitucionalidade.
Contudo, há defensores da aplicação do instituto e dos seus benefícios, até mesmo porque o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, firmou o entendimento de que os atos emanados do Conselho Nacional do Ministério Público possuem natureza de atos normativos primários, equivalentes às normas federais. Logo, o acordo de não persecução penal encontra, sim, amparo normativo, o que, somado às disposições legais outras, como a possibilidade de se firmar acordos na seara processual, já prevista na legislação desde o advento da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), dão respaldo ao instituto.
Apesar das discussões, não se pode negar os benefícios do acordo de não persecução penal. Vários são os problemas enfrentados pelo Judiciário na atualidade e permitir que um acordo de não persecução penal seja proposto é sim uma forma de pacificar conflitos e, de forma consensual, resolver o problema. E aqui não se fala em imposição de condições a um inocente, pois o acordo pressupõe, como se extrai do caput do art. 18 da Resolução nº 181/2017, com redação dada pela Resolução nº 183/2018, a confissão do investigado.
De todo o exposto, espera-se que as ADIs sejam julgadas improcedentes, e que seja o instituto amplamente utilizado como forma de se desafogar o Judiciário, permitindo uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz e, assim, contribuir para a resolução consensual dos conflitos, uma tendência que não se limita ao Direito Penal e que vem apresentando bons resultados.
Referências
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[1]Acadêmico em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – ULBRA.
[2]Graduado em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – ULBRA, Especialista em Processo Civil e Docência e em Gestão do Ensino Superior pela Universidade Estácio, Mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM.
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