A constitucionalização do Direito Processual Civil

Resumo: A pesquisa pretende observar o direito processual civil brasileiro em seu panorama atual, visando demonstrar sua total constitucionalização no que concerne aos seus fundamentos como à sua estrutura. O princípio de acesso à justiça e o dever de tutela equitativa, justa compõem as garantias fundamentais anunciadas pela Constituição de 1988. As leis infraconstitucionais processuais comuns formam um apanhado instrumental encomendado a disciplinar os pontos procedimentais para se alcançar a tutela jurisdicional. Destarte, juízes e tribunais estão desautorizados a fazer letra morta os procedimentos comuns definidos pelas leis do processo, para, em nome de princípios genéricos da Constituição, proceder de maneira livre e autoritária, sujeitando os litigantes a ritos, obrigações, deveres e sujeições contrários aos ditames das leis processuais e materiais vigentes. Uma lei infraconstitucional, ordinária somente pode ter sua autoridade negada quando totalmente incompatível com a Constituição.

Palavras-chave: Processo Civil, Constitucionalização, Reforma, Justiça.

Abstract: The research aims to observe the Brazilian civil procedural law in its current outlook , aiming to demonstrate their full constitutionalization in relation to its foundations as to its structure . The principle of access to justice and the duty of fair, just make up the fundamental protection safeguards announced by the 1988 Constitution . The common procedural laws form an instrumental infra caught ordered to discipline procedural points to achieve remedy. However , because of constitutional supremacy , their interpretation and use can not in any way oppose the rules and principles outlined by the constitutional order . Thus , judges and courts are unauthorized to do unheeded common procedures defined by the laws of the process , for, on behalf of generic principles of the constitution , conduct free and authoritarian manner , subjecting litigants to rites , obligations , duties and contrary to subjections dictates of procedural and substantive laws in force . An infra law , can only have their ordinary authority denied when totally incompatible with the Constitution .

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Keywords : Civil Procedure – Constitutionalisation – Reformation – Justice.

Sumário: Introdução. 1.Pensamento de alguns doutrinadores brasileiros acerca da Constitucionalização. 2. As Mudanças Processuais no Direito Brasileiro. 3. Reforma do Processo? Considerações Finais.

Introdução

Imaginou-se em outras épocas que, dentro do direito constitucional e, portanto, fora das leis ordinárias de processo, seria possível se delinear um ramo especial tendente a uma disciplina judicial. Encontrar-se-ia nele a sistematização das regras e princípios definidos como fundamentais para a prestação da tutela jurisdicional. Ademais, um outro segmento da Constituição se ocuparia de remédios processuais por ela mesma criados para, especificamente, tutelar determinados direitos fundamentais, como é o caso do habeas corpus e do mandado de segurança, entre outros.

Contudo, as concepções modernas do Estado Democrático de Direito determinaram uma intimidade da Constituição com o processo que vai muito além da existência de um ramo processual dentro do ordenamento supremo da República.  Nele, a função jurisdicional não se sujeita apenas a cumprir regras e princípios constitucionais de natureza procedimental. É a Constituição mesma que o Poder Judiciário tem o encargo de tutelar. Todos os direitos fundamentais, e não apenas aqueles relacionados diretamente com o processo, têm sua guarda e efetivação conferidas aos órgãos jurisdicionais, tarefas cujo desempenho há de se ver, invariavelmente, cumprida dentro da técnica do direito processual. Concebe-se, assim, o processo moderno acima de tudo como remédio de justiça, entendida esta como a convivência social desenvolvida na mais ampla observância dos princípios e garantias ditados pela Constituição. É por isso que hoje, em lugar de uma garantia do devido processo legal, se prefere afirmar que o Estado Democrático de Direito garante o processo justo.

Não se trata só do acesso de todos à Justiça como garantia. A lesão ou ameaça a direito, dão azo ao que a Constituição garante que através do judiciário, seja disponibilizada uma tutela efetiva, capaz de proporcionar a todos o concreto gozo tanto dos direitos subjetivos individuais como, principalmente, que se efetive essa tutela de modo a fazer respeitar e cumprir tudo aquilo que na Constituição fora estabelecido em torno das garantias fundamentais.

O processo passou a tutelar em toda sua extensão, os mandamentos e regras constitucionais. Diante desse diapasão, as normas procedimentais não tiveram outra opção, senão a de se subordinar aos ditames garantidos pela Lei Fundamental. A antiga distinção entre Direito Processual Constitucional e Direito Processual Comum deixou de ter relevância, substituída pelo novo cenário, em que se garantem em todo processo, o acesso à justiça, traduzido pelo devido processo constitucional[1].

Na segunda metade do século XX, reforçou-se o papel instrumental do processo  na realização e tutela dos direitos subjetivos substanciais já então permeados de valores humanos, ensejando o devido processo justo, reduzindo-se a distância exagerada que existia entre o tratamento das figuras processuais e o direito material propriamente dito. Consolidou-se a constitucionalização do processo, cujos princípios ganharam força de preceitos fundamentais[2].

Não é possível mais cogitar do devido processo legal como objeto de um ramo autônomo do direito processual ou do direito constitucional. O que se entrevê, nesse plano, é uma colocação científica, de um ponto de vista metodológico e sistemático, do qual se pode examinar o processo em suas relações com a Constituição[3].

O aperfeiçoamento das técnicas processuais deu-se, portanto, no intuito de torná-las, cada vez mais, instrumentos utilizáveis sempre para condicionar a atuação dos órgãos judiciais em conformidade com a Constituição. O que hoje se espera da Justiça Pública é que esteja, sobretudo, preocupada com a eficácia das normas constitucionais por meio de instrumentos processuais específicos e adequados, dentre os quais se destaca o devido processo constitucional, visto como metodologia de garantia dos direitos fundamentais. 

Da posição operante e positiva assumida pela Constituição, e pelo papel confiado à jurisdição no Estado Democrático de Direito, pode-se reconhecer a figura do devido processo constitucional (processo justo de que falam os italianos) como garantia, ele mesmo, de natureza fundamental. E nessa categoria compreendem-se as garantias processuais estabelecidas na própria Constituição (processo constitucional), indispensáveis à formação de “um essencial sistema de proteção aos direitos fundamentais, tecnicamente apto a lhes assegurar efetividade”  (ÁVILA, 2006, p. 78). O compromisso do processo, dessa forma, não é apenas com as garantias técnicas, mas é com a efetividade de todo o sistema de direitos fundamentais.

 De todo, visto a tutela jurisdicional dentro sob a ótica da Constituição, a idéia de devido processo constitucional ou processo justo é instituição ampla, de regência de todo e qualquer procedimento, incluindo até mesmo o desenvolvido perante a administração e o legislativo.

2. Pensamento de alguns doutrinadores brasileiros acerca da Constitucionalização

Cândido Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover foram os precursores do tema no cenário brasileiro, ao destacar os princípios constitucionais do direito processual civil.

“Vêm da Itália generosos ventos ideológicos em torno do processo e da sua ciência, especialmente através do trabalho dos processualistas florentinos, MAURO CAPPELLETTI à frente. O monumental Projeto Florença é um marco notável nessa guinada da mera técnica processual para a perspectiva teleológica do sistema (grifamos). Sente-se a necessidade de obter, no mais elevado grau que as limitações humanas permitam, a efetividade do processo, como instrumento de acesso de cada um do povo à “ordem jurídica justa”. Pensa-se na justiça social através do processo, como antes não se pensava”. (grifos do original) (DINAMARCO, 1987, p. 254)

Para se efetivarem, as garantias constitucionais do processo, podem se valer do aparato procedimental existente. O pleno acesso à justiça depende, sobretudo, da implantação de uma nova mentalidade no processo. Ao implantar o processo justo, ficam mais próximos, o operador e o teórico, no momento de descongestionar a via de acesso à justiça, por meio de um processo ágil, social, prestativo e seguro, destinado a envolver não apenas o legislador, mas, sobretudo, os doutrinadores e os sujeitos do processo.

O velho processo, mera técnica formal, se torna instrumento das garantias constitucionais a que os litigantes têm direito[4].

Hoje, acentua-se a ligação entre Constituição e processo, no estudo concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico: é esse o caminho, ensina LIEBMAN, que transformará o processo, de simples instrumento de justiça, em garantia de liberdade.

 Carlos Alberto Álvaro de Oliveira relata um precioso retrato de sua repercussão no cenário brasileiro, atualmente, indubitavelmente, fortemente dominado pela constitucionalização do processo no plano dos direitos fundamentais. Elucida o autor a substituição da visão estática do devido processo legal, puramente formal e garantística, pela visão, que apelida de dinâmica, do processo justo, “em que todos os institutos e categorias jurídicas são relidos à luz da Constituição e na qual o processo civil é materialmente informado pelos direitos fundamentais” (MARTINS-COSTA, 1999, p. 22). Explica esse fenômeno, afirmando que o devido processo legal era visto sob uma visão estática do direito, enquanto que numa visão dinâmica, ligada aos princípios e aos direitos fundamentais, parece mais correto falar em direito fundamental a um processo justo.

Da constitucionalização do processo decorre um processo justo que absorve, com solvência natural, aqueles direitos fundamentais específicos do processo, como a garantia do juiz natural e a proibição do juízo de exceção (CF, art. 5º XXXVII e LIII), a garantia do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI) e da motivação obrigatória das decisões judiciais (art. 94, IX). No entanto, destaca Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, o processo justo, em seu dinamismo, vai além em busca de implementar outros direitos principiológicos também fundamentais contidos na Constituição, sem os quais não se alcança uma tutela jurisdicional afinada com os anseios de justiça e efetividade. Um exemplo emblemático apontado pelo autor “é o princípio da igualdade (art. 5º, caput), que permite estabelecer a noção de processo eqüitativo, e em conseqüência a norma de princípio ou o direito fundamental da paridade de armas” (MARINONI, 2009, p.143)

O processo, entretanto, por ser justo, não pode abandonar a segurança jurídica, um dos fundamentos do ‘Estado Democrático de Direito’ (CF, preâmbulo e art. 5º, caput), ao lado da justiça e da dignidade da pessoa humana (CF, preâmbulo, arts. 1º, III, e 3º, I). É certo que, no caso do processo, o fim é a justiça do caso concreto; o processo justo e a tutela jurisdicional efetiva são os meios de que dispõe o Estado Democrático de Direito, essencialmente constitucional, para a realização daquele fim. Esta justiça e esta efetividade não podem, todavia, desvencilhar-se das outras garantias fundamentais, especialmente da garantia de segurança jurídica. Ao contrário, o processo constitucionalizado impõe uma conciliação razoável e proporcional entre justiça e segurança, ambas indispensáveis ao Estado Democrático de Direito.

3. As Mudanças Processuais no Direito Brasileiro

Muito embora seja nítida a lentidão com que os processos caminham no foro brasileiro, há aqueles que criticam com fervor o projeto de reformas do Código de Processo Civil brasileira que tramita no Congresso Nacional, diz-se a novel legislação estar centrando atenções demasiadas para a celeuma da celeridade, esquecendo-se da preservação de outras garantias fundamentais a que a Constituição submete o processo, como a do contraditório e da ampla defesa.

De fato, a celeridade da prestação jurisdicional, embora seja uma das garantias fundamentais presentes nas modernas Constituições dos Estados Democráticos de Direito, não é a única, devendo, por isso mesmo, harmonizar-se e conviver com outras que merecem igual prestígio constitucional. O objetivo, na implantação do processo justo é, realmente, que sua duração seja breve, mas não pode afastar o contraditório e ampla defesa, sem que esses também se cumpram.

Ao magistrado cabe esforçar-se por evitar delongas injustificáveis, reduzindo ao mínimo o tempo de espera da prestação jurisdicional, sem, entretanto, perder de vista que todas as garantias constitucionais do processo têm de ser observadas até chegar a um ponto de equilíbrio entre elas e o princípio de duração razoável. É justamente esse equilíbrio, essa harmonia, que conduz à verdadeira eficiência processual, num clima de adequada perseguição do processo justo. O processo justo, por fim, não é aquele desempenhado segundo um único e dominante princípio, mas o que permite a convivência harmoniosa de todos os princípios e garantias constitucionais pertinentes ao acesso à justiça e prestação efetiva da adequada tutela aos direitos subjetivos materiais

Ressalta fulano Marcelo Lima Guerra, a propósito, que a economia e a celeridade do processo embora sejam predicados essenciais da decisão justa, sobretudo quando a natureza dos interesses em jogo exige que os ritos sejam simplificados não são incompatíveis com as garantias das partes, e a garantia constitucional do contraditório não permite que seja ele violado em nome do rápido andamento do processo. A decisão,   conclui o autor, não se qualifica como justa apenas pelo critério da rapidez, e se a justiça não se apresentar no processo não poderá se apresentar, também, na sentença” (GUERRA, 2009, p.98-99)

Ocorre, no entanto, que não se pode adotar uma posição radical e preconceituosa em torno do movimento reformista. Se o contraditório é uma garantia inafastável do processo judicial democrático e isto ninguém contesta –, nem por isto se há de anatematizar todo e qualquer esforço para reduzir a injusta demora na duração do processo. Essa redução pode perfeitamente, ocorrer desde que, razoavelmente, se preserve uma adequada oportunidade para o contraditório. A técnica do constitucionalismo contemporâneo é a de que não há princípios absolutos em seus domínios. Todos os princípios constitucionais são mais ou menos fluídos e suscetíveis de recíproca intercorrência. Entretanto, nenhum deles anula os demais, de maneira que cumpre ao intérprete buscar, segundo os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, uma forma de harmonizá-los, fazendo com que convivam, nas situações concretas de aparente conflito, em lugar de proclamar, simplesmente, a supremacia absoluta de um deles.

 Nos vários artigos do CPC com nova roupagem nas reformas pontuais a que o estatuto se submeteu ultimamente, pouquíssimos são aqueles que se apresentam como de duvidosa compatibilidade com a garantia constitucional do contraditório e das liberdades individuais.

 Novos nomes já foram inventados para denominar as reformas do CPC brasileiro, tendentes a agilizar o processo, como fruto de adoção de uma postura neoliberal incompatível com os princípios constitucionais brasileiros e de subserviência ao capitalismo global, fomentadores da justiça célere a qualquer custo.

De qualquer forma, o rumo adotado pela organização política do Estado, o combate à morosidade da justiça é imposição da própria garantia de tutela jurídica. A demora injustificável na resposta jurisdicional sempre foi e continua sendo vista como a verdadeira injustiça, seja o Estado liberal, social ou neoliberal. Tão importante é o combate a essa chaga do processo judicial que os tratados dos direitos do homem e as constituições modernas consagram a celeridade processual como garantia fundamental.

 É possível a afirmação de que na agilização do processo não se realiza a melhor prestação jurisdicional, pois a inobservância dos demais princípios, também garantidos constitucionalmente, entram em colisão. No entanto, repise-se, o que não se justifica é a qualificação sistemática e apaixonada de neoliberalismo imposta a toda e qualquer reforma tendente a tornar mais pronta a tutela jurisdicional.

Chega-se a um ponto reflexivo, se há outras medidas a tomar para o aprimoramento do processo cabe aos juristas apontá-las e defendê-las. O que não se justifica é simplesmente rejeitar e dementar sistematicamente a adoção de medidas de aceleramento processual, uma vez que referida postura se contrapõe às próprias garantias de ordem constitucional vigentes. Relembre-se, que no século XX, o processo civil alemão, sem dúvida um dos mais eficientes da Europa continental, teve as mais acentuadas reformas com enfoque, sobretudo, nos meios de descongestionar os tribunais expedientes de desburocratização e aceleração da marcha processual.

4.  Reforma do Processo?

Há, vale dizer, alguns pontos que imprimem certa deficiência à prestação jurisdicional e eles estão localizados fora do procedimento. Não se pode esperar que, com uma simples alteração legislativa, o processo se torne automaticamente perfeito e garantida esteja a concretização de tudo aquilo almejado pela reforma.

 Enorme distância existe entre a mudança da norma e a transformação da realidade dos serviços judiciários, que não se cobre apenas pela edição de textos legislativos.

Adverte-se, por oportuno, sobre o fato de que a demora e ineficiência da justiça, cuja erradicação se coloca como a principal inspiração da reforma do processo, decorre principalmente de problemas administrativos e funcionais gerados por uma deficiência notória da organização do aparelhamento burocrático do Poder Judiciário brasileiro. Influem muito mais na pouca eficácia e presteza da tutela jurisdicional as etapas mortas e as diligências inúteis, as praxes viciosas e injustificáveis, mantidas por simples conservadorismo, que fazem com que os processos tenham que durar muito mais do que o suportável e muito mais do que o tempo previsto na legislação vigente.

 Uma melhora significativa do efetivo da prestação jurisdicional, por isso mesmo, só se poderá alcançar quando se resolver enfrentar a modernização dos órgãos responsáveis pela justiça, dotando-os de recursos e métodos compatíveis com as técnicas atuais de ciência da administração, e preparando todo o pessoal envolvido para adequar-se ao desempenho das mesmas técnicas Em suma, impende reconhecer, numa visão isenta, não apaixonada, sobre o problema, que a implantação do processo justo não depende tanto de reformas legislativas sobre os textos dos códigos. O que sua efetiva observância reclama, na verdade, é uma nova mentalidade para direcionar o comportamento dos operadores do processo rumo à valorização dos princípios constitucionais envolvidos na garantia do que hoje se tem por processo justo. O legislador tem obrigação de aprimorar as normas procedimentais, sem dúvida. Na maioria das hipóteses, no entanto, basta aplicar o processo existente sob o influxo exegético dos princípios constitucionais para que o juízo se desenvolva de maneira a obter a otimização do processo, que se concretiza quando por ele se garante, em tempo razoável, e mediante amplo contraditório, a efetiva e adequada atuação do direito material[5].

5. Considerações finais

No Estado Democrático de Direito, o processo, está no campo de seus fundamentos e de sua ampla-estrutura, completamente constitucionalizado. O princípio do acesso à justiça e o dever da tutela jurídica específica integram as garantias fundamentais aclamadas pelas constituições dos países onde a base de sustentação é a democracia, praticada de forma autêntica.

 O sintético e universal do processo moderno constitucionalizado, do processo justo é dada por Sarlet, para quem o Estado Democrático de Direito não pode apenas garantir a tutela jurisdicional, mas tem de assegurar uma tutela qualificada pela fiel observância dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente[6].

 Em razão do princípio da supremacia da Constituição, o comportamento dos órgãos jurisdicionais durante o desenvolvimento dos processos e o julgamento das causas há, indubitavelmente, de ter como ponto de partida a observância das garantias constitucionais do moderno processo justo[7].

Assim, as leis processuais comuns compõem um arcabouço instrumental voltado, portanto, a disciplinar os traços procedimentais para se alcançar a tutela jurisdicional. De forma alguma sua interpretação e manejo podem se opor às regras e princípios traçados pela ordem constitucional, em que atualmente se insere o mantra do tratamento jurídico-institucional do processo e da jurisdição.

No entanto, não pode ser compreendido como o símbolo da liberdade do magistrado para agir no processo apenas com base na Constituição, criando procedimentos novos e desprezando aqueles determinados pelas leis infraconstitucionais em vigor. O Estado Democrático de Direito é, primeiramente, um Estado de Direito, ondem que, portanto, não se vive sob o comando do livre direito ou direito alternativo, mas da produzida pelo órgão credenciado para instituir a ordem jurídica infraconstitucional. A Constituição é a lei suprema, mas as leis ordinárias são a maneira efetiva de interpretar e traduzir o preceito fundamental, destinando seu norte à convivência pacífica no dia-a-dia do operador do direito. Então, o que se deve presumir é que as leis comuns são reconhecidos instrumentos de detalhamento concreto da vontade organizadora geral da Constituição[8].

Vale dizer, o legislador ordinário detém poder discricionário para disciplinar os procedimentos judiciais, os quais, por essa razão, podem ser regulados pelo modo que julgue mais oportunos, desde que se mantenha nos limites impostos pelos princípios do processo constitucionalmente garantido, que se confundem com direitos invioláveis do homem.

Não se subordinar, à lei ordinária seria o mesmo que atentar contra a própria ordem que a Constituição em seu esplendor garantidor legislativo idealizou e impôs tanto aos cidadãos como aos órgãos encarregados do exercício dos poderes estatais.

Tribunais e magistrados, dessa forma, estão desautorizados a desprezar os procedimentos comuns definidos pelas leis do processo, para, em nome de princípios genéricos da Constituição, proceder de maneira livre e autoritária, sujeitando os litigantes a ritos, obrigações, deveres e sujeições contrários aos ditames das leis processuais e materiais vigentes.

 Os princípios e as regras constitucionais gozam de supremacia dentro de todo o ordenamento jurídico e, por essa razão, devem ser levados em conta sempre que houver necessidade de se interpretar e de se aplicar as leis processuais. No entanto, a exegese e prática haverá de respeitar a existência da vontade normativa infraconstitucional legítima.

Forçoso concluir que uma lei ordinária somente pode ter sua autoridade negada quando totalmente incompatível com a Constituição[9]. A segurança jurídica resta sempre banida da convivência civilizada quando a norma de decisão é construída de surpresa, após já ocorrido o fato sobre o que se intenta fazê-la incidir. Longe da segurança não há Estado de Direito, e, tão pouco, Estado Democrático de Direito. Ao cogitar o magistrado apenas que o procedimento poderia ser melhor organizado se se observassem outros critérios de atuação, isto não o autoriza a agir como um legislador primário, para suprimir a obra do normatizador legítimo e fazer operar sua própria e pessoal normatização. Não vale a regra de escolher qual princípio aplicar esteja motivado pelo desejo de melhor cumprir os princípios constitucionais[10].

O magistrado deverá utilizar as técnicas de hermenêutica a seu alcance para aprimorar a interpretação e aplicação das leis processuais, mas não pode ignorá-las, nem substituir a vontade do legislador pela própria.

 

Referências bibliográficas
ÁVILA, Humberto. “O que é ‘devido processo legal’ ”? Revista de Processo. São Paulo: RT, 2008, n.163.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
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CAPPELLETTI, Mauro. Acesso alla giustizia come programma di riforma come metodo di pensiero”. In: Studi in onore di Tito Carnacini, v. II, t. I, Milano: Giuffrè, 1974.
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GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: Bushatsky, 1975.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Diritto costituzionale e processo civile. Rivista di diritto processuale, p. 327 e segs., 1952.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. São Paulo: RT, 2000.
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Notas:
[1] URIBES, José Manuel Rodríguez. Formalismo ético y constitucionalismo. Valência: Tirant lo Blanch, 2002, p.101.
[2]SARMENTO, Daniel. O neoconstittucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Leituras complementares de direito constitucional – Teoria e Constituição. Marcelo Novelino (org.) Salvador: Editora Juspodvm, 2007.
[3] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 122-123.
[4] A consagração constitucional do direito de ação (direito à tutela jurisdicional) e do direito de defesa (direito à adequada resistência às pretensões adversárias) configura a garantia fundamental de acesso à justiça, cujo conteúdo consiste no “processo com as garantias do devido processo legal”. Assim, “por direito ao processo não se pode entender a simples ordenação de atos, através de um procedimento qualquer. O procedimento há de realizar-se em contraditório, cercando-se de todas as garantias necessárias para que as partes possam sustentar suas razões, produzir provas, influir sobre a formação do convencimento do juiz. E mais: para que esse procedimento, garantido pelo devido processo legal, legitime o exercício da função jurisdicional. Hoje, mais que nunca, a justiça penal e civil são informadas pelos dois grandes princípios constitucionais: o acesso à justiça e o devido processo legal. Destes decorrem todos os demais postulados necessários para assegurar o direito à ordem jurídica justa” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, n.º 36, p. 90)
[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, p.339-340.
[6] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos Fundamentais. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 433 e segs.
[7] SILVA, Vigílio Afonso da. Direitos Fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros Ed., 2009, p.168.
[8] MENDONÇA Jr, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro, São Paulo: Malheiros Ed. 2001, p.57.
[9] DIDDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Proccessual Civil, vol 1. 16ª ed. Bahia:Editora Jus Podivm, 2014.
[10] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das Decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: RT, 2002.

Informações Sobre o Autor

Leilah Luahnda Gomes de Almeida

Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais. Professora de Direito Processual Civil. Advogada e Consultora Jurídica


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Equipe Âmbito Jurídico

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