A Constituição da República Federativa do Brasil e sua classificação ontológica: uma conversa com Karl Loewenstein, Konrad Hesse e Ferdinand Lassale

Resumo: Este artigo tem por objeto de análise a Constituição da República do Brasil no tocante à sua classificação ontológica, ou como colocam os doutrinadores pátrios, quanto ao modo de ser. Partindo das lições de Loewenstein, Hesse e Lassale verificamos que a CRFB/88, não é uma Constituição Normativa, conforme o verdadeiro sentido do que seja este paradigma de Constituição, e ousando dissentir do entendimento doutrinário dominante classificamos a Constituição como sendo Nominal..


Palavras-chave: Constituições Normativa e Nominal. Efetividade da Constituição.


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Sumário: 1. Localização do problema. 2. A Classificação Ontológica de Karl Loewenstein. 2.1. A Constituição normativa. 2.1. A Constituição nominal. 2.2. A Constituição semântica. 3. O entendimento doutrinário dominante ou de como não se entende a classificação ontológica. 4. Temos uma Constituição Normativa ou Nominal? Algumas Pistas.


INTRODUÇÃO


Era uma quarta-feira de Outubro de 1988, aquele era um dia especial, havia sido preparado desde 1986, por ocasião da Emenda n° 26 à Constituição do Brasil de 1967/1969, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte para redigir um novo Texto Constitucional. Mas não só isso aquela Assembleia Constituinte trazia de volta a esperança dos brasileiros no seu próprio pais, que naquele mesmo ano de 1985 saia de um regime que durante 21 anos transformou sonhos em pesadelos, pesadelos que atendiam pelo nome de tortura, prisão, desaparecimento, restrição de direitos, morte e uma série de acontecimentos ocorridos naqueles dias de perseguição sem culpa, nos “anos de chumbo” da ditadura militar.


O dia esperado por todos havia chegado todas as atenções estavam voltadas à Brasília “naquela magnífica visão da Esplanada dos Ministérios que culmina na Praça dos Três Poderes (…). Sublimando pelo simbolismo a posição dos Ministérios das Relações Exteriores e o da Justiça ocupando os cantos inferiores da Praça dos Três Poderes, a indicar as duas vertentes de irradiação do poder político; (…) com destaque para o Poder de Representação Popular, o Congresso Nacional”[1], e lá em uma de suas abóbadas o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, erguia a, por ele chamada, Constituição Cidadã, promulgando-a, reafirmando as expectativas do povo em uma nova “sociedade livre, justa e solidária”[2].


Passados mais de dois decênios de anos a Constituição da República Federativa do Brasil reclama efetividade, mas mais do que isso falta uma consciência constitucional por parte dos partícipes do processo político-constitucional, os responsáveis pela concretização da volutas constitutiones, que não são apenas os agentes públicos, mas também a sociedade. No confronto da Constituição Jurídica com a Real, relembrando Lassale[3], vemos que aquela tem perdido sua força normativa, ou é de perguntar-se se algum dia já teve, e o que acaba prevalecendo são os fatores reais do poder[4]. Some-se a isso a insistência da Doutrina em continuar classificando a Constituição da República como Normativa o que escamoteia a realidade de ineficácia da maioria das normas constitucionais.


1. Localização do Problema


Lassale em sua conferência realizada em Berlim no ano de 1862, ante a plateia de operários, perguntava: o que é uma Constituição?[5] Para o pai da concepção sociológica da Constituição esta seria resultado das forças sociais, e não da razão; nesta perspectiva, a Constituição deve se analisada em relação à sociedade que a adota, e não em si mesmo. São exatamente essas as palavras do jusfilósofo Donoso Cortés:


“As Constituições são as formas com que se revestem os povos nos distintos períodos de sua existência e de sua história, como as formas não existem por si mesmas, nem têm uma beleza que lhes seja própria, nem podem ser consideradas senão como a expressão das necessidades dos povos que as receberam(…). As Constituições, pois, não devem ser examinadas em si mesmas, mas em relação às sociedades que a adotam. Se a razão nos dita esta verdade, a história nos ensina que as sociedades tendem a revestir-se das formas que lhe são próprias e a dar-se a Constituição de que necessitam para repousar em um todo consistente e harmonioso”[6].


Embora o brilhante jurista escandinavo Afl Ross tenha dito que o estudo doutrinário da lei jamais pode ser apartado da Sociologia Jurídica, leia-se, realidade social, parece-nos que a Doutrina dominante faz disso tábula rasa ao insistir em classificar a Constituição da República como normativa cerrando os olhos ao estado de coisas de ineficácia das normas constitucionais, passadas mais de duas décadas de sua promulgação. O dogmatismo jurídico leva-nos a acreditar em ter como existente uma ordem constitucional que na verdade não existe e esse estado de coisas, ao qual Marx chamou de “ilusão constitucional”[7], isto é, ter como existente uma ordem normal jurídica regulamentada, legal, numa palavra constitucional, mesmo quando esta na verdade não existe, o que acaba por obstar o devir da Constituição.


Insistimos na pergunta, o que é uma Constituição? Conselho, pedido, recomendação, prescrição ou norma? Não restam dúvidas de que ela seja norma, mormente a doutrina constitucional[8] afirmar de forma peremptória o caráter normativo da Constituição. O que não implica em dizer que toda Constituição é normativa, pois, não se pode confundir o caráter normativo desta com a sua possibilidade de produzir efeitos na ordem jurídica, vinculando a atuação dos partícipes do processo político-constitucional. Assim, uma Constituição pode ser normativa, nominal ou semântica a depender de sua eficácia sócio-institucional. É o que veremos.


2. A Classificação Ontológica de Karl Loewenstein[9]


Loewenstein formulou classificação própria das Constituições em face da realidade à qual ele denominou de ontológica. Em Filosofia, ontologia é o estudo dor ser, ou seja, o estudo da essência de algo. É o que diferencia algo de tudo mais. Este autor busca o que é realmente é uma Constituição. Para ele, todas as classificações anteriores são falaciosas, porque elas trabalham o texto da Constituição. Esta é aquilo que os detentores e destinatários do Poder fazem dela na prática. Segundo ele, as Constituições podem ser normativas, nominais ou semânticas. Vejamos o significado de cada uma delas.


2.1. A Constituição Normativa


Segundo Loewenstein, as Constituições normativas são aquelas, que possuem valor jurídico, cujas normas dominam o processo político, logrando submetê-lo à observação e adaptação de seus termos; é aquela, na qual, há uma adequação entre o texto e a realidade social, o seu texto traduz os anseios de justiça dos cidadãos, sendo condutor dos processos de poder.


Suas normas são plenamente eficazes. Não significa dizer que não há corrupção, tentativas de burlar os mandamentos constitucionais, desrespeitos de uma forma geral, coisa que nós brasileiros conhecemos muito bem, mas, há uma diferença, v.g., nos Estados Unidos da América do Norte não é preciso que um governador receba dinheiro, provavelmente oriundo de corrupção, para que a sociedade exija sua renúncia, basta envolver-se com prostitutas, trair a esposa, lá eles levam a sério à moralidade, não restringindo esta à esfera pública, irradiando-se, mesmo, na esfera privada. Em outras palavras, Constituição constitui a atuação dos agentes públicos, porque é, dentre outras coisas, o “estatuto jurídico do político”[10], de forma de que, aqueles cuja conduta for acintosa à Constituição a devida sanção.


2.2. A Constituição Nominal


Quando não há uma concordância, absoluta, entre as normas constitucionais e as exigências do processo político, estas não se adaptando àquelas, isto é, se a dinâmica do processo político não se adaptar às normas da Constituição, esta será nominal. É Constituição sem valor jurídico cujas normas, na maior parte, são ineficazes. O seu texto não conduz os processos de poder, sendo o contrário, ou seja, os grupos de poder é que conduzem a Constituição. Para Loewenstein isso se deve, provavelmente, ao fato de que a decisão condutora da promulgação da Constituição foi prematura. Loewenstein se refere a este tipo de Constituição como sendo “a roupa guardada por um certo tempo no armário e que será vestida quando o corpo nacional houver crescido”. Como exemplo, podemos citar as Constituições de 1934, 1946, e como veremos, a de 1988.


2.3. A Constituição Semântica


Semântica é a Constituição cujas normas foram elaboradas para a legitimação de práticas autoritárias de poder; geralmente decorrem da usurpação do Poder Constituinte do povo. É Constituição a serviço dos que estão no Poder, sendo deles um instrumento que visa estabilizar e eternizar a intervenção dos dominadores fáticos do poder político. Como exemplo, podemos citar as Constituições de 1937, 1967 e 1969.


3. O entendimento doutrinário dominante ou de como não se entende a classificação ontológica


A Doutrina tem, de forma irresponsável, insistido em classificar a Constituição da República como sendo normativa, não se dando conta das consequências dessa insistência, como, v.g., o falseamento da realidade social. Dizer que a Constituição de 1988 é normativa é, ou, não saber o que é uma Constituição normativa, ou, não ter compromisso com uma Dogmática Constitucional transformadora[11].


Qual a função social da Dogmática Jurídica, servir de instrumento de mantença de um status quo ou propor transformações sociais? O entendimento aqui perfilhado nos permitiu concluir com Streck[12], para quem, o papel da Dogmática Jurídica é ser meio possibilitador do devir da Constituição.


 Como explicar o fato de a maioria da Doutrina, de forma acrítica, continuar afirmando que há normas na Constituição que são programáticas, estas, como sabido, são espécies do gênero normas constitucionais limitadas, na classificação quanto à eficácia das normas constitucionais elaborada por José Afonso da Silva[13], este apoiado em Vezio Crisafulli, e copiada pela totalidade da Doutrina. Mais uma vez não podemos deixar a realidade socio-institucional fora da análise aqui empreendida. E qual é esta realidade?A ineficácia de várias normas constitucionais. E qual o motivo dessa ineficácia? Com certeza, ele decorre da falta de compromisso dos atores políticos em concretizar a voluntas constitutiones, não cumprindo a sua função de possibilitar o devir da Constituição.


 Outrossim, como explicar a acolhida, cômoda, que a Doutrina deu ao “Vorberhalt des Möglichen”, a de todos conhecida Teoria da Reserva do Possível, importada do Direito Constitucional alemão? Hoje qualquer estudante de Direito mediano vai dizer que, pela teoria em tela, os direitos sociais só poderão ser implantados se houver disponibilidade econômica. O mais grave é que isso não ficará das ideias de um estudante desavisado, pelo contrário, transformar-se-á em sentença do futuro magistrado, que no caso concreto dirá que nada pode fazer, quando, v.g., uma mandado de injunção for ajuizado visando a implementação do direito à educação, porque o Estado não tem recursos para isto, porque é mais barato e mais fácil deixar o povo sem educação, e só ser omisso.


Outra questão pertinente, porquê a Doutrina só a partir do julgamento em 2007 do Mandado de Injunção nº 670, rel. Min. Eros Roberto Grau, passou a considerar possível a implementação de direitos via Poder Judiciário, por meio deste remédio constitucional, pois antes era impossível, sendo considerada uma afronta à Separação dos Poderes. A única conclusão possível era que ADIN por omissão e Mandado de Injunção tinham o mesmo objetivo: cientificar que alguém, geralmente o Poder Legislativo, que pelo visto não gosta muito de legislar, estava em mora, em outras palavras, não fez o que deveria ter sido feito, e só isso, pois a Separação dos Poderes não permitia ir além. Tudo isso são sintomas do que Streck chama de “baixa constitucionalidade”[14] .


Não podemos esquecer que a Doutrina só foi admitir a obrigatoriedade da presença de advogado no interrogatório depois da Lei nº 10.792/2003, antes era impossível, mesmo tendo na Constituição as garantias da ampla defesa e do contraditório, instrumentos necessários a um devido processo judicial, sobre isso Streck comenta:


“(…) os juristas (a Doutrina) preferiam não obedecer a Constituição, da qual era possível extrair, com relativa facilidade, o império do devido processo legal e da ampla defesa; mas, com o advento da Lei nº 10792/2003, estabelecendo exatamente o que a Constituição determinava, cessaram os problemas[15]”.


Ou seja, é mais fácil obedecer à lei do que à Constituição. Estes são apenas alguns casos, dos inúmeros que se multiplicam nos manuais de Direito, que revelam a pouca importância dada ao estudo da Constituição.


A Doutrina, provavelmente, associa o fato, inconteste, de que as Constituições, inclusive a nossa, atualmente, e desde algum tempo, serem consideradas normas com a capacidade de vincular a atuação do Estado e da Sociedade, transformando a realidade sócio-institucional do país. Todavia, são coisas diferentes, não podemos olvidar que uma norma jurídica pode ser ineficaz, ainda mais em um Estado como o nosso onde não basta, apenas, que as normas jurídicas sejam aprovadas pelos órgãos legiferantes do Estado, promulgadas e publicadas por quem de dever, é preciso que haja uma sanção pessoal, a lei só vale se dermos nossa sanção, do contrário, não produzirá efeitos. Tornou-se comum dizer-se que a lei “vai pegar ou não”, isto para medir a possibilidade dela, a lei, fazer aquilo para o qual foi criada, produzir efeitos na ordem jurídica. Isto também se verifica quanto à Constituição, porque como já vimos é mais fácil obedecer à lei do que a ela, e vai acontecendo aquilo que Neves[16] de forma percuciente afirma, a constitucionalização simbólica e a desconstitucionalização fática, porque no final o que prevalece são os fatores reais do poder, e de pouco a pouco a Constituição vai perdendo sua parca “força normativa” · e sendo relegada a segundo plano, solitária, acontecendo o que Garcia Marques chamou de “solidão constitucional[17].


4. Temos uma Constituição Normativa ou Nominal? Algumas Pistas.


Embora a Classificação Ontológica seja obra de Loewenstein não podemos olvidar as contribuições de Hesse e Lassale para o entendimento da força normativa da Constituição e a compreensão desta como resultado de todas as forças sociais, respectivamente.


Destarte, foi Hesse que em 1959, em uma Europa que ainda não estava totalmente recuperada da hediondez da Guerra de 1939 a 1945, enunciou sua Teoria da Força Normativa da Constituição, falando a uma plateia de intelectuais alemães saídos da guerra e que agora necessitavam de um Estado Democrático de Direito que garantisse os direitos fundamentais de todos os cidadãos da Alemanha e, sobretudo, que protegesse o Estado de novas aventuras. A partir daí Hesse formula sua concepção pessoal de Constituição, esta para ele,


 “(…) não logra produzir nada que já não esteja assente na natureza singular do presente. (…) Se lhe falta esse pressuposto, a Constituição não pode emprestar ‘forma e modificação’ à realidade; onde inexista força a ser despertada – força esta que decorre da natureza das coisas – não pode a Constituição emprestar-lhe direção”[18]


Hesse percebeu que a Constituição não pode ser compreendida de forma apartada da realidade histórico-concreta de seu tempo, mas isso não significa que a Constituição apenas garantia a manutenção do status quo vigente, em outras palavras Hesse refutou Lassale, pois para aquele a Constituição não podia ser reduzida aos fatores reais do poder[19], para Hesse a força normativa da Constituição não se resumia à sua adaptação a uma dada realidade:


“A Constituição jurídica logra converter-se, ela, mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente. Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas”.[20]


Disso, pode-se inferir uma constatação fundamental, para que a Constituição seja real e produza efeitos, não basta apenas que ela seja válida no sentido jurídico é mister que suas normas sejam observadas por todos, Estado e Sociedade, e que esteja integrada a esta, neste caso pode-se falar em Constituição normativa. São de Hesse as seguintes palavras:


 “A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniências, se prevalecer a vontade de concretizar essa ordem.”[21]


Ora, não há dúvidas que isso não acontece no Brasil onde a Constituição é reduzida a instrumento de governabilidade, emendada ao alvedrio dos que estão no exercício do poder político; dúvidas também não há que os responsáveis pela concretização da voluntas constitutiones não estão preocupados com a ineficácia de várias normas constitucionais, em razão da presença de dispositivos que necessitam, para alguns, de complementação legislativa, ou seja, são normas de eficácia limitada. E é a realidade sócio-institucional do país que nos permite afirmar isso. Vejamos.


Durante 11 anos a legislação publicada antes da Constituição de Outubro ficou imune a qualquer filtragem constitucional porque o meio idôneo a atacá-la não havia sido regulamentado, e por mais de uma década o art. 102, § 1º da Constituição não passou de letra morta, e só foi ser regulamentado devido ao trabalho de Gilmar Ferreira Mendes, então Advogado-Geral da União, e Celso Ribeiro Bastos, mas ao que se sabe o objetivo almejado na regulamentação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, foi de ser meio para obstar a “guerra de liminares no Supremo Tribunal Federal”[22] e não necessariamente para proteger um preceito fundamental albergado na Constituição e violado pelo Poder Público.


Não para por ai, até hoje as políticas públicas possibilitadoras da concretização do Estado Social, previsto no art. 3º, do Texto Constitucional, são raras, quase inexistentes, e ao que consta não são normas de eficácia limitada, pois, a Constituição não remete a matéria à regulamentação do Legislador ordinário.


O que dizer das Emendas Constitucionais nº 19/1998 e 58/2009 e da PEC 375? As duas primeiras feitas ao “arrepio da Constituição”. A primeira, alvo da ADIN nº 2135, inseriu dispositivo que recebeu apenas 298 votos na Câmara dos Deputados, dos 308 necessário, portanto, era formalmente inconstitucional, mesmo assim os representantes do povo decidiram promulgá-lo. No segundo caso, a EC 58/2009 mudou o art. 29, VI, da Constituição, aumentando o número de vereadores; o problema era que as novas regras tinham efeitos retroativos, de forma que, os vereadores que quase foram eleitos em 2008 assumiriam os novos cargos, ou seja, candidatos que o povo não queria para representá-lo seriam eleitos através de uma manobra jurídica. A PEC 375 é o caso mais grave. Á pretexto de retirar o que não é constitucional da Constituição, fazendo aquela, já ultrapassada, distinção entre normas constitucionais formais e materiais formulada por Bachoff e Schimitt. Desta Emenda irá resultar uma Constituição limitada, pois, a maioria de suas normas são de eficácia limitada.


Não esqueçamos da problemática social. Éramos há pouco tempo a Sociedade mais desigual do planeta, hoje somos a quarta! Passadas mais de duas décadas o Estado Social cuja existência reduziria as desigualdades sociais, promoveria o bem de todos, construiria uma sociedade livre, justa e solidária, não passou de um simulacro, enquanto isso vamos fingindo que a Constituição constitui.


Enfim, quais as razões da ineficácia da Constituição da República? De Hesse colhemos a seguinte observação que, a contrario sensu, vale como resposta:


“Se suas “tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniências, se prevalecer a vontade de concretizar essa ordem.”[23]


Falta aos responsáveis pela concretização da voluntas constitutionis uma consciência constitucional que faça coexistir ao lado da “vontade de poder”[24] uma “vontade de constituição”[25]. Isto é, os atores políticos devem coadunar seus interesses com os mandamentos constitucionais.


Retornamos à pergunta formulada acima, temos uma Constituição normativa ou nominal? Voltemos às lições de Loewenstein:


Constituição normativa é aquela que possui valor jurídico cujas normas dominam o processo político, logrando submetê-lo à observação de seus termos. A Constituição é como uma roupa que se nos cai bem e realmente se veste”.[26]


Disso, é perceptível que não temos uma Constituição normativa, pois, esta não logrou êxito ao tentar submeter os atores políticos à observação de suas normas. Senado descumprindo ordem judicial do TSE, Emendas inconstitucionais, omissão inconstitucional são apenas algumas constatações que nos permitem dizer que não temos uma Constituição normativa. Loewenstein diria que a nossa Constituição é como uma roupa que se nos cai bem, mas incompreensivelmente a deixamos no armário.


CONCLUSÂO


A constatação que temos uma Constituição nominal não obsta a possibilidade dela vir a ser transformada em um Constituição normativa. Isto acontecerá quando:


A Constituição for considerada suprema não apenas formalmente.


A Constituição só será efetivada quando se transformar em força ativa irradiadora de sua juridicidade, de forma, a vincular tanto o Estado como a Sociedade, em outras palavras, é necessário uma consciência constitucional que possibilite o acontecer(ontológico) da Constituição.


Houver a concepção da Constituição como um sistema aberto de normas.


Assim como Hesse, não podemos defender um totalitarismo da Constituição, pois, esta deve ser ao mesmo tempo conformadora da vida da sociedade e conformada por esta, isto é, deve interagir com a realidade histórica de seu tempo. E qual é esse tempo? Tempo de proteção da vida, mas não qualquer vida, é vida com dignidade. Tempo de incluir aqueles que historicamente foram tendo a sua contribuição para a formação da nossa sociedade, e por isso mesmo, excluídos. Só assim ela será considerada a ”(…) ordem jurídica global e fundamental, constitutiva do Estado e da Sociedade”[27].


 


Referências

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996.

CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª ed., Coimbra: Almedina, 1993.

CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podium, 2008.

ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La Constitución como Norma y el Tribunal Constitucional. 3a ed., reimp., Madrid: Civitas 2001.

GARCIA MARQUES, Gabriel. Cem Anos de Solidão.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

_____________. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constiitucionales, 1983.

LASSALE, Ferdinad. O Que é Uma Constituição? 4ª ed., Rio de Janeiro Lúmen Júris, 1998.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. 2ª ed., Trad. Alfredo Gallego Anabitarte, Barcelona: Ediciones Ariel, 1970.

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MENDES, Gilmar Ferreira. ‘Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental’. In: Revista Jurídica Virtual, n. 7, dezembro de 1999 (disponível no sítio: www.planalto.gov.br).

NEVES, Marcelo. Constitucionalização Simbólica e Desconstitucionalização Fática: mudança simbólica da Constituição e Permanência dos fatores reais de poder.RTDP. n.12. São Paulo: Malheiros, 1995.

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STRECK, Lênio Luiz. Teoria da Constituição e Jurisdição Constitucional. Emagis: Porto Alegre, 2006.

________. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da Construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Forense Universitária, 1991.


Notas:

[1] SILVA, José Afonso Da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19° Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

[2] Constituição da República Federativa do Brasil, art. 3°, I.

[3] LASSALE, Ferdinad. O Que é Uma Constituição? 4ª ed., Rio de Janeiro Lúmen Júris, 1998.

[4] Idem.

[5] Ibidem.

[6] CORTÉS, Donoso apud TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Forense Universitária, 1991.

[7] MARX, Karl.  Nova Gazeta Renana, 14 de Agosto de 1842.

[8] Por todos ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La Constitución como Norma y el Tribunal Constitucional. 3a ed., reimp., Madrid: Civitas 2001.

[9] LOEWENSTEIN, Karl. Teoria da Constituição. 2ª ed., Trad. Alfredo Gallego Anabitarte, Barcelona: Ediciones Ariel, 1970.

[10] CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª ed., Coimbra: Almedina, 1993.

[11] BARROSO Luis, Roberto.  Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora, São Paulo: Saraiva, 1996.

[12] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da Construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

[13] SILVA, José Afonso da. Op. Cit.

[14] STRECK. Lenio. Teoria da Constituição e Jurisdição Constitucional. Emagis: Porto Alegre, 2006.

[15] Idem.

[16] NEVES, Marcelo. Constitucionalização Simbólica e Desconstitucionalização Fática: mudança simbólica da Constituição e Permanência dos fatores reais de poder.RTDP.  n.12. São Paulo: Malheiros, 1995

[17] GARCIA MARQUES, Gabriel. Cem Anos de Solidão.

[18] HESSE, Konrad. Op. Cit.

[19] LASSALE, Ferdinand. Op. Cit.

[20] HESSE, Konrad. Op. Cit.

[21] Idem.

71MENDES, Gilmar Ferreira. ‘Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental’.  In: Revista   Jurídica Virtual, n. 7, dezembro de 1999 (disponível no sítio: www.planalto.gov.br).

[23] HESSE, Konrad. Op. Cit.

[24] Idem.

[25] Ibidem.

[26] LOEWENSTEIN, Karl. Op. Cit.

[27] HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constiitucionales, 1983.

Informações Sobre o Autor

Murilo Ricardo Silva Alves

Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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