Resumo: O presente artigo é resultado parcial de pesquisa bibliográfica, caracterizando-se como um ensaio de cunho filosófico-político que versa sobre a discussão em torno da perspectiva do cuidado de si, nos termos de Michel Foucalt, como elemento condicionante de outra ética dentro do “caldo cultural” contemporâneo que tenha como base a questão da preservação da vida. Parte-se da idéia de que a condição humana encontra-se num momento de crise, onde todo o conjunto de valores conformadores da modernidade situam-se em decadência. Dentro deste contexto a questão da preocupação ambiental figura-se como uma questão chave, não somente pelo protagonismo político que abarca, mas, pela dimensão ética implícita, ou seja, esta coloca em cheque todo um conjunto de valores cultuados sob a luz da razão instrumental, que outrora subjugava a natureza ao ser humano. Tendo-se a partir da idéia de que os bens naturais são finitos e que a preservação da vida deve estar em primeiro lugar, uma espécie de suspensão de todo o conjunto conformador do pensamento moderno. Neste sentido a perspectiva do cuidado de si, enquanto tecnologia do ser, pela sua dimensão estético-existencial, oferece-nos elementos que permitem repensarmo-nos enquanto indivíduo que não mais acredita ser capaz de manipular, pela luz da razão, o destino de tudo e de todos os seres em prol de si, mas, que suas crenças, ações e pensamentos, podem ecoar interligados com outros seres. É a idéia de uma rede da vida que se sobrepõe a mera operação da razão humana.
Palavras-chave: Ética; Ambientalismo; Cuidado de si.
Abstract: This article is partially a result of literature review, which is characterized as an essay in philosophical and political concerns that the discussion about the prospect of self-care, according to Michel Foucault, as a determinant of an ethic within the ” cultural soup “that is based on the contemporary issue of the preservation of life. It starts with the idea that the human condition is a time of crisis, where the entire set of values as modernity lie in decay. Within this context the question of environmental concerns figure as a key issue, not only by the political leadership that embraces, but by the implicit ethical dimension, ie it puts into a whole set of cultural values in light of instrumental reason who once subjugated nature to human beings. As it was from the idea that natural resources are finite and that the preservation of life must come first, a kind of suspension of the whole conforms to modern thought. In this sense the perspective of self-care, while the technology is, by its aesthetic-existential dimension, gives us repensarmo elements that allow us as an individual who no longer believed to be able to manipulate the light of reason, the fate of all and all beings towards each other, but that their beliefs, actions and thoughts, may echo interconnected with other beings. It is the idea of a web of life that supersedes mere operation of human reason.
Keywords: Ethics, Environmentalism, care for oneself.
Sumário: 1. Introdução. 2. A emergência de um ethos ambientalista e a questão da ética. 3. O cuidado de si como um mecanismo condicionante de uma ética para preservação da vida na condição pós-moderna. 4. Considerações finais. 5. Referências.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado parcial de pesquisa bibliográfica, caracterizando-se como um ensaio de cunho filosófico-político que versa sobre a discussão em torno da perspectiva do cuidado de si, nos termos de Michel Foucalt, como elemento condicionante de outra ética dentro do “caldo cultural” contemporâneo, onde a questão da governabilidade dos desafios ambientais assume um protagonismo vital, no quadro das relações humanas. Exigindo posturas e práticas que vão ao sentido da instituição de um ethos ambientalista, onde o cuidado de si, enquanto tecnologia do ser figura-se como um elemento fundamental na construção deste porvir onde a vida em sua plenitude encontra-se em jogo.
O trabalho está estruturado de maneira que num primeiro momento do trabalho trazemos a discussão da questão da ética como central na construção de um ethos ambientalista. Num segundo, desenvolvemos a idéia do cuidado de si como um mecanismo condicionante de uma ética para preservação da vida na condição pós-moderna. Num terceiro e último momento tecemos as considerações finais.
2. A EMERGÊNCIA DE UM ETHOS AMBIENTALISTA E A QUESTÃO DA ÉTICA
Compartilhamos da concepção de que se considerarmos o passo da história econômica, social e política da humanidade, o que ocorre em nossos tempos no que se refere às transformações experimentadas acerca dos movimentos conformadores da condição humana num sentido amplo, não condizem a tão difundida noção de que encontramo-nos dentro de um processo que corresponde à superação do projeto de vida moderno, assumindo-se uma condição pós-moderna, no sentido de uma realização sócio-cultural que naturalmente, se funda sob as bases decantes da outra.
Situamo-nos dentre aqueles que consideram a questão de uma condição pós-moderna como um momento de crise paradigmática, onde o valor preconizado e cultuado sob a égide da modernidade encontra-se em processo de (re)elaboração, como resposta ao momento de crise, no sentido gramisciano, onde todo o conjunto conformador da condição humana e seu modo de estar no mundo, não “morreram”, mas, o “novo” ainda não nasceu.
Dentro deste contexto a questão da preocupação ambiental figura-se como uma questão chave, não somente pelo protagonismo político que abarca, mas, pela dimensão ética implícita, ou seja, a questão ambiental coloca em cheque todo um conjunto de valores cultuados sob a luz da razão instrumental, que outrora subjugava a natureza ao ser humano. Tendo a humanidade, a partir da idéia de que os bens naturais são finitos e que a preservação da vida deve estar em primeiro lugar, colocado em suspensão todo o conjunto conformador do pensamento moderno.
Em vista disso, configura-se a emergência por um projeto que não se funda apenas numa revisão de práticas, de escolha de modelos econômicos, políticos ou sociais, mas, sim se trata da fundação de outra matriz ética, enquanto uma instância que oportuniza a relação e o desenvolvimento do sujeito consigo mesmo e com os outros, ou seja, implicando a experimentação daquilo que Hector Leis denomina como “ethos do ambientalismo” , que demarca uma ruptura no decorrer do agir humano, onde a humanidade em prol da utopia ambientalista, seja capaz de reinventar-se a partir da busca da coexistência positiva entre homem e natureza, pois, conforme o autor o ethos ambientalista é:
“uma aventura espiritual-civilizatória do indivíduo contemporâneo, que supõe uma novidade inesperada para a modernidade(a qual ainda é um projeto, já que o mundo moderno jamais se realizou, como aponta Bruno Latour). O desafio ambientalista não se reduz a tornar sustentável um ou outro modelo da sociedade moderna. Isto é secundário frente à necessidade de nutrir o homem contemporâneo com as vivências dos tempos dos heróis gregos e os místicos sufis, quando a vida era um campo de amor, luta e respeito, sincrético e mutável, entre os deuses, os homens e a natureza (LEIS, 1999, p. 152).
Suscitando a questão de que todo um conjunto de valores deverá ser repensado frente à questão ambientalista, uma vez que para se atingir um patamar relacional em que a vida se encontre no centro da ação humana e não mais o ser humano e sua suprema capacidade de racionalização, se fará necessária a tomada de postura que prime pela formação de seres que visem em primeiro lugar à conservação da natureza em nome do outro, ou seja, para desenvolvermos sociedades capazes de conservar a natureza para as futuras gerações, teremos que ter homens imbuídos de valores que se distinguem em sua essência daqueles que constituíram o estado de coisas que nos encontramos.
É necessário que se converta a razão instrumental em prol da busca da sustentabilidade, rompendo-se com a idéia de desenvolvimento sustentável, para que possamos buscar o desenvolvimento de formas políticas que sejam capazes de empoderar o local frente às questões globais e que, sobretudo, se assumam mecanismos que sejam capazes de converter o egoísmo ancorado no culto do egoísmo negativo em algo positivo, onde o crescimento e o desenvolvimento individual sejam capazes de se justificar em função de algo que contempla ao outro. Onde cada ação que promova a felicidade de um, seja realizada em nome deste e de todos os outros seres.
Para que isso ocorra, com certeza o ser humano terá de ser capaz de operar um processo de reinvenção da idéia de construção de si, onde as tecnologias do eu de Foucault, oferecem-nos elementos que permitem refletirmos acerca desta questão do dilema colocado à humanidade neste momento de vivência de crise, onde nos damos conta do quanto de frágil trazia implícito suas fortalezas, o quanto de incerteza suas verdades o impunham, o quanto de relativo, continham seus absolutismos, e, sobretudo, o quanto dissipa o ser humano, ser ele o centro.
Nesse sentido é necessária a fundação de novas bases éticas capazes de estabelecer outras relações dos seres consigo e com os outros.
3.O CUIDADO DE SI COMO UM MECANISMO CONDICIONANTE DE UMA ÉTICA PARA PRESERVAÇÃO DA VIDA NA CONDIÇÃO PÓS-MODERNA
De acordo com a perspectiva de Foucault são de quatro ordens as tecnologias do ser, cada qual apresentando uma dimensão prática em sua raiz. Nunca aparecendo de forma isolada, mas sempre imbricadas, compondo a subjetividade. De acordo com Foucault (1990, p.48). “as tecnologias produzem efeitos (características básicas do poder) e sempre funcionam em conjunto, cada uma delas com suas aprendizagens específicas: produzem saberes”. Dizendo respeito às tecnologias de produção, que permitem transformar, produzir ou manipular coisas; as tecnologias de sistemas de sinais, que utilizam signos, sentidos, símbolos e significações; as tecnologias de si ou tecnologias do eu, por meio das quais o indivíduo, por si mesmo ou com a ajuda dos outros, realizam certo número de operações sobre seu corpo e sua alma, pensamento e condutas, obtendo assim uma autotransformação, que teria como principal objetivo alcançar certo estado de felicidade, sabedoria ou pureza; e as tecnologias de poder, que determinam a conduta dos indivíduos, os submetem a certo tipo de fins, consistindo em uma objetivação do sujeito. Elas compõem as estratégias e recursos tecnológicos com os quais se criam formas de governabilidade, a forma como agimos nas relações com o outro, dizem respeito ao governo de si por si e em relação às articulações estabelecidas nas relações com os outros.
O cuidado de si é uma espécie de síntese, funcionando como um ponto de conexão, entre a subjetividade e as formas de governabilidade, ligando duas grandes zonas, que são o poder e à governabilidade, onde a questão da ética é fundamental.
O cuidado de si é um traço humano fundamental, que em nada tem haver com um interesse egoísta ou com o culto de si por ele mesmo, dizendo respeito à estratégia que exige uma atitude de trabalhar ou de estar preocupado consigo, implicando saber, ter atenção sobre si enquanto prática constante, que se dá em torno da busca pela conformação de uma regra que leve a boa governabilidade, no sentido da construção de diálogos, na decisão que vise à maioria, ou seja, o cuidado de si, era uma condição pra o exercício sadio da boa governança.
Segundo análise de autores como Menezes, é entre os estóicos, ainda no mundo antigo, séculos II e I A.C. que a técnica de si passou a ganhar relevância pública e o cuidado de si tornou-se uma obrigação de todos, tornando-se algo que dizia respeito a um princípio universal, migrando de uma dimensão pedagógica, onde preparava os jovens para a política e passando a englobar a todos os cidadãos.
Já com o advento da tradição cristã acontece uma inversão e o conhecimento de si passa a ofuscar o cuidado de si, ou seja é preciso conhecer-se pra renunciar a si, produzindo algo que é completamente diverso da ética do cuidado de si da era pagã, perdendo sua dimensão estético-existencial para dar lugar à renúncia de si, em nome da salvação.
Para Foucault existia entre os gregos, em relação à preconização do cuidado de si, uma dimensão referente ao cuidado da alma, ao espaço para o pensamento, para a reflexão, o diálogo, e o encontro com o semelhante. Dizendo respeito ao campo da estética, no sentido de conceber a beleza por ela mesma.
Portanto, residindo nisso seu traço enquanto condicionante de um processo de formação de um ethos ambientalista, que fundamentalmente passa pela tomada de postura que seja capaz de converter o egoísmo do homem contemporâneo, baseado, num olhar sobre si, que apenas considera-o como algo descolado dos outros, do meio e do universo, do qual é apenas uma parte dentre outras, para passar a se colocar numa atitude de responsabilidade por si e pelos outros seres, conspirando a favor da manutenção da vida em sua plenitude.
Nesse sentido, Maturana, numa perspectiva que coloca as questões éticas, de responsabilidade e de liberdade condicionadas a essa questão do eu em relação positiva do outro, acredita que:
“As preocupações éticas, a responsabilidade e, a liberdade tem lugar apenas enquanto alguém pode ver o outro, a si mesmo e as conseqüências das ações de alguém nos outros, ou em si mesmo, e age de acordo com a decisão entre querer, ou não, essas consequências” ( Maturana 2000, p. 75).
Logo, o cuidado de si, figura-se como algo vital para pensarmos no desenvolvimento de um ethos ambientalista, visto que este é algo que vai surgir de sujeitos concretos, portanto políticos, que pelo caminho de sua razão são capazes de olhar para traz, ler o presente e desejar um futuro que celebre a vida e não a barbárie, da qual, a degradação do meio ambiente natural figura-se apenas como uma dimensão.
Encontrando-se na preocupação do cuidado de si, na atual conjuntura do sujeito pós-moderno a possibilidade da reversão de um quadro de perda do próprio sentido da individualidade, através do egoísmo negativo, dando lugar a um egoísmo, que se pensa como parte de um todo, onde a vida e a questão ambiental, mais do que uma bandeira política, seja fundamentalmente uma razão de ser e estar no mundo, em nome de si e do outro.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente à questão ambiental, conjuntamente com as questões que dizem respeito aos engendramentos sócio-políticos da relação sociedade-estado, nos deparamos com a dimensão da ação individual, aquela cujo lócus se concentra na realização do cotidiano, sendo reflexos de concepções que cultivamos ao passo que vamos avançando junto com os outros no curso da existência.
Tendo nisso a dimensão ética como o conjunto de valores que condicionam a tomada de decisão frente às situações colocadas, ou seja, a questão de um ethos ambientalista é algo que se encontra em disputa na nossa sociedade, como um processo inevitável, visto que todo o ideário moderno, fundado na razão instrumental, deixou-nos como resultado, esse processo de perda do sentido, onde na degradação ambiental, encontramos a factual ameaça a própria existência da vida como um todo. Daí a emergência de outra postura ética, parece inevitável, no sentido de que a humanidade terá de encontrar caminhos que possibilite a este ser em crise, se reinventar enquanto parte do universo, atuando em prol de si e de todos.
Neste sentido a perspectiva do cuidado de si enquanto tecnologia do ser oferece-nos elementos que permitem repensarmo-nos enquanto indivíduo que não mais acredita ser capaz de manipular, pela luz da razão, o destino de tudo e de todos os seres em prol de si, mas, que suas crenças, ações e pensamentos, estão sempre ecoando interligadas com outros seres. É a idéia de uma rede da vida que se sobrepõe a mera operação da razão humana, onde o ser humano precisa encontrar seu elo.
Essa dimensão estético-existencial do cuidado de si nos oferece elementos que permitem pensarmos que é possível a reinvenção do fazer humano, que considere a manutenção da vida como o centro, convertendo a ação egoísta de um ser perdido em si mesmo, em algo que age para fortalecer-se e assim, fortalecer seus pares e todos os demais seres que interagem na reprodução da vida no planeta. Instaurando-se processos baseados no diálogo e no entendimento, que sejam capazes de possibilitar encontros potencializadores entre os sujeitos, em vez da mediocridade e da reprodução dos jogos de micro e macro poder, que resulte na busca pelo conhecimento reflexivo, em face à acumulação de capital intelectual e no culto a beleza da vida, como algo que dá sentido a existência.
Sociólogo. Especializando em Direito Ambiental (interdisciplinar) na Universidade Federal de Pelotas. Atua desde 2005 em consultoria e assessoria social, tendo atuado em projetos relacionados às áreas de Extensão Rural, Educação Ambiental, Habitação de Interesse Social e Monitoramento Social de Políticas Públicas. Colaborador do Instituto Pluris – Pesquisas, Consultoria e Assessoria – Ltda. em Assessoria Social em geral. Membro (discente) do Grupo de Pesquisa “A Efetividade dos Direitos Humanos”,
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