A criminologia e sua importância na atividade policial

Resumo: O crime é algo que inquieta e desestabiliza a paz social. O estudo e compreensão da ciência criminológica busca agregar uma visão ampliada dos diversos fatores desencadeadores do delito e tem sido propagada cada vez mais no processo de formação dos servidores da segurança pública, porquanto estimula a interação da teoria adquirida nos bancos acadêmicos para estar suficientemente preparado para o enfrentamento da realidade prática das ruas.

Palavras-chave: Criminologia. Segurança pública. Atividade policial.

Sumário: 1. Introdução 2. Apontamentos acerca da criminologia 3. Relevância na atividade policial 4. Conclusão

1. INTRODUÇÃO

O Estado por meio de seu sistema de justiça criminal tem fracassado em sua missão precípua de prevenção e enfrentamento à criminalidade. As estatísticas a cada ano mostram que a nomorreia penal, ou seja, a expansão da tipificação penal e o recrudescimento das penas, têm se mostrado ineficazes na prevenção delitiva. Prova disso é o aumento vertiginoso dos crimes hediondos e do tráfico de drogas, que após a vigência da legislação específica destes crimes, acreditava-se que haveria uma contenção, fato que não ocorreu.

O tópico Criminologia se faz presente na rotina acadêmica dos profissionais de segurança pública, ministério público e magistratura, sendo expandida para os melhores cursos de Direito, Psicologia e para a seara dos concursos públicos em geral. A inserção do seu estudo denota a preocupação de melhor entender causas e fatores que desencadeiam o fenômeno delitivo, principalmente por parte das instituições envolvidas na justiça criminal, em especial o policial, face o seu envolvimento direto no combate à criminalidade.

A partir da sua compreensão, é possível captar o porquê certas políticas de enfrentamento se mostram ineficazes e inserir novos estudos que são determinantes nas causas do fenômeno delitivo, trama que desde os primórdios da sociedade, têm avançado e se propagado em suas diversas modalidades. Coadjuva com outras ciências e disciplinas correlatas em razão da sua característica interdisciplinar e integradora.

A tríade das ciências criminais, Criminologia, Direito Penal e Política Criminal, mantêm interação, cada qual respeitando seus métodos e objetivos diferenciados, não se distanciando do intento comum, a compreensão do crime. Cabe à Criminologia coordenar e integrar conhecimentos a respeito do delito, do criminoso, do controle social a outras ciências afins, como a biologia, psicologia ou sociologia. Ao estudá-los de forma cientifica, visam a sua prevenção e interferência no homem delinquente. Ocupa-se do crime enquanto fato.

Noutra ponta, a Política Criminal é o elo entre o direito penal e a criminologia, trabalhando estratégias e meios de controle social, pois está incumbida de analisar as causas do crime e os efeitos da pena, propiciando ao poder público opções científicas pertinentes para conter a criminalidade. É, portanto, uma disciplina que dia-a-dia aponta mecanismos de prevenção como, por exemplo, mais policiamento ostensivo em determinado ponto estratégico, com vistas a coibir pequenos furtos e roubos, ampliação de iluminação pública em logradouros reduzindo a incidência de estupros etc.

O direito penal por sua vez, é a ciência normativa do "dever ser", que visa a proteção de bens essenciais ao convívio em sociedade, não realizando uma diagnose do fenômeno criminal. Este apenas cria normas e aplica penas, buscando desmotivar o cometimento de comportamentos criminosos. Analisa os fatos humanos indesejados, definindo quais devem ser crime ou contravenção e estabelecendo a respectiva pena. Ocupa-se do crime enquanto norma e se preocupa unicamente com a dogmática, isto é, com o crime enquanto fato descrito na norma legal para descobrir a adequação típica.

2. APONTAMENTOS ACERCA DA CRIMINOLOGIA

Diante desse breve intróito, faz-se necessário estabelecer um conceito de criminologia. É a ciência experimental e plural que possui como objetivo o estudo do crime, criminoso, vítima e o controle social no comportamento delitivo. Busca compreender a dinâmica do crime e intervir nesse processo com o intuito de dissuadir o agente de praticar o crime. Apresenta ainda mecanismos de combate à problemática da criminalidade, harmonizando com outras ciências correlacionadas, no intuito de realizar troca de conhecimentos, em especial com a Medicina Legal, a Psicologia, o Direito e a Biologia.

Entre os estudiosos do tema há vários conceitos e em diversas obras. NUCCI, 2009. p. 60, por exemplo, enuncia que criminologia “É a ciência que se volta ao estudo do crime, como fenômeno social, bem como do criminoso, como agente do ato ilícito, em visão ampla e aberta”.

Sem se distanciar muito da ideia acima, o ínclito Delegado de Polícia Nestor Sampaio explana de forma mais ampla:

“A palavra “criminologia” foi pela primeira vez usada em 1883 por Paul Topnard e aplicada internacionalmente por Raffaele Garófalo, em seu livro Criminologia, no ano de 1885. Pode-se conceituar criminologia como a ciência empírica (baseada na observação e experiência) e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas criminosas. A criminologia é uma ciência do “ser”, empírica, na medida em que seu objeto (crime, criminoso, vítima e controle social) é visível no mundo real e não no mundo dos valores, como ocorre com o direito, que é uma ciência do “dever-ser”, portanto normativa e valorativa”.  (PENTEADO FILHO, 2013, p.21).

A interdisciplinaridade da criminologia é histórica, bastando evidenciar que seus precursores foram o médico Lombroso, um jurista e também sociólogo Ferri e um magistrado, o juiz Raffaele Garofalo. A interdisciplinaridade busca a articulação de conhecimentos de várias outras ciências, inclusive não jurídicas, sem hierarquia ou submissão, mas apenas com visões das diversas ciências e profissionais que trabalham ladeados. Conta ainda, com o auxílio da geografia e estatística, visto que se utilizam dos dados demográficos, taxas de natalidade, migrações e mortalidade para sua compreensão e futuro mapeamento da incidência delitiva.

A partir dos estudos e levantamentos de dados, possibilita informar a sociedade, profissionais envolvidos e aos organismos estatais sobre o crime, o criminoso, a vítima e o controle social, englobando um núcleo de conhecimentos que permita compreender de forma científica a problemática criminal.

O delito é um fenômeno que preocupa a sociedade e está presente todos os dias nas ruas e amplamente divulgada pela mídia sensacionalista e por vezes tendenciosa, que incute ainda mais a sensação de vulnerabilidade aos cidadãos.

Como toda ciência, a criminologia se fundamenta em objetivos comuns e seus estudos visam a identificação da gênese do crime, bem como a adoção de medidas preventivas. Modernamente a Criminologia se preocupa com o delito, o delinquente, a vítima e o controle social. No seu surgimento, os estudos pairavam somente em relação ao crime e o criminoso. Na escola clássica, denominada etapa pré-científica, não havia uma preocupação com a gênese delitiva e nem na sua prevenção.

Já a escola positiva, baseada no método científico e empírico, simboliza a passagem para a análise do mundo real e concreto. Preocupa-se com os aspectos psicológicos e sociológicos, relacionando as investigações com auxílio de outras ciências.

Para o direito penal, o crime está adstrito ao conceito de ação ou omissão típica, ilícita e culpável. A sociologia o define como um desvio de conduta de grande reprovabilidade. Por sua vez, a criminologia, vai além e não se contenta com a definição jurídica e sociológica, sendo mais abrangente o seu entendimento, porque o considera como um problema social e da comunidade. O caráter comunitário se dá, já que os indivíduos envolvidos na trama criminal advêm da mesma sociedade, devendo buscar os mecanismos causadores da criminalidade e o seu enfrentamento.

O estudo do delinquente também se mostra objeto de interesse, pois ao conhecer a sua personalidade e traçar características, pode-se compreender e prevenir o comportamento delitivo. É imprescindível para combater algo entender sua motivação, razões e de algum modo tentar modificá-los através da cooperação entre o Direito Penal e a Criminologia.

Primitivamente a vítima ocupava um papel secundário para o direito penal. Após o surgimento do saber criminológico o seu papel passou a ter relevância, em especial na dosimetria da pena. A vitimologia permite estudar a criminalidade com o viés do seu papel, pois irá colher informações das vítimas, fundamentais para esclarecimentos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça. A vítima, portanto, tem um papel fundamental na estrutura do delito, em face dos problemas de ordem moral e psicológica.

3. RELEVÂNCIA NA ATIVIDADE POLICIAL

O vulto do estudo da criminologia na formação dos agentes de segurança pública deve ser franca e com o fim de melhor instruir, prevenir e reprimir o crime desde sua gênese até os seus possíveis desdobramentos. Busca fornecer informações seguras no intuito de nortear a política criminal e subsidiar as ações pertinentes à Segurança Pública. Dessa forma, fica evidente a imprescindibilidade de tal conhecimento aos atores desse nicho de atuação estatal.

Sua compreensão permite implementar técnicas de investigação baseadas em procedimentos e estabelecer uma espécie de engenharia reversa do crime cometido, como por exemplo, na recognição visuográfica em sítios de homicídio, que nada mais é do que a reconstituição da cena através de fragmentos e vestígios deixados pelo agente delituoso, permitindo ao policial elaborar o seu perfil criminológico. Marco Antonio Desgualdo elucida de forma mais acertada sobre essa radiografia da cena delitiva:

“É a semente da futura investigação, depois de formalizada, levando-se em consideração seu dinamismo e praticidade. Traz em seu bojo desde o local, hora, dia do fato e da semana como também condições climáticas então existentes, além de acrescentar subsídios coletados junto às testemunhas e pessoas que tenham ciência dos acontecimentos. Traz ainda à colação minuciosa observação sobre o cadáver, identidade, possíveis hábitos, características comportamentais sustentadas pela vitimologia, além de croqui descritivo, resguardados os preceitos estabelecidos no art. 6º, I, do Código de Processo Penal”. (DESGUALDO, 1999 p.6)

Ademais, alerta e orienta que o policial conheça a comunidade no qual está lotado além do espaço geográfico, buscando conhecer o nível socioeconômico, a evasão escolar e dados econômicos do lugar onde ocorrem os maiores índices de crimes, principalmente contra o patrimônio. A criminologia permite um olhar amplo ao policial, uma vez que ao se deparar com a cena de um delito, pode-se entender o modus operandi, desenvolver olhar apurado no encontro dos rastros deixados pelo agente criminoso, podendo melhor compreender as causas e traçar estratégias para coibir sua reincidência.

O agente deve se conscientizar que o discurso de que cada instituição deve fazer a sua atribuição já não condiz com a realidade fática do momento. A polícia é base do controle formal do crime e deve buscar entender os problemas sociais na sua área de atuação ou circunscrição, colaborando e disseminando políticas de educação e lazer com os jovens em situação de risco, aproximando o poder estatal ao cidadão e, por conseguinte a comunidade que o rodeia.

“Os problemas de segurança são mais amplos do que as questões de competência propriamente policial. Ou seja, nem todos os problemas que afetam a Segurança Pública estão contidos no espaço legal e legítimo de ação das polícias. Daí a pertinência de incorporar outros atores no processo de produção democrática da Segurança Pública.” (MUNIZ 1999, p. 8)

Ainda quanto seu estudo, a elaboração das estatísticas criminais em muito auxiliam na prevenção, visto que é descoberta a real incidência delitiva em pontos específicos da cidade. A partir daí pode remanejar a alocação do policiamento repressivo e preventivo especializados, dando maior visibilidade da polícia para a sociedade. O crime é um fenômeno comunitário e a própria comunidade deve estar engajada em ações propostas pela polícia.

4. CONCLUSÃO

Observa-se que somente a criação de mais normas penais e o endurecimento de penas já não são mecanismos por si só eficazes no controle delitivo. Todos possuem mea-culpa (União, Estados e Municípios) por terem se mantido décadas silentes na crescente desigualdade e exclusão social, principalmente com relação aos menos afortunados e moradores de bairros periféricos.

Uma política penitenciária ultrapassada e que não respeita a individualidade no tocante aos tipos de delitos, misturando pequenos punguistas junto a traficantes e homicidas. A falta de empenho governamental na fomentação de políticas enérgicas de segurança e a interferência política na condução das secretarias de segurança pública, que geralmente são encabeçadas por membros do Ministério Público, são concausas do fracasso.

No tocante à interferência política nas estruturas das secretarias de segurança, com todas as vênias, os ilustres representantes do Ministério Público possuem grande saber jurídico, mas pouco conhecimento da realidade policial e administrativa de uma pasta tão estratégica.

O saber criminológico defende a implementação de uma polícia com o viés comunitário e formação do agente de segurança pública como promotor de mudanças na sua área de atuação, buscando práticas de inserção social e de cidadania. A participação ativa da comunidade na busca de resolução de conflitos e no controle informal. Neste sentido, torna-se fundamental para que o aparato policial seja funcionalizado de forma a preservar, fomentar e assegurar o exercício dos direitos à cidadania.

Entretanto há que se destacar que é necessária a participação de todos, sociedade civil e estado imbuídos no controle formal e informal da criminalidade, passando a não coadunar com pessoas que fazem do delito um modo de vida. É notório que ainda existe ranso e desconfiança de certas camadas da população no tocante a intervenção policial, principalmente em  áreas periféricas, dada a ausência do estado nesses núcleos sociais e daí surgirem paradigmas distorcidos sobre a atividade repressiva, em razão de não compreendem a forma enérgica de atuação em busca de traficantes, homicidas e outros criminosos que aproveitam desses locais para se homiziarem. Não é comum que criminosos prestem assistência aos moradores locais com o intuito de criar uma falsa percepção de honestidade. 

O relevo do seu estudo e compreensão na formação dos agentes de segurança pública deve ser franca e com intuito de melhor instruir, prevenir e reprimir o crime; Busca fornecer informações seguras no intuito de nortear a política criminal e subsidiar as ações pertinentes à segurança pública. Dessa forma, fica evidente a imprescindibilidade de tal conhecimento aos atores desse nicho de atuação estatal, visto que propicia métodos científicos de técnicas investigativas, preventivas e assistenciais visando estabelecer uma espécie de engenharia reversa do crime, um perfil do criminoso e da vítima.

 

Referências
DESGUALDO, Marco Antonio. Crimes contra a vida-recognição visuográfica e a lógica na investigação. São Paulo: Acadepol, 1999.
MUNIZ, Jacqueline. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser – Cultura e cotidiano da PMERJ. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1999.
NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de direito penal; parte geral e parte especial. – 5. ed. – São Paulo;Editora Revista dos Tribunais, 2009.
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio, Manual esquemático de criminologia. – 3 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.

Informações Sobre o Autor

Rafaelle Jhonathas de Sousa Guimarães

Bacharel em Direito pela Universidade Paulista e Policial Civil do Estado de São Paulo


Equipe Âmbito Jurídico

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