A decretação da prisão preventiva sem a observância detalhada dos requisitos, e as consequências no sistema prisional

Resumo: O presente artigo propõe uma análise crítica dos requisitos para a aplicação da prisão preventiva observando as modificações dadas após o advento da Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, buscando identificar os prejuízos causados a instrução processual e consequentemente ao sistema carcerário do Brasil. Para cumprir tal objetivo, analisar-se-á o conceito de medidas cautelares penais, princípios norteadores do processo penal e a ideologia do direito penal mínimo, como também aspectos referentes ao encarceramento provisório no Brasil, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento do tema. Observar-se-á que a inobservância dos requisitos para a decretação da prisão preventiva interfere diretamente na instrução processual, acarretando uma utilização indiscriminada da medida cautelar, o que, consequentemente, poderá ocasionar um prejuízo para o sistema penitenciário. [1]

Palavras-Chave: Medidas Cautelares alternativas á prisão; Prisão Preventiva; Requisitos; Crise no Sistema Penitenciário.

Abstract: This article proposes a critical analysis of the requirements for the application of preventive detention, noting the changes made after the advent of Law 12403 of May 4, 2011, seeking to identify the damages caused to the procedural instruction and, consequently, to the prison system from prison. Brazil. To achieve this goal, the concept of preventive criminal measures, guiding principles of the criminal process and ideology of minimum criminal law, as well as aspects related to temporary incarceration in Brazil, will be analyzed with the intention of contributing to the development of the subject. Failure to comply with the requirements for pre-trial detention should interfere directly with the procedural instruction, leading to an indiscriminate use of the precautionary measure, which may result in damage to the prison system.

Key-words: Cautionary measures alternative to imprisonment; Prison Preventive; Requirements; Crisis in the Penitentiary System.

Sumário: Introdução; 1. A Lei 12.403/11 e o Regime das Medidas Cautelares; 1.1Prisão preventiva como medida cautelar; 2. Direito Penal Mínimo; 2.1 Princípios limitadores do direito punitivo; 3. Aplicação e Entendimento jurisprudencial;4. A Influência no Sistema Carcerário e na Integridade do Indivíduo; Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

Saguiné Odone sustentou que a prisão cautelar é uma das instituições mais polêmicas do sistema penal, pois constitui um dos problemas mais críticos do processo penal, no qual se destaca o interesse do Estado em garantir a efetividade da instrução processual penal e os direitos e garantias fundamentais do acusado, em destaque o direito à sua liberdade pessoal. [2]

No ordenamento jurídico brasileiro, a prisão preventiva é uma medida cautelar que pode ser decretada em dois momentos, quais sejam, durante a investigação policial ou no curso do processo penal. Neste último caso quando houver prova da existência do crime e indicio suficiente de autoria (fummus comissi delicti), e quando estiver devidamente demonstrado nos autos que poderá prejudicar a instrução do processo, frustrar a aplicação da lei penal ou ameaçar a ordem pública (periculum libertatis).

Na temática do presente artigo é de extrema relevância evidenciar que o artigo 312 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº12.403, de 04 de maio de 2011, preservou a prisão preventiva a fim de assegurar a ordem pública.

A aplicação de um novo regime de medidas cautelares é fundamental para a adaptação do processo penal brasileiro ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos. De forma que, a nova redação disponibilizou alternativas menos gravosas ao cerceamento da liberdade.

O presente trabalho ira demostrar que as modificações aduzidas pela Lei nº 12.403/11, tem o intuito de reduzir a utilização indiscriminada da pena privativa de liberdade, o que consequentemente irá amenizar o obstáculo da superlotação carcerária.

Observa-se que apesar da lei processual penal estabelecer um processo ético e civilizado a quem tenha praticado um fato definido como crime, a reforma veio firmar o entendimento da excepcionalidade da decretação da prisão preventiva, com o objetivo de confirmar o modo de viver no Estado Democrático de Direito, o qual busca a proteção dos direitos fundamentais.  De modo que o caráter subsidiário da prisão se refere ao Princípio da “Ultima Ratio”.

A não observância dos requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, deve ser vista de forma crítica, como um equívoco que fere os direitos fundamentais do cidadão e consequentemente a ideologia do Estado Democrático de Direito. De modo que, a busca por um sistema operacional de defesa social tem ferido os direitos individuais garantidos pela lei maior.

Nessa perspectiva, nos limites estruturais impostos pelo formato do presente texto científico, faremos uma análise da aplicação da prisão preventiva conforme a Lei nº 12.403/11, da problemática que envolve a decretação de prisões impróprias, e das consequências para o sistema carcerário.

Tornando-se o presente trabalho de suma importância devido às circunstâncias em que se encontra o sistema carcerário no Brasil, com grande número de encarcerados sob a indevida decretação da prisão preventiva.

Assim sendo, o presente trabalho desenvolverá a necessidade de uma análise mais detalhada dos requisitos da medida cautelar que restringe a liberdade do indivíduo, demostrando uma alternativa para a crise do sistema carcerário.

Valendo-se da legislação pátria vigente e os conceitos e apontamentos trabalhados pelos doutrinadores acerca do tema a ser pesquisado.

1. A LEI 12.403/11 E O REGIME DAS MEDIDAS CAUTELARES

O Código de Processo Penal, decreto lei 3689 de 1941, submetia o agente a duas condições, sob prisão provisória ou em liberdade, durante a investigação criminal e no decorrer do processo. Com a Lei nº 12.403/11 foi introduzido um novo regime, que reformou o sistema das prisões cautelares, este novo sistema caraterizado pela multicautela, na qual o agente se submete a um status que não implica em prisão e ao mesmo tempo não importa em liberdade total, trata-se de uma sujeição as medidas cautelares diversas da prisão, listadas nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal.

“Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:

I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;    (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

 II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;  (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;  (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)         

 IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).          

 VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VIII – fiança, nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).          

IX – monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 320.  A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.   (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Considerando que as alterações determinadas pela Lei 12.403/2011 estão em vigor, a aplicação das medidas cautelares fica a critério da interpretação dos dispositivos conforme a necessidade do caso concreto.

Nesta linha, conclui-se que, relativamente ao princípio da necessidade, tanto a prisão preventiva quanto as medidas cautelares alternativas dispostas nos artigos 319 e 320 poderão ser aplicadas quando, efetivamente, revelarem-se necessárias para a aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e para evitar a prática de novas infrações penais, tal como externado no art. 282, I, do Código de Processo Penal.[3]

No que diz respeito ao artigo 282 do Código de Processo Penal a aplicação de qualquer das medidas cautelares respeitará sempre as necessidades de cada situação, a qual se adequar ao caso concreto, e será destinada a assegurara a instrução processual.

“Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: 

I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II -, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

A legitimidade para decretação das medidas cautelares é prevista no artigo 282, § 2.º, do Código de Processo Penal, no qual diz que serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Assim, no curso das investigações policiais o juiz não possui legitimidade para decretar medidas cautelares ex officio, pois nessa fase está condicionado ao requerimento do Ministério Público ou à representação da autoridade policial. Tendo o juiz legitimidade de decretar as medidas cautelares, tanto ex officio como a requerimento do Ministério Público, do querelante e do assistente de acusação, no curso do processo.

Toda medida cautelar tem sua decretação vinculada a determinados princípios, estes consistentes na necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, e na demonstração do periculum im mora, que corresponde à efetiva demonstração de que a liberdade plena do agente pode causar risco efetivo ao resultado concreto do processo penal, e o fummus boni iuris, que é a prova da existência do crime e dos indícios suficientes de autoria.[4]

A Lei 12.403/2011 estabeleceu um procedimento específico para as medidas cautelares diversas da prisão, o qual deve ser observado como condição, para que sua aplicação não importe constrangimento ilegal ao indiciado ou acusado. Acarretando em regras: a aplicação restrita a infrações punidas com pena privativa de liberdade; a utilização das medidas cautelares diversas da prisão, em caráter autônomo, ou em substituição à prisão preventiva, ou como obrigação decorrente da liberdade provisória; o cumprimento isolado ou cumulativo; a legitimidade e contraditório; o descumprimento das obrigações imposta e a revogação e substituição.[5]

Em tese, as medidas cautelares devem ser impostas pelo Poder Judiciário, com exceção da possibilita de a autoridade policial arbitrar fiança nos crimes com pena de até quatro anos de prisão, e sua decretação vigora somente enquanto perdurar a situação de urgência que a justifique, postulados da cláusula rebus sic stantibus.

A cláusula rebus sic stantibus norteia as decisões cautelares e tem aplicação inequívoca no âmbito criminal, posto que a sentença cautelar criminal reflete a situação fática e jurídica existente no momento em que proferida, impondo-se a persistência do comando a ela inserido enquanto esse mesmo contexto se mantiver. [6]

Contudo, desfazendo-se o cenário que justificou a determinação das providências emergenciais, caberá juiz poderá revogar a medida cautelar quando verificar a falta de motivo para que subsista, restabelecendo a situação anterior à decretação.

No caso de descumprimento injustificado de medida cautelar imposta, o juiz tem a possibilidade de substituí-la por outra ou impor outra em cumulação, conforme dispõe o artigo 282, § 4.º do Código de Processo Penal. De outra forma, quando o juiz verificar a falta de motivo para que subsista a providência cautelar antes aplicada, terá este a faculdade de revogá-la, conforme § 5.º do mesmo dispositivo.

As medidas cautelares devem ser aplicadas em hipóteses emergenciais, com o objetivo de superar situações de perigo à sociedade, ao resultado prático do processo ou à execução da pena. As cautelares penais têm a função de garantir o pleno deslinde do processo criminal e assegurar a sentença, sua utilização deve sempre estar conectadas a ideia de proteção ao imputado através do respeito aos seus direitos e garantias fundamentais. As medidas cautelares diversas da prisão, buscam evitar que criminosos de baixa periculosidade sejam levados ao sistema carcerário.

“As penas restritivas de direitos foram criadas com a intenção de proteger a dignidade daquele que pouco ou nenhum perigo oferece à sociedade. Logo, não pode o julgador substituir a pena privativa de liberdade sem nenhum critério, e por isso, o código penal apresenta requisitos legais a serem observados antes de aplicar a “pena alternativa”. (MACHADO, 2003, p. 19).”

São instrumentos processuais imediatamente executivos e capazes de neutralizar riscos prejudiciais ao procedimento penal mediante uma intervenção na esfera jurídica do imputado adequada e suficiente a esse efeito e que permitam ao procedimento penal estender-se no tempo sem que isso lhe comprometa suas finalidades. Esses perigos suscetíveis de assediar o processo penal são comportamentos que podem comprometer a apuração do fato, colocar em risco a execução da sentença e favorecer o cometimento de outros crimes.[7]

De modo geral, as cautelares servem para assegurar a sentença através da proteção dos interesses processuais durante os procedimentos criminais, quando houver risco real de que o acusado possa destruir provas ou se evadir da aplicação da sentença, sendo oportuno mencionar que a prisão preventiva deverá ser substituída sempre que outras medidas menos severas se mostrarem suficientes para acautelar o processo.

Nenhuma medida cautelar tem como função “fazer justiça”, já que sua função essencial é garantir a plena execução do processo de conhecimento. É um instrumento que tem como objetivo assegurar a utilidade e a eficácia do resultado final do processo.

Uma das características inerentes às medidas cautelares no sentido de proteção da efetividade do processo principal é a instrumentalidade, uma vez que surgem como um instrumento para assegurar o provimento final. Não obstante, o uso das medidas cautelares ocorre normalmente quando a instrução ainda não está concluída, desse modo trata-se de uma instrumentalidade hipotética, assegurando um resultado de uma hipotética condenação.  [8]

Portanto, as medidas cautelares são mais que remédios instrumentais e subordinados à existência de um processo de julgamento, que se preordenam fundamentalmente a uma futura execução, assegurando algum dos atos desta ou antecipando em alguma medida seus efeitos.

1.1. Prisão preventiva como medida cautelar

Com a reforma da Lei 12.403 de 05 de maio de 2011, constituiu a natureza da prisão processual como medida cautelar, de forma que tem como objetivo a tutela da sociedade, da investigação criminal/processo penal e da aplicação da pena. A natureza cautelar dar se em razão pela qual não viola o princípio da presunção de inocência, tampouco qualquer outro direito ou garantia assegurados na Constituição Federal.

A redação do artigo 282 e seguintes do Código de Processo Penal, usa a expressão medidas cautelares, de forma que abrange todas as medidas contempladas no Título IX, isto é, a prisão temporária, a prisão preventiva, a prisão em flagrante delito, considerada “pré-cautelar” e as medidas alternativas à prisão, já citadas anteriormente.

A prisão em flagrante é considera uma medida “pré-cautelar” por ser um estágio inicial da prisão preventiva ou das medidas cautelares alternativas à prisão, não sendo considerada uma medida cautelar autônoma.

A prisão cautelar não constitui um fim em si mesmo, mas sim está necessariamente vinculada à sentença que pode ser prolatada no processo principal com a função de assegurar sua efetividade prática. Essa característica implica que a prisão cautelar somente pode ser decretada pendente o processo principal ou à espera de sua imediata iniciação e deve se extinguir quando o processo principal termine.[9]

Compreende se o instituto da prisão preventiva como aquela que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, e como seu objetivo, a intenção de impedir que o indivíduo pratique novos delitos ou evitar que a conduta praticada interfira na apuração dos fatos e na aplicação da sanção correspondente ao crime praticado, com o intuito lato sensu de garantir que se concretize o resultado final da demanda.

“A prisão cautelar não pode – nem deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. (HC 95.290 / SP)”

A prisão preventiva é um o instituto do processo penal com modalidade de segregação provisória, conceituada como uma medida cautelar típica, pessoal, privativa de liberdade e excepcional. De modo que incide sobre uma pessoa com o intuito de cercear sua liberdade de locomoção e somente é utilizada quando sua finalidade for imprescindível, se tratando da tutela da sociedade, da investigação criminal e/ou da aplicação da pena.

“As penas restritivas de direitos foram criadas com a intenção de proteger a dignidade daquele que pouco ou nenhum perigo oferece à sociedade. Logo, não pode o julgador substituir a pena privativa de liberdade sem nenhum critério, e por isso, o código penal apresenta requisitos legais a serem observados antes de aplicar a “pena alternativa”. (MACHADO, 2003, p. 19).”

Diante da natureza cautelar, a segregação provisória tem como principais características a excepcionalidade, a instrumentalidade, a idoneidade e a proporcionalidade.

O atributo da excepcionalidade, em relação à prisão preventiva, deve ser visto sob dois ângulos. O geral, significando que deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. E a excepcionalidade restrita, relacionada a sua supletividade diante das demais providências cautelares diversas da prisão, em face do que dispõe o artigo 282, § 6.º do Código de Processo penal, no sentido de que “a prisão preventiva será determinada, apenas, quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”. [10]

A instrumentalidade ou função exclusivamente processual da prisão cautelar, carcer ad custodiam, impede que esta medida seja utilizada com finalidade punitiva, carcer ad poenam, de satisfazer antecipadamente a pretensão punitiva Estatal.[11]

A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva, o que já entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.

“Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do habeas-corpus que o impugna não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes. 2. Não pode o decreto de prisão preventiva carente de fundamentação idônea validar-se com a fuga posterior do acusado, que não tem o ônus de submeter-se à prisão processual cuja validade pretenda contestar em juízo. 3. Constitui abuso da prisão preventiva – não tolerado pela Constituição – a sua utilização para fins não cautelares, mediante apelo à repercussão do fato e à necessidade de satisfazer a ânsias populares de repressão imediata do crime, em nome da credibilidade do Poder Judiciário: precedentes da melhor jurisprudência do Tribunal. 4. Reputados bastantes à legitimação da prisão preventiva, no caso – conforme julgado em habeas-corpus anterior -, a alusão a dois episódios que desvelariam o propósito do paciente de intimidar testemunhas do homicídio pelo qual responde, a absolvição no processo movido com relação a um deles não basta a impor o relaxamento da detenção cautelar, se o outro lhe dá sustentação suficiente. 5. A extinção da punibilidade pela prescrição do fato em que ainda se suporta a prisão preventiva não leva por si só à sua revogação: como motivo da prisão preventiva, a consideração do fato da perseguição e da ameaça a uma testemunha – cuja materialidade não se questiona – independe de sua criminalidade e, menos ainda, de sua punibilidade. (STF – HC: 81148 MS, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 11/09/2001, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 19-10-2001 PP-00032 EMENT VOL-02048-02 PP-00333)”

A proporcionalidade em sentido estrito, consistente no juízo de ponderação entre os danos causados com a aplicação da medida cautelar restritiva e os resultados que com ela serão auferidos, a fim de, com isto, verificar-se se o ônus imposto é proporcional à relevância do bem jurídico que se pretende resguardar.[12]

De forma geral, a prisão preventiva é um o instituto do processo penal   conceituado como uma medida cautelar típica; pessoal, incide sobre uma pessoa; privativa de liberdade, cerceamento da liberdade de locomoção; e excepcional, somente deve ser utilizada quando imprescindível à finalidade a que se destina. É uma medida facultativa que pode ser decretada por decisão judicial fundamentada, com a presença dos requisitos legais.

O instituto da prisão preventiva é cabível em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, o qual é decretada pelo juiz no curso da ação, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente de acusação, ou por meio de representação da autoridade policial, conforme previsto no artigo 311 do Código de Processo Penal.

Como qualquer medida cautelar, a preventiva também pressupõe a existência de periculum in mora e fumus boni iuris, sob pena de implicar constrangimento ilegal. Além da necessidade dos pressupostos que a justificam, elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal[13], e às hipóteses de sua admissão, presentes no artigo 313 do mesmo diploma. Neste contexto, a decretação da custódia, no caso concreto, exige a constatação, pelo juiz, da impossibilidade de sua substituição por outra medida cautelar diversa da prisão, dentre as contempladas no artigo 319 do código em comento.

A decisão judicial que a decreta rege-se pelo princípio geral rebus sic stantibus, que significa que pode ser revogada e decretada quantas vezes for necessário, conforme cada situação.

A prisão preventiva é uma medida que limita o direito fundamental individual à liberdade, é reconhecida pelo texto legal pela subsidiária. De forma que somente poderá ser decretada quando o juiz verificar que é a medida necessária e adequada e quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar[14], ocupando a posição de última medida cautelar, ultima ratio, a ser aplicada nos feitos criminais.

Com a reforma, a prisão se tornou a última medida cautelar, tanto sob o argumento constitucional do processo penal, Princípio da Presunção de Inocência, quanto devido às próprias regras do Código de Processo Penal, o qual disciplinou a excepcionalidade no artigo 282 § 6º.

A determinação da prisão preventiva como ultima ratio ficou definida pelo disposto no artigo 319, Parágrafo 6º do Inciso II do Código de Processo Penal, que preceitua: “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.

O uso da prisão preventiva apenas em casos extremos deve-se a observâncias dos direitos fundamentais garantidos, uma vez que a intervenção estatal deve ser mínima na esfera dos direitos coletivos, utilizada somente quando os demais ramos do direito não forem competentes, sendo justificada somente nos casos em que exista realmente o risco do imputado interferir ilicitamente na persecução ou se ausentar da aplicação da lei penal.

Neste contexto, pode-se afirmar que a prisão preventiva tem função de garantir a efetividade do poder público, em respeito aos direitos assegurados pela lei maior, uma vez que o uso subsidiário do instituo defende a aplicação dos princípios constituídos.

2.    DIREITO PENAL MÍNIMO

O Direito Penal Mínimo ou Minimalismo Penal manifesta-se em meados do século XVIII, com o intuito de construir um novo sistema penal inspirado nas condições sub-humanas a qual eram expostos os cárceres, de forma a substituir o empedernido, o injusto e o desproporcional por um sistema que buscasse a humanização das penas. Sistema esse, que objetivava a criação de um Direito Penal com uma mínima intervenção Estatal e com máximas garantias aos direitos da pessoa humana.[15]

Dentro do ideal do Direito Penal Mínimo, o ponto mais questionado é sobre a necessidade de aplicação da pena ou sanção criminal, de forma que essa teria o desígnio de vingança. Sobre o conceito de pena, o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt relata que a pena nada mais é do que um mal que se impõe por causa da prática de um delito, que tem como finalidade a retribuição ao delito praticado, a prevenção contra a prática de novos crimes e a readaptação social dos condenados.[16]

Considerar que a pena é um castigo, não significa dizer que este é o seu fim essencial, esta justifica-se por sua necessidade. Analisando o significado, a finalidade e a função da pena alguns doutrinadores defendem o seu caráter retributivo e outros preventivos.

Ao passo que a teoria retributiva qualifica a pena como forma de resposta ao criminoso pela conduta ilícita realizada, é a maneira do Estado lhe contrapesar pelo possível mal causado a uma pessoa específica ou à própria sociedade, tendo o único objetivo de punir o condenado. A teoria preventiva possui uma pretensão diversa, pois busca obstruir a realização de novas condutas criminosas e impedir novos delitos.

“As teorias retributivas procuram um fim utilitário para a punição. O delito não é causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada. Não repousa na ideia de justiça, mas de necessidade social (punitur ne peccetur). Deve ela dirigir-se não só ao que delinquiu, mas advertir os delinquentes em potencial que não cometam crime. Consequentemente, possui um fim que é a prevenção geral e a particular” (NORONHA, 2000, P. 233)

Na aplicação de um Direito Penal Mínimo, a pena tem função de assegurar a sobrevivência da sociedade civil, a fim de prevenir delitos sem exceder o dano produzido por estes. Para o doutrinador Paulo de Souza Queiroz uma das funções do Direito Penal é cessar a violência.[17]

A teoria em questão é amparada pelos princípios da intervenção mínima, insignificância, fragmentariedade, adequação social da conduta, subsidiariedade, legalidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, e tem como objetivo excluir a tipicidade das condutas que se adequam ao tipo penal. [18]

O minimalismo penal defende a proporcionalidade na aplicação do Direito Penal, com a adoção de penas alternativas, bem como de outras esferas para solução dos delitos que não violem o ordenamento jurídico ou tragam prejuízos para o bem comum. Portanto, o uso da pena restritiva de liberdade como medida cautelar deve ser usado como ultima ratio. No entanto, o que tem se percebido é que o Direito Penal vem se desgastando, com o uso demasiado e infrutífero da sua legislação.

Partindo-se do pressuposto que a violência é um problema social e cultural, podemos concluir que os bens jurídicos sofrem alterações temporárias, sendo impossível estabelecer um critério invariável acerca dos mesmos.

Com a expansão do Direito Penal, temos uma perspectiva de que a finalidade deste se modificou da intenção de impor ao criminoso uma pena privativa de liberdade, para a substituição dessas por uma aplicação de penas alternativas. O que permite que sejam que sejam observados os princípios fundamentais expressos na Constituição da República de 1988.

Deste modo, a autoridade penal em um Estado Democrático de Direito deve dispor de limitações que assegurem que os direitos fundamentais do cidadão sejam invioláveis. Afinal, sem observância das regras legais vigentes não há legitimidade do Direito e sem legitimidade não há Democracia.

“Todavia, a sociedade saberá também compreender que a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo legislador.” (STF, HC 127.186, Relator: Ministro Teori Zavascki, DJe 31.7.2015.c)

Diante desta constatação, temos que o minimalismo penal é um modelo de aplicação do direito penal, peculiar de um Estado Democrático de Direito, em razão que carrega o ideal de minimizar a violência à pessoa humana e maximizar sua liberdade buscando estabelecer padrões de racionalidade nas aplicações do Direito Penal, condenando práticas de autoritarismo severo em a defesa dos direitos sociais acima dos individuais. [19]

O minimalismo penal não ignora a necessidade de existência do Direito Penal, com seus tipos penais e respectivas sanções, somente busca sua adequação às novas necessidades da sociedade contemporânea.[20]

Em resumo, o minimalismo penal propõe que o Direito Penal intervenha apenas quando à época dos fatos for autorizado pela lei para o caso específico e, mesmo assim, o mínimo possível, levando-se em consideração os aspectos sociais e culturais da população local, bem como a gravidade da conduta do agente e a relevância do resultado produzido, de forma que pena seja a mais adequada possível ao caso concreto e não seja maior do que o dano produzido pela conduta do agente.[21]

Contudo, na atualidade, o legislador vem desgastando o Direito Penal, e afastando a ideia do minimalismo penal, visto que a aplicação das sanções é utilizada de modo excessivo no que tangue o agravamento desproporcional das penas.

3.1 Princípios limitadores do direito punitivo

Como já vimos, a intervenção do Estado na esfera individual deve ser delimitada para evitar arbitrariedades e abusos. Nesse sentido o texto da Constituição Federal prevê princípios

limitadores, consagrando-os como garantias dos cidadãos perante o poder punitivo estatal.

Dentre eles, o princípio da legalidade determina que é função exclusiva da lei a elaboração de normas incriminadoras, em outras palavras somente a lei poderá determinar algum fato como crime e somente ela pode determinar a aplicação de uma pena.

No mesmo campo, tem-se o princípio da intervenção mínima, que determina que a criminalização de uma conduta só será legitima se for considerada como meio necessário para a prevenção de ataques contra bens jurídicos, o qual preconiza que uma conduta só pode ser prevista como crime se tal previsão constituir o último dos meios necessários para a proteção do bem jurídico ameaçado. Princípio esse conhecido também como “Ultima ratio”, o quase defende que a intervenção do Direito Penal é cabível somente em ultima instancia, quando os demais recursos do Direito forem considerados insuficientes para o controle e a proteção social.

Tem-se também o princípio da insignificância traz que nem todo ataque será punido pelo Estado, devendo existir uma proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a intervenção estatal.

“O princípio da insignificância, portanto, servirá de instrumento de utilização obrigatória nas mãos do intérprete, a fim de realizar a perfeita adaptação do comportamento do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, com a sua atenção voltada para a importância do bem ofendido, raciocínio que é levado a efeito considerando-se a chamada tipicidade material (GRECO, 2011, p. 104).”

Temos também o princípio da irretroatividade da lei penal, a lei penal considerada mais severa não poderá retroagir, respeitando assim o princípio da humanidade assegurando que o poder estatal não poderá aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana.

Bem como o princípio da ofensividade, que orienta a atividade legislativa e serve de critério interpretativo da norma, de forma que uma ação será punida conforme o que causar ao bem, referindo-se também ao princípio da proporcionalidade, que determina que deve existir um equilíbrio entre a gravidade do crime e a sanção. De maneira que não haverá crime sem culpa, princípio da culpabilidade.

Princípio da dignidade da pessoa humana, que é uma qualidade ou um valor irrenunciável e inalienável, reguladora do mínimo necessário para a sobrevivência apropriada de todo ser humano, que em hipótese alguma poderá ser suprimida[22],este que também é fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, III da carta magna.

Outro princípio descrito nos ensinamentos do doutrinador Paulo Queiroz, é o da lesividade o qual é uma consequência do respeito ao princípio da intervenção mínima.

“Portanto, o autor há de responder exclusivamente pelo que faz (direito penal do fato) e não pelo que é (direito penal do autor), de modo que não é o crime que é identificado a partir do criminoso, mas o criminoso a partir do crime. E no sistema garantista só é lícito criminalizar tipos de ação e não tipos de autor; castiga-se pelo que se faz, não pelo que se é; interessa-se por comportamentos danosos, não por seus autores, cuja identidade, diversa, tutela, ainda que sejam desviados. […] não é por outra razão, aliás, que o Supremo Tribunal Federal tem decidido que arma desmuniciada não configura o delito previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003 (QUEIROZ, 2011, p. 66).”

Conjuntamente, temos o princípio da adequação social o qual estabelece que cabe ao legislador, buscar os bens jurídicos mais importantes e necessários à vida em sociedade, de forma que a lei não venha a intervir demasiadamente na conduta dos membros da sociedade em que será aplicada.

“A adequação social é, sem dúvida, motivo para exclusão da tipicidade, justamente porque a conduta consensualmente aceita pela sociedade não se ajusta ao modelo legal incriminador, tendo em vista que este possui, como finalidade precípua, proibir condutas que firam bens jurídicos tutelados. Ora, se determinada conduta é acolhida como socialmente adequada deixa de ser considerada lesiva a qualquer bem jurídico, tornando-se um indiferente penal. A evolução do pensamento e dos costumes, no entanto, é o fator decisivo para a verificação dessa excludente de tipicidade (NUCCI, 2011, p. 229-230).”

Destarte, a aplicação dos princípios constitucionais defende o propósito do sistema do Direito Penal Mínimo, que é evitar demasiado uso da decretação da prisão preventiva, com o intuito de buscar o uso proporcional e adequado das normas jurídicas.

4-  APLICAÇÃO E ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

Na concepção do doutrinador Saguiné Odone, o encarceramento de uma pessoa sem uma sentença judicial penal condenatória prolatada representa a ingerência mais grave que poder exercer o poder estatal na liberdade individual, que é uma garantia constitucional.[23]

Como já exposto, a prisão preventiva é uma medida decretava pela autoridade judiciária, de ofício ou mediante provocação, em qualquer fase do inquérito policial ou do processo penal, e consiste no encarceramento antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, quando devidamente preenchidos os requisitos legais e restando evidenciada sua necessidade, adequação e proporcionalidade.

O grande impasse em questão é o dever de uma administração de justiça eficiente para controlar a criminalidade, ou seja, a efetividade da persecução penal, e a proteção dos direitos fundamentais que regem o Estado Democrático e Social de Direito. De forma que a aplicação da prisão preventiva seja feita de modo justo, respeitando os princípios, as garantias e a legislação especifica.

Ocorre que atualmente os requisitos elencados nos artigos 312 e 313 Código de Processo Penal não são respeitados pelos intérpretes do ordenamento pátrio. Um dos meios que vem influenciando cada vez mais a decretação é a influência midiática. Os meios de comunicação em massa passam a fomentar a crença punitivista na sociedade e acabam afetando ao órgão julgador.

Neste sentido, o STF, pelas palavras do ministro Celso de Melo:

“HABEAS CORPUS” – PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO, NO CLAMOR PÚBLICO E NA SUPOSTA OFENSA À CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES – CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL – UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA – PEDIDO DEFERIDO. A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL . – A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade . – A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. A PRISÃO PREVENTIVA – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU . – A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE . – A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes. O CLAMOR PÚBLICO NÃO BASTA PARA JUSTIFICAR A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR . – O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade . – O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312)- não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu. Precedentes. A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES NÃO SE QUALIFICA, SÓ POR SI, COMO FUNDAMENTO AUTORIZADOR DA PRISÃO CAUTELAR . – Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional da prisão cautelar, a alegação de que essa modalidade de prisão é necessária para resguardar a credibilidade das instituições.(STF – HC: 97466 DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-04 PP-00918)”

Ainda que a mídia exerça o seu papel social noticiando a ocorrência de um fato criminal, os acusados do processo acabam sendo expostos ao público, e sofrem com as consequências da exteriorização da infração que, supostamente, cometeram. Dentre as consequências destaca-se que a influência midiática poderá contaminar o juiz no que prisma da neutralidade em fase da fundamentação do decreto, ou a manutenção da prisão preventiva do acusado.

Em razão dos diversos reflexos da decretação, o Supremo Tribunal Federal sintetizou entendimento:

 “a prisão preventiva pressupõe, sim, prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria; todavia, por mais grave que seja o ilícito apurado e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, são insuficientes para justificar o encarceramento preventivo. A eles deverá vir agregado, necessariamente, pelo menos mais um dos seguintes fundamentos, indicativos da razão determinante da medida cautelar: (a) a garantia da ordem pública, (b) a garantia da ordem econômica, (c) a conveniência da instrução criminal ou (d) a segurança da aplicação da lei penal.” (HC127186- STJ, pag.  13)

Dentre os entendimentos fixados dessa Corte, no mesmo sentido, tem-se que “a prisão cautelar deve ser fundamentada em elementos concretos que justifiquem, efetivamente, sua necessidade”[24], bem como que “os fatos que justificam a prisão preventiva devem ser contemporâneos à decisão que a decreta”[25].

Sendo entendimento pacífico mesmo antes da promulgação da lei 12.404/11, que a decretação da prisão preventiva deveria ser amparada pelos fatos concretos que justifiquem tal necessidade.

“A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinquir ou interferir na instrução probatória ou evadir-se do distrito da culpa ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira para obstruir, indevidamente, a regular tramitação do processo penal de conhecimento. (HC 95.290- STF / SP)”

Cada vez mais, as decretações das prisões preventivas tornam-se desnecessárias, de forma que atendem a legalidade mencionada no artigo 313 do Código de Processo Penal, mas, não apresentam a necessidade cautelar do artigo 321 do mesmo Código.

Assim, ainda que a lei 12.403/11 disponha claramente que a prisão preventiva é uma medida excepcional e apresenta uma série de obstáculos para evitar o abusivo deste mecanismo, que hoje é utilizado de forma frívola. Reflexo de um ordenamento que não se pondera o Direito Penal Mínimo.

5- A INFLUÊNCIA NO SISTEMA CARCERÁRIO E NA INTEGRIDADE DO INDIVÍDUO

Como visto anteriormente, as medidas cautelares tem a função de garantir o pleno desfecho do processo criminal e assegurar a sentença, a fim de evitar que indivíduos sem o devido julgamento legal sejam levados ao sistema carcerário.

O sistema prisional brasileiro enfrenta um grande transtorno que, dentre outros fatores, também é reflexo da banalização do uso da prisão preventiva. A má decretação da medida, consiste na utilização indiscriminada e inadequada desta, devido à inobservância da presença dos seus requisitos necessários.

O Direito Penal enfrenta uma crise no sistema prisional complexa. Conforme revela o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), o número de presos no Brasil aumentou 168% de 2000 a 2014. De forma que em dezembro de 2014 eram 622.202 mil presos, mas o país apresenta capacidade de encarcerar de apenas 371 mil, o que gera um déficit de 250 mil vagas, operando o sistema em superlotação.[26]

O Brasil conta com a quarta população penitenciária do mundo, e entre os detentos 40% estão presos provisoriamente, sem condenação em primeiro grau de jurisdição.

O aumento da população penitenciária brasileira não significa redução dos índices de violência e muito menos o aumento da sensação de segurança. Portanto, o uso da pena restritiva de liberdade como instrumento de política pública para combater a criminalidade não tem dado o resultado esperado.

O uso da prisão preventiva não pode se tornar um mecanismo de punição antecipada, com a intenção de oferecer uma resposta para uma sociedade que almeja justiça. Punir um indivíduo que nem ao menos recebeu uma sentença que comprove sua culpa, o acusando de modo fundamentado ou não, tirando dele a liberdade prevista constitucionalmente.

De forma que o entendimento jurisprudencial aplicado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 55.070, é que a “a alusão genérica sobre a gravidade do delito, o clamor público ou a comoção social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão preventiva”.

A prisão preventiva é sujeita a vários princípios, e o princípio da legalidade se realça no que tange a possibilidade da aplicação dessa medida, em razão da sua rigidez, de modo que é possível concluir que fora das hipóteses legais, como o caso do clamor público, o encarceramento é inconstitucional.

Assim, a aplicação inadequada da prisão preventiva gera consequências, tanto para o indivíduo, quanto para o Estado. A não utilização da medida evita um sofrimento desnecessário e preserva a integridade física e psicologia do réu e dos seus entes mais próximos, além de beneficiar o Estado defendendo importantes recursos humanos e matérias, que são indispensáveis para a manutenção de um indivíduo sob custódia, e, com a diminuição dos riscos referentes ao encarceramento.

Dessa maneira conclui-se que o uso excessivo e banalizado da pena restritiva de liberdade, influencia diretamente na crise do sistema prisional, com o aumento desnecessário da população carcerária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, no presente trabalho, tanto a prisão preventiva quanto as demais medidas cautelares introduzidas pela Lei n. 12.403/11, destinam-se a proteger os meios e os fins do processo penal, tanto quanto a sociedade, ameaçada pela perspectiva de novas infrações penais.

Em resumo, a decretação da prisão preventiva é aceitável, mas na maioria dos casos não é necessária. Em razão de que é considerado suficiente, para produzir o mesmo resultado, a adoção de medidas menos gravosas.

Assim, é certo que os motivos justificadores da prisão preventiva são os mesmos que legitimam a determinação das medidas cautelares diversas, ao qual se refere os artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal, sendo equivocado condicionar a escolha de uma dessas ao não cabimento da prisão preventiva.  Portanto, as aplicações das medidas cautelares diversas da prisão devem ser condicionadas aos requisitos devidamente preenchidos, e se essas não forem suficientes deveria aplicar-se-á em último caso a prisão.

Nesse contexto, confirma-se que o Direito Penal deve ser usado como garantia social, para que os indivíduos tenham os seus direitos preservados em sua totalidade de forma individual e coletiva. Sucede-se ainda que, com a promulgação da Lei nº 12.403/11, a prisão preventiva deveria se tornar a ultima ratio no sistema de medidas cautelares, que consequentemente geraria a garantia social prevista.

A partir dessa conjuntura surge a crítica dos fenômenos da influência midiática e a politização da justiça.  A aplicação desses fenômenos deixa claro que mesmo com as alterações advindas pela Lei nº 12.403 de 2011 no Código de Processo Penal, a prisão preventiva continua sendo utilizada de forma indiscriminada.

Portanto, em um ambiente de insegurança marcado pelo sistema penal impróprio, em diversas esferas, os argumentos que se referem a busca da justiça em desrespeito aos princípios e garantias constitucionais, que são utilizados cotidianamente para fundamentar inúmeras prisões desnecessárias, acarretam na descriminação da aplicação da prisão preventiva, e influenciam diretamente na superlotação do sistema carcerário.

Configurando a aplicação adequada das medidas cautelares, observando detalhadamente os requisitos previstos para cada uma delas, influenciaria diretamente na crise enfrentada atualmente pelo sistema carcerário. Em outro ponto, o uso apropriado das cautelares também respeita o texto legislativo da Constituição Federal, no que tange o cumprimento dos seus princípios, protegendo assim, a integridade pessoal do indivíduo.

Por fim, defende-se nesse artigo que o uso indiscriminado da prisão preventiva acarreta consequências tanto para o indivíduo quanto para o Estado, ao que se refere a crise do sistema carcerário. Dessa forma, o emprego da concepção do minimalismo penal é um ideal a ser almejado para que se conserve um Estado Democrático de Direito, que, como visto, carrega o intuito de conter a violência à pessoa humana e assegurar sua liberdade.

 

Referências
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Notas
[1] Artigo orientado pelo Prof. Mauricio Kraemer Ughini Graduado pela Faculdade de Passo Fundo. Pós-Graduado pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis. Professor de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. Advogado. E-mail: mauricioughini@gmail.com.
[2] SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014.p. 01.
[3] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal.  9.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p.884.
[4] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal.  9.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.p 872.
[5] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal.  9.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p 900.
[6] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal.  9.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.p 880.
[7] SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014.p 05.
[8] SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014.p 06.
[9] SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p 06.
[10] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal.  9.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.p 880.
[11] SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014.p 06.
[12] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal.  9.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.p 885.
[13] Art. 312 do Código de Processo Penal: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”
[14] SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014.p 124.
[15] COSTA. Lopes Renato e col. Direito Penal Mínimo: eficácia e Aplicabilidade no Contexto Brasileiro Atual. p.03 e 04 Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/76-243-1-pb.pdf.
[16] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v.1. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.p 99.
[17] QUEIROZ, Paulo de Souza. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.69.
[18] COSTA. Lopes Renato e col. Direito Penal Mínimo: eficácia e Aplicabilidade no Contexto Brasileiro Atual. p.08. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/76-243-1-pb.pdf
[19] COSTA. Lopes Renato e col. Direito Penal Mínimo: eficácia e Aplicabilidade no Contexto Brasileiro Atual. p.13. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/76-243-1-pb.pdf.
[20] COSTA. Lopes Renato e col. Direito Penal Mínimo: eficácia e Aplicabilidade no Contexto Brasileiro Atual. p.12. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/76-243-1-pb.pdf
[21] COSTA. Lopes Renato e col. Direito Penal Mínimo: eficácia e Aplicabilidade no Contexto Brasileiro Atual. p.23. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/76-243-1-pb.pdf
[22] GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.p.68
[23] SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014.p 01.
[24] Superior Tribunal de Justiça: HC 315093, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, Julgado em 24/03/2015, DJE 06/04/2015; HC 311440, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, 6ª Turma, Julgado em 10/03/2015, DJE 06/04/2015; RHC 056167, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, Julgado em 19/03/2015, DJE 06/04/2015; HC 305676, Rel. Ministro Gurgel De Faria, 5ª Turma, Julgado em 19/03/2015, DJE 06/04/2015.
[25] Superior Tribunal de Justiça: HC 214921, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª Turma, Julgado em 17/03/2015, DJE 25/03/2015; HC 119533, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, Julgado em 27/05/2014, DJE 10/06/2014; HC 246229, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, Julgado em 15/05/2014, DJE 23/05/2014.
[26] BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. MJ divulga novo relatório sobre população carcerária brasileira. Abril de 2016. Disponível em: http://www.justica.gov.br/radio/mj-divulga-novo-relatorio-sobre-populacao-carceraria-brasileira. Acesso em: 29/09/2017

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Raquel Abreu Costa Araujo

 

Acadêmica de Direito da Católica do Tocantins

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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