Recentemente, a doutrina brasileira vêm dando destaque à defesa do réu (exceção, em sentido amplo) no direito processual civil erigindo-a como tema fundamental do chamado “modelo constitucional de processo”. Nada mais justo, afinal, se por um lado a Constituição Federal garante a todos o exercício do direito de ação (art. 5.º, inc. XXXV), por outro, estabelece a garantia do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º, inc. LIV). O contraditório deve ser entendido como a necessidade de dar conhecimento às partes da existência da ação e de todos os atos praticados no processo. A noção de ampla defesa surge como consectário lógico e indispensável do contraditório, conferindo-se ao réu a oportunidade de ser ouvido a fim de apresentar sua contrariedade ao pedido do autor, ou seja, de defender-se daquilo que ameace ou viole direta ou indiretamente seus direitos. A lição de Nelson Nery Junior esclarece que:
“O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório” (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 7ª. Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 135).
No modelo constitucional de processo, a defesa deve ser encarada como um direito subjetivo do réu à prestação jurisdicional do Estado. Tem o réu, uma vez demandado em juízo, o mesmo direito do que o autor a obter uma decisão de mérito. Ocorre que, ao ser afastado o pedido do demandante, o Estado-juiz declara a correta postura assumida pelo réu na situação que lhe foi submetida. A decisão que analisa o mérito da causa tende a transitar em julgado e ganha contornos de imutabilidade. Com isso, aquela mesma situação material já não poderá ser mais rediscutida entre as mesmas partes e perante quaisquer órgãos jurisdicionais. Dessa forma, protege-se o réu garantindo-se a ele a adequada e justa tutela jurisdicional.
Somente a participação efetiva de todos os sujeitos interessados na formação da decisão judicial é que confere verdadeira legitimidade ao exercício da jurisdição. Não há como se ter uma decisão legítima sem dar àqueles que são atingidos por seus efeitos a oportunidade de participação na lide. Assim como o direito de ação, o direito de defesa se desdobra em um conjunto de garantias que confere ao réu a possibilidade de apresentar suas alegações, produzir as provas que se entender necessárias, recorrer, enfim, propor todos os meios necessários para estabelecer o pleno contraditório. Grinover, Dinamarco e Cintra bem sintetizam o tema: “Tanto o direito de ação como o de defesa compreendem uma série de poderes, faculdades e ônus, que visam à preparação da prestação jurisdicional” (Teoria Geral do Processo, 17ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 273).
No entanto, a noção de ampla defesa deve ser observada em razão das peculiaridades do processo sobre o qual o princípio esteja sendo aplicado, alcançando diferente amplitude de acordo com o ramo processual de que se trata. Assim é que a revelia gera efeitos diversos na seara criminal e na cível, por exemplo. Ademais, se houver defesa insuficiente e desidiosa por parte do advogado do réu no processo penal, o feito deve ser anulado e nomeado outro defensor, o que não se cogita no processo civil. Ocorre que, tratando-se de direitos disponíveis, o réu pode deixar de apresentar defesa sem que isto se configure em ofensa ao princípio do contraditório.
A defesa também é garantida constitucionalmente no âmbito administrativo cuja validade das decisões, nesta seara, depende da abertura à participação e à defesa do administrado (art. 5.º, LV, CF/88). Congruente com o contido no texto constitucional, a Lei de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/1999) estabeleceu, de forma expressa, que o processo administrativo é regido, entre outros, pelo princípio do contraditório (art. 2.º).
O Código de Processo Civil determina a manifestação do réu logo após o recebimento da petição inicial para que se manifeste quanto ao requerido pelo autor da ação. Como se sabe, a defesa do réu guia-se pelo disposto no art. 302 do CPC que impõe ao réu a contestação especificada das alegações de fato do autor. Essa regra não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial, ao membro do Ministério Público e ao procurador da Fazenda Pública. Entretanto, o ônus da impugnação especificada é processualmente justificável no sentido de se evitar a apresentação de defesa protelatória ou abusiva pelo réu, em conformidade com os deveres processuais estabelecidos às partes pelo art. 14 do CPC. A premissa apóia-se ainda no dever de colaboração dos envolvidos no sentido de não produzir provas ou praticar atos inúteis ou desnecessários ao processo a fim de buscar a rápida solução do litígio. Por outro lado, considerando o direito fundamental à igualdade no processo, o aludido ônus se aplica tanto ao réu, por ocasião da contestação; quanto ao autor, acaso esse tenha que se manifestar sobre eventual defesa indireta argüida pelo réu na sua defesa (art. 326, CPC).
De outra forma, se o juiz verificar o abuso do direito de defesa, está autorizado pelo estatuto processual pátrio a conceder a tutela antecipada na forma do art. 273, inc. II, que visa justamente inibir as defesas protelatórias racionalizando a distribuição do tempo no processo. É certo que, conforme anota Cássio Scarpinella Bueno, “a resistência do réu, neste sentido, tem de observar os padrões de uma resistência devida” (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 1, 1a. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 459, grifo no original). Portanto, a defesa do réu, do ponto de vista constitucional, deve ser fundamentada, justa e devida.
O art. 297 do CPC trata da resposta do réu no processo civil ao dispor que: “O réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção”. Mas é certo que o réu pode tomar várias outras atitudes além das previstas no aludido dispositivo. Assim, poderá ele propor ação declaratória incidental (arts. 5.º, 109, 325, 469, III, e 470, CPC), reconhecer juridicamente o pedido (art. 269, II, CPC), impugnar o valor da causa (art. 261, CPC), requerer o desmembramento do litisconsórcio (art. 46, parágrafo único, CPC), provocar a intervenção forçada de terceiro (arts. 64, 71 e 78, CPC) ou até mesmo silenciar diante do pedido do autor, tornando-se revel (art. 319, CPC). Dessa forma, conclui-se que o art. 297 é insuficiente para abranger todos os comportamentos que o réu pode assumir diante da situação que lhe é apresentada nos autos. Por isso, Cássio Scarpinella Bueno aduz que:
“… o réu tem, à sua frente – e rente a uma amplíssima compreensão do princípio constitucional da ‘ampla defesa’ –, uma série de comportamentos comissivos que variam desde o reconhecer o pedido de tutela jurisdicional formulado pelo autor até apresentar todas as formas de resistência concebidas pelo sistema, e, até mesmo, legitimamente, um omissivo (o não-responder, quando será considerado revel), que poderá assumir consoante o caso” (Ob. cit., p. 460, grifo nosso).
Evidente que a forma mais importante de exercitar o direito à defesa é através da contestação (art. 300, CPC). Mas, além de simplesmente contradizer os fatos narrados na petição inicial (defesa direta), poderá o réu trazer a conhecimento do juízo fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor (defesa indireta). Além disso, poderá veicular na própria contestação as defesas processuais que entender pertinentes, como falta de alguma das condições da ação ou ausência de pressupostos processuais de existência ou de validade. Essa possibilidade de cumular defesas de direito material e processual é chamada pela doutrina de “concentração da defesa” ou “princípio da eventualidade”. Significa que cabe ao réu alegar toda a matéria de defesa na contestação, salvo aquelas para as quais se prevê meio diverso de alegação. O art. 301 do CPC trata de maneira pormenorizada da questão.
“Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.”
“Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
I- inexistência ou nulidade da citação;
II- incompetência absoluta;
III- inépcia da petição inicial;
IV- perempção;
V- litispendência;
VI- coisa julgada;
VII- conexão;
VIII- incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;
IX- convenção de arbitragem;
X- carência de ação;
XI- falta de caução ou de outra prestação, que a lei exige como preliminar.
§1o Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
§2o Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
§3o Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.
§4o Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.”
Por ocasião de sua resposta, deve ainda o réu indicar as provas que espera produzir para ver demonstrada a sua versão dos fatos (art. 300, in fine, CPC). A prova documental já deve ser apresentada no momento da contestação à semelhança do que já ocorre na petição inicial (art. 396, do CPC). Entretanto, há ressalva expressa no que diz respeito a fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapor aos que foram produzidos nos autos em ocasião anterior.
“Art. 396. Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.”
“Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.”
Em referência aos fatos novos trazidos ao conhecimento do juiz pelo réu em sua contestação, Cássio Scarpinella Bueno faz alusão à assim chamada “causa de resistir” em contraposição à conhecida “causa de pedir” (causa petendi). O autor esclarece que “a ‘causa de resistir’ aumentará necessariamente o ‘objeto de conhecimento’ do magistrado, isto é, a matéria sobre a qual será desenvolvida a ‘a cognição judicial’” (Ob. cit., p. 461). Evidente que, havendo matéria nova suscitada na resposta do réu, distinta daquele inicialmente alegada pelo autor, não poderá o juiz deixar de apreciá-la em função do conhecido princípio processual do non liquet.
Interessante notar que determinadas questões relativas à defesa podem, in thesi, ser conhecidas de ofício pelo juiz da causa. Na verdade, são matérias de ordem pública, que fogem ao poder de disposição das partes e justamente por isso são apreciáveis pelo magistrado a qualquer tempo. Cássio Scarpinella Bueno diferencia as chamadas exceções das objeções, sendo que somente estas é que são passíveis de apreciação sem provocação do réu: “a presença das condições da ação e a regularidade do processo (os pressupostos processuais) são exemplos seguros de objeções, como fazem prova os arts. 267, §3.º, e 301, §4.º” (Ob. cit., p. 463, grifo no original). Nesse ponto, interessante notar que, nesse caso, o art. 303 do CPC flexibiliza a regra da eventualidade:
“Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando:
I – relativas a direito superveniente;
II – competir ao juízo conhecer delas de ofício;
III – por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo” (grifo nosso).
Interessante destacar ainda que o réu pode formular pedido certo em seu favor, conforme dispõe o art. 315 do CPC que expressamente trata da reconvenção. Esta é, na verdade, uma ação inversa do demandado contra o demandante dando origem a uma verdadeira cumulação de ações no mesmo processo. Cabe reconvenção na fase de conhecimento do procedimento comum ordinário. Não cabe, entretanto, na fase de cumprimento de sentença, no processo autônomo de execução e no processo cautelar, tampouco no procedimento comum sumário. Luiz Guilherme Marinoni alerta que “cabe reconvenção nos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, desde que tomem a forma ordinária depois da fase de resposta do réu” (Código de Processo Civil Comentado, 1a. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 321). E embora o CPC preveja que a reconvenção seja proposta em peça processual autônoma (art. 299), a jurisprudência tem conhecido de reconvenção formulada no corpo da contestação, desde que perfeitamente identificável. Nesse sentido já se decidiu:
Por fim, o que se quer demonstrar é a importância que a defesa do réu assume no processo civil contemporâneo do ponto de vista processual-constitucional. Assim, ao lado da garantia do exercício do direito à ação contrapõe-se o direito à ampla defesa e ao contraditório como corolário do devido processo legal. Tem-se que, assim com o autor, também o réu tem direito a um procedimento adequado, em que possa exercer o seu direito de defesa em toda a sua amplitude, como legítima manifestação das garantias da inafastabilidade da apreciação da causa pelo Poder Judiciário. Conclui-se, então, que a defesa sempre deve ser entendida como situação jurídica análoga ao direito de ação nos exatos termos do art. 5.º, inc. XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, especialista (pós-graduado lato sensu) em Direito Processual Civil, autor do livro “Execução Civil – Aspectos Destacados” pela Editora Juruá, ex-Delegado de Polícia no Estado do Paraná.
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