Resumo: A colonização do Brasil foi marcada pela grande quantidade de latifúndios existentes e que eram dominados pelos colonizadores portugueses, estando os demais povos submissos e sendo utilizados como mão-de-obra escrava. Com o passar dos anos e com a evolução da sociedade, bem como da legislação que a acompanhou, muitos descendentes destes grandes proprietários de terra da época foram perdendo o controle da gleba que possuía, deixando assim de cumprir com sua função social. Desta forma, visando o controle deste dispositivo constitucional, o Estado brasileiro resolveu criar a chamada “reforma agrária”, que tem como principal finalidade distribuir as terras que são consideradas improdutivas e ainda que não cumprem sua função social para distribuir para pessoas que desejam exercer suas atividades laborativas na área rural. O presente trabalho ainda tem a finalidade de analisar sistematicamente a constitucionalidade do artigo 185, inciso II, da Carta Magna de 1988.
Palavras-chave: desapropriação; direito agrário; função social; latifúndio
Sumário: 1. Síntese inaugural; 2. O contexto histórico da reforma agrária no ordenamento jurídico brasileiro e o fundamento da desapropriação; 3. Imóveis rurais que estão sujeitos a desapropriação e a inconstitucionalidade do artigo 185, inciso II, da Constituição Federal de 1988; 4. Argumentos finais. Referências
1 SÍNTESE INAUGURAL
O ser humano pratica suas ações dentro da sociedade de forma livre. Contudo, essa liberdade possui algumas limitações, que se dá através do sistema normativo em vigor. Relevante mencionar ainda que esta restrição existente ocorre em diversos segmentos sociais: desde a relação entre o ente público com o particular, como nas licitações até nas relações entre particulares, como acontece em grande frequência no direito contratual e obrigacional.
Além disso, existe uma esfera do direito que também merece respaldo, mas que é pouco utilizado pelos operadores do direito em seu dia-a-dia, que é o direito agrário. Uma setor deste ramo que merece grande respaldo e que se encontra em grande relevância diz respeito a reforma agrária e a forma de desapropriação destas terras para serem entregues para pequenos proprietários de terra.
O principal objeto de estudo do presente trabalho atém exclusivamente a forma de realização desta desapropriação na sociedade brasileira, bem como a constitucionalidade do artigo 185, inciso II, da Constituição Federal, que analisa a possibilidade de desapropriação de áreas rurais produtivas.
2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA REFORMA AGRÁRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O FUNDAMENTO DA DESAPROPRIAÇÃO
A partir da década de 1960, surgiu com grande fervor na sociedade brasileira a possibilidade de reforma agrária, fazendo com que aquelas pessoas que trabalhavam na zona rural como empregado tivessem a oportunidade de obter uma pequena gleba territorial para manter sua subsistência.[1]
Nesta época os governantes não levaram muito em consideração tal preceito, pois acreditavam que esta ideologia aproximava-se com os princípios Marxistas, adotados principalmente pelos políticos comunistas, que estavam prestes a assumir o poder brasileiro.[2]
Contudo, com o passar dos anos, o que era considerado apenas um entendimento comunista começou a tornar-se uma necessidade, pois estava tornando-se nítido que havia grandes porções de terra nas mãos de poucos, e ainda pessoas que estão em busca de uma pequena fração de terra para produzir.
O Estatuto da Terra foi editado no dia 30 de novembro de 1964, através da Lei Ordinária 4504 e dispõe em seu artigo 1º, parágrafo primeiro da seguinte forma:
“Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição de terra, mediante modificações em sua posse e uso, a fim de atender os princípios da justiça social e aumento da produtividade”[3]
Com isso, a finalidade que o legislador possui de reforma agrária é de que haja uma melhor distribuição de terras, buscando a finalidade de tornar produtivas aquelas porções de terras que estavam nas mãos dos grandes proprietários que eram consideradas improdutivas.
Entretanto, para que aconteça esta reforma agrária é necessário que o Estado realize um ato considerado imprescindível para a distribuição das porções de terra de forma legal, que é a desapropriação. Este instrumento consiste no momento em que o Estado vê que existem grandes porções de terras improdutivas ou que não estejam cumprindo com sua função social e acaba trazendo as mesmas para seu domínio, realizando futuramente sua distribuição para os futuros proprietários.
O renomado jurista brasileiro Celso Antonio Bandeira de Mello entende que a desapropriação decorre do princípio da supremacia do Poder Público sobre o ente particular, sendo verdade tal preceito, uma vez que o governo não se encontra visando a possibilidade do particular produzir naquele terreno desprovido de qualquer produção, mas sim visando a futura produção agrícola que o país irá auferir.
3 IMÓVEIS RURAIS QUE ESTÃO SUJEITOS A DESAPROPRIAÇÃO E A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 185, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Antes de realizar um estudo sistemático acerca dos bens que são passíveis de desapropriação é importante destacar o conceito jurídico de imóvel rural, conforme preceitua a própria legislação no artigo 4°, inciso I, do Estatuto da Terra:
“I – "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;”[4]
A própria legislação traz consigo que o imóvel rural deve possuir a destinação de realização de atividade extrativista, independente do ramo que irá atuar, seja agrícola, pecuária ou agro-industrial. Além disso é relevante destacar que estas atividades que são realizadas dentro deste imóvel rural o proprietário acaba atingindo a finalidade da função social da propriedade, que atingir o objetivo que se destina aquela propeidade em si.
Todavia, existem ainda em grande escala na sociedade brasileira propriedades rurais que não alcançam a produtividade, permanecendo muitas das vezes com a função social da propriedade rural afastada. Desta forma, o governo federal procurou a distribuir estas terras consideradas improdutivas para as pessoas que não possuem nenhuma porção de terra para cultivo próprio.
A produtividade, segundo o dicionário online Informal, é definido da seguinte forma:
“Capacidade de produzir, característica do que produz com abundância ou lucratividade. Em outras palavras, produtividade é obter a melhor relação entre volume produzido e recursos consumidos.”[5]
Analisando a definição acima identificada é necessário expor ainda o artigo 185, inciso II, da Carta Magna:
“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva”.[6]
Tendo em vista os conceitos de produtividade, bem como a previsão legal da impossibilidade de desapropriação de áreas produtivas para reforma agrária vislumbra-se que o governo proibe que seja realizada a desapropriação de áreas consideradas pequenas e médias, bem como aquelas que estão sendo produtivas para que seja distribuídos para as famílias que não possuam terras para cultivo próprio.
Tendo como exemplo A, detentor de uma grande propriedade rural toda produtiva em lavoura cafeeira, colhe 2000 sacas de café ao ano. Esta mesma propriedade é toda instalada com irrigação e a lavoura recebe seis adubações ao ano. Observando este exemplo com a previsão constitucional acima, conclui-se que esta área não pode ser objeto de desapropriação, uma vez que atende todas as finalidades as quais foi destinadas, bem como cumpre com toda a sua função social.
Em contramão a este entendimento, B, grande proprietário rural toda produtiva em lavoura cafeeira. Acontece que B não possui condições de continuar com a atividade, deixando a lavoura morrer no mato. Esta propriedade é considerada improdutiva pelo fato de que daquele local não tem produzido mais o café que antes existia, bem como qualquer tipo de outra atividade rural. Com isso, esta área é considerada improdutiva e passível de desapropriação para fins de reforma agrária.
Uma crítica que os doutrinadores, bem como os juristas contemporâneos tem tido acerca da matéria diz respeito a possibilidade de desapropriação de terras produtivas, quando as mesmas não atenderem sua função social. Este caso acontece quando um grande produtor rural, cultivando a área de pastagem, cumprindo todas as normas de legislação rural, mas que, em uma determinada região acaba cultivando o plantio de maconha. Neste caso a jurisprudência e a doutrina entende que pode haver sim a desapropriação do terreno. Outro exemplo que ilustra esta mesma possibilidade se dá quando existe o exercício do trabalho escravo em determinadas propriedades agrícolas.
Neste caso, o renomado doutrinador de direitio agrário Roberto Wagner Marquesi dispõe do seguinte entendimento:
“Não se pode esquecer que um dos objetivos da reforma fundiária, ao lado do incentivo à produção, assenta seus pilares na justiça social, segundo o norte fimrado pelo legislador agrarista. Nesse sentido, cumpre indagar se há justiça social num imóvel que mantenha seu quadro de empregados sob regime de escravidão. Um proprietário rural que assim age está apto a manter a exploração do imóvel? E o proprietário que, desprezando regra elementar de direito ambiental, promove a limpeza dos implementos agrícolas às margens dos mananciais, de modo a comprometer a qualidade da água que abastece as cidades?”[7]
Desta forma, com a relevância da função social da propriedade agrária é necessário observar que o artigo 185, inciso II, da Carta Mor encontra-se defasada, tendo em vista que em casos extremos é possível sim realizar a desapropriação de uma grande propriedade rural, desde que não cumpra com o requisito acima identificado.
4 ARGUMENTOS FINAIS
Tendo em vista a vasta argumentação acima exposta, fica nítido que, caso o grande proprietário rural não cumpra com os requisitos da função social agrária, o mesmo poderá perder seu domínio sobre o terreno, pois tal elementar é de extrema relevância para o direito e para a economia brasileira.
Insta destacar ainda que no presente estudo permaneceu comprovado que a desapropriação é uma forma de sanção contra aquele proprietário que detém sua propriedade desprovida de qualquer produtividade agrícola ou que não cumpra com sua função social.
Pós Graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo – ES
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