Resumo: A propriedade como direito fundamental está prevista no art. 5 XXII da Constituição Federal de modo que o seu desapossamento só poderá ocorrer observando-se o devido processo legal e todos os direitos que lhes são garantidos
A propriedade como direito fundamental está prevista no art. 5º, XXII da Constituição Federal de modo que, o seu desapossamento só poderá ocorrer observando-se o devido processo legal e todos os direitos que lhes são garantidos.
Nas palavras de Marcelo Novelino citando José Afonso da Silva,
“No atual ordenamento jurídico brasileiro a propriedade não deve ser considerada como um direito individual, nem como instituição de direito privado. Está submetida ao sistema de direito público, visto que seu regime fundamental está previsto na Constituição” (NOVELINO, 2008, p.310).
Podemos dizer que a propriedade se socializou, ou seja, deve oferecer não só mera utilidade ao seu dono, mas também uma utilidade ainda maior para coletividade.
Nas palavras de Kildare, “a função social da propriedade corresponde a uma concepção ativa e comissiva do uso da propriedade, fazendo com que seu titular seja obrigado a fazer, valer-se de seus poderes e faculdades, no sentido do bem comum (KILDARE, 2008, p.736)”.
Neste sentido é pacífica a jurisprudência nacional, veja:.
“USUCAPIÃO. MORADIA. PLANO DIRETOR. SETOR DE INDÚSTRIA E ABASTECIMENTO. FUNÇÃO SOCIAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INTERESSE COLETIVO. AQUISIÇÃO DE DOMÍNIO. IMPROCEDÊNCIA.
I – A propriedade urbana, nos termos do art. 182, §2º, da CF, cumpre sua função social quando atenda as exigências fundamentais de ordenação da cidade. Nesse sentido, nenhuma relevância social depreende-se da iniciativa de fixar acampamento com fins de moradia em região destinada pelo plano diretor ao desenvolvimento da indústria e do abastecimento.
II – Imóvel pertencente à sociedade de economia mista, concessionária de serviços públicos, vinculado a interesse coletivo relevante, não pode ser adquirido por usucapião.
III – Apelação improvida.” Grifamos (20030110492526APC, Relator VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, julgado em 29/09/2010, DJ 07/10/2010 p. 199. Disponível em: <www.tjdf.gov.br>. Acesso em: 24 out. 2010).
Para que haja a observância desse brocardo o Estado adotou algumas medidas coercitivas para que se cumpra efetivamente o princípio da função social tanto nas áreas urbanas quanto nas áreas rurais. Essas medidas são chamadas de Intervenção do Poder Público na propriedade privada satisfazendo a coletividade e reprimindo a conduta anti-social, através de seus atos de império.
Uma dessas medidas é a desapropriação que nada mais é que,
“Um procedimento através do qual o Poder público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado” (MELLO, 2006, p.813).
Pode-se perceber que é uma sanção imposta ao proprietário do bem que não o utiliza ou subutiliza não exercendo plenamente seus direitos de proprietário e, assim, ferindo o princípio da função social.
Ao lermos o diploma que trata da propriedade urbana e rural percebemos que o legislador andou bem ao impor algumas diferenças quanto ao princípio da função social das propriedades urbanas e rurais, considerando as duas funções distintas para o seu melhor aproveitamento.
De modo que, na propriedade rural a descrição fica conforme o artigo 186 da Constituição Federal, devendo cumprir quatro requisitos simultaneamente, quais sejam: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Já na propriedade urbana, que é objeto deste estudo, ocorrerá atendimento da função social quando se cumprir as exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor, Lei Municipal.
Todavia, à desapropriação urbanística possui um duplo aspecto, previsto no artigo 182 da CF, que trata de desapropriação para fins de urbanização. O § 3º de referido artigo faz menção ao descumprimento da função social da propriedade e o parágrafo 4º atribui o caráter coercitivo do instituto que se verifica através da indenização da desapropriação em títulos da dívida pública e não em dinheiro.
Para que ocorra desapropriação devem ser preenchidos todos os requisitos definidos em lei, quais sejam: prévia declaração de necessidade pública ou utilidade pública; falta do proprietário no modo de utilização da sua propriedade; e por fim, indenização que no caso de desapropriação-sanção se dará em títulos da dívida pública.
Percebe-se que a desapropriação tornou-se um meio útil ao administrador municipal, para que ele possa sancionar o proprietário negligente, atribuindo ao bem, utilidade e um aproveitamento racional.
É interessante frisar que a lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), estabeleceu normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
De acordo com o que foi mencionado o Estatuto da Cidade regulamenta a propriedade urbana não utilizada, subutilizada ou não edificada. E o plano diretor tem o intuito de disciplinar qual procedimento a ser adotado quando culminar na ação de desapropriação para fins urbanísticos. Pode-se dizer que, o proprietário do imóvel omisso será notificado para que em prazo não superior a um ano apresente um projeto onde estabeleça finalidade social ao seu bem, e essa notificação deverá ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis, dando publicidade ao ato contra terceiros e logo após a aprovação desse projeto o proprietário terá no mínimo dois anos para iniciar a sua obra. Caso o proprietário venha a quedar-se inerte, após todos os prazos concedidos pode o Poder Publico Municipal vir a impor sanções administrativas e sucessivas, tais como, o IPTU progressivo durante um período de até cinco anos e se, mesmo assim, o proprietário continuar sem dar finalidade ao seu bem terá o seu imóvel desapropriado pelo Poder Público Municipal.
Neste sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal no AI 582.467 onde figurou como Relatora a Ministra Ellen Gracie:
“O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que não há inconstitucionalidade na diversidade de alíquotas do IPTU no caso de imóvel edificado, não edificado, residencial ou comercial. Essa orientação é anterior ao advento da EC 29/2000. Precedentes.” (AI 582.467-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-6-2010, Segunda Turma, DJE de 6-8-2010 Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 24 out. 2010.)
Percebe-se que a desapropriação é o último recurso utilizado pela Administração Pública para garantir a efetividade da função social.
Cabe ressaltar que a forma de pagamento prévio de acordo com o Plano Diretor será o de títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em prazos anuais, iguais e sucessivos, assegurado o valor real da indenização e os juros de seis por cento ao ano. De acordo com o professor Hely Lopes,
“O valor real da indenização refletirá o valor de base do IPTU, descontado o valor de eventuais incorporações por obras realizadas pelo Poder Público após a notificação feita ao proprietário, e não computará expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios” (MEIRELLES, 2009, p.613).
No que se refere à destinação do bem após a retirada compulsória do proprietário do imóvel, o Estatuto da Cidade regula em seu art. 8º nos §§ 4 a 6º a destinação que o Município deva dar ao bem, tendo ele um prazo de cinco anos para que efetive a função social da propriedade adquirida. Caso não venha a dar nenhuma finalidade durante a vigência destes anos, o próprio estatuto prescreverá sanções, conforme estabelecido pelo artigo 52, II da Lei.
De tudo o que foi exposto percebemos que a desapropriação é uma ação drástica que tem por objetivo garantir que a função social da propriedade seja preservada e que seu uso seja compatível com o bem estar da coletividade. De modo inverso, podemos entender que se não for respeitada a função social da propriedade e que o proprietário fique omisso a respeito das sanções aplicadas pelo Poder Público Municipal, terá sua propriedade expropriada sendo uma sanção por causa do seu mau uso.
Advogado; Mestre em Gestão Ambiental; Professor Universitário; Consultor em Licitação
Acadêmica de Direito da Faculdade de Para de Minas
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