Resumo: O artigo objetiva a análise da desconsideração da personalidade jurídica pela Administração Pública em licitações como forma de penalidade para a empresa que não atende aos princípios administrativos e outras determinações previstas na lei federal 8.666/1993, para tanto, apontamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito desse instituto e discorremos acerca da estrutura das funções estatais, as modalidades, tipos e procedimentos licitatórios.
Palavras chaves: Licitações. Princípios administrativos. Desconsideração da personalidade jurídica.
Resumen: Este artículo analiza la desconsideración de la personalidad jurídica por la Administración Pública en licitaciones como forma de penalizar la empresa que no atiende a los principios administrativos y otras determinaciones previstas en la ley federal 8.666/1993, para eso, indicamos el entendimiento del “Superior Tribunal de Justiça” a respecto de este instituto y discurrimos acerca de la estructura de las funciones estatales, las modalidades, tipos y los procedimientos licitatorios.
Palavras claves: Licitaciones. Principios administrativos. Desconsideración de la personalidad jurídica.
Sumário: Introdução. 1. A Administração Pública Brasileira: Funções estatais. 2. Licitação. 2.1. Princípios administrativos. 2.2. Modalidades e tipos. 2.3. Procedimento 2.4 Penalidades 3. Desconsideração da personalidade jurídica: Previsão legal. 3.1. Desconsideração da personalidade jurídica do licitante pela administração publica. 3.2. Entendimento do STJ. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Estado deve garantir aos cidadãos obras e serviços públicos para que seja satisfeito o bem comum, para tanto, pode contratar com particulares desde que providencie licitação que garanta a concorrência e atenda à moralidade administrativa. Esse procedimento é regulamentado na lei nº 8.666/1993 que também dispõe as situações em que a licitação é inexigível ou pode ser dispensada.
Existem diversas modalidades de licitação e o procedimento de todas deve observar os princípios administrativos previstos na Constituição brasileira de 1988 e também na lei nº 8666/1993, que são aplicáveis aos licitantes e também à Administração Pública de modo que o licitante estará sujeito às penalidades dessa lei sempre que não observar qualquer desses princípios ou outras situações estabelecidas na mesma.
Assim, analisamos a desconsideração da personalidade jurídica como uma penalidade a ser imposta aos sócios de uma empresa que foi sancionada com impedimento de participar de licitações ou contratar com a Administração, mas que criam outra com o mesmo objeto com o intuito de descumprir a sanção. Para tanto, apresentamos a problemática a partir da estrutura dos poderes até o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
1. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: FUNÇÕES ESTATAIS
O vocábulo “administração” representa a idéia de orientação, direção, chefia e obediência, enfim sugere uma relação hierárquica dinâmica no sentido de organização. Sendo assim, existem diversas formas de administração e esse artigo dedica-se à análise da administração pública, exercida pelo Estado através das funções legislativa, executiva e judiciária[1].
Essas funções são designadas a cada poder estatal – legislativo, executivo e judiciário – que segundo o art. 2º da Constituição brasileira de 1988 devem ser independentes e harmônicos entre si. Vale dizer, o poder é uno, ampara-se na soberania estatal e para a sua realização plena faz-se necessário dividir suas funções[2].
Assim, o Poder Legislativo tem o dever de elaborar as leis, o que seria a função normativa para regulamentar a ordem pública e o próprio Estado, enquanto o Poder Executivo visa a realização do bem comum através da gestão do patrimônio e serviços públicos, conforme explica Meirelles citado por Gasparini (2007, p.56):
“Administrar, como atividade ou função administrativa, é gerir bens, interesses e serviços, segundo a lei, a moralidade e a finalidade de certo patrimônio entregue à guarda, conservação e aprimoramento de alguém que não o seu proprietário.”
Já o Poder Judiciário tem a função de aplicar as normas diante do julgamento de conflitos de interesses (litígios) e atua conforme o exercício do direito de ação disposto no art. 5º, XXXV da Constituição brasileira de 1988 ao dispor que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, todo aquele tiver um direito violado ou na iminência de sê-lo tem o direito de solicitar a atuação jurisdicional para a solução do conflito.
Certamente, as funções estatais nem sempre são realizadas de maneira típica, por vezes um poder pode exercer uma função atípica sem que isso prejudique a separação dos poderes, pois a situação é prevista na própria Constituição brasileira de 1988.
Isso ocorre, por exemplo, com a medida provisória, uma norma cabível para situações de relevância e urgência, mas que é editada pelo Presidente da República e posteriormente é submetida à apreciação do Congresso Nacional conforme os termos do art. 62 da CRFB/88. Nessa situação, o executivo federal, exerce uma função atípica que é legislar, pois a princípio deve ser realizada pelo Poder legislativo formado pelo Congresso Nacional.
Ademais, o Poder Executivo pode atuar com função jurisdicional de acordo com o art. 52, I da CRFB/88, quando for necessário julgar crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República. Assim como o Poder Judiciário desempenha função administrativa ao realizar licitações e concursos públicos e função legislativa quando expede seus regimentos internos.
Diante disso, o poder estatal exterioriza-se por meio de suas funções, atribuídas a cada um dos poderes que também podem atuar de modo atípico desde que essa atuação esteja amparada na Constituição brasileira de 1988, a fim de garantir a observância do princípio da tripartição de poderes.
2. LICITAÇÃO
O fim da atividade administrativa é a gestão dos bens e serviços visando o bem da coletividade e a observância do interesse público, daí a razão para atender as normas jurídicas que abrangem os princípios administrativos mencionados no item 2.1 e que devem nortear a atuação estatal.
Ocorre que para atender o bem comum, a administração pública não suportaria o ônus de realizar toda a sua gestão sem contratar terceiros para auxiliá-la na execução de sua atividade, daí a necessidade de realizar contratos com particulares, para a realização de obras, compras, serviços em geral e de engenharia.
Contudo, a Constituição brasileira de 1988 estabelece em seu art. 37, XXI, a necessidade de contratação mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. Nesse contexto, o Estado deve atender a um procedimento que antecede a contratação e isso está regulamentado na lei nº 8.666/1993 que dispõe sobre licitações e contratos da Administração Pública.
A referida lei aplica-se para obras, serviços, compras, alienação e locações no âmbito dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim é cabível para a administração direta como também para a indireta, formada por autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
A licitação tem por objetivo assegurar o interesse público através da igualdade entre os licitantes e da seleção da proposta mais vantajosa, conforme dispõe o art. 3º da lei federal 8.666/1993 e o entendimento de Meirelles (2007, p.273):
“Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos”.
A escolha da proposta mais vantajosa deve atentar ao custo benefício do que o particular propõe, por isso nem sempre o menor preço é mais vantajoso se o proponente não pode realizar a prestação adequada do objeto da contratação, daí a necessidade da ampla concorrência e da importância da publicidade do procedimento para evitar fraudes e violação da imparcialidade.
Sem dúvida, existem situações em que a Administração Pública não é obrigada a licitar, são os casos de dispensa e inexigibilidade. A dispensa ocorre quando há viabilidade de licitação, mas esta não é obrigatória, sendo cabível nos casos taxativos dos incisos do art. 24 da lei nº 8666/93, por exemplo, em razão de guerra ou grave perturbação da ordem, em algumas situações de emergência ou calamidade pública ou de compra de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis.
A inexigibilidade ocorre quando não há possibilidade de licitação, ou seja, o procedimento não é viável ainda que a Administração Pública queira realizá-lo, esses casos são dispostos no rol exemplificativo do art. 25 da mesma lei, como ocorre na contratação de profissional de qualquer setor artístico, em virtude da sua crítica especializada ou da opinião pública.
2.1. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
No ramo do Direito Administrativo, os princípios que regem a Administração Pública possuem extrema importância na constituição das bases e estruturas subsequentes que formam as normas jurídicas.
A Constituição Federal, no art. 37, compõe cinco princípios básicos submetidos à Administração Pública, denominados como princípios expressos, por serem previstos textualmente na constituição, fazendo destes princípios opostos aos que não estão relacionados expressamente na constituição, os chamados princípios reconhecidos.
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Diante disso explicaremos os princípios constitucionais e os que devem ser aplicados também no procedimento licitatório, que correspondem à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.
O princípio da legalidade conta com fundamento constitucional no artigo 5º, II, onde estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Dessa maneira, pode-se interpretar que o administrador público deve, precisamente, obedecer ao que reza a lei, no que se entende do interesse público, desse jeito, somente agir no que a lei expressamente autoriza. De outra forma, o administrado pode praticar qualquer ação desde que esteja nos limites que a lei não proíba. Nesse sentido Meirelles (1998, p. 67) esclarece que:
“A legalidade, como princípio de administração significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e as exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.
Portanto, pode-se afirmar que a Administração Pública não pode agir contra ou além da lei, podendo somente agir nos estritos limites da lei. Assim, o cidadão possui maior autonomia do que a administração, exercendo também qualquer ação que a lei não proíba, havendo nulidade do ato se com excesso.
O princípio da impessoalidade estabelece que a atividade administrativa deva objetivar o interesse público, inadmitindo às vontades pessoais ou favoritismo. Além disso, nos atos públicos não deve conter particularidades do administrador, pois os atos que este exerce são próprios da administração, sendo todas as realizações atribuídas ao ente estatal que o promove. Assim diz Celso Antônio Bandeira de Mello:
“A impessoalidade funda-se no postulado da isonomia e tem desdobramentos explícitos em variados dispositivos constitucionais como o artigo 37, II, que exige concurso público para ingresso em cargo ou emprego público”.
Deste modo, a impessoalidade determina que a Administração Pública não deve conter a marca peculiar do administrador, ou seja, os atos públicos não são exercidos pelo servidor, e sim executados pela Administração o qual pertence.
O princípio da moralidade determina que a Administração deve agir com moralidade, isto é, o que reza a lei. Sabendo que este princípio integra o conceito de legalidade, conclui-se que ato imoral é ato ilegal, e, portanto, o ato administrativo estará sujeito à direção do Poder Judiciário. Deste modo, conforme o art. 37, §4º da CF, as sanções aos agentes públicos que pratiquem atos imorais correspondem à suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário (cofres públicos), na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O princípio da publicidade tem como finalidade manifestar a imposição da administração na divulgação de seus atos. Em geral, os atos são divulgados no diário oficial (federal, estadual ou municipal) como a obrigação apropriada na lei para que seja garantida a transparência da administração, transmitindo conhecimento e assim produzir seus efeitos jurídicos.
Assim, estabelecido no art. 5º, XXXIII da CF, determina que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. O prazo para que as informações sejam prestadas é de 15 dias, conforme a Lei 9051/95.
O princípio da eficiência determina as condutas da boa administração, que tem por objeto ser eficiente em todas as divisões da Administração Pública. Considera-se que todas as suas atividades devem ser esclarecidas, visando extrair a maior quantidade possível de efeitos positivos ao administrado, destacando o balanço das contas e despesas públicas, controlando adequadamente a captação, a fim de buscar excelência de recursos, assim contemplar as necessidades da sociedade e favorecer máxima eficácia ao resultado dos atos do Estado nesta relação. Nesse modo, o art. 37, §8º, I, II e III da CF determina que:
“A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: o prazo de duração do contrato; os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes, a remuneração do pessoal”.
Assim, a lei federal nº 8.666/1993 adota todos os princípios administrativos constitucionais e ainda estabelece o da vinculação ao instrumento convocatório, em que desde o início do procedimento licitatório até à contratação com a Administração Pública, esta deve seguir as disposições estabelecidas no edital.
A referida lei também dispõe o princípio do julgamento objetivo, sendo necessário que os critérios de classificação e julgamento das propostas sejam realizados de acordo com o edital a fim de garantir a igualdade na concorrência e imparcialidade no decorrer do procedimento licitatório.
2.2. MODALIDADES E TIPOS
A Administração Pública deve atentar para o tipo e valor da contratação que pretende realizar para adotar a modalidade de licitação adequada. De acordo com o art. 22 da lei nº 8.666/1993 as modalidades são: a) concorrência; b) tomada de preços; c) convite; d) concurso; e) leilão. Já os tipos de licitação podem ser: a) menor preço; b) melhor técnica; c) técnica e preço; d) maior lance ou oferta.
A concorrência é a modalidade licitatória que envolve maior vulto econômico, visa a contratação de obras, compras ou serviços de valores significativos para a Administração Pública e por isso exige a participação de diversos interessados independentemente de cadastro e requer a ampla publicidade dos editais e do procedimento.
A tomada de preços destina-se para contratação de vulto econômico médio, em que somente podem participar os interessados devidamente cadastrados antes do início do procedimento licitatório, ou seja, é necessário que a pessoa física ou jurídica possua o certificado de registro cadastral para que possa contratar ou deve se cadastrar até o terceiro dia anterior ao do recebimento dos envelopes de documentação e proposta.
O convite é adequado para contratações de menor vulto econômico em que a própria Administração Pública convida no mínimo três interessados cadastrados para que participem da licitação e permite aos demais cadastrados que manifestem interesse com a antecedência de até vinte e quatro horas da data designada para a apresentação da documentação e propostas. Tal modalidade também se caracteriza pela desnecessidade de publicidade do edital em diário oficial, pois basta que o mesmo seja afixado em local apropriado para que se atenda ao princípio da publicidade.
O concurso visa a escolha de trabalho técnico, cientifico ou artístico mediante a instituição de prêmios ou remuneração ao vencedor, conforme o disposto em edital a ser publicado com antecedência mínima de quarenta e cinco dias, assim, essa modalidade permite a participação de qualquer interessado, exige publicidade e deve ser julgada por uma comissão especial.
O leilão deve ser utilizado para a venda de bens móveis inservíveis, produtos legalmente apreendidos, bens dados em penhor e bens imóveis adquiridos judicialmente ou mediante dação em pagamento que admite qualquer interessado, independentemente de habilitação, cujo vencedor será o que oferecer o maior lance, que nunca poderá ser inferior ao da avaliação do bem.
Cabe registrar que bens inservíveis distinguem-se dos bens ainda em condições de uso, mas que estão sem utilidade para a Administração Pública, em virtude, por exemplo, da aquisição de um modelo com maior capacidade operacional, nesse caso, a alienação deve ser feita através da modalidade concorrência, salvo se o valor for inferior a R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) conforme determina o art. 17, §6º da lei 8.666/1993.
Assim, dispomos abaixo uma tabela para esclarecer melhor a respeito das principais modalidades de licitação a serem observadas pela Administração Pública antes da realização do contrato:
Além dessas modalidades previstas na lei nº 8.666/1993, surgiu uma nova modalidade, o pregão, regulamentado na lei nº 10.520/2002 que objetiva a aquisição de bens e serviços comuns, ou seja, aqueles que podem estão disponíveis no mercado e podem ser substituídos uns pelos outros com o mesmo padrão de qualidade e eficiência.
Nessa modalidade vence quem se compromete com as condições do edital e oferece o menor preço, sendo incabível pregão que exija melhor técnica ou técnica e preço, assim como pode ser utilizado independentemente do valor estimado para a contratação e é admitido na forma presencial que combina a apresentação de propostas escritas com lances verbais, ou na forma eletrônica em que a fase competitiva ocorre em um ambiente virtual.
As demais modalidades licitatórias – concorrência, tomada de preço e convite podem ser feitas no tipo menor preço, e para o tipo melhor técnica ou técnica e preço é necessário que o serviço seja de natureza predominantemente intelectual, nos termos do art. 46 da lei 8.666/1993, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, nesses casos a administração deve indicar no edital o preço máximo que se propõe a pagar na contratação.
Ocorre que as modalidades licitatórias devem atentar ao procedimento discriminado nas leis 8.666/1993 e 10.520/2002 para que não existam nulidades que prejudiquem a realização do contrato e que passamos a explicar no próximo tópico.
2.3. PROCEDIMENTO
Para todas as modalidades de licitação é indispensável que haja um edital, considerado como o instrumento convocatório que vincula todo o procedimento licitatório e as cláusulas contratuais. A previsão legal do edital e os seus requisitos estão dispostos no art. 40 da lei 8.666/1993, sendo necessário que indique, entre outros itens, a modalidade e tipo de licitação, o local, dia e hora para recebimento da documentação e propostas, o objeto, prazo, sanções, critérios para julgamento e condições de pagamento.
A publicação do edital no diário oficial abre a oportunidade para as pessoas jurídicas participarem na modalidade concorrência, pois em se tratando de tomada de preços ou convite, é necessário que os licitantes estejam devidamente cadastrados para a apresentação da documentação e propostas.
A partir da ciência das condições da licitação, os interessados devem habilitar-se para que a Administração Pública possa analisar e julgar as propostas. A habilitação consiste na entrega de um envelope com todas as documentações relativas à habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e trabalhista.
Assim, a empresa precisa apresentar o seu ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor devidamente registrado, prova de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, prova de regularidade fiscal perante a fazenda pública federal, estadual e municipal e prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, entre outros documentos previstos nos arts. 28 a 32 da lei 8.663/1993.
Juntamente com a documentação de habilitação os interessados apresentam um envelope com a proposta a ser julgada objetivamente pela Administração Pública, conforme o tipo de licitação disposto no edital ou convite que pode ser menor preço, melhor técnica ou técnica e preço, sendo vedada nos termos do 44, §1º da lei 8.666/1993, a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o principio da igualdade entre os licitantes.
Após o julgamento e classificação da proposta vencedora, ocorre a homologação, etapa em que se verifica a legalidade do procedimento licitatório para então adjudicar a licitação ao vencedor, que adquire o direito de contratar e assume os encargos e condições fixados no edital ou convite e nos termos estabelecidos em sua proposta.
Esse procedimento distingue-se do disposto na lei 10.520/2002 que regula a modalidade pregão, pois nesta as fases de classificação e julgamento antecedem a habilitação, assim como a fase de adjudicação antecede a homologação. Portanto, a Administração Pública avalia primeiramente as propostas dos licitantes e os que forem classificados passarão para a análise da documentação, de modo que o objeto será adjudicado a um vencedor e em seguida o certame é homologado.
Cabe registrar que o procedimento licitatório comporta recurso hierárquico/administrativo sempre que o licitante verificar irregularidades no momento da habilitação dos demais ou no decorrer da classificação e julgamento das propostas, esse recurso é cabível no prazo de até 5 (cinco) dias úteis e comporta os efeitos devolutivo e suspensivo para que seja remetido à autoridade hierarquicamente superior. Assim como pode haver representação em caso de vícios nas fases de homologação e adjudicação, devendo ser apresentada em até 5 (cinco) dias úteis possuindo apenas o efeito devolutivo. Ambos os recursos estão previstos no art. 109, I e II da lei 8.666/1993.
2.4. PENALIDADES
Já observamos que a licitação consiste em procedimento administrativo que visa o interesse público, por isso deve atender aos princípios administrativos já mencionados e atentar para o controle dos atos do certame e da adequada execução dos contratos, pois eventuais infrações devem ser punidas conforme o disposto no edital, convite, contrato ou legislação.
Diante das infrações praticadas pelos licitantes, são cabíveis as sanções previstas no art. 87 da lei 8.666/1993 que correspondem: a) advertência; b) multa; c) suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração Pública pelo prazo de até 2 (dois) anos e d) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.
A advertência é considerada como a sanção de menor gravidade e sujeita o particular à fiscalizações mais freqüentes em caso de existência de contrato, todavia não pode ser utilizada para prejudicar a reputação e idoneidade do particular, enquanto a multa é cabível sempre que houver atraso injustificado na execução do contrato conforme o disposto no art. 86 da lei 8.666/1993.
A suspensão temporária de participar em licitação e o impedimento de contratar com a Administração Pública por prazo de até 2 (dois) anos exige a conduta culposa do licitante ou contratado que prejudique o procedimento licitatório ou a execução do contrato.
A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração é cabível quando o licitante ou contratado age de forma dolosa, visando prejuízos na licitação, a não execução ou execução de forma diversa daquela acordada no contrato. Essa sanção é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, sendo facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, como forma de assegurar o contraditório e a ampla defesa, podendo requerer a reabilitação após 2 (dois) anos de sua aplicação.
A aplicação de sanções para quem viola as regras do edital, convite ou legislação é essencial para garantir a observância da moralidade e do interesse público em procedimentos licitatórios e contratações, de modo que não é correto para a Administração contratar com terceiros que agem de forma ilícita e que fraudam as normas jurídicas para alcançar interesses pessoais, haja vista que isso prejudica toda a coletividade.
3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: PREVISÃO LEGAL.
A sociedade adquire personalidade jurídica após o seu registro e a partir de então assume direitos e obrigações, desse modo ocorre uma separação entre o patrimônio dos sócios e o da empresa. Contudo, as empresas podem servir como escudo para fraudes e abuso de direito, daí a criação da desconsideração da personalidade jurídica.
A desconsideração não visa a extinção da sociedade, mas a possibilidade temporária de afastar a sua personalidade para responsabilizar os sócios, tal situação está prevista no art. 50 do Código Civil ao dispor que em caso de desvio de finalidade ou confusão patrimonial o judiciário pode determinar que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
O desvio de finalidade consiste no uso anormal da pessoa jurídica caracterizando o desvirtuamento da sua finalidade institucional de tal modo que prejudique terceiros, enquanto a confusão patrimonial ocorre quando os sócios ou administradores tomam parte do patrimônio da empresa para si e também tornam parte do patrimônio como se fosse da empresa, gerando assim, prejuízos a outrem pelo uso indevido da personalidade.
Através da despersonalização os sócios e/ou administradores ficam obrigados a reparar eventuais danos causados a terceiros, por isso respondem de forma pessoal, com o próprio patrimônio ainda que não tenham agido de forma dolosa, pois independe de comprovação de que os atos praticados visavam afrontar direito de outrem.
3.1. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO LICITANTE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública tem o dever de evitar fraudes nos procedimentos licitatórios e na execução dos contratos, daí a possibilidade de aplicar as penalidades previstas no art. 87 da lei 8666/1993, já mencionadas no item 2.4. Não obstante, essas sanções atingem a pessoa jurídica contratada e não interferem as pessoas físicas que dirigem a sociedade, por isso tornou-se mais freqüente que os sócios de empresas impedidas de licitar ou contratar com a Administração, constituam novas empresas com o mesmo objeto social como alternativa para participar das licitações e contratações.
Essa conduta afronta o princípio da moralidade do procedimento licitatório, pois a Administração não pode contratar com quem age de forma ilícita, já que a nova empresa é criada com a finalidade de burlar a penalidade atribuída à pessoa jurídica anterior.
Diante dessa prática é importante que se aplique a desconsideração da personalidade jurídica em razão de fraudes em procedimentos licitatórios, a fim de impedir que o sócio participe das próximas licitações ou contratações sob a constituição de uma nova empresa que apresenta a mesma finalidade da que foi penalizada anteriormente.
Para proibir essa conduta, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.709/2007 que visa a alteração da lei das licitações e inclui a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, mas enquanto tal mudança não é estabelecida, devemos observar o disposto no Código Civil para estender esse efeito nas licitações, pois este deve pode ser aplicado subsidiariamente na defesa dos interesses da Administração Pública. Nesse sentido, Meirelles (2007, p. 211) esclarece que
“a teoria geral do contrato é a mesma tanto para os contratos privados como para os contratos públicos, de que são espécies os contratos administrativos e os acordos internacionais. Todavia, os contratos públicos são registrados por normas e princípios próprios do Direito Público, atuando o Direito Privado apenas supletivamente, jamais substituindo ou derrogando as regras privativas da Administração”.
Portanto, é necessário que se estenda a desconsideração da personalidade jurídica os sócios de empresas que sofrem as penalidades dispostas no incisos III e IV do art. 87 da lei 8.666/1993, a fim de que não constituam novas empresas com o fim de desviar da sanção e participar das próximas licitações.
3.2. O ENTENDIMENTO DO STJ
A desestima da personalidade jurídica pode ocorrer por decisão judicial ou através de processo administrativo, desde que seja garantido o direito ao contraditório e a ampla defesa. Essa prerrogativa decorre da supremacia do interesse da Administração Pública sobre o particular, assim como da indisponibilidade do interesse público, sendo possível a dispensabilidade de decisão judicial para determinar a desconsideração da personalidade jurídica.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou favorável à aplicação desse instituto pela Administração Pública como se observa no Recurso Ordinário Constitucional do Mandado de Segurança nº 15.166:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. – A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. – A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. – Recurso a que se nega provimento”. (Destacado).
No acórdão proferido, o Relator entendeu que os sócios da empresa recorrente pretendiam valer-se da independência da personalidade jurídica ao criar uma nova empresa com o mesmo objeto social e sede no mesmo endereço com o intuito de fraudar a lei para desviar das sanções administrativas e desse modo, a Administração Pública não pode agir com afronta ao princípio da moralidade em virtude da ausência de lei, ou seja, atender somente ao cumprimento da legalidade de forma estrita em detrimento de outros princípios.
Nesse sentido, a ausência de norma dispondo a aplicação desse instituto nas licitações não justifica o seu afastamento, pois resta disciplinado no Código Civil e poderá ser utilizado pela Administração Pública para garantir a moralidade do procedimento licitatório, desde que a conduta seja embasada em provas inequívocas.
A desconsideração da personalidade jurídica deve ser aceita pelo ordenamento jurídico brasileiro tendo em vista a sua importância para a moralidade administrativa e o interesse público, do contrário a Administração Pública também estaria incorrendo em fraude ao permitir que essas empresas participem de licitações e consigam contratar com a mesma.
CONCLUSÃO
A administração pública brasileira atua através de poderes com funções típicas – legislativa, executiva e judiciária, que por vezes atuam de maneira atípica conforme os casos previstos na Constituição brasileira de 1988, sendo necessário que guardem independência e harmonia entre si.
Analisando a função executiva observamos que a atividade administrativa se utiliza de licitações para compras, obras e serviços e que o procedimento licitatório varia conforme o valor do contrato. Com base nisso, explicamos cada modalidade prevista na lei 8.666/1993, assim como a modalidade pregão prevista na lei 10.520/2002.
Destacamos ainda os princípios administrativos que regem as licitações e as penalidades cabíveis para quem os afronta ou age em desacordo a qualquer dispositivo da lei 8.666/1993, entre essas penalidades defendemos a necessidade de desconsiderar a pessoa jurídica como forma de atender aos princípios da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público, já que a proibição de participar de licitações e de contratar com a Administração Pública se estenderá aos sócios e, dessa forma, não poderão criar uma nova empresa com o mesmo objeto para desviarem da penalidade imposta.
A aplicação dessa penalidade é defendida pelo Superior Tribunal de Justiça que a fundamenta no princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos, desde que seja garantido o contraditório e a ampla defesa ao administrado. Assim, cabe ao legislador inserir a desconsideração da personalidade jurídica na lei nº 8.666/1993 para que a Administração Pública tenha amparo legal na aplicação dessa sanção através de processo administrativo ou judicial.
Acadêmico do curso de Administração da Universidade Federal do Pará
Advogada e Professora da Universidade Federal do Pará. Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Pontificia Universidad Católica Argentina. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade da Amazônia e em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Faculdade de Belém
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