Resumo: O Direito do Trabalho se modifica conforme as necessidades sociais, proporcionando meios de reparação aos danos sofridos pelos trabalhadores. Com o Capitalismo vemos a necessidade de gerar lucros, porém aqueles detém o poder diretivo nas relações de emprego, visando somente o seu próprio lucro e esquecendo da pessoa do trabalhador, sujeito hipossuficiente na relação de emprego. Criado pela Jurisprudência Italiana o Dano Existencial, é um instituto jurídico que busca reparar aqueles empregados quais abdicam de seu descanso em favor de empresas e empresários, uma vez que se veem obrigados a trabalhar em férias, folgas ou mesmo em regime extraordinário. Com isso, a problemática do presente estudo está imbuída em analisar a aplicação do Dano Existencial no Direito do Trabalho brasileiro, mostrando seu significado, objetivo, e a necessidade de sua distinção própria, bem como a necessidade de ver o Poder Legislativo olhar para este novo dano presente na sociedade, deixando de ser só visto através das Jurisprudências.
Palavras-chave: Abuso. Dano existencial. Descanso. Poder econômico.
Abstract: The labor law changes according to social needs, providing redress to the damage suffered by workers. With capitalism we see the need to generate profits, but those holding the governing power in employment relationships, only seeking their own profit and forgetting of the worker, subject hipossuficiente in the employment relationship. Created by Italian Jurisprudence Damage Existential, is a legal institution that seeks to repair those employees whom abdicate their rest in favor of companies and entrepreneurs, as are forced to work on holidays, days off or even in extraordinary regime. Thus, the problem of this study is imbued in reviewing the implementation of damage Existential the Law of the Brazilian Labour, showing their meaning, purpose, and the need for its own distinction, and the need to see the Legislature look at this new damage present in society, leaving only be seen through the case law.
Keywords: Abuse. Existential Damage. Rest. Economic Power.
Sumário: Introdução. 1. Da Dignidade Da Pessoa Humana. 2. Do Dano Existencial. 2.1. Origem. 2.2. Conceito. 1.4. Aplicação No Direito Brasileiro. 1.5. Dano Existencial E O Dano Moral. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A história nos mostra que quem tinha o maior poder econômico detinha o poder de mando, podemos citar a época medieval, ou na realidade brasileira, a escravidão.
Porém o direito do trabalho vem com o passar dos anos buscando defender os direitos sociais e do trabalho, tentando igualar da melhor forma possível a relação entre empregado e empregador, estabelecendo a relação de hipossuficiência entre eles, sendo o empregado o sujeito hipossuficiente da relação jurídica.
Todavia com o passar dos anos houve a flexibilização do Direito do Trabalho e muitos dos direitos adquiridos pelos trabalhadores foram sendo flexibilizados para melhor desenvolvimento e manutenção das relações de trabalho.
Porém isso trouxe uma sensação de liberdade e as empresas passaram a ter novamente um grande poder de mando, e um momento de crise como vive o Brasil, nos dias atuais, torna a relação de dependência entre empregado e empregador ainda maior, e assim os empregadores se aproveitam para exigir um labor excessivo por parte do empregado.
Esse labor excessivo não só prejudica os direitos trabalhistas, como traz um dano a existência dos empregados, pois prejudica a existência, através de danos aos seus projetos de vida e convivência social e familiar.
Este trabalho busca abordar essa novo espécie de dano extrapatrimonial que tem origem na Itália, e tem ganhado espaço na Jurisprudência brasileira, principalmente no Direito do Trabalho
1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da CRFB/88, encontra-se consagrado no art. 1º, III, da Carta Magna:
“Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]
III – a dignidade da pessoa humana; […]”
Considerado valor supremo, este fundamento é inerente a todo o ser humano, de forma, que não podemos considerar que uma pessoa seja mais digna que a outra, pois todo ser humano merece respeito à sua dignidade, independentemente qual seja sua condição social, orientação sexual, cor, religião e etc., como previsto no caput do art. 5º de nossa CF:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]”
Segundo Alexandre Morais:
“A dignidade da Pessoa Humana atribui unidade aos direitos e garantias fundamentais, inerente às personalidades humanas afastando a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em função da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral intrínseco da pessoa, que se manifesta singularmente na sua autodeterminação consciente e responsável, trazendo consigo a pretensão ao respeito das demais pessoas, edificando um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, todavia sem menosprezar o merecimento das pessoas enquanto seres humanos[1]”.
Vivemos hoje num mundo capitalista, onde impera a ordem econômica, mas até esta ordem, deve dar prioridade a dignidade da pessoa humana, sobre todos os valores da economia de mercado.
Pela evolução das pessoas, tecnologias, e da própria legislação a dignidade da pessoa humana ganhou grande importância, pois protege o respeito na sociedade, melhor dizendo, ela protege a vida em sociedade.
Neste sentido, disserta Raimundo Simão De Melo:
“É certo que a proteção e defesa da dignidade da pessoa humana e dos direitos da periculosidade alcançam importância impar nesse novo século, principalmente em virtude dos avanços tecnológicos e científicos experimentados pela humanidade, que potencializam cada vez mais os riscos nos ambientes de trabalho”[2].
O ambiente do trabalho mudou muito em todos esses anos, como dito no parágrafo anterior, os riscos estão cada vez maiores, pois a informatização e automação em certos pontos tornaram a vida do trabalhador de volta a uma escravidão exaustiva, entorpecedora e desumana, principalmente pelo aumento da velocidade do trabalho, e o isolamento dos trabalhadores um dos outros, bem como do seio familiar, uma vez que seu labor excessivo priva de seu convívio familiar.
Os vigilantes são exemplos perfeitos de como seu trabalho tem aumentado devido o tempo, pois a necessidade de segurança tem aumentado a cada dia, hoje vemos profissionais na área de segurança que trabalham 12 (doze) horas seguidas, por 36 (trinta e seis) horas de descanso, com a desculpa que seu descanso compensa seu trabalho maior, porém acontece que essas horas de trabalho em um ambiente ruim, será só mais degradante à vida deste trabalhador, independente de descanso.
Tudo isso sem levar em conta que devido a necessidade de salário maior, para uma vida melhor, as empresas se aproveitam e fazem seus funcionários trabalharem em folgas eliminando assim, esse descanso compensatório das horas trabalhadas a mais.
Devemos então nos perguntar onde está a dignidade deste trabalhador? Que trabalha além do estabelecido na CRFB/88, que em seu art. 7º, XII, qual estabelece duração de trabalho não superior à 08 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, porém que abriu precedente para os acordos ou convenções coletivas de trabalho.
Resta evidente que as empresas nos dias de hoje utilizam de muitas formas de ilegalidades para maior produção de sua matéria prima, e se aproveitando da necessidade do trabalhador em garantir o sustento de sua família, acabam fazendo qualquer coisa para garantir seu emprego, como exemplo, laborando em folgas, em jornadas extraordinárias exaustivas e inclusive em suas férias.
Abrindo mão de sua dignidade como pessoa, voltando ao século XVIII, se tornando escravo de seu patrão, agora não mais tendo relação a sua cor da pele, mas sim a uma necessidade de subsistência.
2 DO DANO EXISTENCIAL
O Dano Existencial é um dano com nascimento na era moderno, qual melhor abordaremos a partir de agora.
2.1 Origem
A origem do Dano existencial surgiu na Itália, aparecendo pela primeira vez no ano de 2000, onde a Corte de Cassação da Itália, reconheceu o direito de reparação por dano existencial, na sentença nº 7.713, tratando o dano como uma espécie de dano extrapatrimonial.
Tal sentença foi decorrência da evolução do posicionamento italiano que avançou quanto a hipótese de responsabilização do dano, que a partir do fim dos 80 inicios dos anos 90, admitiu uma nova espécie de dano indenizável, o dano biológico.
Ressalta-se que a sentença nº 7.713 prolatada pela Corte italiana, não se tratava de indenização trabalhista, mas sim de ação proposta por um filho contra seu pai que o abandonou com sua mãe, buscando ressarcimento pelos danos pessoais sofridos, tendo a Corte reconhecido a ofensa aos seus direitos fundamentais e própria dignidade.
Surgindo a partir dai um novo modo de ressarcimento quando ferida a tutela da dignidade da pessoa humana.
No direito brasileiro o dano existencial tem ganhado cada vez mais espaço, todavia como uma espécie de dano moral. Todavia como abordaremos em tópico próprio o já entendimento na doutrina e jurisprudência que o dano existencial seria um dano distinto, qual caberia inclusive cumulação ao dano moral.
2.2 Conceito
O Dano em si é o estrago causado a algo, ou a alguém, portanto sendo um mal, ou ainda um prejuízo, podendo ser uma ofensa material ou moral.
Dano Existencial é uma espécie de dano sendo tratado por alguns como espécie de dano moral, porém abordaremos aqui como tipo próprio.
Entende-se por dano existencial no direito do trabalho, ou ainda conhecido como dano à pessoa do trabalhador, que é o dano que afeta o projeto de vida do trabalhador, que ocorre através da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar em sociedade, privando-o de conviver com atividades culturais, espirituais, sociais, ou ainda, impossibilitando de ter descansos, bem estar físico ou psíquico, relacionamentos afetivos. Por consequência o empregado resta impedido de prosseguir, ou ainda mesmo começar, projetos de vida.
Neste sentido, Amaro Alves de Almeida Neto define o dano existencial:
“O dano existencial, ou seja, o dano à existência da pessoa, portanto, consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer.”[3]
Podemos notar que o dano aqui abordado, não está restrito ao direito à saúde, mas sim a qualquer direito fundamental da pessoa, como os direitos de personalidade.
O dano a existência, deve ser caracterizado, como o dano que traz um prejuízo a existência social do trabalhador, podemos entender essa existência, como dano ao projeto de vida, autoestima, crescimento pessoal e familiar, bem como a frustração de seus desejos e expectativas, ofendendo diretamente a sua dignidade.
A conduta da empresa gera dano, uma vez que obriga o trabalhador a um regime de trabalho tão longo, extenuante, que faz com que o seu labor que deveria lhe render oportunidades, crescimento, realização de suas vontades, gere um resultado inverso.
A ocorrência do dano existencial no direito do trabalho está principalmente ligada quanto ao seu período de descanso, como férias, intervalo intra e inter jornadas, bem como pelo descanso semanal remunerado.
Pois, nota-se que quando um empregado tem seu período de descanso frustrado, este fica impedido de desenvolver suas atividades diversas das de seu emprego, privando de começar ou até mesmo concluir projetos de sua vida pessoal e até mesmo profissional.
Não estando restrito a um prejuízo financeiro, pois ainda que ressarcido através de horas extras, os valores recebidos não trarão de volta o tempo perdido, o desgaste físico sofrido, bem como a oportunidade perdida.
2.3 Aplicação no Direito Brasileiro
Os Tribunais Regionais do Trabalho do país têm cada vez mais se curvado ao entendimento da aplicação do Dano Existencial, porém a jurisprudência tem se mostrado imparcial e resistente a aplicação do Dano somente em razão de sua alegação.
A Excelentíssima Senhora Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em uma de suas decisões afirmou em seu voto:
“A indenização por dano existencial exige que os fatos imputados ao empregador causem efetivo dano ao projeto de vida ou convívio social e familiar do empregado, cuja prova deve ser sobejamente demonstrada pela parte, aplicando-se a regra dos arts. 818, consolidado e 333, I do CPC. No caso vertente, não provou a demandante tivesse sofrido efetiva lesão a seu projeto de vida ou mesmo ao seu convívio social e familiar, por ato perpetrado pelo empregador, tampouco nexo causal, de forma a ensejar reparação. Isso porque a reclamante sequer relata na exordial quais seriam seus projetos de vida supostamente tolhidos pela jornada variável exigida pela reclamada, tampouco descreve os prejuízos que supostamente teria sofrido seu convívio social e familiar, que não se pode presumir, ao revés do que entendeu a julgadora de origem.”[4]
Tal entendimento é o que vem sendo adotado pelos tribunais do país, uma vez que o dano existencial será caracterizado não apenas pela comprovação do labor exaustivo, mas sim através da comprovação de que o labor exaustivo tenha gerado prejuízo a um projeto de vida, ou mesmo ao convívio familiar ou social.
Ressalta-se que ônus probatório da conduta respeitará o estabelecido no artigo 818 da Consolidação da Leis do Trabalho, devendo assim o autor, comprovar o prejuízo.
O Tribunal Superior do Trabalho também já tem entendido a possibilidade de aplicação do Dano Existencial desde que devidamente comprovado, o Inclícito Ministro Vieira de Melo Filho:
“É importante esclarecer: não se trata, em absoluto, de negar a possibilidade de a jornada efetivamente praticada pelo reclamante na situação dos autos (ilicitamente fixada em 70horas semanais) ter por consequência a deterioração de suas relações pessoais ou de eventual projeto de vida: trata-se da impossibilidade de presumir que esse dano efetivamente aconteceu no caso concreto, em face da ausência de prova nesse sentido. Embora a possibilidade, abstratamente, exista é necessário que ela seja constatada no caso concreto para sobre o indivíduo recaia a reparação almejada. Demonstrado concretamente o prejuízo às relações sociais e a ruína do projeto de vida do trabalhador, tem-se como comprovado, in reipsa, a dor e o dano a sua personalidade. O que não se pode admitir é que, comprovada a prestação em horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte”.[5]
2.4 Dano Existencial e o Dano Moral
O ministro Vieira de Melo Filho no acórdão citado anteriormente, demonstra que o Dano Existencial é um espécie de dano extrapatrimonial, uma vez que não atinge o patrimônio, não havendo um dano material.
Ocorre que o dano moral não deve ser confundido com o existencial, uma vez que o dano moral tange aos direitos de personalidade do empregado, trazendo lesão a um lado subjetivo, limitado a um aspecto físico e moral, como exemplo, a imagem, a honra, entre outros.
O dano existencial tem como objetivo reparar a lesão ou mesmo uma expectativa de algo, trazendo ao contrário do dano moral que limita seu aspecto a moral e físico, trazendo com que o empregado, tenha que movimentar sua vida conforme a sua empresa, portanto deixando de viver muitos sonhos, em razão da necessidade de trabalhar, de modo que o Dano existencial vai além dos limites do dano moral.
Em seu voto o Ministro cita Flaviana Rampazzo Soares, pela sua distinção, qual exponho o trecho abaixo:
“Flaviana Rampazzo Soares define o dano existencial, em seu aspecto objetivo, como a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo tanto a ordem pessoal, como a ordem social. Seria, portanto, uma afetação negativa de atividade ou conjunto de atividades que a vítima realizava em seu cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar ou mesmo suprimir de sua rotina” (SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 44).[6]
Portando resta evidente que o trabalho exaustivo pode gerar dano moral e existencial, uma vez que havendo um dano a saúde tendo em vista a exaustão pode se gerar o dano moral, e se caracterizado também que houve frustração nos projetos de vida do empregado pode se cumular o dano existencial.
Tendo em vista que os adicionais são cumuláveis resta evidente que não podem ser caracterizados como danos iguais.
CONCLUSÃO
Podemos concluir que o Dano Existencial é uma espécie de dano extrapatrimonial, qual busca reparar ao trabalhador o dano sofrido em seu projeto de vida, como prejuízos em seu convívio familiar, a perda de uma oportunidade de estudo, ou de realização de projetos que buscasse almejar nossas conquistas até mesmo em seu ambiente de trabalho.
Vimos que o Dano Existencial tem ganhando forças nos tribunais do Brasil, sendo já aceito inclusive pelo Superior Tribunal do Trabalho, porém ainda se discute sua posição de dano extrapatrimonial próprio ou uma espécie de Dano Moral.
Cumpre deixar claro que o dano existencial não decorre da simples comprovação da jornada excessiva, da não fruição de férias ou da falta do descaso semanal, mas sim da comprovação do dano ao projeto de vida do trabalhador, ônus este que se incumbe ao reclamante da ação uma vez que autor da alegação do dano sofrido.
É necessário que a Jurisprudência sempre esteja aberta a estes novos ideias a fim de buscar proteção ao empregado, uma vez que quando em dias difíceis os primeiros a sofrer são os trabalhadores, e isto é usado como forma de barganha para negociar seus direitos, mas não só seu direito como sua saúde, seus projetos, seus sonhos.
Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera São Caetano. Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
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