I-Intróito
O presente artigo traz a baila a consciência e a dignidade da pessoa humana, ressaltando que na relação empregatícia não é possível a redução do empregado à condição de mero objeto do empregador. Veda-se a coisificação da pessoa. A abordagem do tema passa pela análise conflitante de dois aspectos: A dignidade e consciência do trabalhador e os interesses patrimoniais e comerciais da empresa.
Tomamos conhecimento em virtude do envio de cópia da sentença por um dos julgadores Dr. Rodolfo Capón Filas de que em recente decisão a Corte Argentina por meio de seus julgadores teve a oportunidade de analisar a questão envolvendo estes dois interesses e a partir desta decisão resolvemos confeccionar este ensaio.
II- Caso Concreto
Em seu arrazoado o trabalhador argentino invoca uma questão de consciência para negar-se a atender a um passageiro de empresa aérea da Argentina integrante da ditadura militar daquele país pois havia necessidade, segundo ele de preservar sua personalidade e dignidade que ficariam extremamente abaladas se sua atitude fosse outra, solicitando, ainda que este seja dispensado de cumprir com a obrigação laboral de sua relação empregatícia.
II.a- Voto do Juiz La Fuente
O voto do juiz argentino Dr. La Fuente vem argumentando que o trabalhador poderia perfeitamente preservar sua consciência e princípios sem afetar os interesses do empregador, desde que se dirija a um colega de trabalho para que atenda o passageiro ou a um superior que determine tal ato ou que decida por questão de consciência se pode ou não atende-lo porém não poderia deixar de fornecer o atendimento correspondente a qualquer cliente.
Assim defende o juiz Fuente que o trabalhador tem o legítimo direito de negar-se a atender pessoalmente a um passageiro que repudia, porém o que não pode fazer por uma razão elementar de boa-fé e lealdade com a empresa é negar sem alternativa a admissão do passageiro, seja quem seja, que tenha contratado com sua empregadora.
Conclui, então o referido juiz em seu voto pela procedência das alegações da empresa que se sente prejudicada uma vez que, o empregado, que a representava, decidiu unilateralmente opor-se a entrada de um passageiro legitimado a viajar sem dar nenhuma alternativa nem indicação, afetando a prestação do serviço e a imagem pública da empresa, revestindo-se esta atitude em um incumprimento dos deveres de seu cargo o que justificaria a aplicação de uma sanção.
II.b- Voto do Juiz Rodolfo Capón Filas
Segundo o voto do juiz Capón Filas o principal papel do juiz reside em sua independência para velar pelas liberdades públicas e acrescentar respeito aos direitos humanos, uma vez que o Poder Judicial tem o compromisso histórico e moral com a preservação da dignidade do homem. Este compromisso judicial tem em sus raízes normatizadas a partir da diretiva constitucional expressada no artigo 14 da Constituição vigente na Argentina.
Assim, todo o homem, por razões de liberdade de consciência tem o direito a não empunhar as armas para matar, sendo reconhecido em seu país pela lei 24429 (BO 10-01-95). Em matéria laboral, o contido na objeção alcança a toda a conduta empresarial que tenha, direta ou indiretamente a violar direitos humanos ou in/cumprindo-os no curso da ação.
Recorda-se em seu voto episódio assemelhado a este quando durante a ditadura militar Argentina, um maleiro de um hotel parisiense se negou a levar as malas de um ditador. Ante isso foi despedido. O Tribunal de Paris considerou injusta a demissão e ordenou a reintegração do trabalhador despedido, com o argumento de que um país livre como a França os ditadores não devem ser atendidos. Asseverando que dada a globalização, este fato é digno procedente para confirmar a sentença recorrida que determinou a anulação da sanção imposta pela empresa ao empregado.
III- Direitos Humanos Naturais
O caso epígrafe merece ser analisado a luz de direitos essenciais para o normal convívio social. Referida decisão nos faz repensar e discutir direitos bem mais importantes como por exemplo os direitos humanos naturais e os direitos fundamentais, e que por isso devem ser respeitados pelas partes integrantes de uma relação de emprego. Portanto para obtermos um posicionamento mais justo sobre o assunto, deveremos adentrar e conhecer melhor tais direitos essenciais para o ser humano.
Os direito humanos são direitos naturais a qualquer homem por serem absolutos, imutáveis e intemporais. Dizem respeito ao que predica o homem ontologicamente, e revelam-se como fundantes dos direitos individuais.
Espacialmente são tido como válidos para todos os povos, independentemente de ratificações bilaterais.
Em caso de antinomia entre eles e os dispositivos de direito interno, a exegese deve lhes ser favorável, do que resulta verdadeiro estado de subordinação entre os respectivos conceitos.
Segundo a tradição ocidental, eles manifestar-se-iam, dentre outros, nas liberdades de crença (Lutero), de consciência (Espinosa), de propriedade (Locke) e de pensamento (Kant).
Segundo Lutero1, a vida religiosa se torna reflexiva: na solidão da religião da subjetividade, o mundo divino se transforma em algo posto pela própria interioridade. O protestantismo afirma a soberania de um sujeito que preserva nas próprias convicções, fazendo-as valer contra a autoridade de revelação e tradição.
Espinosa2 define a liberdade pela potência interna de agir como dotada de força maior do que a potência da ação externa. Para que a liberdade se exerça não se trata de contar com a ausência de constrangimentos ou de empecilhos, nem de confundi-la com um querer cego, mas de desenvolver internamente uma força não só capaz de remover obstáculos (que sempre existirão), mas também capaz de interpretar o significado do próprio obstáculo, sem o que jamais se poderá enfrenta-lo.
Para Locke3, na sociedade de mercado onde impera o “ individualismo possessivo: “1” uomo è uomo soltanto nella misura in cui è proprietário di sé; la sua umanità dipende dalla sua libertà di stabilire com sui simili rappoti contrattuali basati sul suo poprio interesse, la sua società consiste in una serie di rapporti commerciali’ (MACPHERSON, The political theory of possessive individualism). In questa società, quindi, nella quale l’uomo diventa persona solo in quanto è proprietario esclusivo di sé e dei suoi beni, nella quale, cioè, tutti i valori morali e giuridici si convertono automaticamente in valori di mercato la proprietà privata e il contrato sono destinati a funcionare come le categoie a priori del sisema giuridico, considrato sai come totalità, sai nelle sue particolari dimensioni pubbliche e private. In essa, cioè, come há nitidamente Locke, ‘l’ una e altra categoria non solo constituiscono l’intero contenuto delle libertà individuali e dei rapporti iterprivati, ma formano pure la base essenzil e imprescindibile dell società della sovranità”.
Para Kant4, a saída o homem da “menoridade”(segundo ele, a “menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem orientação de outrem) mediante o uso livre e público do pensamento é, frente ao jugo dos dogmas da tradição, uma necessidade imprescindível para o desenvolvimento e a emancipação do homem. (“Sapare aude! Tenha coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do iluminismo.”).
Assim podemos perceber que a atitude tomada pelo empregado ao se recusar em prestar serviço que fere sua dignidade, liberdade e consciência não constitui nenhuma falta grave que enseje punição disciplinar por parte do empregador, já que fundado nos direitos humanos naturais que prevalecem sobre qualquer legislação. Louva-se assim a atitude corajosa do trabalhador de servir-se de seu próprio entendimento sobrepondo seu conceito de valor moral em detrimento ao valor de mercado buscado pela empresa; liberdade pela potência interna de agir como dotada de força maior do que a potência da ação externa; a soberania de um sujeito que preserva nas próprias convicções, fazendo-as valer contra a autoridade de revelação e tradição. Sendo assim, o empregado tem o legítimo direito humano natural de recusar-se a prestar qualquer serviço ao empregador se este ferir a consciência e dignidade do empregado.
IV- Direitos Humanos positivados nas Declaração universais
Fruto do Iluminismo e da Revolução Francesa, a necessidade de codificar o rol de prerrogativas e direitos que o Homem poderia opor, de maneira absoluta, perante os outros homens, surge como meio de demonstrar, materialmente de modo inexorável, que os privilégios de foro hereditário que imperavam no regime feudal haviam terminado.“Com Aufklärung (Iluminismo) e a revolução francesa vem à luz a validação do princípio da liberdade da vontade como fundamento substancial do Estado, prevalecendo, sob a forma da Proclamação Universal dos Direitos do Homem e do Código de Napoleão, contra o direito historicamente herdado” 5.
Assim, os homens foram elevados, pela nova rainha, a lei, ao status de cidadãos iguais em direitos e em oportunidades.
Seu alto grau de abstração pode ser exemplificado pelo brado revolucionário: “Liberdade, igualdade e fraternidade”.
No entanto, sua evolução conceitual sofreu modificações para, contemporaneamente, indicar, via Carta Universal de Direitos das Nações Unidas, o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de respeito à dignidade humana. Compreendidas nestas, não só os requisitos inerentes ao desenvolvimento espiritual, mas também, aqueles fatores mínimos de sobrevivência física da pessoa, como a alimentação e o emprego.
Sem embargo de sua jurisdição estender-se a toda a humanidade, sem exceção de povo algum, eles dependem, para se aperfeiçoarem, da ratificação via ato unilateral que exprime, no plano internacional, a vontade do Estado signatário em obrigar-se a cumprir os ditames dos direitos das gentes.
Sua ratificação, mormente no que tange ao nosso tema, dá-lhes o status de verdadeiras leis internas restando, porém, em caso de conflito, subordinados à autoridade da Constituição, afirma que : “uma vez insculpidos determinados direitos ou garantias individuais num tratado internacional (ratificação pelo Brasil), esse texto passa a incorporar-se ao sistema jurídico estatal” 6.
V- Direitos fundamentais
Os Direitos fundamentais, ao seu tempo, são os contidos numa Constituição específica, positivada, isto é, são direitos que se encontram formalizados num quadro jurisdicional plenamente definido.
Eles possuem estreito nexo de interdependência genética e funcional num Estado de Direito concreto, “ya que el Estado de Derecho exige a implica para serlo garantizar los derechos fundamentales, mientras que éstos exigem e implican par su realización al Estado de Derecho” 7.
Assim, segundo Perez Luño, os Direitos Fundamentais determinariam:
“La propia significación del poder público, al existir una íntima relación entre o papel asignado a tales derechos y el modo de organizar y ejercer las funciones estatales. Los derechos fundamentales constituyen la principal garantía com que cuentan los cidadanos de un Estado de Derecho de que el sistema jurídico y político en su conjunto se orientará hacia el respeto y promoción de la persona humana; en su estricta dimensión individual (Estado liberal de Derecho), o conjugando ésta com la exigência de solidaridad corolario de la componente social y coletiva de la via humana (Estado social de Derecho) 8.
No nosso caso específico, eles estão estruturados no artigo 5º da Constituição Federal. Entretanto, eles não constituem “número clausus”. (Ainda segundo Maria Garcia: “o regime a que alude o parágrafo 2º do artigo 5º compreende, no sistema atual, todo o quadro da estrutura estatal definida no artigoº ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito federal, constitui-se em Estado democrático de Direito (…)’. Nessa conformidade, os direitos e garantias referidos no parágrafo 2º do artigo 5º serão decorrentes (…) do regime republicano – que designa o governo da res publica e aperfeiçoa (…) os princípios mais caros à cidadania ( a vida, a segurança e a propriedade e a liberdade). E é em torno desses valores que se definem os direitos individuais (…) Os princípios, por sua vez, denotam origem, começo e sentido jurídico, as normas elementares de formação estrutural instituídos como base ou alicerce de um sistema. Dentre os princípios constitucionais, já elencados no mesmo artigo 1º – como um dos fundamentos da estado e da República – o princípio-direito de cidadania, devendo sofrer interpretação extensiva de modo a desdobrá-lo em novos aspectos ou mesmo em novos direitos perante a pressão das necessidades práticas de proteção jurídica dos particulares9.
Porém, a iniciativa pioneira nesse manifestar é admitida como pertencente à Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio de 1949, responsável por solenizar, no seu art. 1.1., incisiva declaração: “A dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”. O preceito recolhe sua inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948, sem olvidar o respeito aos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, propugnados pelos revolucionários franceses através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 178910.
O nosso constitucionalismo que, a partir de 1934, vem sofrendo forte influxo germânico, não ficou alheio ao tema11. O Constituinte de 1988 deixou claro que o Estado Democrático de Direito que instituía tem, como fundamento, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
VI- A dignidade do trabalhador
A dignidade do homem é força que surge de sua natureza e se expande a todos os componentes da sociedade civil, sendo expressado na Carta Internacional de Direito Humanos, especialmente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo1O.) e no Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais (artigo3). Também na Declaração Americana dos Direitos e deveres do Homem (preâmbulo).
Sempre, em todo o mundo conflitivo como o atual, importa a doutrina das Nações Unidas na Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 14 a 25 de junho de 1993):
“Todos os direito humanos tem sua origem na dignidade e no valor da pessoa humana. Esta é o sujeito central do direitos humanos e das liberdades fundamentais, pelo que se deve ser o principal beneficiário desses direitos e liberdades. Disso resulta “a responsabilidade de todos os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas, de fomentar e propiciar o respeito aos direito humanos e as liberdades fundamentais de todos, sem fazer distinção alguma por motivos de raça, sexo, indioma e religião, e criar condições básicas com as quais possam ante a justiça e o respeito as obrigações emanadas pelo tratados e outras fontes de direito internacional, promover o progresso social e elevar o nível de vida dentro de um conceito mas amplo da liberdade, praticar tolerância e conviver em paz como bons vizinhos e emplacar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos” formas de discriminação e violência a que são expostas as mulheres em todo o mundo. Exige “ que todos os povos do mundo e todos os Estados membros das nações Unidas empreendam com renovado impulso a tarefa global de promover e proteger todos os direito humanos e as liberdades fundamentais para garantir os desfrute pleno e universal desses direitos” … “ cada Estado deve prever um marco de recursos eficazes para reparar as infrações ou violações de direito humanos. A administração da justiça, em particular dos organismos encarregados de fazer cumprir a lei assim como o poder judicial e uma advocacia independentes em plena conformidade com as normas contidas nos instrumentos internacionais de direitos humanos, são de importância decisiva para a cabal realização dos direito humanos sem discriminação alguma que resultam indispensáveis aos processos de democratização e desenvolvimento sustentável”.
VII- O conteúdo do princípio da dignidade.
O postulado da dignidade humana, em virtude da forte carga de abstração que encerra, não tem alcançado, quanto ao campo de sua atuação objetiva, unanimidade entre os autores, muito embora se deva, de logo, ressaltar que as múltiplas opiniões se apresentam harmônicas e complementares.
Karl Larenz12., instado a pronunciar-se sobre o personalismo ético da pessoa no Direito Privado, reconhece na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio.
Por sua vez, Ernesto Benda 13 aduz que a consagração, no art. 1.1. da Lei Fundamental tedesca, da dignidade humana como parâmetro valorativo, evoca, inicialmente, o condão de impedir a degradação do homem, em decorrência de sua conversão em mero objeto de ação estatal. Mas não é só. Igualmente, esgrime a afirmativa, de aceitação geral, de competir ao Estado a procura em propiciar ao indivíduo a garantia de sua existência material mínima.
Mais completo, Joaquín Arce y Flórez-Valdes14 vislumbra no respeito à dignidade da pessoa humana quatro importantes conseqüências: a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; b) garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação que implique na sua degradação; c) observância e proteção dos direitos inalienáveis do homem; d) não admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou a imposição de condições subumanas de vida. Adverte, com carradas de acerto, que a tutela constitucional se volta em detrimento de violações não somente levadas a cabo pelo Estado, mas também pelos particulares.
Vistas essas posições, lícito proceder às suas conciliações mediante a decomposição alvitrada pelo último dos autores. É que este, ao desmembrar os diversos pontos de reflexo do princípio analisado, demais de encampar a opinião dos doutrinadores antes referidos, ampliou o raio de ação demarcado à dignidade da pessoa humana.
Com base na sistematização de Joaquín Arce y Flórez-Valdés, podemos, mediante as adaptações necessárias, revelar o substrato material da dignidade da pessoa humana em nossa ordem jurídica.
Disso resulta que a interferência do princípio se espraia, entre nós, nos seguintes pontos: a) reverência à igualdade entre os homens (art. 5º, I, CF); b) impedimento à consideração do ser humano como objeto, degradando-se a sua condição de pessoa, na limitação da autonomia da vontade e no respeito aos direitos da personalidade, entre os quais estão inseridas as restrições à manipulação genética do homem; c) garantia de um patamar existencial mínimo15.
VIII- Conclusão
Nos pesos da balança, portanto foram colocados de uma lado a “dignidade e consciência do hiposuficiente” e no outro “ os interesses patrimoniais e comerciais da empresa”. Entendemos que a sanção imposta implica em exercício abusivo do poder disciplinar do empregador, pois sobre o objetivo comercio deve prevalecer o respeito a dignidade do trabalhador e conseqüente declaração da nulidade da sanção imposta.
Diante desta exposição concluímos que qualquer medida disciplinar que determine falta grave ao trabalhador em virtude da negativa do trabalhador de prestar seus serviços por motivos de preservação de sua dignidade consciência, deve ser considerada ilegal, pois apesar de o trabalhador descumprir uma de suas tarefas de seu cargo (e em um contexto Kelseniano, deveria ser sancionado), cabe frisar que as relações laborais se desenvolvem em um determinado marco histórico-político e que seus protagonistas (no caso o trabalhador) são pessoas e por isso devem ser respeitadas por quem exerce sobre elas o poder de direção. Em outras palavras: a respeitável atitude do hiposuficiente, ao negar-se por razões de princípios a atender a personagem público e notório ligado a história da ditadura da Argentina, deve compelir a empregadora a respeitar as razões invocadas pelo trabalhador.
A tutela do trabalho e do trabalhador se entrelaça com sua essência e com sua dignidade humana. A sociedade tutela o trabalhador porque é um ser digno e não porque este seja, como alguns dizem simples e modesto. De nenhuma maneira a subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador pode ser interpretada como um menosprezo por sua natureza.
1 GIOCOIA, Jr. Oswaldo. Nietzche e a Modernidade segundo Habermas. Idéias, Rev. do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Ano I, n 2, 1994. P. 16.
2 CHAUI, Marilena de Souza – Direito Natural e Direito Civil em Hobbes e Espinosa. Revista Crítica do Direito. São Paulo. Livraria Editora Ciências Humanas, n 1, 1908 . p. 104.
3 BALDASSARRE, Antonio – Privacy e Constituzione. L’esperienza statunitense. Roma. Bulzoni Editore. 1974 .p. 18.
4 KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o Iluminismo. IN: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa. Edições 70. 1988. P. 11-19.
5 GIOCOIA. Jr. Oswaldo. Op. cit., p. 16.
6 Cf. GARCIA, Maria. Desobediência Civil. Direito Fundamental. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 1994. P. 211
7 LUÑO, Antonio e. Perez – Loz Derechos Fundamentales. Madrid. Tecnos. 1993. 5º Edição p. 19.
8 Idem, ibidem. p. 20.
9 GARCIA, Maria, op.cit., p. 211.
10 É preciso deixar claro que o liberalismo não plasmara a concepção de que a dignidade da pessoa humana constituísse incumbência do Estado, até porque a felicidade do indivíduo estaria mais garantida quanto mais este estivesse imune à ação estatal. Isso explica o motivo pelo qual a idéia em foco ganhou maior relevância com o Estado Social, porque na sociedade moderna a pessoa depende, de maneira mais intensa, das prestações a cargo do Poder Público.
11 PAULO BONAVIDES (Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 288, et seq) distingue, com clareza, três fases de nossa história constitucional: a) a primeira, influenciada nos modelos francês e inglês do Século XIX, teve sua realização com a Constituição de 1824; a segunda, inaugurada pela Constituição de 1891, representa uma aproximação com o exemplo norte-americano; a terceira, ainda em curso, baseia-se na presença dos traços inerentes ao perfil alemão do Século XX, cujo início fora marcado pela Constituição de 1934.
12 Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46.
13 Dignidad humana y derechos de la personalidad. In: BENDA, Ernesto et alii. Manual de derecho constitucional, Madri: Marcial Pons, 1996. p. 124-127.
14 Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional. Madri: Editorial Civitas, 1990. p. 149.
15 Louvado na tradição doutrinária e jurisprudencial alemã, MANOEL AFONSO VAZ (Lei e reserva da lei; a causa da lei na constituição portuguesa de 1976. Porto: Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 1992. 515p. Tese de Doutorado. p. 190) vislumbra na dignidade da pessoa humana a qualidade de princípio ético, de caráter hierarquicamente superior às normas constitucionais e, portanto, vinculativo do poder constituinte, de modo que qualquer regra positiva, ordinária ou constitucional, que lhe contrarie padece de ilegitimidade. Esse é, entre nós, o pensamento de EDUARDO TALAMINI (Dignidade humana, soberania popular e pena de morte. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 11, p. 178-195. 1995), ao defender a impossibilidade, em face da consideração da dignidade da pessoa humana como valor suprapositivo, da instituição da pena de morte.
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista
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