A dosimetria da pena sob a ótica de sua aplicação e a política criminal

Resumo: Ao tratar de tema tão complexo e importante na área do Direito Penal se faz necessário entender que se divide em fases, até para que facilite a compreensão e se entenda que na forma de se construir esta verdadeira fórmula que detém o nome de dosimetria, há de se buscar determinar os limites do legislador, bem como do juiz, doutrina e jurisprudência até para que em sua vertente garantista, exsurja o equilíbrio penal, um ideal perseguido e conquistado em muitos países; dosar não pode ser a mesma situação de apenas aplicar uma pena sem critérios previamente definidos, e é nesta esteira que se faz necessário se conhecer a concretude da doutrina para poder firmar sem excesso, a pena.

Palavras chaves: Pena. Dosimetria. Aplicação. Política. Criminal.

Sumário: Introdução; 1. O que vem a ser dosimetria da pena?; 2. A visão da sociedade sobre a pena; 3. A política criminal e aplicação envolvendo a pena; Conclusão.

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Introdução

A dosimetria da pena necessita de forma pungente estar sobre a ótica da aplicação da pena e da política criminal praticada nos dias atuais.

Nada estaria tão distante de enfatizar esta doutrina sem que haja uma visão multifocal, para extrair de sua existência além do exarado pelo legislador, as consequências individuais e sociais que aplicação da pena produz.

Nesta sequência de atos, há de se considerar a magnitude e extensão do eixo introdutório ao se verificar dosimetria, aplicação da pena e política criminal e o resultado final deste ciclo, que assume uma constância na reincidência cada vez maior, assumindo números assustadores.

A questão de maior importância e se apresenta dificuldades é aceitação de sentenças consideradas brandas, no que se fala ter circunstâncias que abrandam a pena, e na mesma linha de raciocínio as chamadas vantagens do condenado, não cumprir a pena imposta por elementos que facilitam sua vida de forma a cumprir muitas vezes nos dizeres destes detratores, nem mesmo a metade da pena imposta.

Outrossim, é de se estabelecer que a pena tem um binômio a ser seguido: retribuição/prevenção.

Retribuição no que diz respeito a resposta rápida do Estado em investigar e com um julgamento respaldado pelo Estado Democrático de Direito, o acusado possa usar de todos recursos cabíveis para tentar provar sua inocência, ou mesmo sua participação não ativa no delito ocorrido, desta forma ocorrendo o amplo direito de defesa. Do outro lado temos a prevenção assumindo função bifocal: fazer que o próprio criminoso assuma o desejo da não prática de novo delito, e a própria sociedade percebendo ser o criminoso condenado e enviado para cumprimento da pena estabelecida, fique com receio da prática de crime. Tanto um como outra vertente desse binômio é um ideal devendo ser perseguido para a melhora de toda sociedade.

A pergunta que exsurge é: o quem vem ser dosimetria da pena? Como funciona a aplicação nas três fases? E como a política criminal tem seu papel fundamental nesta questão tão vulnerável?

1. O que vem a ser dosimetria da pena?

Em linhas gerais é o momento que o Estado utiliza a aplicação da pena através do seu poder de jus puniendi[1] demonstrando a sociedade que há desacordo entre a conduta praticada e o que as pessoas que vivem podem aceitar, uma ideia rústica de uma espécie de pacto social, (Rousseau)[2] apresentado neste formato por entender ser uma ideia que necessitaria de um movimento social forte para ser ao menos tentado. Em síntese é a forma do Estado punir atos infracionais, que ferem o código penal, e atinge todas as pessoas diretamente ou indiretamente.

O impacto do crime dentro da sociedade é medido através do efeito curial, causado em cada cidadão que disponha de estar ao alcance de ser vítima, o que se prova através da fragilidade não só das leis criadas, outrossim, da aplicação séria e efetiva, não necessariamente severa, da lei a cada delito praticado.

É efetivamente neste hiato, que se encontra a questão da dosimetria da pena. No seu poder de entendimento maior, a dosimetria da pena é tripartição da pena, em três fases que se caracteriza por dosar a medida de cada circunstâncias judiciais, agravantes e atenuantes e, por fim, aumento e diminuição da pena. Ao se utilizar deste critério, há respeito a individualização da pena, base fundamental para que o magistrado, faça valer o que se extraí da CF, Art. 93, IX, apontando a motivação exercida no princípio constitucional extraindo os fundamentos para aplicar o método trifásico de aplicação com base no art. 59 c/c art.68, do CP. Ora, é evidente que esta criação tem como base o cidadão que passa em sua vida, praticar apenas um único crime, e não incorra em todo processo montado.

Não olvidando aqueles que há muito desrespeitam as leis, e fazem dela uma espécie de desculpas para seus complexos, recalques e pseudo traumas, num discurso ensaiado de forma fraudulenta, indicando ser a sociedade culpada por sua conduta delitiva, ora, se assim fosse, haveria de existir 100 vezes ou até mil vezes mais pessoas na prática do delito do que presenciamos nos dias atuais. Estes discursos oportunistas não traçam, de forma alguma qualquer solução para o grande problema da escalada do crime. Diante deste fato fica evidente, a dosagem da pena dentro do razoável para determinar o grau de periculosidade e potencialidade criminosa de cada pessoa que insiste em se impor através da violência.

Fica objetivamente claro a importância de individualizar a penalização e dosimetrar em fases (3), para haver uma distinção de conduta, e não atingir quem participou de forma indireta. O instituto da individualização da pena se faz mister e imprescindível, por tratar, cada participante dentro do seu grau de sua participação do crime, no caso de concurso de agentes.

Corroborando com este conceito “há dois sistemas principais para a aplicação do quantum da pena: a) critério trifásico, preconizado por Nélson Hungria; b) critério bifásico, defendido por Roberto Lyra”. (NUCCI,2016, p.476). O Brasil como já mencionado por razões metodológicas, e razoabilidade e levando o termo dosimetria da pena a efeito de lato senso, se permitiu utilizar o sistema de Hungria, entendendo tratar se do mais adequado e equilibrado no que tange a ideia corrente de intervenção mínima.

Para não restar dúvidas do porquê da adoção desse sistema, vejamos o que a doutrina colabora em apontar seu uso:

“[…] como já ressaltado, prevaleceu o critério proposto por Hungria, aliás o mais detalhado para as partes conhecerem exatamente o que pensa o juiz no momento de aplicar a pena. Havendo a separação em três fases distintas, com a necessária fundamentação para cada uma delas, torna-se mais clara a fixação da sanção penal. É imperioso destacar que cada fase exige fundamentação. Trata-se de direito do réu acompanhar todas as etapas da individualização da sua pena. A falta de motivação pode acarretar a nulidade da sentença ou, no mínimo, a redução da reprimenda ao mínimo possível. Na terceira fase da fixação da pena, vale-se o magistrado das causas de aumento e diminuição. Convém defini-las: são causas obrigatórias ou facultativas de aumento ou de diminuição da pena em quantidades fixadas pelo próprio legislador, porém sem estabelecer um mínimo e um máximo para a pena. Chamam-se, ainda, qualificadoras em sentido amplo. Exemplos de causas legais genéricas, previstas na Parte Geral do Código Penal: arts. 14, II, parágrafo único; 16; 21, parte final; 24, § 2.º; 26, parágrafo único, 28, § 2.º; 29, §§ 1.º e 2.º; 69, 70 e 71. Exemplos de causas legais específicas, previstas na Parte Especial do Código Penal: arts. 121, §§ 1.º e 4.º; 129, §§ 4.º, 7.º e 10; 155, § 1.º; 157, § 2.º; 158, § 1.º; 168, § 1.º; 171, § 1.º; 226 etc”. (NUCCI, 2016, p.477).

Se torna impossível não perceber da base legal e fundamental para existir tal procedimento, extraído do próprio texto em comento “aliás o mais detalhado para as partes conhecerem exatamente o que pensa o juiz no momento de aplicar a pena”. Percebe se que a principal ideia em dosimetrar a pena, não é criar estágios e, sim encontrar em cada fase a maneira em que o juiz tratará da pena, interpretando de forma justificada cada passo seguido, não deixando margem a equívocos. Cumpre notar que não há um rol taxativo, mas interpretativo deixado no Art. 59 c/c art.68 do CP, e demais artigos (Art. 61,62, agravantes; art. 65, do CP, as atenuantes e, no caso específico do aumento de pena e da diminuição da pena, pode se encontrar tanto na parte geral, como na parte especial, estando assim espalhada e não haver um rol, permitindo que a própria tipificação do crime e sua virulência, traga o aumento e diminuição,  para dar azo a aplicabilidade, o interesse do legislador na possível interpretação do operador do direito, e cabe afirmar serem três estes agentes defensores da lei: advogado/defensor público, promotor de justiça e juiz. Todos estes estão diretamente envolvidos, na aplicação da pena e na construção dosimétrica até alcançar a pena definitiva. Seria um erro na perspectiva da aplicabilidade da pena, imaginar ser somente o juiz que a traduz ao aplicar os quesitos no tribunal do júri, ou então, estando no juízo singular.

Nesta mesma esteira e, sustentando que a égide do princípio trifásico, é dar a cada preso a aplicação que a lei exige sem ultrapassar a individualidade de cada pessoa. Assim contribui o STF em seu compêndio:

“O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares […] […]a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material”. (Coletânea temática de jurisprudência, 2013, p. 31).

Como bem pondera o texto “a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional”, para não haver sentenças que ultrapasse o razoável, o admissível e ponderável, caso contrário não haverá uma satisfação jurídica, e muito menos segurança jurídica ao tratar a sentença da forma inadequada e sem método sustentável, afinal, a justiça e o direito não podem estar tão distante, a ponto de um conseguir atingir o crime, e o outro só alcançar o criminoso. Caso isso venha acontecer, haverá o que é vaticinado ao contrário, o […] “permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material”. […] A cada decisão se incorre em fortalecer a jurisprudência, mantendo a chamada “segurança jurídica”, como ficaria esta se cada sentença segue rumo próprio, sem critério, sem método e sem dosar?

E não é demais assinalar que cada fase se obriga a checar elementos que podem aumentar ou diminuir a pena, possuindo embasamento jurídico, no Código Penal, que fornece os elementos necessários e indispensáveis para análise imparcial do fato crime e seu (s) autor (es), não buscando apenas a necessidade de responder a sociedade, mas a comunidade mundial, na esfera que temos globalizada não tolera certas posições ultra ou extrema.

Outrossim, a aplicação do sistema trifásico, é colhido da doutrina e jurisprudência, o que passa a ser saudável, uma vez não olvidar a segurança jurídica e o ordenamento jurídico, para o equilíbrio entre o direito e justiça se mantenha.

Para tanto se divide da seguinte forma:

1ª Fase – Sua base é o art. 59, (c/c 68) do CP Reside neste texto as circunstâncias que podem ser chamadas de “circunstâncias judiciais”, é subjetiva a interpretação, uma vez que cada caso depende da sensibilidade do julgador e, evidentemente, do impacto de o fato crime causou a sociedade. Essas circunstâncias estão dispostas em número de 8 (oito), há sugestão que se proceda considerando 1/8, uma vez estar enumerada com este valor. O fato repousa balizada nas palavras de Fragoso:

“O processo de determinação da pena é aquele que o juiz realiza para fixar a sanção aplicável ao agente pelo ilícito penal praticado declarando merecimento de determinada pena em concreto. A lei enumera uma série de elementos a serem levados em consideração: culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59, CP). Manda a lei, aqui, considerar elementos que permitem avaliar a maneira de ser do agente (antecedentes) e a reprovabilidade do fato punível praticado (culpabilidade, consequências e comportamento da vítima). […] O poder discricionário que o juiz exerce lhe é conferido para atuar os fins da pena criminal, que gravitam em torno da prevenção, como vimos. Por isso mesmo, a personalidade do agente passa aqui ao primeiro plano, assumindo posição preponderante na determinação da pena. O juiz ajusta a pena ao autor concreto do crime, atendendo às peculiaridades de sua personalidade moral (caráter), e examinando se a conduta delituosa constitui fato acidental ou se é expressão da maneira de ser acusado. O juiz deve aqui considerar os antecedentes (sic), ou seja, o comportamento anterior do acusado, mas não reincidência, porque esta é circunstância agravante legal, que influirá na fixação da pena em momento posterior”.  (FRAGOSO, 2006, p.410)

O professor Fragoso, não deixa dúvida sobre a importância da primeira fase na dosimetria da pena estabelecendo o devido trato a ser dado sem se esquivar, ou buscar em lugares não científicos, a base legal para estabelecer o quantum, uma vez que é de suma importância de início se focar na quantidade a ser apregoada.

 O professor Zaffaroni, tratando do tema assim o traduz:

“A fixação da pena-base, de conformidade com o art. 59 do CP, tem por objeto determinar quatro consequências necessárias ou eventuais: a) determinar qual ou quais são as penas aplicáveis, e se existe cominação alternativa; b) dentro dos limites previstos pela escala do respectivo delito, qual a quantidade de pena que corresponde ao agente no caso concreto; c) quando se trata de pena privativa de liberdade, estabelecer qual deve ser o regime de seu cumprimento; d) quando se deve substituir a pena privativa de liberdade por outra pena, restritiva de direitos ou multa. Insistimos em que, muito embora o caput (sic) do art. 68 do CP disponha que “a pena base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 cumpre uma função de indicar regras que vão além da pena-base, pelo que frequentemente, será necessário admitir a existência de remissão ao art. 59, depois de passar pelas três etapas no art. 68 […] Esta fórmula é bastante complexa e exige uma ordenação sistemática de critérios e regras, porque não se trata de uma síntese ordenada, mas de elementares um tanto dispersos, e cuja ordem hierárquica se faz necessário determinar”. (ZAFFARONI, 2006, p.709).

O professor Zaffaroni, afirma com todas as letras que não se trata de uma fórmula que seja de fácil domínio, até por se tratar de aplicação da pena, o que por si só deve se considerar situações as mais diversas que possa acontecer, dispositivos e principalmente as circunstâncias expostas e analisadas de forma criteriosa, para que não haja nenhuma e eventual discrepância na situação imposta.

2ª Fase – Sua base repousa sobre os arts. 61,62 e 65,66 do CP – Neste momento se dá atenção as agravantes e atenuantes, que como a própria designação aponta, pode alterar o quantum da pena, para maior ou menor. Tratando do montante a ser calculado apresenta se "cada agravante ou atenuante deve ser equivalente a um sexto da pena-base (NUCCI, 2007, p. 209.). "

3° Fase – É acolhido nos artigos que tipificam o crime a ser dosimetrado, entre características próprias que o aumento e diminuição de pena – Nesta fase não há um ou dois artigos, apontando quais artigos se podem encontrar, contudo se percebe haver espalhado tanto na parte geral como na parte especial, ou seja espalhado pelo código sua dosimetria.

Para calcar ainda mais o tema em comento se faz necessário trazer à baila, o professor Queiroz, que em sua explanação do tema carrega uma fórmula que condiz com o todo exposto.

“[…] o cálculo será feito de acordo com o método sucessivo, vale dizer, a operação seguinte tomará por base a anterior e assim sucessivamente. Ex.: fixada a pena-base em 5 anos e 6 meses; incide uma agravante de 6 meses, resultando numa pena provisória de 6 anos, a seguir em razão de uma causa de diminuição de pena 1/3, chega-se à pena de 4 anos; e, por fim, havendo uma causa de aumento de 1/ 2, resulta uma pena definitiva de 6 anos.”  (QUEIROZ, 2016, p.463).

Para entender esta matemática simples, pode se perceber para efeito de exemplo aproveitando o demonstrativo que o professor Queiroz oferece.

Exemplo:

1ª Fase – Pena Base: 5 anos e 6 meses.

2ª Fase – Pena provisória: há uma agravante de 6 meses (aqui soma-se a Pena Base 5,6 mais Agravante de 6 meses = 6 anos – Pena Provisória.

3ª Fase – Pena Definitiva: Há uma causa de diminuição de pena de 1/3 é 2 anos (Diminui-se de 6 anos menos 2= 4 anos.

Há ainda uma causa de aumento 1/ 2, que resulta em 2 anos se tirado metade de 4 anos a última pena, para que a pena definitiva seja alcançada é necessário somar 4 anos + 2 = 6 anos esta é a pena definitiva.

Em linhas gerais esta é a interface da dosimetria no Brasil, porém não se pode passar de largo dos critérios que envolvem cada fase e como se usa o livre arbítrio e a discricionariedade, alternando se para haver coerência na forma de aplicar, sem descortinar o que durante século foi feito de se preocupar mais com a pena que afetava o corpo, antes de pensar na retribuição em seu sentido amplo e na prevenção.

É importante salientar o que é vaticinado por Hans Welzen:

“Deve-se aplicar a pena em tal forma que assegure a validade inquebrantável das normas éticos-sociais, dentro da margem de uma retribuição justa, e chegando a consciência do autor. Como o delito é o choque da vontade individual com a ordem geral, os fatores gerais e individuais são decisivos para a graduação da pena”. (WELZEN, 2003, p. 347).

Há um porquê da aplicação da pena, Welzen, expõe “Deve-se aplicar a pena em tal forma que assegure a validade inquebrantável das normas éticos-sociais […]” (destaque nosso) a sociedade repousa sob um manto de ética: comportamento esperado, o dever-ser; não para agradar as pessoas, mas para respeita las no convívio, mesmo com pessoas desconhecidas seja possível. Surge a dificuldade quando algumas pessoas transgride a norma, e se faz necessária o jus puniendi.

2. A visão da sociedade sobre a pena

O momento é delicado quando se trata de expor o tema pena, aplicação e seu cumprimento. Há não apenas no Brasil uma intolerância histérica desejando fazer justiça com as próprias mãos ou usando a longa manus da justiça para alcançar os que insistem em praticar delitos. E a cada exposição midiática passando e repassando os crimes cometidos, a população vai criando um desejo inacreditável de fazer com que estes que praticam crime sofram agruras, o espírito de vingança é evidente e cada dia comum ouvir entrevista com o descontrole massificado.

Há como mudar esta visão? Há como ao menos diminuir esta sensação de punição a qualquer preço?

Há estudos psicológicos e comportamentais sobre a questão, tamanho o efeito devastador que se pode atingir com excesso de exposição a filmes, telejornais que exponham a violência de forma muito cruel, sem limites de expandir e alcançar pontos na audiência.

Para expandir o tema se faz necessário verificar o que especialistas no assunto:

“Nunca se assistiu a tanta violência na televisão como nos dias atuais. Dada a enormidade de tempo que crianças e adolescentes das várias classes sociais passam diante da TV, é lógico o interesse pelas conseqüências dessa exposição. Até que ponto a banalização de atos violentos, exibidos nas salas de visitas pelo país afora, diariamente, dos desenhos animados aos programas de ‘mundo-cão’, contribui para a escalada da violência urbana?” (http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/02/ta-com-pena-adote-um-bandido.html.)

Sem exagerar na dose, mas pontuando, essa tem sido um pouco da realidade de muitos lares, quando a família exposta a toda sorte de violência apresentada sem conseguir, ou querendo mesmo ouvir o que de mais bárbaro está acontecendo.

Os estudos chegam a vislumbrar como cada canal de TV aberta, oferece diariamente violência, desde do desenho até novelas e filmes, indicando ser este além de um tema recorrente, ser uma forma sarcástica como uma necessidade de ver cenas que ficam marcadas por anos na mente de quem assiste.

Colocando a parte a influência da TV e seus programas, filmes; há ainda um problema maior e intermitente, os discursos[3] exacerbados por políticos que aproveitando o momento, destilam seu veneno oportunista para além dos limites aceitáveis.

De uma forma quase que geral, a uma ala tremendamente significativa que estão defendendo esta posição, de forma tão escancarada, que se houver contrariedade a este assunto, já há taxativamente uma classificação, um rótulo que se propõe a se classificar, uma vez que politicamente é errado não defender a famosa frase “bandido bom é bandido morto”.

Divisando este quadro fica quase impossível não se verificar que a pena, sua aplicação, não é o desejo destes que defendem a aplicação imediata da chamada “justiça”.

Na pesquisa levada avante se descobri até um “blog” que tem o seguinte nome: http://odeiodireitoshumanos.blogspot.com.br/, neste site, se verifica logo de saída sua pretensão na frase de abertura:  “Quem poupa o lobo, sacrifica a ovelha”,  de forma bem transparente se percebe a ofensiva, que se acredita ser ideológica, pois, quem defende bandidos, segundo o discurso é da esquerda, uma vez entenderem que quem deseja o respeito ao devido processo legal é da direita. Este simulacro é tão vazio e sem critério que não vale se opor a tal situação surreal.

Desta feita, cumpre lembrar a questão criminal[4] suplanta estas ideologias que atualmente, saíram do plano do debate que leva a algum substrato razoável, vê se com muita clareza, o esvaziamento da riqueza de discurso, de debate e até as ideias passaram a ser comezinhas a ponto de aceitar ser chamado de codinomes disforme e desencontrados.

Poderia se e muito se demonstrar uma quantidade não pequena de políticos que vociferam em seus pronunciamentos e pronunciamentos declaram claramente sua posição em considerar “bandido”, destinado a pena de morte ou até mesmo a prisão perpétua.

Assim a sociedade atual tem oscilado entre aqueles que defendem um tratamento digno aqueles que cometem crime, e os opostos a esta ideia de dignidade da pessoa humana.

3. A política criminal e aplicação envolvendo a pena

Na esteira desta construção se apresenta a política criminal, que tem seu viés perceptível no Direito Penal, de forma particular, no que diz respeito à aplicação das penas e sua volúpia em reproduzir a ideia de ressocialização, que de maneira particular aqui no Brasil, através do sistema prisional se percebe de imediato o que Foucault[5] afirma, que estabelece a existência do sistema carcerário como um deposito de seres humanos que precisam sair de circulação da sociedade desenvolve uma forma de despejar estes indesejados num outro cenário e sem a menor ideia de mudança, mas apenas de programação, obediência disciplinar rigorosa se “resolve o problema”.

Não se desviando do que se chama “política criminal”, Roxin Apud Franz v. LISZT assim vaticina “"O direito penal é a barreira intransponível da política criminal". Esta frase não é solta ao acaso, ao contrário ela enseja uma situação de como o tema proposto está longe de alcançar o ser humano que cometeu crime, já estigmatizado como “bandido”, “criminoso”, “elemento”, “meliante”, e por aí segue uma quase interminável lista de codinomes para designar e apontar aquele que uma vez foi chamado de ser humano diminuído, como se pode perceber a uma nova categoria. Não é demais citar o Professor Claus Roxin, estendendo o assunto:

“[…] caracteriza uma relação de tensão, que ainda hoje está viva na nossa ciência. Os princípios empíricos com base nos quais se tratam os comportamentos socialmente desviantes são contrapostos por LISZT (sic) ao método jurídico (em sentido estrito) de construção e ordenação sistemática-conceitual dos pressupostos do delito. Ou, dito de forma sucinta: a frase caracteriza, de um lado, o direito penal como ciência social e, de outro, como ciência jurídica. Neste caráter dúplice de sua recém-fundada "ciência global do direito penal" corporificavam-se, para LISZT (sic), tendências contrapostas. A política criminal assinalava ele os métodos racionais, em sentido social global, do combate à criminalidade, o que na sua terminologia era designado como a tarefa social do direito penal, enquanto ao direito penal, no sentido jurídico do termo, competiria a função liberal-garantística de assegurar a uniformidade da aplicação do direito e a liberdade individual em face da voracidade do Estado "Leviatã”. (ROXIN, 2000, p.2,3).

Ao buscar uma visão da aplicabilidade da política criminal, verifica se que há dicotomia, a ser superada, como descreve o texto “assegurar a uniformidade da aplicação do direito e a liberdade individual em face da voracidade do Estado "Leviatã”. O padrão constitucional e mesmo penal é primar pela liberdade e não pelo encarceramento a todo custo, como se observa, e de maneira rica a citação contempla “em face da voracidade do Estado "Leviatã”. Ora, por que o Estado tem interesse em aprisionar? Não seria passível de uma seriedade maior, prevenir e ressocializar aquele que pratica crime? Ou, há algo de maior interesse ao Estado, não contemplado a olho nu?

O fato é que as políticas públicas estão longe de se quer se sensibilizar com o problema carcerário brasileiro, não há se quer uma política mínima para a longo prazo se modificar o cenário que hoje persiste. Neste ponto se faz mais do que necessário citar Zaffaroni, que mitiga:

“[…]vende-se a ilusão de que sancionando leis que reprimam desmesuradamente aos poucos vulneráveis e marginados que se individualizam, e aumentando a arbitrariedade policial, ao legitimar, direta ou indiretamente, todo gênero de violências, inclusive contra quem objeta o discurso publicitário, obter-se-á maior segurança urbana contra o delito comum.” (ZAFFARONI, 2005, p. 24).

Destarte esta colocação que exsurge apontando “a ilusão de que sancionando leis que reprimam desmesuradamente aos poucos vulneráveis”, haverá sem margem de dúvida uma diminuição do fator crime. Ledo engano, o combate do crime não se limita a novas leis, ou até sua aplicação, o problema chegou a uma situação tão gravosa que se anseia por algo mais profundo que normatizar novamente, uma vez ser este o coeficiente que políticos oportunistas se apropriam de um anseio real, e semeia a ideia deslavada de soluções fantasiosas.

Para melhor assessorar o assunto se faz indispensável a palavra de Ferrajoli:

“[…]a certeza perseguida pelo direito penal máximo está em que nenhum culpado fique impune à custa da incerteza de que também algum inocente possa ser punido. A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune.” (Ferrajoli, 2002, pp. 84-85).

A penalização é sem dúvida uma necessidade que não deveria ser usada a não ser em condições extremas e, não como hoje é oferecida, uma solução, para todo problema escancarado e dissociado de fatores mínimos e importantes. Como o próprio Direito Penal é conhecido, como ultima Ratio, não como primeira, ou única como se observa muitos imaginando ser esta a solução mágica.

Não seria nenhum absurdo, após verificar as citações e também como é encarado o encarceramento de verificar que a política criminal atual (para não dizer sempre), é de prender em massa, havendo vagas, não pestanejar encarcerar.

Não política no âmbito federal que incentive, por exemplo egresso ao trabalho, ao contrária este fica taxado com maus antecedentes, por toda sua vida, o que por si só é um dano incomensurável, não há um processo oficial para esta situação, então as Unidades Federativas, tem em alguns poucos casos aplicados a mudança deste paradigma com sucesso muito bom.

Desta visão se busca alimentar a ideia de que é possível mudar, crescer, e diminuir o número de prisioneiros, e ainda, os egressos haver um programa para aqueles que realmente querem mudar de vida.

Conclusão

Ao tratar do tema dosimetria da pena e política criminal, temas afins, procurou-se demonstrar quão espinho é o tema, e a dependência no sistema trifásico, ao menos na primeira fase, de discricionariedade e livre arbítrio do magistrado para trabalhar dentro dos ditames da lei, mas também de sua impressão pessoal, de como deve se começar a pena na primeira fase.

O assunto é espinhoso, não havendo consenso em boa parte de seu desenvolvimento, o legislador para promover esta maior liberdade ao juiz determinou só a pena base com a medida flexível, dentro dos limites pautados para poder se valer de sua sensibilidade e manejo da lei.

Foi também observado a visão da sociedade e grito não mais silencioso de penas mais duras, mais longas e a eliminação do bom senso clamando por penas que pela cláusula petrea é impossível serem implementadas

Desta feita, urge o papel do doutrinador e da jurisprudência de estabelecer critérios mínimo e máximo.

É nesse desenrolar que se pode entender o que é dosar, qual seja, uma análise dos atos executórios de um crime, um exame criterioso dos textos legais que se apresentam para opor se ao liberalismo e também ao conservadorismo.

Longe de esgotar o assunto, a pesquisa procura trazer à baila doutrinadores celebrados e com equidade e justiça tentam e manejam o direito há anos (alguns até já falecidos, mas encontrando em sua obra, respaldo para impor os limites bem estabelecidos para uma fundamentação a posterior, de forma equilibrada.

Por fim, não como falar de dosimetria da pena, sem falar sobre política criminal, estabelecendo como será tratado aquele que enfrentará a penalização. Outro fator importante é como há de tempos em tempos uma mudança brusca no conceito desta política, ora facilitando aos crimes de menor potencial ofensivo e os que praticam os crimes com maior potencial ofensivo ao bem jurídico tutelado.

É inegável, que a letra da lei não se coaduna com o processo penal, há uma atmosfera de independência quando se fala de política criminal, imponde, não poucas vezes como tratar o problema prisional no Brasil e nos estados, deixando a margem, o devido processo legal.

As desculpas para este comportamento são hilária, uma vez que é perceptível numa situação como esta haver conflito entre uma lei infraconstitucional com um instituto da política criminal.

Não é a toá que há uma forma litigiosa para tratar do assunto, não consenso.

A esperança é que mude se radicalmente esta política criminal para atender as necessidades de uma sociedade que vive amedrontada e refém daqueles que praticam o crime.

Isso é claro, só se verá quando a “política” parlamentar agir dentro dos interesses da sociedade e não legislar em causa própria.

 

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Notas
[1] A penalização é bem exposta através do professor Marques: “O Estado pune e castiga porque houve uma conduta humana reprovável que atentou contra os valores primordiais e básicos da convivência social. As sanções extrapenais são insuficientes, em tal caso, para a reparação do mal praticado, e por isso, o Estado reage com mais energia e mais rigor, para impor ao delinquente (sic) a punição merecida. ” (MARQUES, 1999, p.139).
[2] Em seu livro o Contrato Social, Rousseau, procura apresentar uma fórmula de uma sociedade ao se estabelecer ter o mínimo de controle, daí a ideia do “pacto social”, vertido nas leis que o Estado proclama, para que todo cidadão cumpra, ou se submeta as consequências de quem conspurca a lei/pacto que todos aceitaram.
[3] “Para completar o discurso que sempre é lançado pela turma dos “direitos humanos para os humanos direitos” (ou de direita, mesmo) foi repetido: “E aos defensores dos direitos humanos que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”.[…] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/02/ta-com-pena-adote-um-bandido.html.  Lamentavelmente esta leitura partiu de uma jornalista, que o objetivo aqui não é se opor, ou defender, mas na pesquisa demonstrar que os nervos estão aflorados, a ponto de se conduzir uma fala desta natureza.
[4] Ao tratar do tema crime, ou direito penal se faz necessário haver uma latitude maior do que a que se vivência, em forma de pseudo “jornalismo”, com aparência de pasquim, e não com a seriedade necessária para enfrentar o problema real e cresce prática do crime. O Professor e Doutor João Ibaixe Júnior, em um texto lapidar assim explana o tema: “O atual estudo do Direito Penal assenta pacificamente a noção de que todo o estudioso não pode se limitar a uma pesquisa de caráter meramente dogmático, no qual as estruturas do conhecimento são fornecidas por padrões conceituais de ordem técnica. O questionamento da chamada da pós-modernidade, acompanhado da inflexão sobre o conceito de subjetividade, revela relações de dominação, as quais se apresentam mascaradas sob bandeiras de direitos subjetivos, mormente na esfera penal. Com efeito, no ramo do Direito em que se trabalha mais direta e profundamente com as ligações entre responsabilidade, culpabilidade e liberdade, o oferecimento pelo sistema de um conjunto de princípios fundamentais, cuja função seria a de defesa do indivíduo, consubstancia-se num simulacro, pois tais mecanismos não se colocam como eficazes meios de resguardo do ser humano, quando este se encontra sob a incidência da persecução penal. Somente quando a reflexão busca o fundamento da subjetividade pós-moderna é possível se verificar o mecanismo autorizador da imposição de responsabilidade à conduta humana, a qual talvez não possa mais ser estruturada a partir da racionalidade metafísica, mas apenas numa outra que considere a questão da linguagem e da hermenêutica”. (IBAIXE, 2016, p.135).
[5] O filosofo aqui desenvolve a ideia da prisão para aqueles que precisam ser retirados urgentemente de circulação social: “Minha hipótese é que a prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos. Habitualmente se acredita que a prisão era uma espécie de depósito de criminosos, depósito cujos inconvenientes se teriam constatado por seu funcionamento, de tal forma que se teria dito ser necessário reformar as prisões, fazer delas um instrumento de transformação dos indivíduos. Isto não é verdade: os textos, os programas, as declarações de intenção estão aí para mostrar. Desde o começo a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quando a escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. O fracasso foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá−los ainda mais na criminalidade”. (FOUCAULT, 2003, p.75).

Informações Sobre o Autor

Marcos Antônio Duarte Silva

Doutorando em Ciência Criminal UBA Mestre em Filosofia do Direito e do Estado PUC/SP Especialista em Direito e Processo Penal formado em Direito e Teologia Professor de Processo Penal e Direito Penal da Faculdade de Rondnia FARO Professor de Pós-Graduação da UNIJIPA pesquisador da PUC/SP e da CNPq


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Equipe Âmbito Jurídico

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