Ensino Jurídico

A Doxa e o Contexto Retórico Midiático Sobre as Decisões no Tribunal do Júri

Nícolas Vladimir de Souza Januário[1] – Professor do Curso de Direito da Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS

Poliana Aparecida de Ázara[2] – Acadêmica de Direito da Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS

 

Resumo: Podemos perceber que ao longo da vida, a sociedade cria juízos sem ao menos entender o mundo que a rodeia. Com isso, acaba ficando mais fácil manipular as pessoas. Por isso, é muito importante entender o que a mídia e sua influência causa na sociedade. Somos indivíduos racionais, dotados de inteligência para saber entender o que é verdadeiro ou falso. Porém, não buscamos exercitar o que seria essencial para tomarmos qualquer decisão. No cenário atual, vemos o quanto a mídia influenciou e ainda tem influenciado as decisões no Tribunal do Júri, ocasionando um desrespeito a dignidade humana. Mesmo não havendo em todos os casos expostos pela mídia o desrespeito com este princípio.

Palavras-chave: doxa; contexto retórico; persuasão; mídia; Tribunal do Júri.

 

Abstract: We can realize that throughout life, society creates judgments without even understanding the world that surrounds it. This makes it easier to manipulate people. Therefore, it is very important to understand what the media and its influence causes in society. We are rational individuals, endowed with intelligence to know what is true and false. However, we do not seek to exercise what would be essential to make any decision. In the current scenario, we see how much the media influenced and still has influenced the decisions in the Court of the Jury, causing a disrespect to human dignity. Even though there is no disrespect for this principle in all the cases exposed by the media.

Keywords: doxa; rhetorical context; persuasion; media; Jury court.

 

Sumário: Introdução; 1. O papel da linguagem e da retórica na arte da persuasão; 2.  A influência da mídia sobre o Tribunal do Júri; Considerações Finais; Referências.

 

Introdução

Vivemos em uma sociedade bastante influenciada pela linguagem, persuasão e pela mídia, na qual nos deparamos todos os dias com notícias que surpreendem cada vez mais. Geralmente, as pessoas recebem da mídia notícias prontas e superficiais, tomando-as por verdadeiras, em alguns casos com entendimentos distorcidos. Ao entendermos isso, ficamos preocupados com o que a mídia pode causar externamente na sociedade.

Algumas notícias repassadas pela mídia, notadamente aquelas que atingem uma repercussão maior, frequentemente são distorcidas pelas pessoas, que delas fazem juízos antecipados, ocasionando, assim, desrespeito a vários dos direitos inerentes à pessoa humana.

Ao descobrirmos as consequências da influência da mídia no Tribunal do Júri, verificamos que, algumas decisões, emanadas dos jurados, são extremamente influenciadas pela ampla exposição do caso nos meios de comunicação.

Na verdade, a influência da mídia nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri chega ao ponto de comprometer o princípio constitucionalmente garantido da presunção de inocência, vez que as notícias, que muitas vezes abordam o assunto totalmente fora do aspecto jurídico, moldam previamente a concepção dos jurados, que, antes mesmo de terem qualquer contato com o processo, já têm na mente a condenação do acusado.

 

  1. O papel da linguagem e da retórica na arte da persuasão.

A linguagem e a retórica são umas das formas do ser humano se comunicar e entender o todo ao seu redor. A retórica é a arte da eloqüência, de bem argumentar, da palavra e do bem dizer. Através disso, o ethos consegue persuadir o pathos (receptor), fazendo com que, o discurso alcance o seu objetivo, persuadir o receptor.

A palavra retórica vem do grego rhetor, significa orador. Esta prática nasceu com o intuito de que fossem preparados cidadãos para que exercessem discursos públicos, e conseguissem o convencimento da maioria das pessoas.

A palavra doxa vem do grego, que quer dizer conjunto de juízos que uma sociedade cria em determinada época, induzindo se tratar de uma verdade óbvia, porém, para a filosofia é uma crença ingênua, que deve ser investigada e superada pelo verdadeiro conhecimento. Essa palavra surgiu da necessidade de pensar de maneira racional, e não de acordo com a mitologia, como era antigamente.

A doxa começou a ser usada pelos retóricos gregos, com intuito de formar argumentos, através de opiniões comuns, com isso, não se buscava algo verdadeiro, e sim, o entendimento ou opinião da maioria das pessoas da época, sendo mais fácil manipular pensamento das pessoas, criando  algo supostamente  indiscutível. Visto que, a pluralidade de opiniões pessoais, não nos traz a certeza de algo verdadeiro, ocasionando conclusões definidas por existir um entendimento significativo de pessoas.

Os filósofos gregos concluíram que a doxa foi criada para substituir o verdadeiro conhecimento, concentrando nas experiências pessoais, dos pensamentos e dos desejos particulares, dependendo de aparências, portanto, podendo ser enganosa. Entretanto, a episterme nos traz algo verdadeiro e com objetividade, pois está baseado em um conhecimento científico, onde segue alguns parâmetros de investigação.

Para conseguir a confiança das pessoas é necessário um discurso bem articulado, pois seu objetivo é a adesão de várias pessoas, podendo ser construído em função de vários fatores e relações entre os homens. Com a argumentação fica mais fácil construir um discurso eficaz (persuasivo), pois é um meio educado e civilizado que o orador dispõe para que haja o convencimento do receptor.

Para os Sofistas Córax, Górgias e Protágoras, não precisa existir uma verdade absoluta, e sim mera diversidade de argumentos e opiniões. Para esses autores, seria exercida a retórica, quando a pessoa soubesse confrontar com argumentos contrários.

“É evidente que a retórica não pertence a um gênero definido, mas acontece-lhe como à dialética, pois é útil; sua tarefa não consiste em persuadir, mas em reconhecer os meios de persuasão mais pertinentes para cada caso, como também ocorre em todas as outras artes (pois não é próprio do médico fazer alguém sadio e sim dirigir-se para esse fim até onde seja possível […], o próprio dessa arte é reconhecer o convincente e o que parece ser convincente, do mesmo modo que corresponde à dialética reconhecer o silogismo e o silogismo aparente” (apud  NAVARRO, 2011).

A linguagem e a retórica devem ser usadas de modo que, seja entendida de forma positiva, sem esquecer que, existem várias possibilidades contextuais que o “mundo enunciativo” dispõe. Deve-se ter cuidado, pois muitas notícias são entendidas incorretamente, ocasionando um entendimento distorcido do que realmente a mídia quer passar ao receptor.

Às vezes, as pessoas costumam receber uma notícia pronta, e tomam como verdadeira, mesmo sabendo que antes de ter qualquer opinião deve-se pesquisar para saber se realmente é verossímil. Por isso, é importante ressaltar, que toda notícia deve ser investigada e analisada para se chegar a qualquer conclusão.

Para Aristóteles: “A retórica não é meramente uma arte de persuasão, mas antes uma faculdade de descobrir especulativamente o que, caso a caso, pode servir para persuadir”. Segundo Marilena Chauí (apud NAVARRO, 2011), Aristóteles afirmava que “o mestre de ética deveria começar pela persuasão para conseguir formar os hábitos virtuosos e, com isto, criou as condições para que a ética e a retórica acabassem inseparáveis”.

Para o autor Perelman: “A argumentação visa obter adesão daqueles a quem se dirige.” A Nova Retórica de Perelman trouxe alguns elementos importantes para a argumentação que são: orador, discurso e auditório, que devem ser considerados e investigados conjuntamente. O mais importante é o auditório, que ele conceitua como sendo “o conjunto de todos aqueles que o orador quer influenciar mediante o seu discurso” (PERELMAN, 1987).

A retórica acontece quando uma pessoa é persuadida pelo discurso, podendo ser: oral, verbal ou escrita, ou seja, tudo que venha ocasionar a persuasão.

Para Platão, a teoria sofista era uma arte de manipular e produzir algo falso, e não tinha nenhum interesse pela verdade, ou seja, para os sofistas a retórica não possuía uma verdade absoluta, e sim, relativa. Eles só queriam a valorização do discurso e da persuasão, buscando alcançar seus interesses.

Trazendo esses conceitos para a atualidade, em muitos casos a mídia com seus discursos não está preocupada somente com a exposição da verdade, e sim, está preocupada em chamar atenção das pessoas e manipulá-las, e por conseqüência ter um alto índice de audiência.

Na persuasão pode ser que o que está sendo falado não seja verdadeiro,  pois não é o que se analisa, e sim, apenas se aproxime de uma verossimilhança, ou que pareça ser verdadeiro, e isso irá depender de como o discurso será conduzido. Deve-se “investir” nos valores dos receptores, ficando mais fácil atingir o convencimento do auditório.

Para Aristóteles, a técnica retórica consiste nos principais meios e recursos que o orador se utiliza para convencer o auditório. Ele divide esses meios de persuasão como técnicos e não-técnicos. Os meios de persuasão não-técnicos são aqueles que não dependem da existência do orador, ou seja, os documentos, testemunhos, tratados, leis, etc. Os meios de persuasão técnicos são aqueles que dependem do orador, no qual ele incorpora no seu discurso, isto é, o que o orador cria na hora da sua fala ou do seu discurso. E se divide em ethos (orador), pathos (auditório) e logos (argumentação).

O ethos é importante em um respectivo discurso, pois é necessário que o orador transmita uma boa impressão aos receptores, que ele tenha o domínio do assunto, uma boa apresentação, com autoridade ao falar do assunto, credibilidade e demonstração de confiança em si mesmo, podendo levar a persuasão.

O pathos é quando o orador consegue despertar no auditório algum sentimento ou comoção sobre determinado assunto, sendo um dos fatores muito relevante na hora das pessoas tomarem alguma decisão, caso exista um discurso no qual os receptores tenham que decidir serem a favor ou contra a causa defendida. É um apelo ao lado emocional do público, porém, antes disso, é necessário ter um conhecimento antecipado de como comover o público-alvo.

O logos é extremamente importante na oratória, pois é o discurso em si, o conteúdo que é usado, com lógica, ou seja, como foi apresentada a tese. Se observa a clareza do discurso, a linguagem, os argumentos escolhidos, etc.

Para que o discurso consiga atingir seu objetivo, é necessário a junção desses três componentes de persuasão, um se apoiando no outro.

“Assentemos que a Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir; por exemplo, a medicina, sobre o que interessa à saúde e à doença; a geometria, sobre as variações das grandezas; a aritmética, sobre o número, e o mesmo acontece com as outras artes e ciências. Mas a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir” (Aristóteles).

Aristóteles salienta que, em um discurso é necessário seguir alguns passos para produzir a persuasão, descobrindo alguns mecanismos para que, algo sendo ou não verdadeiro, ganhe uma dimensão de verdade, pois a persuasão não busca a verdade e a ética, e sim, o pleno convencimento dos receptores, independentemente de qualquer fator.

A Arte Retórica contém regras gerais a serem praticadas em discursos persuasivos, sendo eles: o exórdio, a narração, as provas e a peroração.

O exórdio é a parte inicial do discurso, uma introdução, algo simplificado que chama a atenção do público para o assunto, é muito importante para o desenrolar do discurso.

A narração é trazer para o discurso os fatos acontecidos, é a argumentação em si, ilustrando o acontecido.

As provas é a comprovação daquilo que se argumentou, pois para um discurso persuasivo é necessário que exista a comprovação dos fatos. Essa prática é importante na área jurídica, pois tudo deve ter provas daquilo que se fala.

A peroração é outra etapa importante nesse tipo de discurso, pois é a conclusão de tudo que foi falado e exposto, é a ultima chance que tem o ethos (orador) tem para conseguir o convencimento do pathos (auditório).

A palavra persuasão tem como sinônimo submeter, pois que persuade alguém, faz com que seja aceita uma dada ideia, e também consegue que a pessoa acredite ser verdadeira.

 

  1. A influência da mídia sobre o Tribunal do Júri.

Ao se discutir a constitucionalidade do Tribunal do Júri[3] em julgamentos de crimes dolosos contra a vida[4], temos em risco a questão da validade racional e imparcial do julgamento feito por seus membros.

Esse questionamento se torna mais consistente quando nos detemos em analisar a influência da mídia[5] nos processos que integram a formação de opinião.

Isto porque não há um limitador para os jornalistas entre a verdade dos fatos e a “espetacularização” da notícia, mas, a bem da verdade, uma forte oposição a qualquer tipo de limitação, uma vez que a chamada “liberdade de imprensa”[6] garante a informação, ou seja, o direito de informar e de ser informado.

Há que se considerar que um juízo de valor carrega em si toda uma carga cultural, que envolve preferências e preconceitos, correspondendo, em boa medida, à maneira com que o objeto em juízo interpela as identidades do sujeito social. Nesse contexto, as mídias, como formadoras de opinião, possuem a capacidade de, através de estratégias discursivas, estabelecerem um determinado enquadramento de temas e de sujeitos.

A imprensa como meio de veiculação da mídia, ao exercer a atividade de divulgação de determinadas notícias, normalmente notícias ligadas a atos ilícitos e regados a muita violência, comumente apresenta matérias bem estruturadas que se encontram diretamente relacionadas a crimes julgados pelo Tribunal do Júri.

Entretanto, não é raro que a seara da informação – também norteada pelo princípio da imparcialidade e à qual, ao menos ideologicamente, deveria se ater a imprensa – seja extravasada, impingindo-se demasiada dramaticidade à notícia, tornando-a inaceitavelmente dirigida, o que muitas vezes é justificado pelo objetivo de comoção do público para prender sua atenção e,finalmente, ganhar a audiência[7].

Existe até mesmo um processo de “linchamento público” feito pela mídia, que, depois de transcorridos os trâmites processuais, mostram-se claramente injusto. Nesse processo de “linchamento público”, os casos são apresentados, dramatizados e simulados, resultando em uma perigosa discriminação dos suspeitos que, antes mesmo de poderem apresentar qualquer defesa, são “julgados” e “condenados” pela opinião pública, que, sem mais formalidades, passa a exigir a punição daquele apontado como “culpado”.

Assim, torna-se óbvia a influência que a mídia acarreta em relação às decisões do Tribunal do Júri, mormente em casos notórios, amplamente divulgados pela imprensa. Tal influência mostra-se evidentemente perniciosa, porque os julgadores – os jurados integrantes do Conselho de Sentença – em grande parte já têm uma decisão pré-formulada, segundo a versão criada a eles passada pela mídia.

Atualmente, os crimes que fazem parte da competência do Tribunal do Júri são tão somente os dolosos contra a vida, apartados em capítulo específico do Código Penal. Ou seja, o Tribunal do Júri detém constitucionalmente a competência para o julgamento dos crimes cujo bem jurídico tutelado é o mais importante dentre todos: a vida[8].

Justamente em razão disso, críticas existem em relação à subsistência da própria instituição do Tribunal do Júri, como bem se manifesta o clássico doutrinador José Frederico Marques:

“Hodiernamente, a discussão se deslocou para outro campo: o da especialização do juiz criminal, com magistrados no exercício exclusivo da Justiça punitiva e devidamente providos de ‘conhecimentos jurídicos e criminológicos, para julgar o fato e o homem que delinquiu, inclusive ainda para impor o tratamento adequado e lhe fiscalizar a execução e os seus efeitos no tocante ao réu’. É que o júri, levado ao continente europeu como reação à magistratura das monarquias absolutistas, perdeu seu aspecto político depois que o judiciário adquiriu independência em face do Executivo; e despido daquela auréola quase mística de paladium da liberdade, para ser apreciado objetivamente como um dos órgãos da justiça penal, a sua inferioridade se tornou patente. Entre o julgamento inspirado na lei e na razão, no direito e no conhecimento técnico, e aquele ditado pelo arbítrio e pela instituição cega, não há hesitação possível”.

Não se pode deixar de mencionar o paradoxo aqui existente: o Tribunal do Júri é composto por um Conselho de Sentença formado por sete juízes (jurados) leigos, que não necessariamente precisam ter algum conhecimento jurídico; no entanto, a Constituição, por mero capricho e apego a uma tradição arcaica, reserva a ele – Tribunal do Júri – a competência para a prolação de julgamentos para os crimes mais sérios que podem ser cometidos na vida social.

Ocorre que o juiz leigo é muito suscetível à pressão das circunstâncias e manobras secretas para proferir seu voto, podendo até mesmo servir aos desejos de outrem, atendendo a finalidades políticas, totalmente divorciadas do que é de fato justo.

Assim sendo, pelo ordenamento jurídico em vigor, todo brasileiro, homem ou mulher, está apto a servir como jurado, desde que se trate de pessoa idônea, respeitando-se o texto do art. 436 do Código de Processo Penal, in verbis: “O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade”.

Por mais que seja inegável e necessária a notória idoneidade do jurado quando de sua convocação para o julgamento penal, é inegável que sobre este recaia a influência midiática e política, veiculada pelos meios de comunicação que se manifestam sobre cada caso penal posto para julgamento.

É sabido por todos que em todos os instantes, informações diversas chegam ao conhecimento público, criando regras e paradigmas, formando opiniões.

Na esfera da criminologia e do processo penal, os meios de comunicação fazem a cobertura de casos criminosos, denotando maior atenção aos praticados com grande violência ou os que causam grande comoção social.

Nesta toada, como bem ensina Frederico Marques, o julgador no processo de competência do tribunal do júri pode vir a sofrer influências indesejáveis pela mídia e informações sensacionalistas.

A humanidade nunca evoluiu tanto no ramo das comunicações como no último século, desenvolvendo-se grande quantidade de informações e formas de se comunicar.

Por decorrência de tal situação, deu-se a criação dos popularescos meios de comunicação, que por sua vez pode influenciar e criar opiniões naqueles que com eles mantiverem contato, promovendo alterações das mais variadas formas.

O direito penal por sua vez objetiva tutelar os bens mais preciosos da existência humana, dentre eles a vida, a liberdade, o patrimônio, dentre outros, o que causa grande interesse social, principalmente pelo caráter sancionador deste ramo do direito. Tal interesse não é despertado em apenas uma classe social, mas sim em toda coletividade. Por conta dessa abrangência do direito penal, os meios de comunicação, têm procurado dar maior atenção aos fatos que permeiam o campo criminal, passando estas duas áreas humanas a ter uma forte interação, que por vezes geram frutos de influência uma na outra.

Por óbvio que o ponto de maior repercussão neste estudo seria o da influência pejorativa dos meios de comunicação no julgamento penal, em especial na propagação de informações nos casos de incidência dos crimes de competência do tribunal do júri, formando, assim, indiretamente, a convicção dos julgadores desses casos, quais sejam, a própria sociedade em prejuízo dos princípios basilares que devem nortear o processo penal.

Cabe destacar que os componentes do tribunal do júri, são o público alvo dos meios de comunicação, sofrendo influência política e ideológica destes, dando corpo, conforme dito acima, ao explicitado pelo doutrinador Frederico Marques ao criticar a instituição do Tribunal do Júri.

Em artigo publicado durante o 2º Congresso internacional de Direito e Contemporaneidade da Universidade federal de Santa Maria a autora Fernanda Graebin Mendonça definiu muito claramente a relação entre a mídia e o sistema penal brasileiro. Descreve a autora:

“Nas últimas décadas, a ‘mídia’ – assim comumente chamada, os meios de comunicação em massa difusores de informações – ganhou força e influencia que não devem ser desconsideradas. Através da multiplicação e popularização de cada vez mais veículos midiáticos, como a internet, informações, sobre os mais diversos assuntos chegam aos indivíduos a todo minuto e de forma constante. Deste modo, a sociedade é influenciada pelo que vê e ouve através da mídia, formando, assim, a chamada ‘opinião pública’. Sobre este termo, ele pode possuir várias concepções dependendo do autor e do enfoque dado ao termo, mas, de forma mais simples e objetiva, pode-se definir a opinião pública como ‘o juízo coletivo adotado e exteriorizado no mesmo direcionamento por um grupo de pessoas com expressiva representatividade popular sobre algo de interesse geral’ o que demonstra que os veículos midiáticos são capazes de formar e transformar a consciência coletiva”.

Como narrado acima, o sistema penal nacional tem ganhado espaço privilegiado nos meios de comunicação, o que também foi alvo de comentários da operadora do direito Arianne Câmara Nery, em sua obra Considerações Sobre o Papel da Mídia no Processo Penal, em seu tema de conclusão de curso no ano de 2010, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro:

“É possível destacar, em qualquer dos Órgãos da mídia, espaços dedicados à questão criminal, com nítida preferência a alguns tipos de crimes, previamente selecionados, que são reiteradamente exibidos, narrados e descritos constantemente. Neste cenário, é possível que tamanha quantidade de informações veiculadas exerça alguma forte influência no comportamento das pessoas em geral, o que é extensível aos sujeitos processuais – especialmente o juiz”.

A atuação em exagero dos meios de comunicação no repasse de notícias em especial as de ordem criminal, no campo de atuação do Tribunal do Júri, por vezes vai além dos campos aceitáveis de moderação e da moral, desvirtuando-se, se tornando uma verdadeira fábrica de vítimas e réus em seus contos.

A mídia ao julgá-los e condená-los antecipadamente, desconsideraram o inciso LVII, do artigo 5° da Constituição Federal, que diz: “Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado, da sentença penal condenatória”. Com isso, os direitos expressos em nosso ordenamento jurídico são roubados, ocasionando danos irreparáveis na vida das pessoas.

“Toda verdade passa por três estágios: no primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria (autor desconhecido).

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, essa frase é de Joseph Goebbels, que foi Ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista, exercendo severo controle sobre as instituições educacionais e os meios de comunicação.

Existem muitos casos que a mídia influenciou no julgamento do Tribunal do Júri. E entre eles: o caso Suzane Von Richthofen, o caso Isabella Nardoni, o caso Eliza Samudio.

O caso Richthofen, aconteceu no dia 31 de outubro de 2002, no qual Daniel Cravinhos de Paula e Silva (namorado de Suzane), e seu irmão Cristian Cravinhos de Paula e Silva executaram a pauladas o casal Manfred e Marísia a mando de Suzane Rchthofen (filha do casal). No começo das investigações surgiram indícios que os três eram supostamente os responsáveis pelo crime. No entanto, não existiam provas contundentes que eles eram os autores do crime. Mas, com a grande repercussão que o caso teve, a mídia passou a condená-los desde o começo das investigações, apontando-os como “frios e dissimulados”, antes mesmo de confessarem o crime. E após terem confessado o crime, disse que a prisão deles aconteceu devido um “clamor público”.

O caso Isabella Nardoni, aconteceu em março de 2008, na qual Anna Carolina Jatobá (madrasta de Isabella) e Alexandre Nardoni (pai de Isabella) mataram Isabella Nardoni, o pai teria jogado a menina do 6° andar. O caso teve grande repercussão na mídia, devido ter sido contra uma criança de cinco anos, sem ter meios de se defender. Mesmo sem provas contra o casal, a mídia passou a apontá-los como os únicos responsáveis pelo crime. Devido a grande repercussão na imprensa do caso, e posteriormente surgindo provas de que realmente eles eram os autores do crime, uma multidão pedia por “justiça”.

O caso Eliza Samudio, aconteceu em junho de 2010, onde Bruno Fernandes de Souza (goleiro Bruno) mandou matar Eliza Samudio, por estar pedindo o reconhecimento da paternidade do filho do jogador. A mídia também fez com que este caso tivesse grande comoção, devido ele ser jogador de futebol. No começo das investigações não existia nenhuma prova de que ele poderia ser o autor do crime, pois não foi encontrado o corpo da jovem que tinha 25 anos na época. Mas, com a mídia dando grande importância ao caso, ele passou a ser condenado antes de surgirem as provas. Após algum tempo de investigação foram surgindo provas do suposto envolvimento dele com o crime, e a comprovação de que realmente ele era o mandante do crime, ocasionando ainda mais repercussão na mídia.

Podemos perceber que a mídia teve, tem grande importância e influência nestas e outras decisões julgadas pelo Tribunal do Júri nos crimes contra a vida, pois devido à repercussão trazida por ela, as pessoas são convocadas a buscarem por “justiça”, pois a tragédia alheia fascina a sociedade.

Quando ao cidadão é dado o direito de julgar, todo sentimento de vingança e de justiça que a mídia transmite passa a ser revelado, onde é muito comum alguns promotores apelarem pelo lado emocional do jurado, tentando com isso, uma sentença condenatória satisfatória, mesmo havendo provas contrárias.

Muitos juízes togados têm decisões influenciadas pela mídia, alegando como fundamento o “clamor popular”, a “repercussão do crime na sociedade” e a “garantia da ordem pública”, já os cidadãos comuns que fazem parte do tribunal do júri são influenciados mais facilmente, devido a não terem tanto conhecimento como os juízes.

Muitos pesquisadores consideram o tribunal do júri uma busca plena por efetividade e democracia no nosso ordenamento jurídico, pois o poder está nas mãos do povo e é plenamente exercido por ele. Contudo, a publicidade dos atos processuais e a liberdade de imprensa devem ser limitadas, para que não seja desrespeitada a dignidade da pessoa humana. Os excessos praticados pela mídia devem ser contidos, e também deve haver punição das violações e abusos de direito.

Os meios de comunicação são muito amplos, por isso as notícias se propagam muito rápido, principalmente pelas redes sociais, onde o que importa é o apelo à emoção ou as crenças pessoais da opinião pública.

Portanto, é extremamente necessária uma postura firme do Poder Judiciário em geral, para conter a atuação irresponsável da mídia, lutando pelos direitos dos acusados e para que aconteça o devido processo legal, pois não pode existir uma instituição que condena ou absolve alguém por uma mera vontade.

Homens dotados dos mesmos sentidos e sujeitos às mesmas paixões se comprazem em julgá-los criminosos, têm prazer em seus tormentos, dilaceram-nos com solenidade, aplicam-lhes torturas e os entregam ao espetáculo de uma multidão fanática que goza lentamente com suas dores” (Beccaria, obra “Dos delitos e das penas”).

 

Considerações Finais

Como podemos constatar, a linguagem e a persuasão estão sempre presentes no nosso dia a dia, principalmente no mundo jurídico, alcançando o seu objetivo, que é fazer com que as pessoas possam ser influenciadas e decidir sobre determinadas situações, com o intuito de não serem injustas, mesmo em algumas situações sendo.

A mídia, portanto, tem importância significativa nas decisões judiciais, principalmente nos crimes contra a vida, que é competência para julgamento  do Tribunal do Júri em nosso país.

Com isso, percebemos o quanto é importante saber distinguir um discurso inverossímil. Pois, devido essa constatação, a mídia pode causar danos irreparáveis na vida das pessoas, fazendo com que inocentes possam ser condenados, ou até mesmo culpados terem sua pena majorada, devido a comoção do público.

 

Referências

ARISTÓTELES. Retórica. Gráfica: Branca Vilallonga, 2005.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf>. Acesso em maio de 2017.

CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. Editora Ática. São Paulo, 2002.

NERY, Arianne Câmara. Considerações sobre o papel da mídia no processo penal. Disponível em:< https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16733/16733.PDF>. Acesso em maio 2017.

PACHECO, Gustavo de B. F. Retórica e nova retórica: a tradição grega e a teoria da argumentação de Chaim Perelman. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/ portal/sites/ default/files /anexos/25334-25336-1-PB.pdf>. Acesso em maio 2017.

SOUSA, Américo de. A Persuasão. Gráfica: Serviços gráficos da Universidade da Beira Interior, 2001.

SOUZA, Paulo Rogerio Areias de. A importância da lógica e da argumentação para os profissionais do direito. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XII, n. 61, fev 2009. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5992>. Acesso em maio 2017.

 

[1] nicolas.januario@unifenas.br

[2] polianaaparecidadeazara@outlook.com

[3]Não há um consenso ou uma corrente majoritária sobre o surgimento do tribunal do júri, há sim, inúmeras teses sobre a origem dessa instituição milenar. Esse dissenso se dá pela falta de acervos históricos seguros e específicos, aliados ao fato de o instituto estar ligado às raízes do direito e acompanhar as mais antigas aglomerações humanas. A primeira tese é a chamada de cética, que defende o surgimento do tribunal do júri na época clássica da Grécia, com os diskatas e Roma Antiga, com seus judices jurati, além dos centeni comites, presentes na Germânia.Por outro lado, existe a tese liberal que aponta a origem do júri na época mosaica, com os judeus, onde o julgamento era feito pelos pares, no Conselho dos Anciões, em nome de Deus. Nesse entendimento Nucci (2008, p.41) defende que: “Na Palestina, havia o Tribunal dos vinte e três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros escolhidos dentre os pares, levitas e principais chefes de Israel.”A tese mais segura, é que o tribunal do júri surgiu na velha Inglaterra, no ano de 1215, quando o Concílio de Latrão extinguiu as ordálias, ou seja, juízos de Deus, onde a crença dizia que Deus não deixaria de socorrer inocente.

[4]O tribunal do júri é uma unidade do poder judiciário competente para conjecturar a respeito dos crimes dolosos contra a vida, ou seja, crimes em que o agente praticante da ação possui a intenção de produzir o resultado tido como ato ilícito, sem se importar com seus efeitos. Tais atos são o homicídio consumado e tentado, o infanticídio, a instigação ao auxilio do suicídio e o aborto.A Constituição de 1988 regulou o júri em seu titulo II sobre os direitos e garantias individuais, art. inc. XXXVIII:“é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

[5]O termo mídia possui significado de ferramenta que difunde informações e dados estabelecendo uma relação entre emissor e o receptor, atuando como mediadora de diversos assuntos, como a publicidade, a política, e o que de fato interessa a esse artigo, fatos delituosos.

[6]Tal direito está previsto nos arts, IX, e220, §1º, ambos da Constituição Federal, que dispõem, in verbis:“Art. 5º.(…) IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.

[7]Forçoso dizer que a sistemática entre mídia e jornalismo se tornou um produto lucrativo, o que chamou a atenção de empresários dispostos a investir ambiciosamente nesse meio, não tomando conhecimento da influência muitas vezes negativa que esse processo pode exercer contra o ideal de pacificação social.

[8] Os demais crimes que não são referidos no artigo 74, §1º, do Código Penal, não fazem parte do rol de competência do Tribunal de Júri, mesmo havendo resultado morte. Exemplo disso é o crime de latrocínio, nos termos da Sumula nº 603, do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri”.

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