A eficácia da prisão efetuada a partir da rede Infoseg

Resumo: o presente artigo aborda a necessidade de constante atualização do Direito diante dos avanços tecnológicos dos instrumentos que podem servir para a concretização dos comandos jurídicos. Procura demonstrar a legalidade da utilização dos meios eletrônicos, cuja aplicação já foi objeto de decisões favoráveis dos tribunais superiores. Sinaliza, por fim, a necessidade de aprimoramento dos instrumentos oficiais no sentido de incorporar a modernidade, principalmente da área de informática, visando sobretudo à concretização da justiça de maneira mais eficiente.


Sumário: 1. Introdução. 2. A rede nacional de segurança pública. 3. Jurisprudência sobre o tema. 4. Legitimidade dos meios eletrônicos. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.


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1. INTRODUÇÃO


Tema muito interessante diz respeito aos avanços da ciência de um modo geral, quando confrontamos esses avanços com a criticada inércia do Direito em face da evolução tecnológica dos instrumentos pouco utilizados pela ciência jurídica para a consecução dos seus fins. À vista disso, é que temos acompanhado, pela imprensa, a realização de prisões, na maioria das vezes realizada pela Polícia Rodoviária Federal, de indivíduos em trânsito pelo país e que possuem mandado de prisão em aberto no sistema informatizado de comunicações denominado Rede Infoseg.


A atenção tem se voltado para essas prisões exatamente em face do procedimento inusitado levado a efeito pelos policiais rodoviários que não presenciam o flagrante delito, mas sim procedem de acordo com o estrito cumprimento do dever legal, que legitima o cumprimento da ordem de prisão, na opinião da jurisprudência pátria, na maioria das vezes autorizada por autoridade judiciária com jurisdição em outro estado bem distante daquele em que se efetuou a prisão.


Esse procedimento tem gerado certa controvérsia diante do disposto no art. 289 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que preveem:


Art. 289. Quando o réu estiver no território nacional, em lugar estranho ao da jurisdição, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado.


Parágrafo único. Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por telegrama, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como, se afiançável a infração, o valor da fiança. No original levado à agência telegráfica será autenticada a firma do juiz, o que se mencionará no telegrama.”


Segundo aqueles que criticam a falta de atualização do Direito, estaríamos, mais uma vez, diante de um caso em que os recursos tecnológicos acabaram por ultrapassar os artigos da Lei, mormente uma Lei elaborada há décadas, como é o caso do Código de Processo Penal. Para tanto, a fim de manter a atualização do Direito, a jurisprudência pátria tem se firmado no sentido da admissão de o decreto prisional ser cumprido mediante o seu registro na rede informatizada, dispensando-se os formalismos burocráticos gerados pela expedição de carta precatória ou telegrama, procurando, assim, dar efetividade à ordem prisional, através dos meios mais modernos de comunicação.


2.A REDE NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA


Pois bem, acerca da Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e fiscalização – Rede Infoseg, dispõe o Decreto n.º 6.138/2007:


Art. 1o Fica instituída, no âmbito do Ministério da Justiça, a Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização – Rede Infoseg, com a finalidade de integrar, nacionalmente, as informações que se relacionam com segurança pública, identificação civil e criminal, controle e fiscalização, inteligência, justiça e defesa civil, a fim de disponibilizar suas informações para a formulação e execução de ações governamentais e de políticas públicas federal, estaduais, distrital e municipais.


Art. 2o Poderão participar da Rede Infoseg os órgãos federais da área de segurança pública, controle e fiscalização, as Forças Armadas e os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público, e, mediante convênio, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.


Art. 5o Os dados disponíveis em índice nacional da Rede Infoseg são de acesso restrito dos usuários credenciados.


Art. 6o O fornecimento de informações de monitoramento e controle da Rede Infoseg e de seus usuários é condicionado à instauração e à instrução de processos administrativos ou judiciais, sendo o atendimento da solicitação de responsabilidade exclusiva do chefe do setor de inteligência dos órgãos integrantes da rede, observados, nos casos concretos, os procedimentos de segurança da informação e de seus usuários.” (grifou-se)


Sendo assim, vê-se que os novos recursos de informática proporcionam uma forma de comunicação maior entre os órgãos judiciais e os de fiscalização policial, na medida em que permite o registro de mandados e ocorrências inerentes aos cidadãos em trânsito no país. Dessa forma, procura-se coibir, dentre outras coisas, a conduta do cidadão que, no passado, praticava ilícitos em determinado local com a consequente evasão do distrito da culpa, a fim de frustrar a aplicação da lei penal.


Portanto, foi criada a Rede Infoseg, no âmbito do Ministério da Justiça, que consiste num banco de dados relativo à informação, justiça e fiscalização, atuação essa que diz respeito à própria aplicação do princípio da eficiência na administração pública, previsto no art. 37, caput, da Constituição:


“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)”


A propósito do princípio da eficiência na Administração Pública, lembremos as lições da sempre festejada Maria Sylvia Di Pietro:


“O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.”[1]


Por conta disso, reconhece-se perfeitamente a legalidade do Decreto n.º 6.138/2007, na forma disposta no art. 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, bem como no disposto nos arts. 25, inciso XIV, 27, inciso XIV, alínea “d”, e 47 da Lei n.º 10.683/2003.


3.JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA


Constata-se a possibilidade de realização de prisão baseada em consultas ao Sistema Infoseg, sem que se tenha em mãos o tradicional mandado de prisão, já que tal prática tem se revelado conforme o entendimento jurisprudencial dominante. Isso porque, como bem têm se posicionado nossos Tribunais, a prisão efetuada através da consulta ao Infoseg se justifica, pois ela se coloca como alternativa aos órgãos de segurança pública no combate à criminalidade. Senão, vejamos:


ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL- MANDADO DE PRISÃO – POLICIA FEDERAL – INFORMAÇÃO DADA POR VARA CRIMINAL- ESTRITO CUMPRIMENTO DA LEI – INCONFIGURADO DANO MORAL.


-Ajuizou-se ação ordinária objetivando a condenação da ré em danos materiais e morais, equivalentes a 500 (quinhentos) salários mínimos, cada um, decorrentes do sofrimento pelo que o autor passou e ainda continua passando por ter ficado detido na Polícia Federal, quando foi solicitar expedição de seu passaporte.


-O próprio autor sustenta em sua réplica, mais precisamente no item 9 de fls.113: “O que na verdade ocorreu, foi que o Dr. Juiz de Direito da 28a. Vara Criminal da Comarca da Capital ao ter deprecado o Mandado de prisão, em nome de RODS ALMEIDA DE AGUIAR acrescentou por engano MAURO ALGARRÃO DA SILVA.”


-In casu, resta evidente que os agentes da Polícia Federal e o Delegado agiram no estrito cumprimento do dever legal. Diante da consulta ao sistema de dados da Polícia Federal, que constatou-se informação de expedição do mandado de prisão do autor, advinda de Varas Criminais, não cabia outro procedimento a fazer que não fosse a reclusão do autor para averiguação, que foi exatamente o ocorrido, sendo o mesmo liberado posteriormente após averiguações.


-Noutro eito, a própria magistrada sustenta que a atividade policial foi pautada em informações advindas de Varas Criminais, entretanto, entendeu que houve falha do serviço no que concerne a desatualização dos dados constantes no sistema disponível à utilização pela Polícia Federal.


-Com efeito, a meu juízo, vislumbro justamente ao contrário, que as informações erradas vieram da Vara Criminal, não podendo a Polícia Federal ficar buscando todos os dados para serem atualizados, e sim os Órgãos Públicos mandarem todas as informações corretas, o que não foi o caso, eis que constava no sistema o mandado de prisão contra o autor, não cabendo outra alternativa aos agentes da Polícia Federal que não fosse a reclusão do autor para verificar a veracidade dos fatos.


-Remessa Necessária e Recurso conhecidos e providos” (TRF 2ª. Região. Apelação n. 2003.51.01.007914-1. Oitava Turma Especializada. Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, j. em 19.11.2008) (grifos nossos).


Nessa trilha, reconhecendo a legalidade dos procedimentos de prisão que são tomados com base nos registros de mandados de prisão constantes do Infoseg, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:


Dessa forma, os procedimentos adotados em tais circunstâncias não podem ser censurados, pois na espécie agiram os policiais no estrito cumprimento do dever. Em momento algum fizeram uso da força, ou agiram de forma insensata.


Assim, o ato de retirar o suspeito do veículo, cumprir o mandado de prisão, a busca no automóvel e a posterior locomoção à delegacia de polícia para averiguação dos fatos, não podem, em momento algum, ser considerados impróprios.


Em dias que a criminalidade atinge índices alarmantes, não há que se reprimir a atitude de policiais militares para averiguar eventual ocorrência, porquanto a atuação preventiva é positiva para manutenção da ordem pública e segurança dos cidadãos.


In casu, ato contínuo, após a condução do casal à delegacia, conforme se infere dos autos, houve a apresentação do alvará de soltura referente ao mandado de prisão, e, como não podia ser diferente, procedeu-se a imediata liberação do varão suspeito.” (TJ/SC. Apelação Cível 2004.008084-0. Rel. Des. Francisco Oliveira Filho, j. 01.06.2004) (grifou-se)


O Superior Tribunal de Justiça, através do voto proferido em habeas corpus, da relatoria da ministra Jane Silva, já decidiu pela legalidade do procedimento:


PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO – PRISÃO PREVENTIVA. CUMPRIMENTO EM OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO. AUSÊNCIA DE CARTA PRECATÓRIA EXPEDIDA ANTERIORMENTE PELO JUÍZO DA CAUSA. MERA IRREGULARIDADE POSTERIORMENTE SANADA VIA FAX. IMPOSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA DE PRÉVIA DEPRECAÇÃO CASO O PARADEIRO DO ACUSADO SEJA INCERTO E NÃO SABIDO. PRISÃO EFETIVADA PELA AUTORIDADE POLICIAL RODOVIÁRIA FEDERAL APÓS CONSULTA AO INFOSEG. EXISTÊNCIA DE MANDADO JUDICIAL PRÉVIA E LEGALMENTE EXPEDIDO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. ORDEM DENEGADA.


1.Inexiste nulidade na efetivação da prisão preventiva do paciente em Estado da Federação diverso daquele do Juízo da causa em razão da ausência de carta precatória, pois incerta e não-sabida a localização do agente, notadamente quando a deprecação em questão foi ulteriormente sanada, via fax, pelo Magistrado que determinou a custódia cautelar. 2. Para a efetivação da prisão, basta a existência de prévia decisão judicial determinando a custódia preventiva do paciente, com o respectivo mandado de prisão, situação devidamente observada pelos agentes policiais rodoviários federais após consulta ao INFOSEG, o qual se reportava ao mandado em questão. 3. Ordem Denegada.” (STJ. HC 115384. Rel. Min. Jane Silva – convocada. Data publicação: 02/12/2008).


Registre-se que o próprio Supremo Tribunal Federal reconhece o banco de dados do Infoseg como consulta legítima para se aferir os antecedentes criminais dos denunciados, cf. MS 26593/DF, Rel. Min. Carlos Britto, HC 87571 MC/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes.


Por outro lado, verifica-se que, vez por outra, são encontrados erros nos registros constantes no Infoseg, o que não tem o condão de gerar a responsabilidade dos agentes que efetuarem a prisão com base nesses registros incorretos, tendo em vista que a responsabilidade por esses atos é dos órgãos que inserem ou deixam de retirar os dados da rede Infoseg, a fim de que eles representem a realidade. Assim, os agentes policiais que efetuarem a restrição da liberdade do cidadão com base em mandado de prisão constante no Infoseg, agirão no estrito cumprimento do dever legal, que é causa de exclusão da responsabilidade.


Por conseguinte, recomenda-se que os agentes públicos, diante da ordem de prisão constante no sistema eletrônico, empreendam o máximo de cautela, a fim de verificar a veracidade e atualidade da ordem prisional, procurando, inclusive, ratificá-la junto ao órgão expedidor, que poderá confirmar o mandado por meio de fax ou telegrama, nos termos da jurisprudência e do disposto no parágrafo único do art. 289, do Código de Processo Penal:


HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO. MANDADO DE PRISÃO TRANSMITIDO VIA FAX A OUTRA COMARCA. POSSIBILIDADE. URGÊNCIA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 289 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AMEAÇA À VÍTIMA. PRECEDENTES DO STJ.


1. Não há ilegalidade na transmissão via fax do mandado de prisão, pois o Juízo que decretou a prisão preventiva do Paciente era competente para o processamento e julgamento da ação penal, bem como o original do mandado de prisão foi enviado à Comarca de Marabá horas após o seu cumprimento, conforme determina o parágrafo único do art. 289 do Código de Processo Penal. 2. A prisão cautelar foi satisfatoriamente motivada na necessidade da segregação do acusado para garantia da ordem pública e da instrução criminal, por haver notícia nos autos da intenção do Paciente de ocultar provas e de consumar o homicídio. 3. Habeas corpus denegado.” (STJ. HC 200600549009. Quinta Turma. Rel. Min. Laurita Vaz. DJ DATA:17/12/2007 PG:00233) (grifado).


Além disso, no que tange à prisão por ordem judicial fora do distrito da culpa, a jurisprudência pátria, inclusive a do STF e STJ, tem reconhecido que a falta de expedição de carta precatória para que seja efetuada a prisão em local diverso daquele em que foi decretada a prisão preventiva constitui mera irregularidade:


“[…] a interpretação dada pelo Juízo de primeira instância e confirmada pelo acórdão do Superior Tribunal de Justiça, ora impugnado, de que a falta de precatória acarreta mera irregularidade, seja a mais razoável. Nossa Constituição prevê, em seu art. 5º, LXI, que “ninguém será preso se não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. A ausência de carta precatória não torna a prisão ilegal, quando houver mandado expedido por autoridade competente, mas tão somente acarreta nulidade sanável. (…)


Por outro lado admitir, o relaxamento da prisão preventiva do paciente em face de mera irregularidade administrativa seria apegar-se a formalismos excessivos e atitude extremamente prejudicial ao resguardo da ordem pública e aplicação da lei penal (…)” (STF. HC. 85712/GO. Rel. Min. Joaquim Barbosa. J. 03/05/2005). (grifado).


Em face disso, percebe-se a preocupação da Corte Constitucional com a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade a salvaguardar os direitos que devem se sobrepor a outros direitos, na forma como já observado pelo Superior Tribunal de Justiça:


“(…) Enxergar o direito pelos olhos da Constituição, significa, por exemplo, ver o direito à luz do Princípio da Proporcionalidade, ou Razoabilidade, que é um dos mais importantes (se não for o mais) princípios albergados na Constituição, o qual consiste num parâmetro de valoração dos atos do Poder Público, para aferir se eles são informados pelos valores ditados pela Constituição (BARROSO, Luís Roberto, ‘Interpretação e Aplicação da Constituição’, Saraiva, p. 204, 1996.). Em síntese, enseja a verificação da compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a legitimidade dos fins do ato em discussão (idem, p. 200). A valoração da razoabilidade do ato, se faz através de um ‘juízo de ponderação de resultados’, cujo requisito é a adequação entre os meios e os fins do ato em exame (STUMM, Raquel Denise, ‘Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro’, Livraria do Advogado Ed., p. 81, POA, 1995).” (STJ. REsp 820669. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. J. 02.05.2006) (grifos nossos).


4.LEGITIMIDADE DOS MEIOS ELETRÔNICOS


Por conseguinte, mostra-se legítima a ação policial que dá cumprimento à ordem de prisão inserida na rede Infoseg, visto que o estado deve se preocupar com a segurança da coletividade, especialmente em face de indivíduos de alta periculosidade que venham a por em risco a paz social, raciocínio esse que leva em conta a aplicação do princípio da proporcionalidade como forma de equilibrar os direitos individuais.


Por outro lado, como já observado, devem os agentes executores da ordem se cercar dos cuidados necessários para evitar os erros que possam causar os constrangimentos e prisões indevidas. Para tanto, devem os órgãos credenciados no sistema orientar os chefes do setor de inteligência dos órgãos integrantes da rede no sentido de envidar os esforços necessários a mais completa atualização da rede, notadamente retirando os registros de mandado de prisão que já tenham perdido a eficácia, como no caso da revogação da prisão pelo juízo competente, a fim de evitar a responsabilidade do agente que não atualizou o sistema corretamente ou que tenha dado causa a erro no respectivo mandado.


Ainda com relação ao uso dos avanços tecnológicos, pelos órgãos aplicadores do Direito, tivemos a edição, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Resolução n.º 100/2009, que disciplinou a utilização do Sistema Hermes (malote eletrônico) por todos os Tribunais brasileiros, para a expedição de cartas precatórias, cartas de ordem e outras correspondências, verbis:


RESOLUÇÃO Nº 100, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2009


 Dispõe sobre a comunicação oficial, por meio eletrönico, no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.


O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais, e
CONSIDERANDO que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela observância do Art. 37 da Carta Constitucional (Art. 103-B, § 4º, caput e inciso II);
CONSIDERANDO que a eficiência operacional é um dos objetivos estratégicos a ser perseguido pelo Poder Judiciário, a teor da Resolução nº 70 do Conselho Nacional de Justiça;
CONSIDERANDO os princípios constitucionais da eficiência e da razoável duração dos processos, e a necessidade de modernizar a administração da Justiça com a utilização dos recursos disponíveis da tecnologia da informação;
CONSIDERANDO o disposto no art. 7º da Lei 11.419/2006, prevendo que as comunicações entre os órgãos do Poder Judiciário serão feitas, preferencialmente, por meio eletrônico;
CONSIDERANDO a economia, celeridade e eficiência alcançadas com a utilização do Sistema Hermes – Malote Digital por diversos Tribunais;
CONSIDERANDO o disposto no Termo de Cooperação Técnica nº 004/2008;
CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça na sua 95ª Sessão Ordinária, realizada em 24 de novembro de 2009, nos autos do procedimento 200910000066914,


RESOLVE:


Art. 1º As comunicações oficiais entre o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o Conselho da Justiça Federal – CJF, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT e os tribunais descritos no Art. 92, II a VII, da Constituição Federal, inclusive entre estes tribunais, serão realizadas com a utilização do Sistema Hermes – Malote Digital, nos termos desta Resolução e da regulamentação constante do seu Anexo.
§ 1.º A comunicação de que trata o caput não prejudica outros meios de comunicação eletrônica utilizados pelos sistemas processuais existentes nos órgãos do Poder Judiciário.
§ 2.º No âmbito do Conselho Nacional de Justiça, não será utilizado o Sistema Hermes – Malote Digital para:
I – as comunicações de que trata a Portaria CNJ 516/2009 (e-CNJ);
II – outras hipóteses excepcionais, a critério da Presidência, da Corregedoria, dos Gabinetes dos Conselheiros e da Secretaria Geral.
§ 3.º O Sistema Hermes – Malote Digital deve ser utilizado, entre outros, para expedição e devolução de Cartas Precatórias entre juízos de tribunais diversos, salvo se deprecante e deprecado utilizarem ferramenta eletrônica específica para esse fim.
Art. 2.º O Conselho Nacional de Justiça providenciará o cadastramento das seguintes Unidades Organizacionais – UO, para cada Tribunal ou Conselho:
I – Presidência;
II – Corregedoria;
III – Diretoria Geral, Secretaria Geral ou unidade equivalente;
IV – Secretaria de Tecnologia da Informação ou equivalente.
Parágrafo único. O cadastramento dos usuários e sua vinculação às respectivas Unidades Organizacionais serão realizados por cada Tribunal ou Conselho, observado o prazo previsto no artigo anterior.
Art. 3.º Recomenda-se aos Tribunais mencionados no Art. 1º a adoção do Sistema Hermes – Malote Digital como forma de comunicação oficial entre seus órgãos e setores internos, magistrados e servidores.
Art. 4.º Os Conselhos e Tribunais podem, no âmbito de suas competências, expedir normas complementares de utilização do sistema, não conflitantes com a presente Resolução.
Art. 5.º O uso da comunicação eletrônica de que trata o artigo 1º deverá ocorrer:
I – a partir de 1º de fevereiro de 2010, para as comunicações entre o Conselho Nacional de Justiça e os tribunais descritos no Art. 92, II a VII, da Constituição Federal, assim como para as comunicações entre o Conselho Nacional de Justiça e os Conselhos da Justiça Federal e Superior da Justiça do Trabalho; e
II – a partir de 1º de março de 2010, para as demais comunicações entre os tribunais e os conselhos, reciprocamente.
Art. 6.º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação
.”


Por conta da citada Resolução, observamos que o Órgão de administração do Judiciário brasileiro preocupa-se em dar celeridade aos trâmites processuais, na medida em que adota os recursos mais avançados na área de informática a serviço das formas processuais exigidas na legislação brasileira, como é o caso da comunicação entre juízos através de cartas precatórias.


Assim, buscam-se as vantagens, com a redução de gasto e tempo, já que não há necessidade da tradicional utilização dos serviços dos Correios, evitando-se, ainda, possíveis extravios dos documentos oficiais.


Não é demais mencionar que, à época da edição do parágrafo único do art. 289, do CPP, não havia a internet nos moldes em que hoje se encontra difundida, pois o referido dispositivo prevê:


Art. 289. Quando o réu estiver no território nacional, em lugar estranho ao da jurisdição, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado.


Parágrafo único. Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por telegrama, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como, se afiançável a infração, o valor da fiança. No original levado à agência telegráfica será autenticada a firma do juiz, o que se mencionará no telegrama.”


Frise-se que não resta dúvida quanto à primitiva redação do dispositivo, no sentido de que se ela fosse elaborada nos tempos atuais, a mencionada Resolução do CNJ não seria necessária, pois a utilização da internet para a comunicação entre Juízos já seria prevista no próprio corpo do Código de Processo Penal.


Essas conclusões fazem lembrar as palavras do professor Nelson Rosenvald, professor e autor de livros de Direito Civil, quando, em Seminário realizado aqui em Aracaju-SE, promovido pela Primus, afirmava que tem sempre repetido em suas palestras que o Direito caminha a passos de tartaruga, enquanto a Medicina caminha a passos de lebre!


Vale lembrar a recente reforma por que passou o Código de Processo Penal, mais precisamente através da Lei n.º 11.900/2009, a qual admitiu a adoção, nos processos judiciais, dos meios eletrônicos de comunicação, inclusive a inquirição de testemunhas por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, ipsis litteris:


Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.


§ 1o A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.


§ 2o Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos.


§ 3o Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.” (grifou-se)


 Percebemos, portanto, que cabe aos profissionais do Direito atualizá-lo constantemente através das decisões judiciais, da atuação dos profissionais liberais, dos membros do Ministério Público, da Advocacia Pública, dos professores, enfim, de todos aqueles que fazem parte do universo jurídico.


5.CONCLUSÃO


Dessa forma, concluímos que não pode o Direito permanecer arraigado à tecnologia de tempos remotos, sob pena de quedar-se isolado em face do desenvolvimento das demais ciências.


Lembremos que a tecnologia está aí para ser usada em benefício do próprio homem, a despeito de termos organizações fraudulentas e criminosas que se utilizam principalmente dos recursos da internet para facilitar a prática criminosa.


Acredito que, acima de tudo, a tecnologia, concretizada através da utilização do fax, da internet, do correio eletrônico, tem trazido mais benefícios do que prejuízos à sociedade. Por que, então, não aplicar esses recursos em prol da eficiência administrativa e celeridade processual?


Devemos, portanto, deixar para trás o obscurantismo e a falta de conhecimento dos benefícios que os avanços tecnológicos podem trazer, visando ao desenvolvimento da sociedade, incorporando os meios eletrônicos nas leis e na jurisprudência, garantindo assim a paz social, objetivo do direito, corolário da verdadeira justiça breve.


 


Referências bibliográficas.

BRASIL. Presidência da República. Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/_lei-principal.htm>. Acesso em: 14/07/2010

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed., 2ª reimpr., São Paulo: Atlas, 2007

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

MIRABETE. Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias, indicações legais, resenha jurisprudencial. 8 edição. São Paulo: Atlas, 2001.

MIRABETE. Júlio Fabrini. Código penal interpretado. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

PINTO, Odon Dantas. O cumprimento do mandado de prisão fora do distrito de culpa. Disponível em http://www.lfg.com.br. 08 de janeiro de 2009, acesso em 14/07/2010.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, volume 1. 10. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva. 2007.


Nota:

[1] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. Ed. – São Paulo: Atlas, 2001, p. 83.

Informações Sobre o Autor

Francisco Sales de Argolo

Advogado da União. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Tiradentes/SE


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Equipe Âmbito Jurídico

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