Resumo: O Presente artigo tem como objetivo apresentar um estudo sobre as relações pessoais com os bancos de dados, uma vez que essas relações nunca foram regularmente disciplinadas. O trabalho vem demonstrar, se, com o surgimento da Lei do Cadastro Positivo (12.414 de 2011), houve ou não uma melhoria na regulamentação dos bancos de dados dos consumidores, isto é, se essa Lei regulamentou de forma eficaz o uso dos bancos de dados com informações positivas do consumidor. Ademais, o presente artigo vem analisar a proteção desses dados na perspectiva da Constituição Federal, abordando seus princípios norteadores, bem como os do Código de Defesa do Consumidor – CDC.[1]
Palavras- chave: Cadastro Positivo. Constituição. Consumidor. Crédito.
Abstract: The present article aims to present a study about the personal relations with databases, once these relations were never inspected by the Brazilian legal system. The work demonstrates, if, with the emergence of "Lei do Cadastro Positivo" (12.414/11), or not there was an improvement in the regulation of consumer databases, that is, whether this effectively regulated Law the use of databases with user positive information. Moreover, this paper is to analyze the protection of such data in the context of the Constitution, addressing its guiding principles as well as the Consumer Protection Code.
Key words: Positive Credit. Constitution. Consumer. Credit.
Sumário: Introdução. 1. Cadastro Positivo. 1.1. Abordagem Histórico-Legiferante. 1.2. Análise do Banco de Dados e Suas Distinções. 1.3. Reflexões Sobre o Cadastro Positivo Com o CDC. 1.4. Análise do Crédito à Luz do Cadastro Positivo. 1.5. A Questão da Privacidade e seus Princípios Norteadores. 2. Troca de Informações por Espelhamento. 3. A Pontuação de Consumidores (Por Meio de Score) e a Proteção aos Consumidores. 4. Eficácia Jurídica e Social da Lei de Cadastro Positivo. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei de Cadastro Positivo (12.414/2011), surgiram algumas questões importantes, notadamente no que concerne à proteção de dados pessoais dos consumidores, em razão da grande quantidade de informações espalhadas pelo mercado de consumo.
Dessa forma, o presente artigo vem apresentar um estudo sobre a eficácia do Cadastro Positivo e o direito a privacidade, tendo como problema central investigar se a Lei do Cadastro Positivo trouxe, de maneira eficaz, um melhor gerenciamento dos bancos de dados dos consumidores no mercado de consumo. Outrossim, o artigo vem analisar se há um gerenciamento de risco de crédito; se esse mecanismo beneficia o consumidor, e, se o registro de informação no cadastro positivo respeita a privacidade do consumidor.
Diante disso, o trabalho tem por objetivo averiguar como esses cadastros estão sendo realizados no mercado de consumo, bem como demonstrar os possíveis riscos concernentes a privacidade dos cadastrados nos bancos de dados do consumidor.
É importante notar, que o presente tema é de relevância social e jurídica. No quesito Social, a abordagem desse tema contribui para difusão do conhecimento sobre os benefícios ou prejuízos que os bancos de dados podem causar aos consumidores; quanto à relevância jurídica, vale frisar, que a falta de regulamentação eficaz sobre os bancos de dados pode acarretar em sérios problemas quanto ao direito à privacidade, bem como o direito ao acesso ao crédito no mercado de consumo. Assim sendo, o estudo sobre a eficácia do Cadastro Positivo é de suma importância à sociedade consumerista, como também aos comerciantes e as instituições financeiras.
O procedimento metodológico está pautado no caráter qualitativo, e sua construção dá-se em pesquisa bibliográfico – normativo e jurisprudências.
Dando continuidade, o presente trabalho abordará em seu primeiro capítulo acerca do Cadastro Positivo, tendo como subcapítulos a) abordagem histórico-legiferante, onde será colocada a forma de elaboração da Lei de Cadastro Positivo; b) a análise do banco de dados e suas definições, onde será demonstrado o que é banco de dados, e como seria sua melhor definição; c) reflexões sobre o cadastro positivo com o Código de Defesa do Consumidor – CDC, onde será mostrado como as duas normas regulamentam os bancos de dados e quais são os princípios norteadores; d) análise do crédito à luz do Cadastro Positivo, onde será abordada a importância ou não do Cadastro positivo para a concessão de crédito, bem como se a vinculação a esse banco de dados é um fator determinante para a concessão de juros menores. Ademais, será abordado os motivos pelos quais levam um consumidor a querer ser um cadastrado ou não no banco de dados de informações positivas; e) a questão da privacidade e seus princípios norteadores, onde será abordado os limites acerca das transferências de informações dos bancos de dados dos consumidores entre os fornecedores e instituições financeiras.
Ademais, no segundo capítulo será abordado acerca da troca de informações por espelhamento, isto é, trocas de informações entre as instituições financeiras sem o consentimento do consumidor. No terceiro capítulo será abordado acerca da pontuação de consumidores (por meio de score) e a proteção aos consumidores, onde será abordado acerca da legalidade ou não dos meios utilizados na captação de informações para os bancos de dados dos consumidores. Por fim, no quarto capítulo constará a questão da eficácia jurídica e social da Lei de Cadastro Positivo, analisando se essa Lei trouxe mudanças significativas quanto ao manuseio dos bancos de dados, bem como a adesão por parte dos consumidores ao cadastro.
Diante o exposto, serão debatidos os pontos mais importantes da recente Lei, tendo por base a carta magna e as legislações infraconstitucionais, fazendo, assim, um panorama das ideias debatidas referentes a esse assunto no nosso ordenamento jurídico brasileiro.
1. CADASTRO POSITIVO
1.1. Abordagem Histórico-Legiferante
O Cadastro Positivo, em uma definição simplista, é uma formação de bancos de dados com informações positivas ou adimplidas pelo consumidor. É bem verdade que, em comparação com o Cadastro Negativo, este é mais conhecido pela sociedade, pois analisa as informações negativas dos consumidores de todo o Brasil, relacionadas à coleta de dados das pessoas que são inadimplentes e, desta forma, direciona estas informações a um banco de dados com informações negativas. Nada obstante, pode-se sugerir que ambos têm o intuito de conferir segurança àqueles que precisam conceder crédito ou, até mesmo, realizar a venda de produtos no comércio.
Antes da Lei 12.414/2011, que disciplina o banco de dados com informações positivas, algumas entidades, como a Câmara dos Dirigentes Lojistas, iniciaram o tratamento de algumas informações positivas, chegando, até mesmo, a estimular o debate sobre projetos de leis para disciplinar estas informações de forma mais detalhada.
Desde o surgimento da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que regula as relações de consumo, foram apresentados mais de quarenta projetos de Lei para disciplinar as atividades desenvolvidas pelos bancos de dados de proteção ao crédito. Entre as tentativas de projetos, destaca-se o Projeto de Lei (PL) 5.870/2005, fruto de estudos pelo Grupo de Trabalho no âmbito da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (GT), no ano de 2003. Contava-se com o apoio de representantes do Ministério da Fazenda, do Ministério da Justiça e do Banco Central do Brasil, além de setores interessados da sociedade.
Importa registrar que, nas discussões do aludido GT, entraram em pauta: a previsão para a existência de um cadastro positivo, a definição sobre o conteúdo dos cadastros positivos e a importância do histórico das transações.
Em março de 2005, o PL-5.870/2005 foi colocado em consulta pública. Entretanto, somente em 30 de dezembro de 2010 houve a edição da Medida Provisória sobre a matéria, que viria a se converter na Lei n. 12.414, em 09 de julho de 2011.
Foi agregada a essa Lei a Resolução do Banco Central n. 4.172, de 20 de dezembro de 2012, a qual dispõe sobre o fornecimento, pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, das informações de adimplemento de pessoas naturais e de pessoas jurídicas aos bancos de dados para a formação de histórico de crédito. Posteriormente, tal resolução fora modificada em seu artigo 7º pela Resolução n. 4.257, de 25 de julho de 2013, aumentando o prazo para que os administradores de consórcio realizassem os ajustes operacionais até junho de 2014.
1.2. Análise do Banco de Dados e suas Distinções
A origem da catalogação de dados reporta à época da colonização dos Estados Unidos da América. Houve uma necessidade de um maior controle do crédito devido às diversas compras territoriais feitas pelo presidente Thomas Jefferson, em 1803. O banco Baring Brothers foi o que tentou eficientemente criar esse serviço de coleta de dados nos EUA, para ser repassado aos bancos de acordo com os seus interesses econômicos (SCHERAIBER, 2012).
No Brasil, surge na década de 50, com a prática de venda a prazo. Pois, foi crescendo o risco de inadimplência, e, com isso, fichas com informações colhidas sobre os consumidores antes que a troca comercial fosse realizada foram organizadas pelos estabelecimentos comerciais. Por outro lado, o consumidor comum não mais tem condições de analisar com facilidade o produto ou serviço que adquire. A relação de consumo, que antes se resumia àquelas partes, agora há terceiros influenciando fortemente a decisão de compra e de venda, isto é, os fornecedores de crédito ao consumo e os profissionais de publicidade (BENJAMIN apud SATO, 2010).
Em julho de 1955, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre fundou o primeiro Serviço de Proteção ao Crédito, com a finalidade de apoiar os crediários estabelecidos, ou seja, os 27 maiores magazines da cidade reuniram-se na Associação Comercial e fundaram um banco de dados objetivando guardar as informações cadastrais de seus clientes, facilitando o acesso ao crédito e a aprovação do cadastro. Em outubro, ocorreu o mesmo em São Paulo e, em seguida, no Estado de Minas Gerais (SATO, 2010).
A Rede de Informação e Proteção ao Crédito – RIPC instituiu o SPC – Brasil, formado pelo acordo entre as quatro associações de fornecedores: Associação Comercial de São Paulo, Confederação Nacional de Lojistas, Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro e Associação Comercial do Paraná. Todavia, posteriormente a RIPC foi transformada em Rede Nacional de Informações Comerciais (Renic), ampliando, assim, seu alcance na captura de informações (BESSA, 2011).
A partir dos anos 60, o setor de proteção ao crédito passou a ser explorado economicamente por empresas, sendo a mais renomada a Serasa Experian, líder nacional e uma das maiores empresas de informações econômico-financeiras e cadastrais do mundo (SERASA, 2015).
Urge distinguir, por convir, banco de dados e cadastro de consumo. Tal discrímen pode ser lido nas lições de Roscoe Bessa (2011, p. 27), o qual aduz que:
“(…) a distinção (…) se faz a partir da fonte e do destino da informação. Os bancos de dados, em regra, coletam informações do mercado para oferecê-las ao próprio mercado (fornecedores). No cadastro, a informação é obtida diretamente do consumidor para o uso de um fornecedor específico, a exemplo do que ocorre em diversos estabelecimentos comerciais quando se solicitam dados pessoais (nome, endereços postal e eletrônico, telefone, data de aniversário, entre outros), independentemente de a compra ser à vista ou mediante crediário. No Cadastro, objetiva-se estreitar o vínculo com alguns consumidores, intensificando a comunicação sobre ofertas, promoções e outras vantagens, de modo a fidelizá-los a uma marca ou estabelecimento. (…) No banco de dados, (…) os dados são coletados para posterior disseminação entre inúmeros fornecedores com visas a alguma necessidade do mercado” (BESSA, 2011, p. 27).
Com a evolução da informática, os bancos de dados passaram a ter uma maior difusão na sociedade, criando grandes problemas e benefícios no manuseio desses dados. O grande benefício é a praticidade na transferência das informações a diversos interessados, porém, o ponto problemático é a inviolabilidade dos dados de quem tem suas informações compartilhadas sem saber se, de fato, o destinatário é um interessado, assim disciplinado pela Lei.
Nos Estados Unidos, a tutela dos dados pessoais é tratada na privacy, um Direito Constitucional fundado na 4ª Emenda da Corte Suprema, trazendo, assim, limitação ao poder público para não intervir nos bens das casas dos cidadãos, salvo se estiver resguardado em Lei. A privacy fica um tanto limitada à propriedade privada, estando os dados informatizados protegidos pela Privacy Act, a qual amplia o conceito de privacidade graças à abundante jurisprudência da Corte Suprema.
Na Alemanha, desde 1997, criou-se o que se chama autodeterminação informativa, que englobaria todo tipo de informação sobre o cidadão, atingindo o caráter de direito fundamental pelo Tribunal Constitucional Federal alemão. Por esse direito, cada indivíduo podia dispor sobre a revelação e o uso de seus dados pessoais com cautela.
Na Itália, os autores chamam a proteção de dados pessoais de liberdade informática, por meio da qual se qualifica como um direito que pertence à personalidade moral, definido como o direito de dispor de seus próprios dados pessoais.
No Brasil, verifica-se pouca legislação específica sobre os dados pessoais. Encontramos alguns textos legais de base constitucional, tais como o habeas data, a proteção à intimidade e à vida privada, a inviolabilidade da comunicação e a proteção dos consumidores, entre outros que também regulam sobre a matéria. No título a seguir, explorar-se-á sobre os bancos de dados referentes ao Código de Defesa do Consumidor.
1.3. Reflexões Sobre o Cadastro Positivo com o CDC.
A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso XXXII, traz o direito do consumidor como um direito fundamental. Ademais, o legislador constituinte originário no art. 48 da ADCT estabeleceu a criação de uma Lei ordinária específica sobre a proteção ao consumidor, vindo a ser sancionada em 1990, visando regular a relação de consumo entre fornecedores e consumidores.
Nesse sentido, Efing apud Silva (2012, p. 5) dispõe que:
“(…) a previsão constitucional da tutela dos interesses do consumidor, igualando-a a direitos fundamentais, atribui grandiosidade ímpar a esta garantia, impossibilitando, inclusive, que qualquer outra norma venha a revogar o Código de Defesa do Consumidor, sob pena de estar afrontando princípio constitucional” (EFING apud SILVA, 2012, p. 5).
O Código de Defesa do Consumidor surge para estabelecer regras sobre as relações consumeristas, porém, com relação às condutas das empresas sobre cadastro e banco de dados de consumo dentro do CDC, não há muitas regras, havendo apenas o art. 43, o qual regula, sozinho, as inovações tecnológicas de processamento e intercâmbio de informações, alcançando diversos consumidores e auxiliando os fornecedores (RAMOS, 2005).
O art. 43, § 2º do CDC, estabelece que a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicado por escrito ao consumidor, quando não solicitado por ele (BRASIL, 1990). Assim, fica presente o direito à cientificação.
Hodiernamente, as empresas gestoras de bancos de dados violam esse direito basilar, visto que a comunicação é feita de modo insatisfatório, pois muitas vezes ocorre por meio de correspondência simples entregue em endereço “duvidoso” indicado pelo fornecedor como sendo o suposto endereço do consumidor.
Todavia, a Serasa comunica por escrito a todos os devedores e coobrigados, pessoas físicas ou jurídicas, enviando suas correspondências por correios. No entanto, de acordo com a súmula 404 do STJ, o CDC não exige a comunicação com aviso de recebimento, ou seja, é dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em banco de dados e cadastros.
Vale ressaltar que a comunicação por escrito ao consumidor ocorre, geralmente, quando é criado um banco de dados com informações negativas sobre o consumidor. Em vista disso, o órgão mantenedor de qualquer banco de dados negativo deve comunicar ao consumidor inadimplente a real situação dos seus dados, para que este possa tomar as providências cabíveis.
No que concerne ao acesso ao cadastro positivo, não há necessidade de uma comunicação por escrito ao consumidor, haja vista que é o próprio consumidor que fornece a autorização, seja via online, por intermédio de sites como Serasa Experian e BoaVista, seja pessoalmente, nas agências vinculadas a esses dois órgãos. Também através do envio de formulário de acesso com as documentações necessárias ao SPC Brasil, ou a sua entrega na Câmara de Dirigente Lojista – CDL mais próxima da região do futuro cadastrado.
Como se pode notar, o art. 43 do CDC lançou as bases da proteção do consumidor contra as práticas abusivas das empresas gestoras de banco de dados de consumo, porém, com a emergência da Lei 12.414, vem-se regulamentar algumas problemáticas não solucionadas pelo Código do Consumidor, notadamente os fluxos e limites das informações, os direitos dos cadastrados, responsabilidade civil, dentre vários outros que serão analisados ulteriormente.
O CDC foi fundamentado por vários princípios subsequentes da Constituição Federal de 1988, tais como: do sigilo, da privacidade, dos direitos individuais, do direito à honra e outros direitos da personalidade. Todos estes dão lastro a toda e qualquer norma jurídica, haja vista sua vasta aplicação e significados.
É importante ressaltar uma breve distinção entre regras e princípios, conforme a explicação de Humberto Ávila apud Toshie Sato (2010, p.36):
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos dela decorrentes da conduta havida como necessária a sua promoção” (ÁVILA apud SATO, 2010, p.36).
Nesse sentido, os princípios devem ser observados tendo por base a Constituição ao aplicar as regras do CDC ou qualquer outra norma infraconstitucional. No que concerne a esses princípios, serão abordados de forma mais detalhada posteriormente, na parte intitulada “privacidade”.
1.4. Análise do Crédito à Luz do Cadastro Positivo.
O crédito é um elemento que proporciona o desenvolvimento social, pois facilita a acumulação de capital, criando-se, assim, as possibilidades de investimento pessoal do sujeito, realizado por meio da aquisição de bens de consumo ou capacitação educacional/profissional. Além disso, o crédito revela-se como um dos fatores de movimentação do mercado, aspecto potencializado pelo consumismo (PINHEIRO, 2012).
Para que se possa ter um mercado de crédito acessível a todos, devem-se fazer meios para que o crédito seja concedido de maneira fácil e prática. Um trabalho realizado pelo Banco Mundial (KUMAR, 2003) estabeleceu diagnóstico sobre a capacidade do sistema financeiro em atender as demandas de populações situadas próximo à linha de pobreza no Brasil: somente 40 % da clientela em potencial possuíam uma conta bancária e o acesso ao crédito, bem como a outros serviços financeiros. (BITTENCOURT; MAGALHÃES, 2005).
O Brasil ainda permanece sendo um dos países com a maior taxa de juros do mundo. Em uma lista de 28 países integrantes da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do G20, o Brasil chega a 12,75 % na taxa atual, ficando abaixo da Argentina e Rússia, que atualmente tem suas taxas de juros em 13 % e 15%, respectivamente (UMPIERES, 2015).
Esse aumento nos juros decorre, principalmente, do spread bancário (diferença entre a capitação e as taxas praticadas dos empréstimos pelas instituições financeiras), o qual é formado através da inadimplência, impostos diretos, margem bruta, margem líquida e custos com subsídios, encargos fiscais e FGC (Fundo Garantidor de Crédito). Entretanto, o aumento dos juros leva à dificuldade dos desprovidos de poder aquisitivo em adquirir empréstimos ou compras parceladas no mercado de consumo.
Diante disso, a concessão do crédito tem por base a colheita de informações sobre os dados pessoais, pretendendo-se, assim, ganhar confiança, analisar o potencial tomador de empréstimo, para manter a segurança em relação a determinado negócio jurídico (BESSA, 2011).
Com o advento da Lei 12.414 de 2011, tentou-se facilitar a concessão de crédito a juros baixos. Esse foi um dos principais motivos para a criação dessa Lei – abarcar o máximo de informações sobre o consumidor para, assim, conceder ou não o crédito ao requisitado. É bem verdade que, tendo-se um banco de dados com as informações de um bom pagador, com uma boa conduta no mercado de consumo, dentre outras qualidades, passar-se-á a dar mais credibilidade ao comerciante/bancário e, como consequência, haverá uma possível redução dos juros, visto que o credor estaria conhecendo a vida financeira do indivíduo.
Todavia, não é tão simples assim. Evidentemente, o maior beneficiado é o fornecedor/financeiro, pois ele detém o acesso às informações dos bancos de dados dos cadastrados, ficando o consumidor vulnerável a ter suas informações transviadas pelo mercado, como a troca de informação “por espelhamento”, que ainda será analisada no presente artigo.
De acordo com o princípio da finalidade, deve-se haver, antes da veiculação da informação, o conhecimento da sua finalidade. Com isso, amenizar-se-ia a tensão existente entre o direito à informação e o direito à privacidade (BESSA, 2011).
Ademais, os fornecedores poderiam ou não conceder uma redução dos juros, pois a Lei de Cadastro Positivo não menciona expressamente que deverá haver tal redução, motivo pelo qual seria leviano pensar que esta Lei veio com o manto da concessão de juros baixos. Conforme se pode visualizar, esse foi um dos motivos para que houvesse uma maior adesão dos consumidores, ao mesmo tempo em que se tornou possível ter acesso à vida pregressa do consumidor no mercado de consumo.
1.5. A Questão da Privacidade e Seus Princípios Norteadores.
O direito à privacidade sempre foi um direito conturbado no ordenamento jurídico brasileiro. A legislação não abordava sob nenhum aspecto mais detalhado sobre esse tema, entretanto, aparece de forma tímida na Constituição de 1988 no artigo 5º, X, sendo também citado no Código Civil de 2002 em seu artigo 21 e também no Código de Defesa do consumidor, mais especificamente no seu art. 43. Todavia, com o surgimento da Lei 12.414/2011, foram trazidas abordagens específicas da privacidade referentes aos bancos de dados do consumidor.
Os bancos de dados tornaram-se, após o advento da internet, o meio mais utilizado para armazenar informações sobre os consumidores, “[…] destaca-se o surgimento da internet como uma estrutura aberta de rede de computadores que radicalizou as possibilidades de fluxos de informações de forma inédita” (MENDES, 2011, p. 46). Dessa forma, faz com que as informações se movimentem entre os fornecedores do mercado, podendo garantir uma confiança entre eles. Com a evolução tecnológica-informática, passou-se a ter uma preocupação também com a privacidade daquelas pessoas que estão com suas informações armazenadas nos bancos de dados. Ao explanar acerca do advento da internet e seus efeitos, Roscoe Bessa (2011) aborda da seguinte maneira:
“Na era da internet e da digitalização de toda espécie de informação, facilitando tanto a velocidade como a quantidade de operações eletrônicas, a capacidade de coleta, armazenamento como a quantidade de operações eletrônicas, a capacidade de coleta, armazenamento e divulgação de dados pessoais atinge altos níveis de eficácia. É possível, em segundos, coletar e transferir para países ao redor do mundo milhões de informações pessoais, estabelecer perfis digitais das pessoas, que servem para realizar escolhas, decidir quem pode ter acesso ao crédito, quem é merecedor de confiança, ou até mesmo reconhecer um potencial terrorista” (BESSA, 2011, p. 57).
Seguindo esse mesmo raciocínio, preleciona o José Afonso da Silva:
“O amplo sistema de informações computadorizadas gera um processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam com sua individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão maior quanto mais a utilização da informática facilita a interconexão de fichários com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que desvendem a vida dos indivíduos, sem sua autorização e até sem seu conhecimento (SILVA, José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo”. 37 ed.2013).
Vale ressaltar, por convir, que os agentes do mercado, sobretudo os fornecedores de bens e de serviços e os financiadores, necessitam de informações patrimoniais sobre as pessoas que desejam realizar negócios. Mas isso não pode significar obstáculo para o livre exercício de atividade profissional ou econômica nem aniquilar o direito à privacidade ou à intimidade.
Nesse sentido, Silvânio Corvas faz a seguinte observação:
“Os bancos de dados de proteção ao crédito permitem a ampliação e a aceleração da circulação de produtos e serviços, na medida em que oferecem ao concedente de crédito informações objetivas, claras, verdadeiras e idôneas a respeito dos cadastrados. Trata-se de atividade essencial à segurança e à proteção do sistema de crédito brasileiro, sem a qual os respectivos concedentes teriam que sujeitar-se à burocracia e aos elevados gastos para coletar os dados necessários à análise do comprometimento patrimonial do proponente, imprescindíveis à constatação do risco inerente à contratação. Os arquivos de consumo – e entre eles, notadamente, os bancos de dados – representam uma das manifestações da sociedade de consumo, isto é, da velocidade que esta imprime nas relações contratuais e econômicas em geral. Melhor dizendo, trata-se, a um só tempo, de manifestação e condicionante da sociedade de consumo, pois é provável que sem tais organismos não teríamos o crédito facilitado e massificado, um dos pilares dessa forma de organização do mercado” (COVAS, Silvânio. Registro de débitos fiscais em bancos de dados de proteção ao crédito. Disponível em: http://www.serasaexperian.com.br/serasaexperian/publicacoes/serasa_legal/2008/81/serasalegal_0178.htm. Acesso em: 09 de novembro de 2015).
O Tribunal Constitucional alemão argumentou um direito chamado de autodeterminação informativa, na qual a pessoa seria a protagonista no processo de tratamento dos seus dados desde a coleta e o armazenamento até a transmissão. Os dados pessoais deviam ser verdadeiramente protegidos de toda e qualquer situação abusiva, e foi pensando nisso que foram criados diversos princípios que vão dar lastro ao processamento dos dados pessoais.
O primeiro deles é o princípio da finalidade, que indica a relação entre o uso dos dados e a finalidade, os quais devem ter algum tipo de ligação, caso contrário, já se suporia fraude; o segundo é o princípio da transparência, por meio do qual os bancos de dados devem ser de conhecimento público; o terceiro princípio é o do consentimento, em que o titular deve se manifestar a respeito da transferência de seus dados; o quarto princípio é o da qualidade dos dados, isto é, os dados devem ser utilizados de meios leais e lícitos, bem como devem ser acessados, retificados e cancelados pelos cadastrados a qualquer momento. Dessa forma, havendo qualquer empecilho na formação dos dados e no seu compartilhamento, poderão sofrer tais modificações para se adequar às qualidades estabelecidas. Por fim, tem-se o quinto princípio, o da segurança física e lógica, que cuidam de todas as modificações nos bancos de dados que possam, de alguma forma, prejudicar o titular desse direito (DONEDA apud MENDES, 2006).
A nossa legislação proíbe expressamente a divulgação de informações excessivas e sensíveis (art. 3º, § 3º da Lei 12.414/ 2011). Excessivas no sentido de irem além do propósito específico do banco de dados, isto é, aquelas que não estiverem vinculadas à análise de risco de crédito ao consumidor. Resumindo, as informações devem ser úteis. Ademais, proíbem-se as informações sensíveis, ou seja, aquelas pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à informação genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas, filosóficas e pessoais ou quaisquer outras que possam afetar os direitos de personalidade dos cadastrados.
Sabe-se que não podemos nos valer dessas informações, porém, por haver falta de fiscalização no seu repasse, muitas vezes elas acabam sendo divulgadas sem o consentimento do cadastrado, violando, dessa forma, o direito à privacidade. Além disso, outra questão intrigante refere-se à finalidade dos dados coletados – o art. 5º, inciso VII da Lei 12.414/2011, assegura que o consumidor terá seus dados pessoais utilizados pelos comerciantes, bem como instituições financeiras, se estes estiverem em conformidade com a finalidade dos dados. Dessa maneira, é ofensivo a privacidade acessar informações por mera curiosidade ou verificar com o fito de apurar a vida pregressa do consumidor, com vistas a futuro contrato de trabalho e demais casos.
No que concerne a proteção da intimidade, aduz Costa Jr. apud Cunha JR :
“O direito a intimidade é um direito especial ligado à essência do indivíduo, à sua personalidade (…), no “direito de que dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se à publicação e de permanecer recolhido na sua intimidade. ‘Diritto ala riservatezza’, portanto, não é direito de ser reservado ou de comportar-se com reserva, mas o direito de manter afastados dessa esfera de reserva olhos e ouvidos indiscretos, e o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos realizados nessa esfera” (p.721, 6.ed. 2012).
Posto isso, o que fazer quando alguém se encontrar numa situação em que seus dados pessoais estão sendo tratados de maneira diversa da legalidade? O cadastrado poderá pleitear na justiça indenização por danos morais e materiais, pois o acesso indevido ofende o direito fundamental à proteção de dados.
Em resumo, com as atuais positivações sobre os bancos de dados, legais e infralegais, deve-se, acima de tudo, efetivar tais normas, e, efetivamente, reconhecê-las como um direito fundamental. Um dos direitos fundamentais é a privacidade, a qual hoje se apresenta defeituosa com o advento da tecnologia. Seria leviano pensar que a revolução tecnológica veio tão somente prejudicar, entretanto, no que se refere à transferência de informações, passou-se a mitigar a democracia da informação, pois o cidadão perde a liberdade de controle de seus dados que, por vezes, são repassados sem o devido conhecimento. Para que se possam minimizar problemas como esse, deve-se ter um olhar mais atencioso sobre a autodeterminação informativa, uma vez que esta limita os repasses das informações, subordinando a aceitação e fiscalização do cadastrado.
2. TROCA DE INFORMAÇÕES POR ESPELHAMENTO
Hodiernamente, no Brasil, existem várias entidades de proteção ao crédito que estão realizando trocas de informações “por espelhamento”, isto é, divulgando informações decorrentes de outros bancos de dados, sem, ao menos, verificá-las.
Argumenta-se que os dados não estão na base de dados da entidade que recebeu a informação e, por conta disso, não há a incumbência de fazer alguma retificação ou cancelamento das informações difundidas no mercado de consumo. Dessa forma, o consumidor fica impedido de ter a ratificação dos seus dados pela entidade que espalhou “por espelhamento”, haja vista que não há uma comunicação ao consumidor sobre a qualificação das entidades com as quais são compartilhados os registros.
Essa forma de troca de informação deve, evidentemente, submeter-se à disciplina do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Cadastro Positivo, até mesmo em razão da forte limitação que estas leis impõem, as quais são pautadas no interesse público. A troca de informações “por espelhamento” retira o direito garantido ao consumidor, como, por exemplo, de exercer o direito de retificação perante qualquer banco de dados que divulgue informação, seja ela negativa ou positiva.
A Lei de Cadastro Positivo (Lei 12.414), nos seus arts. 4º e 9º, diz o seguinte:
“A abertura de cadastro requer autorização prévia do potencial cadastrado mediante consentimento informado por meio de assinatura em instrumento específico ou em cláusula apartada.
§ 1o Após a abertura do cadastro, a anotação de informação em banco de dados independe de autorização e de comunicação ao cadastrado. (…)
Art. 9o O compartilhamento de informação de adimplemento só é permitido se autorizado expressamente pelo cadastrado, por meio de assinatura em instrumento específico ou em cláusula apartada.
§ 1o O gestor que receber informações por meio de compartilhamento equipara-se, para todos os efeitos desta Lei, ao gestor que anotou originariamente a informação, inclusive quanto à responsabilidade solidária por eventuais prejuízos causados e ao dever de receber e processar impugnação e realizar retificações” (grifo nosso) (BRASIL, 2011).
Como se pode visualizar a partir dos artigos acima, a autorização do cadastrado dá-se somente para a abertura do cadastro, não havendo necessidade de autorização para fazer anotações nos bancos de dados criados; todavia, com relação ao compartilhamento de dados, as entidades de proteção ao crédito que fornecerem informações sem a devida autorização, estarão sendo tão responsáveis quanto a entidade que originou a informação.
3. A PONTUAÇÃO DE CONSUMIDORES (POR MEIO DE SCORE) E A PROTEÇÃO AOS CONSUMIDORES
Em meados do ano de 2013, em Santa Catarina, ocorreu a “Avalanche de Ações em face da Serasa no Fórum Eduardo Luz”. Mais de quarenta e duas mil ações de consumidores foram protocoladas nos Juizados Especiais Cíveis da Comarca da Capital, todas pleiteando indenizações pela inclusão de seus nomes em classificações ou rankings de crédito, por meio das empresas como Serasa e SPC, com o objetivo de auxiliar comerciantes na identificação de quem seria bom ou mau pagador. Nas indenizações, os consumidores alegaram que a pontuação fornecida a eles pelo sistema score lhes impediam de obter acesso ao crédito.
O tema foi tão polêmico que chegou a provocar o STJ por meio do Recurso Especial nº 1419697 – RS (2013/0386285-0). Tendo em vista a grande quantidade de demandas sobre o assunto, a corte realizou uma Audiência Pública, no dia 25 de agosto de 2014, com vistas à obtenção de informação técnica sobre o tema.
Para um melhor entendimento, vale tecer alguns apontamentos do que seria o sistema “score” ou “scoring” (ponto e pontuação), conhecido também como ranking ou rating (colocação, classificação). Score é uma ferramenta que apoia com inteligência as decisões de crédito, a partir de informações comportamentais, desenvolvida pela Área de Modelagem Estatística da Boa Vista Serviços. Esse produto estima o comportamento futuro dos clientes, indicando a probabilidade de inadimplência nos próximos seis, doze ou dezoito meses, conforme a necessidade do negócio. […] O resultado das consultas é apresentado em uma escala numérica, na qual o menor índice representa maior risco e o maior índice, menor chance de inadimplência (BOA VISTA, 2014).
Em primeira instância, as ações eram julgadas procedentes para determinar a exclusão do nome do autor do cadastro Crediscore de forma definitiva, com a fixação do dia-multa e indenização por prejuízos materiais. Em sede de recurso, o Tribunal de Justiça manteve a decisão de primeira instância por considerar abusiva a prática comercial ao utilizar dados dos consumidores para fixar uma pontuação, como forma de verificar a probabilidade de inadimplemento. Considerou, também, que esse sistema era uma forma de burlar os direitos fundamentais, bem como os direitos do consumidor.
O tribunal entendeu que o sistema de pontuação do score violava o art. 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal, pois as informações constantes desse sistema não eram acessíveis aos consumidores, contrariando o que o artigo prescreve ao assegurar a todos o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança social.
Além disso, o Tribunal sustentou sua decisão no art. 43 do Código de Defesa do Consumidor, o qual assegura ao consumidor acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. Não há transparência e clareza no sistema score, já que o consumidor é impedido de conseguir crédito devido a uma pontuação baixa, cuja formação não é clara.
Abaixo, um precedente do Tribunal no mesmo sentido:
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – INFORMAÇÃO NEGATIVA – CREDISCORE – OBRIGAÇÃO DE FAZER – EXIBIÇÃO DE DADOS DO CONSUMIDOR – OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER – SUSPENSÃO DE DISPONIBILIZAÇÃO DO CADASTRO – ATO ILÍCITO – VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO CONSUMIDOR – PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA – ATO ILÍCITO CONFIGURADO – DANOS MORAIS – DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – MAJORAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – MANUTENÇÃO – O CREDISCORE E A PROTEÇÃO AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE – Comprovada a existência do Crediscore com a finalidade de auxiliar os estabelecimentos comerciais associados na análise do crédito dos consumidores. Caracterizado como serviço ou banco de dados está submetido aos princípios e regras do CDC. Análise relacionando o exame das atividades do Crediscore com os direitos de personalidade do consumidor, honra e privacidade. Exame a partir do art. 43 do CDC. Nenhum serviço, produto ou atividade que guarde informações dos consumidores pode violar o princípio da transparência. É inadmissível que informações do consumidor possam ser utilizadas nas relações de consumo, sem o respeito aos direitos de personalidade. A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CASO CONCRETO – Admissão pela própria parte ré que realiza análise do perfil do consumidor, cujo objetivo é a análise de crédito, alimentada por dados fornecidos pelos associados. Irrelevância do tempo de armazenagem dos dados. Aplicação das limitações impostas pelo art. 43 do CDC. Qualquer espécie de registro do consumidor deve ser claro, transparente, objetivo, sempre possibilitando o acesso a tais informações. O Crediscore, no modo como está estruturado, primando pela falta de transparência das informações sobre consumidores, bem como pela utilização de informações negativas sem qualquer limite temporal, constitui-se prática abusiva. Análise da contestação oferecida a partir do art. 302 do CPC. Possibilidade de aplicação do art. 461 do CPC, determinando o fornecimento das informações do consumidor, bem como a não disponibilização do seu cadastro no Crediscore, sob pena de multa diária. DANO EXTRAPATRIMONIAL – Dever de indenizar caracterizado, frente aos danos advindos da falha do serviço disponibilizado pela empresa ré no mercado de consumo. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO – A indenização por danos extrapatrimoniais deve ser suficiente para atenuar as conseqüências das ofensas aos bens jurídicos tutelados, não significando, por outro lado, um enriquecimento sem causa, bem como deve ter o efeito de punir o responsável de forma a dissuadi-lo da prática de nova conduta. Fixação do valor da indenização com base na jurisprudência do STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – Manutenção do percentual da verba honorária fixada pela sentença, observadas as peculiaridades do caso concreto, em obediência aos vetores estabelecidos no art. 20, § 3º, do CPC. Negado seguimento à apelação da parte ré, por manifesta improcedência, nos termos do art. 557, caput, do CPC. Apelação da parte autora parcialmente provida, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC.” (Apelação Cível nº 70050795277, 9ª C.Cív., TJRS, Rel. Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 04.09.2012).
Dando sequência, o Egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso, asseverou, incialmente, que o sistema credit scoring é um método desenvolvido para avaliação de riscos para concessão de crédito, a partir de diversas atribuições para formar uma pontuação do consumidor. Informou que esse sistema comercial é lícito, estando, inclusive, autorizado pelo art. 5º, incido IV, e pelo art. 7º, inciso I da Lei do Cadastro Positivo (12.414/2011). Todavia, ressaltou que deveriam ser respeitados os limites descritos pelo Código do Consumidor, no que concerne à privacidade e transparência. Pois, mesmo não sendo necessário o consentimento do consumidor consultado, este deve ter acesso a toda e qualquer informação a seu respeito quando solicitado.
O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema credit scoring configura abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), podendo ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei nº 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei nº 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.
O STJ, no Recurso Especial Recurso nº 1419697, concluiu que o sistema de credit scoring não faz parte de um cadastro ou banco de dados de consumidores, “mas uma metodologia de cálculo do risco de crédito, utilizando-se de modelos estatísticos e dos dados existentes no mercado”. Porém, vale lembrar que a empresa responsável por colher, armazenar e distribuir tem o dever de fornecer ao consumidor todas as informações de forma clara e precisa, respeitando o direito à transparência e lealdade entre as partes.
Por fim, ressaltou o corte superior que o método utilizado para calcular a pontuação que vai de 0 a 1000 do credit scoring constitui segredo da atividade empresarial, não havendo necessidade de serem divulgadas (art. 5º, IV, da Lei nº 12.414/2011). No mais, no que concerne à fonte dos dados, o consumidor deve ser informado para que possa fazer um controle da veracidade do conteúdo, assim como ter a possibilidade de retificar ou melhorar o desempenho no mercado de consumo. Acrescente-se, por oportuno, que ainda não há um acesso fácil ao sistema credit scoring por parte do consumidor, tornando-se cada vez mais difícil lidar com os sistemas de banco de dados sobre informações de consumo.
Segue em anexo a ementa do Recurso Especial nº 1419697:
“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). TEMA 710/STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE CRÉDITO. SISTEMA "CREDIT SCORING". COMPATIBILIDADE COM O DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL. I – TESES: 1) O sistema "credit scoring" é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito). 2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). 3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011. 4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema "credit scoring", configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados. II – CASO CONCRETO: 1) Não conhecimento do agravo regimental e dos embargos declaratórios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvérsia; 2) Inocorrência de violação ao art. 535, II, do CPC. 3) Não reconhecimento de ofensa ao art. 267, VI, e ao art. 333, II, do CPC. 4) Acolhimento da alegação de inocorrência de dano moral "in re ipsa". 5) Não reconhecimento pelas instâncias ordinárias da comprovação de recusa efetiva do crédito ao consumidor recorrido, não sendo possível afirmar a ocorrência de dano moral na espécie. 6) Demanda indenizatória improcedente. III – NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL E DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS, E RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO”. (STJ – REsp: 1419697 RS 2013/0386285-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 12/11/2014, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/11/2014).
4. EFICÁCIA JURÍDICA E SOCIAL DA LEI DE CADASTRO POSITIVO
A questão da eficácia das normas pode ser encarada sob os prismas social e jurídico. A eficácia social designa uma efetiva conduta de acordo com prevista pela norma”. Refere-se ao fato (social) de que a norma é realmente obedecida e aplicada pelos seus destinatários. Quer dizer, quando as pessoas, no mundo concreto, pautam suas condutas de acordo com certa norma, diz-se que a norma tem eficácia, no seu sentido social, chamada também de efetividade (FERRAZ, Valladão.2008)
Com relação a eficácia jurídica, esta designa a “qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, as situações, relacionadas e comportamentos de que cogita”. Em outras palavras, é a aptidão da norma produzir seus efeitos característicos (FERRAZ, Valladão.2008).
Hans Kelsen distinguiu a validade da norma de sua eficácia. Segundo ele, a vigência é a existência de uma norma que está apta a produzir seus efeitos, ou seja, é a vigência específica de uma norma. No que concerne à eficácia, esta corresponde ao fato real de a norma ser efetivamente aplicada e observada. (KELSEN, Hans. 2000)
Dirley da Cunha JR., traz a seguinte afirmação:
“(…) afirma que o mínimo de eficácia é condição de validade da norma, pois, para ele, uma norma que “não é eficaz em uma certa medida, não será considerada como norma válida (vigente)” (KELSEN apud Cunha JR, Curso de Direito Constitucional, 2002, p.163).
Portanto, essas condições (vigência e validade) correspondem, respectivamente, ao que hoje chamamos de eficácia jurídica e eficácia social, sendo que “a eficácia jurídica diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica, ou seja, seus efeitos são válidos e tem aptidão para produzi-los. Já a eficácia social consiste na aplicabilidade e na obediência, isto é, a conduta humana faz-se presente em respeito à norma. A norma encontra sua efetiva correspondência na conduta social (REALE, 2001).
Diante do exposto, podemos dizer que a Lei de Cadastro Positivo (Lei 12.414) não logrou sua eficácia social, haja vista a não adesão das pessoas em se cadastrar no banco de dados. Todavia, há uma eficácia jurídica, pois a Lei está em vigor, porém, visualiza-se um receio por parte dos consumidores em fazer tal procedimento, alegando falta de informação e convicção de que seus dados não serão repassados e vistos por qualquer individuo, seja ele interessado ou não.
Portanto, a Lei do Cadastro positivo surgiu de um fato valorado pela minoria que se transformou em uma norma para maioria. Com isso, hodiernamente, observamos a sua inaplicabilidade social, porém jurídica.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, a jovem Lei 12.414 / 2011, com suas especificidades ao normatizar os bancos de dados, trouxe uma enorme contribuição ao país, mesmo passando por diversas etapas até chegar à tão esperada Lei do Cadastro Positivo. Esta veio com uma abordagem muito mais ampla do que qualquer outra norma infralegal ou, até mesmo, constitucional.
A Lei do Cadastro Positivo trouxe uma enorme contribuição no sentido de fazer com que as relações evolvendo banco de dados fossem positivadas de forma detalhada, mas não impediu que as deficiências também ocorressem, até porque, quando se põe a teoria em prática, por vezes o resultado é bem diferente daquele expresso originalmente na escrita.
Nesse sentido, com a grande difusão da internet, a transferência de informações entre os fornecedores ficou facilitada; as informações são repassadas de forma instantânea, ficando o consumidor vulnerável a sofrer qualquer tipo de dano. Devido a isso, invoca-se ao poder legiferante que ponha meios mais seguros de proteção ao titular de dados informáticos em prática, pois, dessa maneira, poder-se-á diminuir a demanda de casos relacionados à falta de proteção em bancos de dado pessoais.
Por outro lado, no que tange à concessão de crédito a juros mais baixos, pensou-se que os juros iriam diminuir por causa da Lei de Cadastro Positivo, mas, na verdade, esse foi um pretexto usado pelos legisladores para maquiar a Lei 12.414, ao induzir benefícios aos consumidores a juros menores. Notou-se que a baixa dos juros dá-se com ou sem Lei de cadastro positivo, basta a livre vontade dos credores e comerciantes e que o momento econômico do país possibilite, haja vista que a Lei não menciona a ocorrência de queda dos juros ao ser cadastrado nos bancos de dados de cadastro positivo.
Vale asseverar, por convir, que os bancos de dados, atualmente, estão ficando desvalidos de segurança por parte dos consumidores. Um exemplo disso é o sistema de credit scoring, o qual é guarnecido por meios desconhecidos pelos consumidores, deixando-os, muitas vezes, sem o acesso ao crédito por estarem com uma “pontuação” não condizente com a classe “boa pagadora”. Outro exemplo, nesse mesmo sentido, é o compartilhamento de dados “por espelhamento”, no qual entidades de proteção ao crédito trocam informações entre si, entre os comerciantes e financeiras “por espelhamento”, isto é, divulgando informações decorrentes de outros bancos de dados, sem, ao menos, verificá-las.
Assevera-se, no meio coorporativo, que as informações servem para dar uma maior segurança aos fornecedores do mercado, pois, possibilitam-lhes o conhecimento sobre a vida pregressa do indivíduo no mercado de consumo. Então, para tentar diminuir todo e qualquer desvirtuamento dessas informações, deve haver uma fiscalização mais eficiente de todo e qualquer tipo de repasse sobre alguma informação do consumidor, evitando-se, assim, ilegalidades e respeitando a privacidade e demais princípios.
Advogada. Pós graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá
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