Resumo: O presente artigo destina-se ao estudo da Emenda Constitucional nº 66/2010 e as alterações e inovações trazidas ao término da sociedade conjugal e à dissolução do casamento no Brasil. Antes da referida Emenda existia no Brasil o sistema binário, que determinava que os casais, para se divorciarem, dissolvendo o casamento, necessitavam primeiramente terminar a sociedade conjugal, através da separação, que poderia ser de fato ou de direito. Com a aprovação da Emenda nº 66/2010, grande foi a discussão acerca da permanência ou não do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro. Em conformidade com entendimento majoritário da doutrina entende-se que restou extinto referido instituto. Desta forma, com a inovação da Emenda e o fim da separação como requisito para o divórcio, a dissolução do casamento passou a ser alcançado de forma direta, sem a necessidade de prévia separação do casal. Com o fim da separação restou também extinta a conversão da separação judicial em divórcio. Este, por sua vez, passou a ser alcançado mais facilmente, sem as amarras que o dificultavam com a legislação substituída, transformando o sistema binário e sistema uno e direto.
Palavras-Chave: Separação Judicial. Divórcio. Emenda Constitucional nº 66/2010.
Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico da Evolução do Divórcio no Brasil. 2. O Término da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Casamento Antes da Emenda Constitucional N° 66/2010. 2.1. A Separação Judicial Antes da Emenda. 2.2. O Divórcio Antes da Emenda. 3. O Término da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Casamento Depois da Emenda Constitucional N° 66/2010. 3.1. A Separação Judicial Depois da Emenda. 3.2 O Divórcio Depois da Emenda. Conclusão. Referências.
Introdução
O instituto jurídico do divórcio surgiu no ordenamento jurídico brasileiro através da Emenda Constitucional n.º 9, de 28 de junho de 1977, que modificou o art. 175 da Constituição Federal de 1969, em seu parágrafo primeiro, possibilitando a dissolução matrimonial, que seria tratada, em seguida, em lei própria.
Eis que assim surgiu a Lei n.º 6.515, de 26 de dezembro de 1977, com o objetivo de regulamentar os casos de dissolução da sociedade conjugal e dos casamentos, seus efeitos e respectivos processos, dando ainda outras providências.
Na ocasião tratava-se o divórcio de instituto jurídico completamente novo, concebido sob insistente oposição da igreja. Entretanto, nos dias de hoje trata-se de um instituto consolidado, respaldado pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, permanecendo ainda em vigor a Lei nº 6.515/77.
Juntamente com o instituto do divórcio, tratou também a Lei nº 6.515/77 da separação judicial como forma de término da sociedade conjugal.
Sobre o assunto explicou o doutrinador Arnoldo Wald:
“A Emenda Constitucional 9, de 28-6-1977, consagrou a forma indireta do divórcio, mediante conversão da separação judicial, e, de maneira transitória, o divórcio direto. Foi, pois, imposta uma fase preliminar e indispensável de separação judicial. Preferiu o nosso legislador, em evidente concessão aos princípios da Igreja Católica, a adoção de forma indireta, pouco usada em outros países, pois, além de permitir que o casal se reconcilie, assegura-lhe, ainda, a faculdade de requerer ou não o divórcio.” (WALD, 2000, p. 165).
Em julho de 2010, com o advento da Emenda Constitucional n.º 66, alterou-se a redação do parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, que declinou apenas o divórcio direto como forma de dissolução da sociedade conjugal.
Neste momento surge uma grande discussão doutrinária no Brasil acerca da manutenção ou não da existência do instituto da separação judicial.
Desta forma, surgiu no ordenamento brasileiro uma série de especulações, análises e estudos acerca da separação judicial e do divórcio. Teria a Emenda Constitucional nº 66/2010 excluído a separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro? Teria extinguido a necessidade do prazo de dois anos para o divórcio direto? Teria extinguido a conversão de separação judicial em divórcio? E os casos das pessoas já separadas judicialmente e ainda não divorciadas? E as ações de separação judicial em andamento, permaneceriam em trâmite, seriam convertidas em divórcio ou seriam extintas?
Sobre o assunto posiciona-se Ferrari Neto, argumentando:
A Emenda Constitucional nº 66/2010 tem a finalidade de pôr fim ao prazo exigido para desconstituição do vínculo matrimonial (de 2 anos para o divórcio direto ou de 1 ano para a conversão da separação judicial em divórcio). São esses os termos dispostos na Ementa da própria norma: Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Essa Emenda originou-se da Proposta do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Recebeu, na Câmara dos Deputados o número PEC 413/2005. Até então havia, como regra, um primeiro momento em que ocorreria a dissolução da vida conjugal, do convívio entre marido e mulher (ou, nos termos do Código Civil, da "sociedade conjugal"); posteriormente, um segundo momento em que se realizaria a dissolução do matrimônio. A exceção era a realização do até então chamado "divórcio direto", mas que dependia da separação de fato do casal por mais de dois anos. O objetivo dessa Emenda foi acabar com o regime da separação judicial. (FERRARI NETO, 2010, online).
Todas estas questões passaram a ser constantemente discutidas com o advento da Emenda Constitucional em análise, gerando, portanto, a necessidade de estudos acerca dos seus efeitos, suas consequências e sua aplicabilidade.
Ante o exposto, o presente artigo pretende abordar as alterações e inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 66/2010, analisando as vantagens, desvantagens e as consequências por ela trazidas à legislação pátria, bem como as vantagens e desvantagens da nova legislação para os casais que desejam dissolver o seu casamento.
1. Breve Histórico da Evolução do Divórcio no Brasil
O Brasil é um país de história recente. Descoberto em 1500, só começou a se desenvolver com alguma autonomia com a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808. Fugindo da ira napoleônica que assolava e amedrontava quase toda a Europa, a corte portuguesa abandonou a pátria fugindo para a colônia no final de 1807, aqui chegando no início do ano seguinte, trazendo consigo grande carga da cultura Europeia.
Neste contexto, estado e religião eram intimamente ligados. A religião, por sua vez, tratava-se quase que exclusivamente do Cristianismo Católico. A Igreja Católica possuía apertadas ligações com a coroa, delineando as decisões e determinações dos soberanos.
Neste período, somente a Igreja Católica tinha competência para celebrar casamento, tratando-se, como ocorre até os dias de hoje, de um sacramento desta Igreja.
Ainda no período imperial foi iniciada uma luta pela secularização do casamento, porém, somente com a República vieram algumas evoluções acerca do tema, conforme os comentários de Zeno Veloso, na obra de Carolina Valença Ferraz:
“Eis que foi proclamada a República, trazendo novas ideias quanto ao tema […]. Um dos primeiros atos do Governo Provisório foi a edição do Decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890, redigido por Ruy Barbosa, e que declarou a separação entre a Igreja e o Estado.” (FERRAZ, 2011, p. 21).
Em seguida, através do Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, foi instituído o casamento civil no Brasil, o que fora visto como uma grande evolução legal. A Constituição de 1891, a primeira da República, ratificou este entendimento, consolidando a decisão de o Estado brasileiro manter-se laico. A despeito da referida transformação, que desvinculou determinantemente Igreja e Estado, persistiu em nosso meio, a antiga ideia de que o casamento não se dissolvia pelo divórcio, sendo possível apenas a dissolução da sociedade conjugal, subsistindo o vínculo matrimonial.
Entretanto, a sociedade, que vive em constante evolução, após o reconhecimento legal do casamento, iniciou também, de forma natural, uma busca pela legalização do divórcio. Esta, porém, uma luta muito mais árdua.
Até os dias de hoje a Igreja Católica mantém-se firme contra o divórcio. Imagine-se, portanto, no período em que surgiram os primeiros rumores de uma reforma legal para inclusão do divórcio na legislação brasileira.
Em 1893 foi apresentado ao Parlamento brasileiro o primeiro projeto divorcista, que, por óbvio, foi rapidamente repelido.
Em 1900, foi apresentado um novo projeto para inclusão do divórcio na legislação brasileira. O projeto foi aprovado por maioria de votos na Câmara dos Deputados, porém fora posteriormente arquivado na Comissão de Legislação e Justiça do Senado.
Em 1901, em conformidade com Rodrigo da Cunha Pereira:
“O jurista Clóvis Beviláqua apresentou, após seis meses de trabalho, seu projeto de Código Civil. Duramente criticado pelo então senador Ruy Barbosa e por vários juristas, seu projeto sofreu várias alterações até sua aprovação de 1916. Tal como no direito anterior, permitia-se o término da sociedade conjugal somente por via do desquite, amigável ou litigioso. A sentença do desquite apenas autorizava a separação dos cônjuges, pondo termo ao regime de bens. No entanto, permanecia o vínculo matrimonial. A enumeração taxativa das causas de desquite foi repetida: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono voluntário do lar conjugal (art. 317). Foi mantido o desquite por mútuo consentimento (art. 318). A legislação civil inseriu a palavra “desquite” para identificar e diferenciar da simples separação de corpos.” (PEREIRA, 2013, p. 31/32).
Algumas outras tentativas de instituição do divórcio ocorreram no decorrer do século XX, porém sem sucesso. Apenas em 1977 com a Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho, regulamentada pela Lei nº 6.515, de 26 de dezembro do mesmo ano, caiu por terra o princípio da indissolubilidade do casamento, sendo oficialmente instituído o divórcio no Brasil.
Neste sentido os comentários de Zeno Veloso, na obra de Carolina Valença:
“No mesmo ano em que foi promulgada a EC nº 9, foi aprovada a Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, que entrou em vigor nessa data, ficou conhecida como Lei do Divórcio, e veio para regular os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dar outras providências. Fez na verdade, além do que se propunha, uma minirreforma no Direito Civil brasileiro. Essa lei nº 6.515/77 tomou por base projeto dos Senadores Nélson Carneiro e Accioly Filho. No art. 1º, anunciou: A separação judicial e a dissolução do casamento de que trata a Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, ocorrerão nos casos e segundo a forma que esta lei regula.” (FERRAZ, 2011, p. 25).
Pela primeira vez na história jurídica do Brasil uma lei se referia à extinção do vínculo conjugal por via do divórcio. Sobre o assunto, interessante o esclarecimento prestado por Zeno Veloso, na obra de Carolina Valença Ferraz:
“Com a EC nº 9/77 e posterior Lei nº 6.515/77, a palavra desquite foi afastada, passando a se utilizar para designar a dissolução da sociedade conjugal a expressão “separação judicial”, sob inspiração do Código Civil italiano de 1942 e da lei italiana do divórcio, de 1970. Alguns civilistas reclamaram dessa mudança. Mas a locução separação judicial vingou e ficou. Alguns anos depois de ter entrado em vigor a Lei do Divórcio, Nélson Carneiro […] disse que a verdadeira razão daquela modificação residia no fato de a mulher ao se apresentar socialmente como desquitada passava por constrangimento, suscitava um sentimento negativo, de maneira que a troca da expressão tinha a finalidade de livrar a mulher brasileira de um vocábulo que causava extrema amargura, grande sofrimento. Esperava-se que a mudança da designação fizesse diminuir a discriminação e representasse um passo em favor da igualdade entre o homem e a mulher.” (FERRAZ, 2011, p. 26).
Em 1988 foi promulgada a atual Constituição Federal do Brasil, que em seu artigo 226, § 6º, estabeleceu que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao reduzir de três anos para um ano, contado da separação judicial, o prazo para que fosse obtido o divórcio por conversão, chamado divórcio indireto. O prazo do divórcio direto, por sua vez, foi reduzido de cinco anos para dois anos, numa inequívoca demonstração da intenção do legislador constituinte de facilitar a obtenção do divórcio.
Em 1989 a Lei nº 7.841, de 17 de outubro, revogou dispositivo que impedia a possibilidade de sucessivos divórcios, o que é plenamente possível atualmente.
Em 2003 entrou em vigor a Lei nº 10.046 de 10 de janeiro de 2002, o novo Código Civil brasileiro, que em seus artigos 1.571 a 1.582, tratou da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, adequando a legislação infraconstitucional aos ditames da Constituição de 1988.
Em 2007 a Lei nº 11.441, de 04 de janeiro, permitiu que divórcios e separações consensuais pudessem ser requeridos por via administrativa, dispensando a necessidade de intervenção judicial e do Ministério Público, desde que as partes, representadas por advogados e sem filhos menores ou incapazes, comparecessem em algum cartório de notas para realização do ato.
Até então, mesmo com a facilitação do divórcio, estava o instituto condicionado ao decurso do lapso temporal de dois anos após a separação de fato, ou de um ano após a separação judicial, nos termos da constituição Federal de 1988, e do Código Civil de 2002.
Justamente para adequação dos referidos lapsos temporais, combinado com o fim da separação judicial é que adveio a Emenda Constitucional nº 66, promulgada em 13 de julho de 2010, conforme esclarece Rodrigo da Cunha Pereira:
“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, sendo suprimido o requisito da prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos, extirpando o anacrônico instituto da separação judicial, bem eliminando a discussão de culpa pelo fim do casamento.” (PEREIRA, 2013, p. 33).
Superado o breve histórico do divórcio no Brasil, passemos à análise da dissolução do casamento antes e depois da Emenda Constitucional nº 66/2010 e ao discutido instituto da separação judicial.
2. O Término da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Casamento Antes da Emenda Constitucional N° 66/2010
Imediatamente antes da Emenda Constitucional nº 66/2010, o término da sociedade conjugal no Brasil se dava através da separação judicial e a dissolução do casamento pelo divórcio, sendo os institutos basicamente regidos pelo art. 226, § 6º, da Constituição Federal e pelos artigos 1.571 a 1.582 do Código Civil de 2002.
O art. 226, § 6º, da Constituição Federal estabelecia em sua redação que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano, nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos.
Os artigos 1.571 a 1.582 do Código Civil de 2002, por sua vez, delineavam os institutos da separação judicial e do divórcio, trazendo suas minúcias, como podemos perceber pela redação do artigo 1.571 do Código Civil abaixo transcrito, que descreve as formas de término da sociedade conjugal:
Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.
§ 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial. (BRASIL, 2002).
Sobre a diferença entre o término e a dissolução do casamento, esclarecedores os comentários de Rodrigo da Cunha Pereira:
“Desde a Lei nº 6.515/77 tem sido feita a distinção entre “terminar” e “dissolver” o casamento. Foi necessário este ‘jogo’ de palavras para dar alguma coerência ao incoerente e inútil instituto da separação judicial. Como já dito, ele veio substituir o desquite para satisfazer aqueles cuja religião não permite o divórcio. Dissolver ou terminar um casamento tem o mesmo sentido, o casamento acabou. A diferença essencial é que não se pode casar quem apenas se separou judicialmente, enquanto com o divórcio é possível casar novamente.” (PEREIRA, 2013, p. 47).
Desta forma, funcionava no Brasil a sistemática de que, se o casal desejasse terminar o relacionamento conjugal, deixando de viver juntos, poderia, inicialmente, propor a ação de separação judicial, convertendo-o em divórcio após um ano do trânsito em julgado da referida separação, ou simplesmente manterem-se separados de fato por pelo menos dois anos, propondo assim o pedido de divórcio direto, que de fato dissolveria o casamento.
No primeiro caso, havia a necessidade do intervalo de um ano entre o trânsito em julgado da ação de separação judicial e da propositura da ação do divórcio, enquanto na ação do divórcio direto, havia necessidade de o casal estar separado de fato por pelo menos dois anos.
Havia, portanto, no Brasil, o sistema binário para se alcançar o divórcio. Este era buscado pelo caminho da separação judicial ou pelo caminho da separação de fato. A busca pelo divórcio mais rápido e a necessidade de regularizar questões como guarda de filhos, partilha de bens e pensão alimentícia, obrigava os casais a separarem-se judicialmente e depois divorciarem-se. Esta metodologia gerava o divórcio em duas etapas, com aumento do número de processos, despesas, burocracia e desgaste pessoal das partes.
2.1. A Separação Judicial Antes da Emenda
A separação judicial poderia ser consensual ou litigiosa. A separação seria consensual quando ocorresse em comum acordo entre o casal. Por outro lado, a separação seria litigiosa quando não houvesse acordo entre as partes, ou conforme a descrição legal, quando presentes hipóteses legais que tornassem insuportável a vida em comum.
Nos termos do art. 1.574 do Código Civil de 2002, dar-se-ia a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se fossem casados por mais de um ano e o manifestassem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.
Desta forma, a separação judicial consensual tornava-se cabível desde que os cônjuges estivessem casados por pelo menos um ano. Este prazo fora uma redução trazida pelo Código Civil de 2002, vez que, anteriormente, o lapso temporal necessário era de dois anos. É de se ressaltar ainda que o referido prazo se tratava apenas para os casos de separação consensual, vez que, em caso de separação litigiosa o casal poderia propor a ação imediatamente após o casamento, caso fosse necessário.
O requisito temporal estabelecido pela lei, exigindo que os cônjuges estivessem casados há mais de um ano, tratava-se de uma visível tentativa do legislador de preservar o casamento recente. Justificava-se porque o primeiro ano de casamento constituiria um período de prova em que o legislador aguardava um prazo inicial de convivência para acomodação e compreensão da vida em comum, não permitindo que um afoitamento pudesse jogar por terra o matrimônio nos seus primeiros meses.
Ressalte-se que, nos termos da Lei nº 11.441/2007, os pedidos de separação ou de divórcio, desde que consensuais, passaram a poder ser realizados extrajudicialmente quando as partes, representadas por advogados, e sem filhos menores ou incapazes, comparecessem em algum cartório de notas para realização do ato.
A separação judicial litigiosa foi, então, doutrinariamente dividida em três hipóteses: a) separação litigiosa como sanção; b) separação litigiosa como falência; e c) separação litigiosa como remédio.
A separação judicial litigiosa como sanção ocorreria quando um dos consortes imputasse ao outro conduta desonrosa que implicasse menosprezo no ambiente familiar ou no meio social em que vivesse o casal, ou qualquer ato que importasse em grave violação dos deveres matrimoniais, além de fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e consideração mútuos, nos termos do art. 1.572, caput, do Código Civil de 2002.
O legislador do Código Civil, a título de exemplo, estabeleceu no art. 1.573, as seguintes hipóteses que justificariam a separação como sanção:
“Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III – sevícia ou injúria grave;
IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;
V – condenação por crime infamante;
VI – conduta desonrosa;
Parágrafo Único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. (BRASIL, 2002).
Por outro lado, a separação judicial litigiosa como falência ocorreria se houvesse ruptura da vida em comum há mais de um ano e impossibilidade de sua reconstituição, nos termos do parágrafo primeiro do art. 1.572.
E, por fim, a separação judicial litigiosa como remédio ocorreria quando um cônjuge a pedisse ante o fato de estar o outro acometido de grave doença mental, manifestada após o matrimônio, que tornasse impossível a continuação da vida em comum, desde que, após a duração de dois anos, a enfermidade tivesse sido reconhecida de cura improvável, nos termos dos parágrafos segundo e terceiro do art. 1.572.
2.2. O Divórcio Antes da Emenda
O divórcio, por sua vez, e em conformidade com as informações já declinadas neste artigo, poderia ser: a) Extrajudicial, b) Judicial Indireto ou c) Judicial Direto.
O Divórcio Extrajudicial ocorria nos mesmos moldes da separação extrajudicial, ou seja, nos termos da Lei nº 11.441/2007 os pedidos de separação ou de divórcio, desde que consensuais, passaram a poder ser realizados extrajudicialmente, quando as partes, representadas por advogados, e sem filhos menores ou incapazes, comparecessem em algum cartório de notas para realização do ato.
O Divórcio Judicial Indireto era a modalidade fim, que mantinha a separação judicial como meio. É o exemplo real do sistema binário, em que o casal primeiramente se separava judicialmente, para posteriormente se divorciar. Com o trânsito em julgado da separação judicial, o casal aguardava um ano para propositura do divórcio. A ação judicial ficou popularmente conhecida como conversão de separação judicial em divórcio.
O Divórcio Judicial Indireto subdividia-se em consensual ou litigioso, de acordo com a existência ou não de acordo entre as partes para obtenção da dissolução do casamento.
Por outro lado, o Divórcio Judicial Direto ocorria quando os cônjuges não se separavam judicialmente, mantendo-se apenas separados de fato. Neste caso, após o transcurso do período de dois anos, tornava-se possível a propositura da ação judicial de divórcio direto. Este tipo de divórcio também poderia ocorrer de forma consensual ou litigiosa, havendo ou não consenso entre as partes.
3. O Término da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Casamento Depois da Emenda Constitucional N° 66/2010
A Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010, teve como objetivo a alteração da redação do art. 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988, que tratava da dissolução do casamento no Brasil. Antes da Emenda em estudo o parágrafo em destaque informava que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano, nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Eis que, após a Emenda nº 66/2010, o referido parágrafo passou a informar apenas que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
Verifica-se que houve a supressão de parte da redação do parágrafo. Esta pequena alteração de redação gerou uma grande transformação na dissolução do casamento no Brasil.
Nos termos da explicação de Zeno Veloso, na obra de Carolina Valença Ferraz:
“Finalmente, chegou a hora de uma transformação realmente radical, histórica, uma verdadeira revolução. Foi aprovada a Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010, que entrou em vigor na data de sua publicação: 14 de julho de 2010.” (FERRAZ, 2011, p. 39).
Isto, porque o novo texto constitucional suprimiu exatamente as condições para a realização do divórcio, que passa, portanto, a ser realizado sem a necessidade de preenchimentos dos requisitos anteriormente exigidos pela legislação brasileira.
Pela simples leitura do parágrafo em análise percebe-se que o legislador suprimiu exatamente as informações referentes à separação judicial e o seu prazo para conversão em divórcio, e ao prazo para o divórcio direto, no caso de separação de fato. Os termos separação judicial, separação de fato e os seus respectivos prazos foram absolutamente suprimidos da redação legal, sendo também suprimidos como requisitos para o divórcio.
Neste sentido, verifica-se que a supressão dos citados institutos tem o condão de eliminar a sua aplicação no Brasil. Isto porque a regra constitucional tem eficácia plena e aplica-se imediatamente, tornando ineficaz toda a legislação infraconstitucional que não se harmonize ao novo texto constitucional.
Neste sentido os comentários de Sérgio Iglesias Nunes de Souza, na obra de Carolina Valença Ferraz:
“Paulo Luiz Neto Lobo informa desde o projeto da EC 66/2010 na Câmara dos Deputados que durante a votação nos dois turnos em plenário, foram propositadamente suprimidas as expressões “consensual ou litigioso” e “na forma da lei”. Para o jurista as supressões foram pertinentes, já que obtiveram um texto mais próximo ao ‘espírito da proposta, particularmente no que concerne à remissão à lei infraconstitucional’. Explica, ainda, que com isso a norma passou a ter eficácia imediata e não contida e ‘sem os riscos de limitações que poderiam advir de lei ordinária, inclusive com a reintrodução dos requisitos subjetivos (culpa) ou até mesmo de prévia separação judicial, o que configuraria verdadeira fraude à Constituição’. (FERRAZ, 2011, p. 201).
É o que ocorre, no presente caso, com os artigos 1.571 a 1.582 do Código Civil de 2002, que perderão aplicabilidade parcial ou total não se alinhando à nova legislação constitucional. O mesmo ocorrerá com diversos dispositivos da Lei 6.515/77.
Realizadas estas primeiras considerações, analisemos a situação específica dos institutos da separação judicial e do divórcio após a Emenda Constitucional em estudo.
3.1. A Separação Judicial Depois da Emenda
Muito se tem discutido acerca da permanência ou não do instituto da separação judicial no sistema jurídico brasileiro após a Emenda Constitucional nº 66/2010.
Numa primeira análise verifica-se claramente que o termo separação judicial foi suprimido da redação constitucional. Esta alteração trouxe o entendimento de que o divórcio restará alcançado por simples pedido, sem o preenchimento dos requisitos aos quais estavam os brasileiros vinculados até então, dentre eles a prévia separação judicial.
Restou, portanto, pacífico o entendimento de que a separação judicial deixou de ser requisito para o divórcio, vez que este agora pode ser alcançado de forma direta e imediata.
Entretanto, o fato da separação judicial não ser mais requisito para o divórcio, não significou, para alguns, que estaria extinta do nosso ordenamento jurídico. A partir de então, duas correntes se formaram. Ambas entendem que o divórcio agora é direto, sem necessidade de preenchimento de requisitos e sem a necessidade de se passar pela separação judicial. Porém, a primeira corrente entende que restou extinta a separação judicial, enquanto a segunda corrente entende que mesmo não sendo mais necessária para o divórcio, a separação judicial continua existindo e permanece como opção para os casais que desejam terminar a sociedade conjugal sem dissolver o casamento.
Os defensores da primeira corrente, que pregam pela extinção da separação judicial, argumentam que este foi o objetivo da Emenda nº 66/2010, esboçado não só nos debates durante a votação da emenda, mas também na sua própria exposição de motivos. Argumentam ainda, muito apropriadamente, que não sendo mais a separação judicial um requisito para o divórcio, restou completamente inócuo o instituto, tornando-se completamente desnecessário. Com a disponibilidade do divórcio direto, sem amarras, sem requisitos, sem condicionantes, não haveria motivo para os casais se separarem judicialmente manejando uma ação judicial, com contratação de advogado, audiência, todo o desgaste moral e financeiro, se podem de imediato manejar a ação judicial de divórcio.
Sobre o assunto, muito esclarecedor o entendimento do Magistrado e Professor Pablo Stolze Gagliano, em sua obra O Novo Divórcio:
“A partir da promulgação da Emenda, desapareceu de nosso sistema o instituto da separação judicial, e toda legislação que o regulava, por consequência, sucumbiu, sem eficácia, por conta de uma não recepção. Com isso, consideramos tacitamente revogados os arts. 1.572 a 1.578 do Código Civil, perdendo sentido também a redação do art. 1.571 no que tange à referência feita ao instituto da separação. Não há mais espaço também para o divórcio indireto, pois, com o fim da separação judicial, não há o que ser convertido (art. 1.580).” (GAGLIANO, 2012, p. 57).
Neste contexto, entende-se que restou extinta a sistemática dual de término do matrimônio, uma vez que a separação deixou de ser recepcionada na legislação brasileira por inconstitucionalidade superveniente das normas legais ordinárias.
Entretanto, em situação exatamente oposta, a segunda corrente entende que a separação judicial permanece viva, mantendo-se como possibilidade para os casais que desejam terminar a sociedade conjugal sem dissolver o casamento.
Neste sentido o entendimento esboçado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (2013), na decisão abaixo transcrita:
“Relator: Desembargador Belizário de Lacerda
Data de Julgamento: 06/08/2013
Data da publicação da súmula: 09/08/2013
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – SEPARAÇÃO JUDICIAL – EC N.º 66/2010 – SUBSISTÊNCIA DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO – RECURSO NÃO PROVIDO. – A Emenda Constitucional nº 66/10 apenas extirpou os requisitos temporais para a efetivação do Divórcio, não eliminando do ordenamento jurídico pátrio o instituto da Separação Judicial, que permanece como meio hábil para os cônjuges que por questões pessoais almejam romper a sociedade conjugal sem, contudo, dissolver o vínculo matrimonial.”
– "Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit”.
Verifique-se, pela decisão transcrita, que entendeu o Eminente Desembargador, que a separação judicial não teria sido eliminada da legislação brasileira, defendendo que teria sido eliminada apenas a sua condição como acesso ao divórcio.
Neste mesmo sentido argumentam Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf, na obra de Carolina Valença Ferraz:
“No que tange à manutenção da separação judicial em nosso ordenamento jurídico, concordamos com a concepção trazida por Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva de que ‘discorda-se do argumento de que haveria duplicidade artificial na dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial e do vínculo conjugal pelo divórcio em nosso sistema. Essa duplicidade é necessária em respeito ao direito fundamental da liberdade, previsto no art. 5º, VIII da Constituição Federal, uma vez que este dispõe que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política’. Desta forma, a eliminação da separação judicial importaria em violação a esse direito fundamental, uma vez que os seguidores da religião Católica ficarão privados do direito à regularização de seu estado civil, uma vez que o Direito Canônico admite a separação com permanência do vínculo conjugal, mas não admite o divórcio.” (FERRAZ, 2011, p. 131).
Entretanto, não se encerra por aí a discussão. Em total discordância ao argumento acima exposto, manifesta-se Rodrigo da Cunha Pereira:
“[…] Deve-se respeitar a religião, a crença e as convicções morais. Elas mais que fazem sentido, dão sentido à vida, ajudam a colocar limites, direcionam valores, alimentam esperanças e fé. Entretanto, não podemos misturar Direito com valores morais particulares e religiosos. A história do Direito de Família já nos mostrou todas as injustiças provocadas por esses valores, tais como a exclusão de determinadas categorias do laço social, ilegitimando filhos, famílias, em nome de uma moral sexual civilizatória. Não podemos continuar repetindo essas injustiças. E é, principalmente por isso que os argumentos de ordem moral-religiosa não podem prescrever as regras jurídicas.” (PEREIRA, 2013, p. 51).
Pelas informações até aqui analisadas, percebe-se quão grande tem sido a discussão acerca da extinção ou não da separação judicial. A conclusão que se pode tirar de todos os argumentos apresentados é que, infelizmente, o texto constitucional não foi suficientemente claro para determinar o fim ou não do instituto em análise. Cada doutrinador posiciona-se num ou noutro seguimento, apresentando suas razões. A legislação também nos traz pistas num ou noutro sentido. Certo é que a grande maioria dos doutrinadores brasileiros posicionam-se pelo fim da separação judicial, entendendo ser este o espírito da reforma constitucional.
Alinhando-se a este entendimento e considerando que restou extinto o instituto da separação judicial, surgem algumas dúvidas acerca da situação dos casais já separados judicialmente, bem como dos casais com ação judicial de separação judicial em trâmite.
Eis que os cônjuges que já estivessem separados judicialmente antes da Emenda Constitucional permanecerão em estado civil de separados judicialmente. Estes casais só passarão a ser divorciados caso proponham a competente ação de divórcio. Caso não se divorciem, permanecerão em estado de separados judicialmente.
Quanto aos cônjuges com ação de separação judicial em trâmite, conforme entendimento majoritário, deverão ser intimados para manifestarem-se acerca da intenção em divorciarem-se, já que não será mais necessária a separação como condição para o divórcio, inexistindo também, em consequência, a conversão da separação judicial em divórcio.
Sobre o fim da conversão de separação judicial em divórcio, esclarecedores os comentários de Maria Berenice Dias:
“Com o fim da separação judicial, também desapareceu a possibilidade de sua conversão em divórcio. Não persiste a exigência temporal de um ano para que tal ocorra. Agora os separados judicialmente ou separados de corpos, por decisão judicial ou extrajudicialmente, podem requer o divórcio, não havendo a necessidade do implemento de qualquer prazo.” (DIAS, 2012, p. 146/147).
Desta forma, apesar de não haver consenso, a partir da Emenda nº 66/2010 a maioria dos doutrinadores brasileiros entendem que restou extinto o instituto da separação judicial e junto consigo a conversão da separação judicial em divórcio. O divórcio, por sua vez, tornou-se direto e imediato, sem necessidade de cumprimento de requisitos ou lapsos temporais, conforme será visto no próximo item.
3.2 O Divórcio Depois da Emenda
Como dito anteriormente, o divórcio, com a Emenda Constitucional nº 66/2010, abandonou todo seu rol de requisitos e prazos para que seja alcançado pelos interessados. Neste ínterim, passou a divórcio a ser um direito potestativo, que pode ser requerido a qualquer tempo, por uma das partes, mesmo contra a vontade e o interesse da outra, não estando subordinado a nenhuma condição ou imposição de qualquer natureza.
Conforme explicam Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf, na obra de na obra de Carolina Valença Ferraz:
“Em 14 de julho de 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 66, que modificou o § 6º do art. 226 da Constituição Federal, eliminando de uma vez por todas o requisito da separação judicial e os pressupostos temporais para a obtenção do divórcio. O novo regramento propõe a redução do intervencionismo estatal no casamento, em prol da autonomia da vontade das partes, facilitando a dissolução.” (FERRAZ, 2011, p. 125).
Com a referida reforma, o divórcio deixou de possuir uma causa jurídica, bastando apenas a vontade de se divorciar. Os requisitos foram suprimidos, sendo necessário, portanto, apenas que se comprove que o casal possui matrimônio válido, juntando-se aos autos a cópia da certidão de casamento.
Com o fim da separação judicial e o fim da conversão da separação judicial em divórcio, restou por findar-se também o divórcio indireto. A partir da Emenda todo divórcio é direto e, portanto, desnecessário informar que é direto, sendo bastante informar que se trata de um divórcio.
Desta forma, restaram três hipóteses de divórcio: a) Divórcio Extrajudicial Consensual, b) Divórcio Judicial Consensual e c) Divórcio Judicial Litigioso.
O Divórcio Extrajudicial Consensual ocorrerá nos termos da já citada Lei nº 11.441/2007, que acrescentou o art. 1.124-A ao Código de Processo Civil, introduzindo a modalidade de divórcio em que o pedido é apresentado diretamente no cartório de notas, estando as partes, devidamente representadas por advogados, e sem filhos menores ou incapazes, para realização da dissolução do casamento por meio de escritura pública.
Sobre a Lei 11.441/2007, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, esclarecedores os comentários de Glauber Salomão Leite, na obra de Carolina Valença Ferraz:
“Trata-se de uma medida que visou facilitar a prática do divórcio no país, através de um procedimento mais célere, baseado na autonomia de vontade dos casados. Por isso mesmo, embora tenha entrado em vigor em 2007, está em perfeita consonância com a Emenda do Divórcio, por estar pactuada na mesma principiologia.” (FERRAZ, 2011, p. 189).
Nos mesmos moldes do que já ocorria antes da Emenda, é plenamente possível que ocorra o divórcio sem que haja partilha de bens, sendo este o entendimento extraído do art. 1.581 do Código Civil, bem como da Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça.
Importante esclarecer que neste caso, quando os cônjuges se divorciam sem realizar a partilha de bens, ficam os mesmos condicionados ao regime da separação obrigatória de bens, caso desejem se casar novamente com outros consortes. Isto ocorre para que não haja confusão entre o patrimônio do casamento anterior e o do novo casamento, nos termos do art. 1.641, I, c/c art. 1.523, III, ambos do Código Civil brasileiro.
O Divórcio Judicial Consensual, por sua vez, ocorre quando os cônjuges desejam se divorciar consensualmente, e escolhem a via judicial por opção, ou porque possuem filhos menores ou incapazes, o que impede a sua realização pela via extrajudicial. Neste caso, a intervenção do Ministério Público torna-se indispensável e o magistrado tem a função de homologar o pedido formulado pelas partes.
Sobre esta modalidade de divórcio comenta também Glauber Salomão Leite, na obra de Carolina Valença Ferraz:
“Não há duração mínima do casamento a ser observada, de modo que os cônjuges poderão requerer essa modalidade de divórcio a qualquer momento, fruto exclusivamente de sua vontade pessoal, que não mais está limitada por requisito legal objetivo de qualquer espécie.” (FERRAZ, 2011, p. 186).
Assim, nada obstaria que um casamento celebrado em um dia seja, no dia seguinte, dissolvido por meio de divórcio requerido de comum acordo pelo casal.
Por fim, o Divórcio Judicial Litigioso trata-se da ação judicial formulada em juízo por um dos cônjuges, em face do outro. Com a Emenda Constitucional nº 66/2010, como já frisado anteriormente neste artigo, o desenlace conjugal não ficará vinculado à identificação do motivo que o acarretou, e poderá ocorrer pelo simples desinteresse de um dos cônjuges na manutenção da vida conjugal. Não será mais cabível, também, a discussão da culpa, instituto que já vinha perdendo força desde o Código Civil de 2002.
Neste sentido, muito claro o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (2013) ao decidir:
“Relatora: Desembargadora Ana Paula Caixeta
Data de Julgamento: 11/07/2013
Data da publicação da súmula: 16/07/2013
EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL – SEPARAÇÃO JUDICIAL DECRETADA POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO – SUPERVENIÊNCIA DA EC Nº 66/2010 – CONVERSÃO EM DIVÓRCIO – POSSIBILIDADE – EVENTUAL REVISÃO DE PARTILHA – QUESTÃO PREJUDICIAL – INEXISTÊNCIA. 1 – Consoante o art. 226, § 6º, da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 66/2010, o divórcio imotivado foi positivado pelo ordenamento jurídico, bastando, para tanto, a livre manifestação da vontade de pelo menos um dos cônjuges, independentemente de prévia separação judicial ou factual, decurso de tempo ou culpa de algum deles. 2 – A existência de demanda visando a alteração de cláusulas de acordo celebrado nos autos da ação de separação não constitui questão prejudicial ao exame do pedido de divórcio.”
Esta é a nova formatação dada ao divórcio no Brasil após a Emenda Constitucional nº 66/2010. Nestes anos de vigência a Emenda tem alcançado o seu objetivo de facilitar a dissolução dos casamentos, permitindo que os casais se divorciem consensualmente com grande facilidade, ou que se divorciem litigiosamente sem apego às discussões antigamente vinculadas ao instituto, a exemplo da culpa.
Conclusão
O presente artigo destinou-se ao estudo da Emenda Constitucional nº 66/2010 e as alterações e inovações trazidas ao término da sociedade conjugal e à dissolução do casamento no Brasil.
Como visto, a Emenda Constitucional em estudo trouxe grande inovação ao sistema legal brasileiro, eliminando requisitos e lapsos temporais para a dissolução do casamento.
O divórcio passou a ser potestativo, o que permitiu aos casais o seu alcance direto, sem amarras ou condicionantes, e sem a discussão de culpa.
Com o advento da Emenda estudada, restou extinta a antiga dual sistemática para se alcançar o divórcio, que se baseava na separação judicial ou na separação de fato como meio para a dissolução do casamento.
O divórcio passou a ser plenamente alcançado sem a necessidade da separação prévia, e sem a necessidade de aguardar os lapsos temporais de um ano ou dois anos, conforme descrevia a legislação substituída.
Apesar de todos os elogios recebidos, a Emenda Constitucional recebeu severa crítica acerca da dúvida deixada quanto a manutenção ou não do instituto da separação judicial. Conforme discutido no presente artigo, uma parte da doutrina entendeu não ter sido revogada a separação judicial, a despeito da mesma ter deixado de ser condicionante para o divórcio.
Tal entendimento não foi acompanhado pela maioria dos doutrinadores brasileiros, e conforme exposto, o raciocínio mais coerente é de que restou extinta a separação judicial no Brasil, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010.
Com o fim da separação judicial e com fim dos requisitos para o divórcio, restou extinta também a conversão da separação judicial em divórcio. A partir de agora o divórcio é direto, tanto para os casais casados, quanto para os casais já separados.
Desta forma, os casais não poderão mais se separarem judicialmente ou consensualmente. Os casais já separados e ainda não divorciados poderão propor ação de divórcio imediatamente. Caso não proponham ação de divórcio, permanecerão em estado de separados, apesar de ser este um estado civil em extinção.
Assim, pode-se dizer que, antes da emenda existia um sistema dual (separação e divórcio), enquanto após a emenda passou a ser um sistema uno (divórcio). Antes da emenda havia separação litigiosa ou consensual, enquanto após a emenda deixou de existir a separação em qualquer uma de suas modalidades. Antes da emenda o divórcio necessitava do preenchimento de requisitos e lapsos temporais, enquanto após a emenda o divórcio passou a ser potestativo, sem a necessidade de preenchimento de requisitos ou discussão de culpa. Antes da emenda havia a ação de conversão da separação judicial em divórcio, enquanto após a emenda o divórcio passou s ser direto, podendo agora ser dividido apenas em divórcio extrajudicial (que é sempre consensual) e em divórcio judicial, que pode ser consensual ou litigioso.
Em síntese, a Emenda Constitucional nº 66/2010 foi amplamente elogiada em todo o Brasil. Trouxe inovações vantajosas para os casais que não mais desejam viver juntos. Trouxe também celeridade processual aos processos de divórcio. E, por fim, trouxe satisfação aos operadores do direito, que não necessitam mais da utilização de dois caminhos (separação e divórcio) para um único fim (o divórcio).
A legislação brasileira avançou, abandonou amarras, desvencilhou-se de apegos religiosos e seguiu um caminho centrado na legalidade. A Constituição Federal, com sua nova redação, faz jus aos princípios da dignidade da pessoa humana, da intervenção mínima do Estado, e da autonomia privada, que definitivamente norteiam a dissolução do casamento no Brasil.
Desta forma, buscou-se atingir o objetivo do presente artigo que era analisar a Emenda Constitucional nº 66/2010 e as alterações e inovações trazidas ao término da sociedade conjugal e à dissolução do casamento no Brasil. O legislador brasileiro foi feliz ao superar entraves, permitindo que casais possam, a partir de agora, se divorciar simplesmente pelo fim do afeto entre os dois, sem a necessidade das diversas discussões que norteavam os processos antes da nova legislação.
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e Oficial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
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