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A evolução histórica das pesquisas envolvendo seres humanos e a criação dos comitês de ética em pesquisa no Brasil

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Palavras-chave : Direitos humanos. Pesquisa com seres humanos. Comitês de ética em pesquisa.


Introdução


Com o crescimento acelerado da biomedicina e da tecnologia empregada para avanços médicos com a preocupação de tornar a vida humana cada vez mais duradoura, em muito ouve-se falar em pesquisas com seres humanos. Entretanto, o início desta história remonta a um cenário devastador, onde o ser humano era utilizado como “homem-objeto”, nas palavras de Ingo Sarlet (2009), e é neste contexto histórico que foi fecundada a idéia basilar do que seriam, hoje, a dignidade humana e os direitos dos entes pesquisados. A partir dessa reflexão nascem os Comitês de ética em pesquisa, com a função de tornar mais humana e ética e juridicamente justa estas pesquisas.


Metodologia


Este trabalho é resultado de uma pesquisa iniciada com objetivo de integrar o projeto de trabalho de conclusão de curso, e tem como escopo aprofundar o conhecimento histórico que fez surgir os comitês de ética, bem como o histórico que envolve as pesquisas com seres humanos em um âmbito geral. A metodologia empregada é dedutiva explicativa, atendo-se ao estudo doutrinário.


Resultados e Discussões


Em 1947 foi instituído o Tribunal de Nuremberg, que tinha como finalidade julgar criminosos de guerra. Nesse episódio, foram condenados  20 médicos acusados de crime de tortura, que segundo Kottow (2008) era “tortura disfarçada de pesquisa”. As torturas referidas a pouco, dizem respeito aos experimentos feitos durante a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha Nazista, que usaram as pessoas presas nos campos de concentração para, em prol da ciência, fazer pesquisas biomédicas. (MELO, 2004). Os experimentos feitos iam desde análise da temperatura mínima e máxima que os seres humanos suportavam, até a dúvida de quanto tempo uma mulher cigana conseguia sobreviver bebendo apenas água salgada. Além destas, há relatos de experimentos feitos pelo Dr. Josef Mengele – Especialista em Ciência Eugênica Instituto de Herança Biológica e Higiene Racial, Universidade de Frankfurt, que realizava pesquisas, principalmente em irmãos gêmeos, anões e portadores de deficiências físicas. O “anjo da morte”, como foi apelidado, dissecava anões vivos a fim de provar serem fruto da excessiva miscigenação de raças, e jogava prisioneiros em água fervente para ver o quanto suportavam. (OPPERMANN, 2006).


Com a divulgação das atrocidades envolvendo médicos e pesquisadores alemães, a comunidade mundial organizou-se para julgá-los, como criminosos de guerra, no Tribunal de Nuremberg em 1947 (MELO, 2004). Com as condenações feitas pelo Tribunal, houve uma preocupação visível com os direitos dos entes pesquisados e da ética envolvida nestas pesquisas, em conseqüência deste fato, segundo Kottow (2008), nasce o Código de Nuremberg, e que para o autor foi uma ruptura histórica, pois trazia uma conotação de alta estima pela autonomia de vontade, o que fica explicito quando enuncia a livre vontade do participante em fazer parte do experimento.


“O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente.” (artigo primeiro do Código de Nuremberg – 1947)


Determinava, ainda, que a experiência devia apresentar resultados vantajosos e que  não fossem  alcançáveis por outros métodos. Exigia, também, que fosse realizada antes de ser experimentada em humanos, a experimentação em animais, para somente depois ser feita em pessoas. O sofrimento deveria ser evitado, o risco minimizado e, na possibilidade de morte, o projeto não deveria ser realizado (MELO 2004).


Porém, vinte anos mais tarde e ainda se via e ouvia falar em pesquisas com elevado nível de distorção de natureza ética. Foi por esse e outro motivos, que se reuniu em Helsinque em 1964, a Associação médica mundial e elaborou a Declaração de Helsinque, que atualizava e complementava o código de Nuremberg.  Neste documento é acolhida a idéia do código de Nuremberg, onde se torna fundamental o consentimento informado (KOTTOW, 2008). Conforme o mesmo autor, o grande marco de Helsinque, é em 1975, com a sua revisão, onde fica clara a necessidade da criação de comitês de ética em pesquisa, e na objeção de não se publicar trabalhos com providencias antiéticas.


Três anos após a primeira revisão da Declaração de Helsinque, é feito o relatório de Belmont (1978), este documento introduz alguns princípios éticos que devem ser exigidos em todas as pesquisas com humanos, como o respeito às pessoas, o benefício social e a observância do binômio risco e benefício. (KOTTOW, apud CHILDRESS, 2008).


Segundo Costa (2008) :


“O respeito as pessoas incorpora a concepção de respeito pela autonomia do individuo e por sua capacidade de decidir sobre o que é melhor para sua saúde. Se por alguma razão elas apresentarem redução da sua autonomia , devem ser protegidas de qualquer forma de abuso. (…) A beneficência deve ser interpretada como: não causar dano; maximizar os benefícios, e diminuir os possíveis danos. (…) A justiça passa a ter relevância no tocante a pesquisa cientifica ao exigir que os riscos e benefícios do estudo sejam repartidos com equidade, especialmente quanto a escolha do participante aos bens por ele obtido.”


Cumpre ressaltar que após o relatório de Belmont a Declaração de Helsinque foi revisada, mais três vezes, em 1983, 1989 e 2000. Esta ultima foi realizada após serem criticados estudos feitos na África, controlados por placebo, testando AZT na prevenção da transmissão vertical da AIDIS, sendo assim, a partir desta revisão ficou restrito a circunstâncias especiais o uso de placebo no grupo controle, e não é recomendado também em casos onde existem métodos profiláticos, diagnósticos ou terapêuticos comprovados. Passou também a ser exigido que todos os participantes do estudo tivessem acesso aos benefícios oriundos da pesquisa (RIVEIRA, 2005).


A partir destes documentos, foram definidos os requisitos éticos norteadores das pesquisas. O Enfoque principal era os direitos humanos, pelo respeito a dignidade da pessoa, sendo o consentimento informado um destes, e o equilíbrio entre riscos e benefícios. O acesso aos benefícios obtidos pelo estudo também foi um marco destas normas, que não deixavam desamparados aquelas pessoas que conseguiam melhoras a partir dos estudos a que se voluntariavam (GUILHEM, 2008)


Desde o código de Nuremberg, diversos países tornaram-se signatários destas normas que visavam proteger a dignidade dos participantes, e regulamentar a pratica das pesquisas por uma ótica de justiça e equidade. Papel que fica bem claro nas diversas diretrizes internacionais citadas até agora, que ressaltam a importância da instituição de comitês que façam a revisão ética e científica das pesquisas envolvendo seres humanos. (HOSSNE – 2007)


No Brasil, em 1988, foi editada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) a resolução no 1/88. Conforme Hossne (2007), essa resolução trazia assuntos mesclados, como vigilância sanitária, biossegurança e ética no campo das pesquisas. Entretanto, o Conselho nacional de Medicina divulgou em 1992 que o numero de adeptos desta norma nas pesquisas médicas era irrisório.


Com o objetivo de rever a norma de 1988, que possuía diversas lacunas, inclusive não previa os marcos estruturais e de apoio legal para a criação dos comitês de ética, e não elaborava propostas para promover a capacitação dos membros dos comitês (GUILHEM, 2008), em 1995 foi criado um grupo com 15 membros, dentre estes havia quatro médicos, quatro integrantes da comissão intersetorial de ciência e tecnologia, dois teólogos, uma enfermeira, um jurista, um representante da industria farmacêutica, , um representante dos portadores de patologias e um empresário (GUILHEM, 2008), este grupo buscava reavaliar a resolução 1/88 e reparar suas lacunas. 


Após um ano de trabalho na releitura na norma, foi divulgada a resolução 196/1996, que é a norma vigente até hoje, chamada de diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996) . Aduz Hossne (2007) que: “A resolução foi elaborada com base na multi e interdisciplinaridade, abrangendo sugestões de diversos segmentos da sociedade (inclusive dos sujeitos da pesquisa) e se preocupa com pesquisas envolvendo seres humanos em qualquer área do conhecimento e não apenas com a pesquisa médica.”


 De acordo com esta resolução “Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um comitê de ética em pesquisa” (Res.CNS no. 196/1996)


Em decorrência desta norma foi criado o sistema CEP/Conep, que é, no Brasil, o órgão responsável pela revisão ética das pesquisas. Nas palavras de Dirce Guilhem e Dirceu Greco (apud FREITAS; HOSSNE, 2002; FREITAS;NOVAES, 2007)


“O sistema CEP/Conep tem como prerrogativa efetivar o controle social das práticas científicas, por meio da defesa intransigente da dignidade e dos direitos dos participantes dos estudos. É essa visão, estabelecida no contexto de uma cultura de direitos humanos, que qualifica o sistema a desenvolver suas atividade.” 


Resta destacar que, além da resolução 196/1996, que instituí os comitês de ética em pesquisa, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) complementou esta norma por meio de diversas outras resoluções, na busca de suprir qualquer lacuna que a res.196/96 pudesse ocultar. Neste sentido, elencam Dirce Guirlhem e Dirceu Greco as seguintes as resoluções complementares: Res. 240/97, que definiu a representação dos usuários nos comitês de ética em pesquisa; Res. 251/97 que delega aos CEPs a análise final de pesquisas que tragam a proposta de testar novos fármacos, bem como vacinas e testes diagnósticos; Res. 292/99 que orienta a aprovação dos protocolos de pesquisa com cooperações estrangeiras (neste caso é mantida a avaliação final pela Conep, após passar pelo crivo do CEP); Res. 303/2000, normas no sentido de regularizar as pesquisas no tocante a reprodução humana; Res.304/2000 normatiza a pesquisa envolvendo povos indígenas; Res. 340/2004 aprova diretrizes e projetos para análise ética na área da genética humana; Res.346/2005, regulamente a tramitação de projetos multicêntricos pelo sistema CEP/Conep; Res. 347/2005, Aprova diretrizes para análise ética de projetos envolvendo material biológico em armazenamento ou o uso de materiais já armazenados em pesquisas anteriores; Res.370/2007, Estabelece critérios de registro e credenciamento ou renovação de registro e credenciamento dos CEPs.  


Conclusão


Percebe-se ao decorrer desta narrativa que, ao longo dos anos houve um avanço nas pesquisas médicas e biomédica, e com isso um significativo avanço nas pesquisas realizadas em humanos. Em contrapartida, a sociedade mundial percebeu que os pesquisadores estavam abusando das liberdades nestes experimentos pela falta de regulamentação e organismos que fiscalizassem suas ações. Sendo assim, em 1947, após a segunda guerra mundial criaram o código de Nuremberg, o primeiro enunciado sobre direitos humanos que cessava abusos nestas pesquisas. Além dessas, ainda houveram outras normas, tais como o código de Helsinque, o relatório de Belmont, e no Brasil as normas do conselho nacional de saúde. Notou-se com essas normas, ao decorrer dos anos, a importância de um organismo de fiscalização, e foi pensado, então, sobre a criação de comitês de ética em pesquisa que seria um balizador da atuação dos pesquisadores, vetando as ações danosas aos entes pesquisados, e proporcionassem a observância dos direitos dos mesmos, garantindo seus direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Nesse diapasão, é nesse sentido que atuam os comitês de ética em pesquisa, que são, no Brasil, regulamentados pela resolução 196/96, revisando as pesquisas do ponto de vista ético, e estabelecendo uma conexão entre pesquisador e pesquisado para garantir que a pesquisa seja realizada sem abusos e danos para o pesquisado, e também, da forma mais ética e justa possível.     


 


Referências bibliográficas:

SARLET, Ingo Wolfgang. Dimensões da dignidade – Ensaios de filosofia do direito e direito constitucional; Porto Alegre – Livraria do Advogado – 2009

SARTORI, Giana Lisa Zanardo. Direito e Bioética – O desafio da interdisciplinaridade; Erechim, Edifapes – 2001

DINIZ; Débora, SUGAI; Andréa, GUILHEM; Dirce, SQUINCA; Flávia. Ética em pesquisa – Temas Globais. Brasilia, editora UNB, 2008.

MELO; Ana Claudia Raposo, DE LIMA; Vinicius Machado. Revista digital Buenos Aires – Ano 10 no 78, novembro de 2004 http://www.efdeportes.com/efd78/etica.htm (Melo 2004)

OPPERMANN; Álvaro.  Revista super interessante – “o Anjo da morte”, edição 223, Editora Abril 2006 http://super.abril.com.br/superarquivo/2006/conteudo_117605.shtml (super interessante oppermann, 2006)

RIVERA;Roberto ,  BORASKY;David , RICE;Robert Rice, CARAYON;Florence

http://www.fhi.org/sp/RH/Training/trainmat/ethicscurr/RETCPo/ss/Contents/Section2/s2sl13.htm  2005

Informações Sobre os Autores

Eizzi Melgarejo

Estudante de Direito

Airton Sott

Advogado e professor da UNICRUZ/RS.


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Equipe Âmbito Jurídico

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