Resumo: A proposta deste artigo científico é desmistificar a falácia da “falência” do sistema previdenciário, pois faz uma análise do orçamento da Seguridade Social no período de 2005-2015, utilizando como referência os dados estatísticos do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI – extração Siga Brasil; para os dados do RGPS, o fluxo de Caixa do Ministério da Previdência Social – MPS; e para as compensações não repassadas, ANFIP. O objetivo principal é verificar a capacidade financeira do sistema previdenciário de saldar os compromissos pactuados e desmistificar essa falácia de rombo na previdência. A abordagem do objeto desta pesquisa é quantitativa, já que pretende validar estatisticamente os dados obtidos, para sustentar os argumentos levantados pela sua tese. Assim, os resultados dessa investigação levaram a conclusão de que o sistema da seguridade social é superavitário. O malfadado déficit da previdência social, que é usualmente difundido, nada mais é do que um mito, criado para o objetivo da reforma da previdência social com a aceitação da população.
Palavras-Chave: sistema previdenciário. falácia da falência. seguridade social. superávit. déficit.
Abstract: The proposal of this scientific paper is to demystify the fallacy of the social security system, since it analyzes the Social Security budget in the period 2005-2015, using as reference the statistical data of the Integrated System of Financial Administration of the Federal Government – SIAFI – extraction Follow Brazil; for the RGPS data, the cash flow of the Ministry of Social Security – MPS; and for non-reimbursed compensation, ANFIP. The main objective is to verify the financial capacity of the social security system to pay off the agreed commitments and demystify this fallacy fallacy in social security. The approach of the object of this research is quantitative, since it intends to validate statistically the obtained data, to support the arguments raised by its thesis. Thus, the results of this investigation led to the conclusion that the social security system is a surplus. The ill-fated deficit of social security, which is usually widespread, is nothing more than a myth, created for the purpose of social security reform with the acceptance of the population.
Key words: social security system. fallacy of bankruptcy. social security. surplus. deficit.
Sumário. Introdução. 1. A Constituição de 1988 e a questão previdenciária. 2. A falsa Crise do Sistema de Seguridade Social no Brasil. 3. A influência da política econômica no sistema de seguridade social. 3.1 Efeitos da política econômica sobre a seguridade social. 4. Prejuízos causados pelas políticas de renúncias fiscais, desonerações e desvinculações de receitas. Conclusão.
Introdução
A proposta do presente artigo é desmistificar a falácia da “falência” do sistema previdenciário, já que o oposto do que é comumente disseminado tanto pelo governo como pela mídia, o sistema da previdência social não está “falido” e muito menos necessita de reformas que visa ao ajuste fiscal, pois o sistema dispõe de recursos excedentes, precisa sim, mas de reformas que incluam uma grande parte da população que hoje se encontra desprotegida ao invés que querer fazer o contrário, que seria desproteger os que se encontram protegidos, pois o contrário disso não é uma visão condizente com o Estado Social e Democrático de Direito.
Por outro lado, o governo e a mídia têm transmitido a idéia de que o sistema previdenciário está “falido” e que o déficit da previdência tem dado uma contribuição para o desequilíbrio fiscal, tanto é assim que o atual Presidente da República tenta a aprovação da PEC 287/2016 (Projeto de Emenda Constitucional) de reforma na previdência social, alegando que o déficit do sistema previdenciário está em crescimento, que em 2060 muitos podem não conseguir sequer se aposentar diante das mudanças demográficas de envelhecimento da população que já estão ocorrendo e que se acentuarão nos próximos anos caso a PEC não seja aprovada, bem como devido a elevação do salário mínimo, o aumento do valor médio dos benefícios previdenciários e aposentadorias precoces. Por esses motivos, a reforma da previdência tornou-se um objetivo incansavelmente perseguido principalmente pelo governo atual e pela mídia.
Assim, esse discurso tem ganhado cada vez mais apoio da mídia e vem contaminado a todos, principalmente aqueles mais vulneráveis.
É diante desta tensão que se desenvolve o tema da pesquisa.
Busca-se, então, a partir do levantamento que foi realizado por meio do mapeamento dos dados construído a partir de informações do governo federal, obtidas pelo Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI – extração Siga Brasil; para os dados do RGPS, o fluxo de Caixa do Ministério da Previdência Social – MPS; e para as compensações não repassadas, ANFIP, investigar a real situação financeira da previdência, se é financeiramente desequilibrada e insustentável. Assim, o capítulo 1 aborda a questão previdenciária como a maior conquista da Carta Magna, previsto no artigo 194, do referido diploma, no qual se inclui a seguridade social, bem como o seu financiamento previsto no artigo 195.
O capítulo 2 é dedicado á avaliação financeira da previdência e seguridade social através dessas informações, visando desmitificar esse déficit fabricado.
O exame dos números levantados pela presente pesquisa revelou, o que já se esperava, que o sistema previdenciário brasileiro não se encontra e nem tende para situação financeiramente insustentável como tem sido usualmente propagado.
O capítulo 3 pretende trazer para debate elementos da política econômica que são externos ao sistema de seguridade social, mas que embora não discutidos e nem tomados na sua devida dimensão nos momentos em que a reforma é apontada como iminente.
O último capítulo trata dos prejuízos causados pelas políticas de renúncias fiscais, desonerações e desvinculações de receitas que são “cestas de bondades” ao empresariado e à política Estatal, e comprometem o financiamento dos benefícios da Seguridade Social, que normalmente são as vítimas das reformas previdenciárias.
1. A Constituição de 1988 e a questão previdenciária.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e o Pacto Internacional das Nações Unidas de 1996 foram adotados pelo Brasil em 1992, o que acabou por refletir a constituição de 1988, consagrando no artigo 6º, da CF, a previdência social como um direito social.
A Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer, em texto constitucional, a forma tríplice de custeio, conforme preconiza o artigo 121 § 1º, alínea “h”, com contribuição dos empregados, dos empregadores e do Estado, em que a lei promoveria o amparo da produção, bem como estabeleceria as condições de trabalho, em razão da proteção social do trabalhador, com a instituição da previdência mediante contribuição igual da União, do empregado e empregador, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte.
No entanto, somente a Constituição de 1988 consolidou a Previdência Social como um sistema de direitos da cidadania baseado na solidariedade[i] onde a Previdência Social compõe o tripé da Seguridade Social, conjuntamente com a saúde e a Assistência Social. O orçamento é único, não havendo distinção de origem para cada ramo da seguridade. Conforme artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos sem distinção, portanto de acesso universal. No que tange a Assistência Social, nos termos do artigo 203 da CF, é somente para quem preencher os requisitos de necessidade. Por outro lado, a Previdência Social é organizada em caráter contributivo e em caráter contributivo e de filiação obrigatória.
A proteção social tem como objetivo a prevenção de situações de vulnerabilidade por meio de mecanismos institucionais articulados para reduzir e superar os riscos sociais, assegurando, de modo universal, segurança econômica contra as circunstâncias inevitáveis que afetam a subsistência e o bem-estar dos indivíduos e suas famílias[ii].
A teoria contemporânea dos direitos fundamentais[iii] afirma que o Estado deve não apenas abster-se de violar tais direitos, mas também proteger seus titulares diante de lesões e ameaças provindas de terceiros. Do reconhecimento dos deveres de proteção é possível extrair direitos subjetivos individuais, oponíveis em face do Estado, que terá a obrigação de, através de providências normativas, administrativas e materiais, salvaguardar os indivíduos de danos e lesões que possam vir a sofrer[iv].
A ideia de proteção social[v] está intimamente vinculada aos princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana e de justiça social, considerando que a seguridade social tem como elemento constitutivo a igualdade material. Com efeito, necessária a adequação previdenciária quanto à especificidade e quanto à suficiência[vi].
As prestações decorrentes do sistema de seguridade social devem ser destinadas às pessoas que delas necessitem, na forma mais abrangente possível, cuja universalidade da cobertura e do atendimento[vii] verifica-se, portanto, como uma característica dos direitos humanos.
Nesse sentido, como a promulgação da nossa Carta Magna veio nossa maior conquista que está previsto no artigo 194, do referido diploma, no qual se inclui a seguridade social, bem como o seu financiamento previsto no artigo 195. Os principais impactos na legislação decorrentes de sua promulgação foram a universalidade da cobertura[viii], a noção de equidade no financiamento e na distribuição dos benefícios.
Um dos maiores avanços inscritos na nossa Carta Magna, em termos de direitos sociais, foi a criação de um sistema integrado de seguridade social abrangendo a saúde, a assistência social e a previdência (artigo 194, CF/88). O sistema da seguridade social é financiado com receitas próprias, previstas na Carta Magna (artigo 195 e incisos), vejamos:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”[ix].
As contribuições que financiam a seguridade social estão previstas no art. 195 e incisos da CF, conforme acima descrito, são as contribuições dos empregadores e trabalhadores à seguridade social (contribuição ao INSS), a COFINS inclusive sobre importações, a CSLL e a receita de concurso de prognósticos.
Insta salientar que o próprio artigo 195, da CF, informa que a Seguridade Social será financiada mediante recursos provenientes do orçamento da União, além das contribuições anteriormente mencionadas. Conclui-se, portanto, que a CF estabeleceu que o governo deva participar com recursos do orçamento fiscal para atender a seguridade social.
A assembléia constituinte quando criou o sistema de financiamento da seguridade social o fez com sólidas e diversificadas fontes de arrecadação.
Assim, é o parágrafo único, IV, do artigo 194, da CF, que estabelece a necessidade da diversidade de fontes de receitas na base de financiamento da seguridade social, logo do sistema previdenciário, in verbis:
“Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
[…] VI – diversidade da base de financiamento”[x];
Conforme se verifica, tal dispositivo encontra-se previsto na Constituição Federal, como um objetivo da seguridade social a ser organizado pelo poder público. Contudo, não basta estar na nossa carta magna é necessário também que os governantes admitissem que a previdência integra um sistema mais amplo, dotado de outras fontes de recursos além dos comumente computados, e, a partir daí, concluíssem pela existência de um sistema 100% auto-sustentável, ou, mais do que isso, superavitário.
2. A falsa Crise do Sistema de Seguridade Social no Brasil
È de fácil constatação que o governo e a mídia trazem ao público informações muitas das vezes incompletas e o pior muitas das vezes tendenciosas, no intuito de impor “reformas” que favorecem certos segmentos, que visam lucros, em detrimentos de políticas e conquistas sociais, destruindo o princípio republicano ao utilizar a res pública em favor do interesse privado e empresarial.
Nesse sentido, é o que vem ocorrendo com a previdência social, a qual há anos, segundo informações governamentais repetidas pela mídia de massa, encontra-se deficitária e em risco de “falência”. Veja bem, apesar de integrar um orçamento constantemente superavitário, o discurso propagado por aqueles que buscam desconstruir as justas conquistas dos trabalhadores brasileiros é o de que a previdência Social é altamente deficitária, criando o mito do déficit, déficit este fabricado, terrorismo social que assusta a população e põe em xeque a capacidade de governança e administração do Estado.
Contudo, o presente artigo busca desmitificar o déficit da previdência, eis que o orçamento da Seguridade Social apresenta sucessivos resultados superavitários, conforme pode ser observado na tabela a seguir:
A Previdência Social é coberta com recursos oriundos de contribuições sociais que foram criadas para financiar a Seguridade Social. No entanto, o que se verificou é que uma magnitude significativa das receitas que se destinam à saúde, assistência social e previdência é desviada para ser utilizada no pagamento de despesas financeiras com juros e em outras despesas correntes do orçamento fiscal[xi].
No entanto, o governo e a mídia de massa manipulam tais informações, já que omitem que as receitas da seguridade social possuem outras fontes de financiamento, como os recursos arrecadados com a Contribuição para o financiamento da Seguridade Social – COFINS e a Contribuição Social Sobre o Lucro – CSLL – Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido. Contudo, tal manipulação de informação acaba por gerar enorme prejuízo aos direitos sociais.
Nesse sentido, aos que defendem a existência do déficit afirmam: “que o rombo da previdência atingiu 85,8 bilhões em 2015”[xii]. Porém, tal informação não leva em consideração as receitas da seguridade social e de excluir as renúncias, isenções e desonerações fiscais, valores indevidamente extraídos do caixa da Seguridade Social para ser utilizado em outras atividades do governo, por questões óbvias, propositadamente. Assim, o atual Presidente da República tenta a aprovação da PEC 287/2016 (Projeto de Emenda Constitucional) de reforma na previdência social, alegando que o déficit do sistema previdenciário está em crescimento, que em 2060 muitos podem não conseguir sequer se aposentar diante das mudanças demográficas de envelhecimento da população que já estão ocorrendo e que se acentuarão nos próximos anos caso a PEC não seja aprovada.
Contudo, o que vem sendo chamado de déficit da previdência é, entretanto, o saldo previdenciário negativo, ou seja, a soma (parcial de receitas provenientes das contribuições ao INSS sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho)[xiii] e de outras receitas próprias menos expressivas[xiv], deduzidas das transferências a terceiros[xv] e dos benefícios previdenciários do RGPS, conforme se demonstra nas duas equações abaixo:
[(receita de contribuição INSS + outros recebimentos próprios) – ( ressarcimentos + restituições de arrecadação)] – transferências a terceiros = arrecadação líquida
Arrecadação líquida – benefícios do RGPS = saldo previdenciário[xvi]
Assim, este cálculo não é levado em consideração todas as receitas, porque consideram apenas parte das contribuições sociais (somente a arrecadação previdenciária direta urbana e rural, excluindo outras importantes fontes como COFINS, CSLL, PIS-PASEP, entre outras) e ignora as renúncias fiscais. Portanto, o cálculo apresentado dessa forma para avaliar a situação financeira da previdência são normalmente enganosos e alarmantes. O resultado é um déficit que não é real.
No entanto, o uso de uma metodologia inadequada para avaliar o desempenho financeiro da previdência baseia-se em argumentos que dissociam da análise de um fator importante que foi introduzido a partir da promulgação da Constituição de 1988[xvii].
Ademais, sequer menciona os valores desviados pelo mecanismo da Desvinculação das Receitas da União – D.R.U., em C.S.L.L- Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido Recursos do Orçamento da Seguridade Social para outros fins de interesse do Estado, tendo retirado da Seguridade Social R$ 230,5 bilhões de 2010 a 2014, conforme dados da Secretaria do Tesouro Nacional- STN[xviii].
Nesse sentido, um cálculo para demonstrar a realidade tem que levar em consideração todas as receitas e despesas do Sistema de Seguridade Social (formado pela Saúde, Assistência e Previdência Social), informa que o ano de 2014, por exemplo, o superávit atingiu mais de R$ 53 bilhões.
Importante trazer a baila que na Carta de Brasília, por exemplo, embora elaborada em 2003 por ministros de Estado e de governo e por governadores dos 27 Estados da Federação, tratando dos pontos que foram objetos de acordo sobre a reforma tributária e previdenciária, fez-se um diagnóstico da situação previdenciária do País que desde daquela época sempre foi superavitária, vejamos:[xix].
“O Regime Geral da Previdência Social administrado pelo INSS é auto-sustentável em mais de 80%, pelo fluxo contributivo [ou seja, pelas contribuições dos empregados e dos empregadores que incidem sobre a folha de pagamentos], e que a parte urbana do sistema chega a 97% de auto-sustentação.”
Ora, contra dados não há argumento! O malfadado déficit da previdência nada mais é do que um mito cujo objetivo é esconder a responsabilidade do Estado por suas incessantes políticas de renúncias fiscais, desonerações e desvinculações de receitas, além de sua ineficiência na cobrança de dívidas ativas[xx].
Portanto, é de fácil constatação que nem a Previdência Social quiçá a seguridade social, instituídos na Constituição Federal de 1988, são deficitários são ao contrário superavitárias.
3. A influência da política econômica no sistema de seguridade social.
Como já explicado no capítulo anterior, a diversidade de financiamento é um dos importantes princípios da Seguridade social. Contudo, cabe aqui analisar o ângulo do financiamento da seguridade social, já que é através dele que se pode verificar o desvio de recursos da seguridade para o orçamento fiscal, conforme demonstrado no capitulo 2. Não há como afirmar qual é a causa da origem desses fatos, uma vez que há múltiplas causas.
Não é difícil concluir que o discurso do déficit do sistema de previdência pública e os desvios de recursos pertencentes ao sistema de seguridade social andam lado a lado.
O déficit público é tomado como um dos elementos responsáveis pela inflação e um fator desestabilizador das expectativas dos agentes, os quais consideram a sustentabilidade da dívida pública um aspecto relevante para a construção de cenários de avaliação do comportamento do mercado financeiro[xxi]. Logo, a geração do superávit primário é essencial, a fim de conter o crescimento da relação dívida pública. É justamente nesse momento que surge o suposto déficit da previdência, eis que o resultado previdenciário, ao ser considerando um resultado fiscal negativo do governo central, deve ser neutralizado por uma política fiscal de permanente equilíbrio orçamentário.
Fatores como mudanças demográficas de envelhecimento da população, bem como a elevação do salário mínimo, o aumento do valor médio dos benefícios previdenciários, aposentadorias precoces, são utilizados para justificar o discurso da “falência” do sistema previdenciário.
Muito pouco se atribui à influência que a política econômica exerce sobre o sistema de seguridade social[xxii]. Assim, devemos analisar os números da seguridade social sempre associada ao conjunto de estratégias políticas do governo que interferem no ritmo de crescimento da economia e na geração de emprego.
3.1. Efeitos da política econômica sobre a seguridade social
Ao analisarmos a política econômica nos anos 1990-2000, verificamos que houve desmantelamento sobre o sistema público, causando grande precariedade no atendimento das demandas sociais em decorrência de insuficiência de recursos orçamentários, razão pela qual o sistema da seguridade social teve que começar a contribuir, tanto direta e indiretamente, para pagar a conta financeira (de juros e amortização da dívida pública) que provocou desequilíbrio no orçamento fiscal.
Considerando que a seguridade social teve suas receitas com um aumento crescente tanto em valores reais como em relação ao PIB, logo os gestores da política econômica encontraram meios de deslocar recursos excedentes vinculados à seguridade social para assegurar o superávit primário do orçamento publico.
Por oportuno, esclarece-se que o intenso de acumulação financeira iniciada nos anos 1990/2000 beneficiou somente os bancos, fundos de previdência privada, seguradoras, pessoas físicas de alto nível de renda e investidores estrangeiros, que são os grandes proprietários de títulos públicos.
Nesse sentido, para esses grandes proprietários de títulos públicos, a capacidade do governo de produzir superávit primário juntamente com a política de juros elevados tornou-se importante para a sustentação de sua riqueza financeira. Vejamos o entendimento de Pochman[xxiii]:
“A sustentação desse ciclo de acumulação financeira tem sido de responsabilidade do estado que, por meio do endividamento publico, mantém ativas as oportunidades de ganhos improdutivos. A principal garantia do rentismo termina sendo a adoção contínua do padrão de ajustamento nas finanças públicas, na maior parte das vezes contrário ao conjunto da população. Para permitir a continuidade do ciclo da financeirização da riqueza no Brasil, as autoridades governamentais necessitam produzir garantias reais de pagamento de parcela dos direitos de propriedade da riqueza. As exigências das famílias ricas, ao disponibilizarem seus patrimônios na compra dos títulos públicos que lastreiam o endividamento financeiro do Estado, são cada vez maiores, fazendo com que o objetivo perseguido pela política econômica seja muitas vezes, atendê-las, tão somente”
Complementado o entendimento Max[xxiv] já afirmava:
“Como pelo toque de uma vara de condão, a dívida pública confere ao dinheiro estéril capacidade de multiplicar-se e, com isso, transforma-o em capital, sem a necessidade de que ele se exponha aos problemas e riscos inseparáveis de seu emprego na indústria ou até na usura…são títulos fáceis de negociar, que podem continuar funcionando em suas mãos tal como o faria o dinheiro sonante”.
Por fim, a política implementada nos anos 1990-2000, conduziu a uma profunda crise financeira e fiscal do Estado, trazendo ainda outras conseqüências ainda perversas nestes novos tempos de abertura financeira e globalização, como bem explicada por Belluzo[xxv], vejamos:
“Houve uma rejeição ao nacional entre as elites cosmopolitas […] que atingiu, de forma devastadora, os sentimentos de pertinência à mesma comunidade de destino, suscitado processos subjetivos de diferenciação e desidentificação em relação aos “outros”, ou seja, à massa de pobres e miseráveis que “infesta” o país. E essa desidentificação vem assumindo cada vez mais as feições de um individualismo agressivo e anti-republicano […] A dimensão individualista e anti-republicana dessas formas de consciência, no entanto, vem produzindo a destruição do Estado, até mesmo de sua função essencial de garantir a segurança dos cidadãos. Isso para não falar no bloqueio sistemático – imposto pela fuga descarada das obrigações fiscais – da universalização das políticas de saúde, educação e previdência que, aliás, definem a “modernidade” nos países realmente civilizados. Há uma busca desesperada e refúgio no privatismo: escolas privadas, medicina privada e previdência privada […] Isso acentua a repulsa pelas contribuições para o fundo público por parte dos endinheirados ou daqueles que, por ora, apenas se candidatam a essa condição de superioridade econômica e social”.
4. Prejuízos causados pelas políticas de renúncias fiscais, desonerações e desvinculações de receitas.
Conforme se verifica na tabela a seguir, no ano de 2015, os valores de renúncia foram responsáveis por aproximadamente 50% do pseudo déficit previdenciário. Os valores das renuncias previdenciárias, nos últimos cinco anos, importam em R$ 145,1 bilhões[xxvi]. Somente no ano de 2015, por exemplo, as perdas com as renúncias fiscais somam mais de R$ 64 bilhões e, em 2016, R$ 56 bilhões!
As renúncias, desonerações e desvinculações de receitas são “cestas de bondades” ao empresariado e à política Estatal, e comprometem o financiamento dos benefícios da Seguridade Social, que normalmente são as vítimas das reformas previdenciárias[xxvii].
O exame dos números levantados pela presente pesquisa revelou que é necessário buscar a justiça fiscal, que será alcançada quando todos de acordo com sua capacidade contributiva possam contribuir igualmente para o financiamento da seguridade social.
O artigo 6º, da CF, consagrou a previdência social como um direito social, razão pela qual a reforma da previdência não pode, suprimir tais direitos, o que precisamos é de reforma na política fiscal, em busca da justiça social e na manutenção equânime do equilíbrio atuarial com o incentivo empresarial.
Ora, para buscar essa justiça e garantir os recursos necessários não é necessário reformas previdenciárias, mas diminuir as renúncias, desonerações e desvinculações de receitas.
A conta dessa leniência para com os devedores da Seguridade Social, e com as renúncias e desonerações, não pode ser jogada nos ombros dos aposentados e pensionistas brasileiros[xxviii].
Conclusão
Há um clima de preocupação com relação à capacidade de sustentação financeira do sistema previdenciário, corroborando tal preocupação foi anunciado pelo atual Presidente do Brasil a PEC 287/2016 (Projeto de Emenda Constitucional) de reforma na previdência social, alegando que o déficit do sistema previdenciário está em crescimento, que em 2060 muitos podem não conseguir sequer se aposentar caso a PEC não seja aprovada. O governo e a mídia propagam o mito do déficit previdenciário. Criou-se uma atmosfera de ameaça envolvendo a insolvência da previdência e da seguridade social.
Contudo, é de fácil questionamento o método utilizado para aferição de tal conclusão. Inicialmente, porque o resultado financeiro obtido é a partir do cálculo do resultado previdenciário, que nas palavras de Matijascic[xxix]: “trata-se de uma manobra contábil adotada pelos formuladores das políticas econômicas dos anos 1990”. Todavia, como já informado ao longo dessa pesquisa tal metodologia é falha, uma vez que não considera o que já é definido na Constituição Federal, ou seja, a totalidade das receitas que estão vinculadas à previdência, além de excluir as renúncias, isenções e desonerações fiscais. E mais: o governo federal, com a intenção de impedir que se possa constatar que o sistema, ao contrário do que usualmente divulgado, gera um remanescente de recursos de magnitude expressiva, faz o orçamento da seguridade social sem gerar demonstrativos financeiros e contábeis específicos. Assim, o excedente de recurso da seguridade social é desviado para o orçamento fiscal e alocado em despesas de várias naturezas, menos para os serviços de saúde e assistência social e para melhoria do próprio sistema da previdência.
Ora, conforme se verifica pela tabela elaborada pela ANFIP, capítulo 2, é possível concluir que a previdência gerou superávit operacional durante todos os anos dos dez anos investigados, 2005/2015. Portanto, é possível finalizar que o sistema é financeiramente sustentável com recursos próprios, já que apresenta receitas que têm bases amplas e diversificadas, sendo financeiramente sustentável.
Logo, a Seguridade Social não estar passando por qualquer crise que seja, ao menos não há sintomas, tampouco a previdência, ao contrário do que é divulgado pelo governo e grande mídia.
Bom, ao concluirmos que a seguridade é superavitária vem uma nova questão central e qual o destino que foi reservado aos recursos excedentes da seguridade social pelo governo federal? A resposta quem nos fornece é o SIAFI no qual informa através do acompanhamento da Execução Orçamentária da União que grande parte é desvinculada pelo mecanismo da DRU, que segundo a Auditora Fiscal da Receita Federal Aposentada Maria Lucia Fattoreli[xxx]: “a DRU (que foi aumentada para 30% em 2016) desses setores para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública”. Prossegue Fattoreli[xxxi]: “A simples existência do mecanismo da DRU já comprova que sobram recursos na Seguridade Social. Se faltasse recurso, não haveria nada que desvincular, evidentemente.” Outra parte destina-se, de forma ilegítima, ao pagamento de pensões e aposentadorias do RPPS, que é atribuição do Tesouro nacional e não do INSS.
Portanto, o discurso de “falência” do sistema previdenciário é de interesse de um segmento do mercado que se beneficiam com o efeito da política econômica de juros altos, no qual se incluem os bancos, por meio de seus fundos de previdência privada e seguradoras, entre outros, esse segmento do mercado tem interesse na política fiscal restritiva, de redução das despesas correntes do governo federal na qual se inclui a seguridade social, mas precisamente a previdência social, para que haja reserva do recurso orçamentário e assim seja utilizado para a acumulação financeira e não com a previdência social.
Como já enfatizado a Seguridade Social juntamente com a previdência Social são superavitária, mas isso não significa dizer que não há problemas a resolver na previdência. Podemos apontar como o principal deles a inclusão de segmentos da população que não contribuem, razão pela qual não recebem proteção previdenciária.
Assim, com a inclusão dos excluídos da previdência social é o que o sistema poderá efetivamente cumprir o seu papel de proporcionar proteção social ampla, para ao menos amenizar as desigualdades sociais.
Além de que também é necessário reformas no âmbito gerencial, tais como redução de fraudes e sonegações, melhorar o serviço de atendimento, recuperar crédito e racionalizar gastos administrativos. Contudo, a conclusão que chego é que para que haja reforma não se justifica a alegação de déficit previdenciário. Pode até ser que haja reforma desde que seja para levantar fundos suficientes para tornar o sistema mais inclusivo e auto-sustentável no futuro.
Enfim, embora os determinantes externos, que são os que efetivamente limitam a seguridade social, a nossa Constituição Federal tem um sistema de proteção social complexo e bem acabado, que resiste mesmo após as reformas já sofridas.
Advogada e pós-graduanda em Direito Previdenciário pela Faculdade Cândido Mendes
Graduado em Letras e em Direito. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
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