Resumo: O presente trabalho visa à discussão acerca da presença do fenômeno do assédio processual nas lides jurisdicionais trabalhistas, sob o aspecto de recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho. O fenômeno do assédio processual, classificado por muitos doutrinadores como espécie do gênero assédio moral, encontra-se cada vez mais presente no ordenamento jurídico brasileiro, impactando negativamente a prestação jurisdicional do Estado e o direito formal e material de seus jurisdicionados. Diante dessa perspectiva, o Tribunal Superior do Trabalho preferiu recente julgado acerca do exercício irregular do direito de defesa de determinada empresa que, após argüição de cerceamento de defesa por não produção de provas, por inércia, não as produziu. A inércia foi entendida pelo Tribunal como litigância de má-fé, produzindo discussão no meio científico acerca dos limites preponderantes entre o exercício do direito de defesa e da razoável duração do processo.
Palavras-chave: Assédio Processual. Direito do Trabalho. Tribunal Superior do Trabalho.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Assédio Processual. 3. Decisões jurisprudenciais recentes. 4. Ponderações finais. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, denominada por Reforma do Judiciário, trouxe um importante mecanismo de proteção à prestação jurisdicional do Estado, qual seja, a observância da razoável duração do processo, nos termos do artigo 5°, inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Com efeito, buscou-se minimizar os efeitos procrastinatórios que porventura fossem levados à tona pela morosidade penosa e desidiosa do Estado-juiz. No entanto, grande parte da demora referente aos processos judiciais não são apenas computadas ao Estado, muitas ações desta monta são frutos de um código de processo civil extenso, cheio de falhas e possibilidades de recurso que arrastam demandas por anos e anos.
Sem prejuízo do contraditório e da ampla defesa, necessários a todo Estado Democrático de Direito, é preciso levar-se em conta que nem todos os mecanismos de defesa dispostos pela legislação pátria são necessários para este desiderato. Muitos são apenas procrastinatórios e auxiliam na prática odiosa do chamado assédio processual.
2. Assédio Processual
Este vem a ser toda série de atos e procedimentos, de que se utilizam certos demandantes do contencioso, para perpetuar ações judiciais, promovendo a interposição de inúmeros recursos, impugnações, requerimentos, embargos, de modo a prejudicar a celeridade e a obtenção positiva da prestação jurisdicional buscada pela parte contrária da demanda. Este fenômeno é bastante freqüente, está na ordem do dia das discussões. Perfazendo constantemente os corredores da seara trabalhista, é promovido por empregadores (litigantes de má-fé) que se utilizam desse mecanismo legal, que não é mais do que um abuso do exercício do direito de defesa, para adiar o cumprimento de obrigações, negar a efetivação de direitos, humilhar ex-empregados e se furtar ao cumprimento regular das decisões judiciais.
O assédio processual consiste num desenrolar de procedimentos que obstaculizam o acesso ou o andamento célere da prestação jurisdicional buscada pela parte contrária. Em muitos casos, a parte ré sabe que não possui um direito bom ou mesmo reconhece intimamente que tem a obrigação perante a vítima, mas em nome de uma protelação admitida por lei, com a interposição de requerimentos, agravos, embargos ou recursos, ela adia e prolonga o processo judicial, por vezes, levando ao desfecho processual somente após a morte do requerente, que muitas vezes falece antes mesmo de ver reconhecido o seu direito. Quando não morre antes do desfecho da demanda, o trabalhador passa anos e anos para ver a resolução da contenda.
Em alguns casos, o empregador força indiretamente o ajuizamento da demanda judicial pelo empregado, para que este, em Juízo, seja induzido a buscar um acordo. Este acordo com valores menores ao que efetivamente lhe é devido, se mostra claramente prejudicial aos direitos do empregado, porém, algumas vezes, é buscado como forma de solução rápida do conflito.
3. Decisões jurisprudenciais recentes
A título de conhecimento a primeira decisão judicial que trouxe à discussão sobre o assédio processual foi originada de um processo judicial da Justiça do Trabalho, proposto por um empregado contra uma instituição financeira, no qual se buscava o cumprimento de outro acordo judicial firmado pela empresa nos autos de outra reclamação trabalhista. Datando quinze anos, o primeiro processo judicial ainda não havia sido cumprido pelo empregador, sendo freqüentemente utilizados subterfúgios processuais, danosamente usados, para procrastinar diretamente a contenda.
Posteriormente o empregado ganhou uma ação de reparação por danos morais impetrada na Justiça do Trabalho, a qual condenava o banco a pagar o valor aproximado de R$ 202.363,00 reais ao empregado, vítima do configurado assédio processual. Segue abaixo trecho da decisão:
“Praticou a ré “assédio processual”, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária.” (Mylene Pereira Ramos, Juíza Federal, da 63ª Vara do Trabalho, da Seção Judiciária da Comarca de São Paulo, in processo nº 02784200406302004)[1]
Este julgado é um exemplo de ascendente posicionamento jurisprudencial no sentido de se valorizar o aspecto material do processo, não o vendo apenas como um conjunto de procedimentos, dispostos formalmente na Lei.
Com efeito, alguns estudiosos classificam a figura do assédio processual como uma espécie do gênero dano moral. Este fenômeno paulatinamente vem ganhando corpo e sendo introduzido em decisões recentes de nossos Tribunais Superiores como fundamento para decisões condenatórias.
Nesta toada, o Tribunal Superior do Trabalho proferiu recente julgado em seu sítio eletrônico, no qual uma empresa foi multada por litigância de má-fé, por inércia em efetivar atos ao exercício do direito de defesa na prestação jurisdicional, produzindo, assim, efeito procrastinatório. In verbis:
“22/08/2011
Empresa pede para apresentar testemunhas, não apresenta, e é multada por má-fé
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação da empresa Cipa – Industrial de Produtos Alimentares Ltda. ao pagamento de multa por litigância de má-fé, por utilizar-se de artifícios para protelar o andamento do processo. A empresa, alegando cerceamento de defesa, disse que o juiz de primeiro grau não permitiu a produção de provas quanto ao horário de trabalho de um ex-empregado que pleiteava o pagamento de horas extras. Reconhecido o cerceamento de defesa, foi aberto prazo para apresentação das testemunhas, mas a empresa não se manifestou.
A ação trata de pedidos de horas extras, férias e adicionais noturno e de periculosidade propostos por um ex-motorista da Cipa. O juiz da Vara do Trabalho de Ribeirão Preto (SP), ao analisar o caso, indeferiu a oitiva de testemunhas da empresa, sob alegação de que esta, ao não apresentar os cartões de ponto do trabalhador, admitiu como verdadeiras as horas pleiteadas pelo motorista, bem como o trabalho em local perigoso. Considerou, também, as informações prestadas pelo preposto da empresa, que foram favoráveis à pretensão do trabalhador.
Em recurso dirigido ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas /SP) a empresa alegou cerceamento de defesa. Disse que não apresentou os cartões de ponto porque não houve requerimento específico para tal e que a oitiva de suas testemunhas era essencial como contraprova ao pedido do trabalhador. O TRT aceitou os argumentos da empresa e determinou a reabertura da instrução processual.
A CIPA, apesar de ter sido intimada a apresentar as peças necessárias para instruir a carta precatória inquisitória para oitiva das testemunhas, manteve-se inerte. O TRT, então, considerou a inércia como litigância de má-fé. “Em minha primeira decisão nestes autos acolhi a arguição da empresa por cerceamento de defesa, pois entendi que o Juízo de origem não poderia ter determinado o encerramento da instrução sem ouvir aquelas testemunhas por ela indicadas. Acontece que a empresa fez pouco caso dessa decisão, pois, mesmo depois de ter tomado ciência da determinação (reiterada), a fim de que fornecesse as peças necessárias para instruir Carta Precatória Inquiritória, ela permaneceu inerte, de modo que tornou preclusa tal oportunidade”, destacou o acórdão regional.
Para o regional, a empresa opôs resistência injustificada ao andamento do processo, procedeu de modo temerário ao obter a nulidade da primeira decisão, provocou incidente manifestamente infundado e, por fim, interpôs recurso com finalidade manifestamente protelatória. “Mais que devido, daí, aplicar-lhe a multa de 1% sobre o valor da causa, assim como determinar que indenize o trabalhador pelos prejuízos por ele sofridos, estes aqui fixados em 20% do quantum da liquidação”, concluiu.
Insatisfeita com a condenação, a empresa recorreu ao TST alegando ofensa ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal, que assegura às partes litigantes o direito ao contraditório e à ampla defesa. O relator do acórdão na 2ª Turma, ministro Renato de Lacerda Paiva, ressaltou em seu voto que todos os direitos da empresa foram respeitados, “tanto que a matéria vem sendo discutida nas diversas instâncias, onde tem recebido a efetiva prestação jurisdicional”. Para o ministro, caracteriza litigância de má-fé a inércia da parte em produzir prova assegurada pelo TRT, ao acolher nulidade processual, por ele arguida, ao fundamento de cerceamento de defesa. O recurso da empresa não foi conhecido. PROCESSO Nº TST-RR-122085-66.2002.5.15.0004 (Cláudia Valente)” [1]
Deveras, muitas ações judiciais são ajuizadas pelos contendores com simples intuito de protelação à efetivação de direitos visivelmente devidos, em desrespeito claro ao princípio formal da razoável duração do processo.
Pelo princípio da razoável duração do processo, as autoridades jurisdicionais (processo judicial) e administrativas (processo administrativo) devem exercer suas atribuições com rapidez, presteza e segurança, sem tecnicismos exagerados, ou demoras injustificáveis, viabilizando, a curto prazo, a solução dos conflitos. (BULOS, 2008, p. 548)
Este princípio deve ser observado não apenas pelo Estado-juiz, mas, sobretudo pelos partícipes da relação jurisdicional, sejam eles empregadores ou empregados.
No entanto, vê-se, na análise das ações judiciais trabalhistas, que há aparente conflito entre: ver concretizada a premissa constitucional de razoável duração do processo e permitir o exercício do direito de defesa, com inúmeros subterfúgios processuais, sob fundamento para efetivação do devido processo legal.
4. Ponderações finais
Decerto, é notório que o direito processual civil deve acompanhar as mudanças do novo século, mais voltado ao desenvolvimento dos aspectos humanísticos, em respeito aos fundamentos que norteiam o nosso ordenamento jurídico, a saber, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, do qual se originam os demais princípios.
Com efeito, o fenômeno do assédio processual deve ser combatido de forma veemente de modo que seus agentes desistam desta prática e que, desta forma, se previnam futuros agentes de virem a se utilizar da mesma prática, promovendo ações efetivas em busca da Justiça Social, da observância aos princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Segurança Jurídica, da defesa contra atos atentatórios ao exercício da Justiça, todos dispostos em nosso ordenamento jurídico.
Doravante, o combate ao assédio processual é uma das inovações trazidas pela nova interpretação da ciência jurídica, de ser mais humana e estar mais próxima dos sentimentos pessoais dos agentes envolvidos, traduzindo uma corrente atual do Direito, que, aliás, não é tão nova, de sobrelevar a importância dos valores morais e sociais humanos, em consonância com os bens materialmente protegidos por nossa legislação.
Técnica do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especializanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera- UNIDERP.
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