Resumo: Objetiva este estudo analisar a importância da adesão do Brasil ao Acordo de Paris como uma das formas de conferir maior efetividade para o direito humano fundamental ao meio ambiente. Para tanto, é importante que se contextualize momentos importantes que ficaram marcados na história do direito internacional ambiental, a exemplo das conferências ambientais das Nações Unidas. Além disso, outro ponto a ser ressaltado é a maneira pela qual o Brasil trata juridicamente a temática, de forma a possibilitar que se faça uma relação de coerência entre o posicionamento interno e externo do país. Ao final, é feito um exame sobre a real importância da adesão brasileira a esse Tratado Internacional com base na pesquisa de elementos constitutivos da iNDC do Brasil, identificando se essa adesão representou avanço ou retrocesso. Neste trabalho foi utilizado o método científico indutivo, e a técnica de pesquisa realizada foi a bibliográfica. Como base teórica, a doutrina utilizada traz autores como Valerio de Oliveira Mazzuoli, Sidney Guerra e Andre Aranha Corrêa do Lago.
Palavras-chaves: Direito internacional ambiental; Acordo de Paris; iNDC brasileira.
Abstract: This study objectifies the analysis of the importance of Brazil signing the Paris Agreement as one of the ways of giving greater effectiveness to the fundamental human right to the environment. In order to do so, it is important to contextualize important moments that have marked the history of International Environmental Law, such as the United Nations Environmental Conferences. Furthermore, we will study how Brazil deals with the issue legally, establishing coherence between the internal and external positioning of this country. At last, an examination is made of the importance of Brazilian signature to this International Treaty based on the research of elements of the iNDC of Brazil, identifying if this signature represented progress or retrogression. For this work the scientific inductive method was used, and the research technique was the bibliographical one. As a theoretical basis, the doctrine used brings authors such as Valerio de Oliveira Mazzuoli, Sidney Guerra and Andre Aranha Corrêa do Lago.
Key-words: International Enviromental Law; Paris Agreement; Brazilian iNDC.
Sumário: Introdução; 1. Uma breve análise das conferências ambientais das Nações Unidas e seus aspectos relevantes para o direito internacional ambiental; 2. O tratamento constitucional e legal do meio ambiente no Brasil; 3. Principais objetivos do Acordo de Paris e a iNDC brasileira: avanço ou retrocesso?; Considerações finais. Referências.
Sumary: Introduction; 1. A brief review of United Nations environmental conferences and their relevant aspects of international environmental law; 2. The constitutional and legal treatment of the environment in Brazil; 3. Main objectives of the Paris Agreement and the Brazilian iNDC: progress or retrogression?; Final comments. References.
INTRODUÇÃO
Muito embora a relação do homem com a natureza já exista por milhares de anos, a busca em garantir a integridade do meio ambiente é algo relativamente recente. A preocupação com a qualidade do ar que respiramos, com os desastres naturais e, principalmente, com a preservação da fauna e da flora para as futuras gerações impõe a criação de mecanismos eficientes de proteção.
Pensando nisso, é imprescindível que as legislações relacionadas ao meio ambiente não estejam – e, de fato, não estão – restritas ao domínio exclusivo dos países, tendo em vista que os danos ambientais provocados por cada Estado possuem repercussão em todo o planeta. Sendo assim, é certo que a forma mais efetiva de conter a degradação ambiental se dá por intermédio de compromissos firmados em âmbito internacional, o que eleva o bem jurídico em tela ao patamar dos direitos humanos, inalienáveis por essência.
Neste sentido, atualmente já temos inúmeros instrumentos internacionais em prol da preservação ambiental, bem como legislações internas dos Estados na busca por conferir uma maior força normativa a este direito humano fundamental. No Brasil, por exemplo, a preocupação do constituinte originário com a proteção dos direitos coletivos fez nascer obrigações tanto ao Poder Público quanto à sociedade em relação às questões ambientais, conforme dispõe o art. 225 da Constituição.
Mesmo assim, seria ilusório acreditar que estamos perto de alcançar todos os objetivos nacionais e internacionais referentes à preservação desse bem jurídico tão caro. Entretanto, reconhecer as falhas e aperfeiçoar os instrumentos de proteção é, sem dúvidas, um bom começo.
Neste contexto, acredita-se que um importante passo foi dado pelo Brasil, após aderir ao Acordo de Paris, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), assinado em Nova York, no dia 22 de abril de 2016. Trata-se, pois, do mais novo Tratado Internacional de combate às alterações climáticas do mundo, um dos grandes desafios do século XXI.
Este acordo implica uma necessária transição de modelo econômico, uma vez que as grandes empresas deverão diminuir a quantidade de emissão de gás carbônico e passar a pensar numa economia cada vez mais “verde”. Dessa forma, o Acordo de Paris vem para sustentar ideais de sustentabilidade, como a adoção de estilos de vida sustentáveis e padrões sustentáveis de consumo e produção.
Devido aos seus nobres objetivos, não se deve negar a importância do referido Tratado no atual cenário mundial. Entretanto, é possível que a ausência de metas concretas e obrigatórias no Acordo de Paris possa atrapalhar esses objetivos, na medida em que a promoção de mudanças econômicas e culturais tão profundas dependerá do engajamento de cada país-membro com a causa.
Agora, diante desse caráter essencialmente voluntário do Acordo de Paris, indaga-se: estariam os compromissos do Brasil adequados à luz das intenções do aludido Tratado Internacional?
Para a realização deste estudo, dividimos o trabalho da seguinte forma: primeiramente, analisaremos a importância da proteção do meio ambiente em nível internacional, utilizando como base as quatro marcantes Conferências ambientais das Nações Unidas; em seguida, será dado enfoque ao tratamento especial conferido pela atual Constituição brasileira, bem como a análise de alguns diplomas legais sobre o assunto; e, finalmente, será feita uma avaliação dos principais objetivos previstos no Acordo de Paris e se a iNDC brasileira (Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada) está, ou não, adequada para a consecução desses objetivos.
1 UMA BREVE ANÁLISE DAS CONFERÊNCIAS AMBIENTAIS DAS NAÇÕES UNIDAS E SEUS ASPECTOS RELEVANTES PARA O DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL
Nos últimos anos, a propagação da ideia de proteção do meio ambiente tem ganhado um destaque cada vez mais significativo na mídia, além, é claro, de maior enfoque na agenda mundial. Isso muito se deve ao surgimento de problemas ambientais relacionados ao estilo de vida contemporâneo, o que impõe maiores esforços dos Estados em cooperar com práticas capazes de mitigar os danos ambientais inseridos no contexto atual, tendo em vista que a ideia de um meio ambiente saudável está intrinsecamente relacionada à preservação de nossa própria espécie.
Trata-se, pois, de uma mudança de pensamento mundial, no sentido de que a ideia de um meio ambiente como fonte inesgotável de recursos passa a ser, gradativamente, substituída por normas nacionais e internacionais que limitam a exploração indiscriminada dos recursos naturais.
Dentre as questões ambientais importantes que ensejaram essa mudança de paradigma, podemos destacar o aquecimento global e as mudanças climáticas (o que o Acordo de Paris demonstra preocupação), a possibilidade de esgotamento de recursos naturais, secas que afetam lagos e rios, aumento significativo da população mundial, etc.
Apesar da importância do direito em discussão, destaca Mazzuoli[1] que somente após a segunda metade do século XX as questões ligadas à proteção da natureza tornaram-se visíveis no panorama internacional, notadamente em razão da constatação de que o meio ambiente, ao contrário do que ocorre com os Estados, não se separa por fronteiras.
Segundo o autor, o Direito Internacional do Meio Ambiente emerge no período do entre guerras (1919 a 1945), período este em que ocorre o fato considerado como a primeira manifestação solene do Direito Internacional do Meio Ambiente: o famoso caso da Fundição Trail[2].
Nesta época em que o Direito Internacional do Meio Ambiente começa a ganhar força, destaca Sidney Guerra[3] que o Conselho Europeu acaba consagrando duas declarações, em 1968, que trazem importantes progressos na regulamentação internacional para a proteção do meio ambiente: uma declaração sobre a preservação dos recursos de águas doces (Carta Europeia da Água) e a declaração sobre princípios da luta contra a poluição do ar.
Contudo, entre o século XX e o século XXI, quatro Conferências ambientais das Nações Unidas – que serão aqui mencionadas – foram responsáveis por realçar a importância da preservação ambiental para a manutenção do planeta. A primeira, ocorrida em Estocolmo, na Suécia, em 1972, foi a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, considerada por alguns autores como o “grande divisor de águas” no processo de evolução do Direito Internacional Ambiental.
A importância dessa Conferência reside no fato de que ali se buscou encontrar saídas para a melhoria e o resguardo do meio ambiente, bem como a adoção de princípios comuns às questões ambientais internacionais, o que acabou reunindo 113 países e organizações, governamentais ou não, interessadas pela causa. Por consequência, surgiu um importante instrumento para o futuro do Direito Internacional Ambiental: a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano.
Na visão de Mazzuoli[4], tratou-se da Conferência gênese para a moderna era da cooperação ambiental global, responsável por também demarcar o início dos debates sobre as relações da proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico.
Após este evento, aduz Guerra[5] que a discussão ambiental alçou, de modo relevante, o patamar internacional, além de ter sido criado o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), responsável por coordenar ações internacionais e promover o desenvolvimento sustentável, bem como o estímulo à criação de órgãos nacionais dedicados às questões ambientais em países que não os tinham, o fortalecimento de organizações não governamentais e a participação mais ativa da sociedade civil.
Alguns anos se passaram e, em 1992, no Rio de Janeiro, realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como ECO-92, ou Rio-92. Neste encontro, era importante continuar debatendo alternativas para a mitigação dos problemas ambientais que vinham assolando o planeta, ocasião em que a ideia de um desenvolvimento sustentável começou a ganhar mais força, ou seja, foi debatida a possibilidade de avanços econômicos, geração de riqueza e oportunidades pautado num modelo menos consumista e mais preocupado com a preservação da natureza.
Assim, houve a reafirmação de princípios internacionais de direitos humanos, como os da indivisibilidade e interdependência, agora conectados com as regras internacionais de proteção ao meio ambiente e aos seus princípios instituidores, adotando-se, ao final, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, contando com 27 princípios representativos das metas contemporâneas da proteção internacional ambiental[6].
Já a terceira Conferência das Nações Unidas (primeira do século atual) aconteceu na África do Sul, em Joanesburgo, de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002. Como bem destaca Guerra[7],
“Na declaração de Joanesburgo os Estados reafirmam o compromisso com o desenvolvimento sustentável e de construir uma sociedade global humanitária, equitativa e solidária. Em verdade, pretendeu-se alcançar aquilo que foi definido como metas para a proteção do meio ambiente planetário durante a Conferência do Rio, em 1992”.
Dentre as pautas do encontro, cita-se a erradicação da fome e da miséria, a educação primária com iguais oportunidades para homens e mulheres, a redução da mortalidade infantil, o enfoque especial para o combate à AIDS e malária, a ameaça produzida ao ambiente global com a perda acelerada da biodiversidade, o crescimento da desertificação e efeitos adversos provenientes de mudanças climáticas, etc[8].
Analisando então a participação brasileira nessas Conferências, é válido ressaltar a evolução do interesse nas questões ambientais. Isso porque, conforme explica Aranha, a atuação do Brasil em Estocolmo foi de confronto – uma vez que a tese brasileira era oposta à proposta original da Conferência – e as posições do país foram defensivas. No Rio de Janeiro, a atuação passou a ser cooperativa, pois o Brasil não tinha uma tese a opor ao desenvolvimento sustentável e havia interesse no sucesso da Conferência, apesar de que as posições, ainda que mais abertas, continuavam defensivas. Já em Joanesburgo, por sua vez, a atuação brasileira foi novamente cooperativa, porém, com posições menos defensivas e, pela primeira vez, propositivas[9].
Por fim, em 2012, novamente na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada outra Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, conhecida como Rio+20.
A mencionada Conferência culminou com a aprovação do documento “O futuro que queremos” que, conforme ensina André Aranha, acaba por reafirmar os princípios da Declaração do Rio, em 1992. Ainda, afirma que a erradicação da pobreza é o maior desafio global, sendo que a sua superação e a promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo, além da melhoria da gestão dos recursos naturais, constituem os objetivos e requisitos do desenvolvimento sustentável[10].
Neste sentido, importante ressaltar o que disse a ex-Presidente Dilma Rousseff, em seu discurso de encerramento no evento, senão vejamos:
“O documento que nós aprovamos hoje não retrocede em relação às conquistas da Rio-92, não retrocede em relação à Cúpula de Joanesburgo de 2002, não retrocede em relação a todos os compromissos assumidos nas demais conferências das Nações Unidas. Ao contrário, o documento avança e muito, mostrando a evolução das concepções compartilhadas de desenvolvimento sustentável. Lançamos as bases de uma agenda para o século XXI. Tomamos decisões importantes e quero ainda uma vez ressaltar algumas delas”[11]. (grifei)
Apesar do discurso da ex-Presidente Dilma, há quem critique a Rio+20 alegando ter faltado ousadia nas propostas. Por exemplo, uma grande decepção foi que o texto não trouxe, de maneira concreta, questões que envolvam o financiamento das políticas de desenvolvimento sustentável.
Feito esse breve contexto histórico, certamente o intuito não era de esgotar o tema abordando todas as peculiaridades de cada Conferência, mas apenas expor os assuntos principais e a magnitude desses eventos para a busca, cada vez mais efetiva, de um meio ambiente mais saudável e humanamente habitável.
Pelo exposto, acredita-se que esses eventos históricos marcaram a tutela do meio ambiente em nível internacional, notadamente pelo fato de que restou evidente a possibilidade real de dano irreversível pelo uso indiscriminado de recursos naturais e, consequentemente, a ameaça de uma vida digna para as futuras gerações.
2 O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL
No Brasil, a importância da tutela do meio ambiente ensejou um olhar especial na Constituição de 1988, ganhando um Capítulo (VI) e artigo próprios, senão vejamos:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”[12].
Logo de início, impõe destacar que a própria redação do dispositivo constitucional já confere uma dimensão coletiva (lato sensu) ao direito em questão, uma vez que a titularidade de sujeitos é uma coletividade indeterminável e o objeto é indivisível.
Essa natureza do direito, por si só, realça a própria necessidade de haver maior fiscalização da sociedade com relação aos instrumentos normativos destinados à tutela ambiental, bem como as efetivas ações e políticas públicas adotadas pelo Estado para cumprir com o comando constitucional de defesa e preservação do meio ambiente, dever este, inclusive, imposto tanto ao Poder Público quanto à própria coletividade.
Não obstante, o artigo 170 da Constituição, que trata da ordem econômica e dispõe de princípios próprios, também elenca a defesa do meio ambiente como um deles, conforme o inciso VI, introduzido pela Emenda Constitucional nº 42/2003:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;”
Neste sentido, o próprio STF reconhece a natureza coletiva do direito em questão, bem como o dever de solidariedade a ele inerente e a necessidade de compatibilidade entre o princípio da ordem econômica e da defesa ambiental:
“[…] Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural”[13]. (grifei)
Trata-se, pois, de importante precedente judicial que reafirma, expressamente, as disposições da Constituição sobre o meio ambiente. Não que fosse necessário, porque é sabido que as normas constitucionais definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CRFB/88), mas é sempre válido que tal matéria tão sensível possa ser enfatizada pela Suprema Corte, já que a ela foi incumbida a missão de resguardar e garantir força normativa à Constituição.
Agora, já no âmbito infraconstitucional, existem também importantes legislações que visam conferir ainda mais efetividade à Constituição, como por exemplo, a Lei 6.938/81, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e o Sisnama; a Lei 9.605/98, responsável por tipificar os crimes ambientais e suas consequentes punições; a Lei 12.651/2012, que trata do Novo Código de Reforma Florestal; a Lei 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Recursos Hídricos; a Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); a Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) dentre inúmeras outras leis, decretos, resoluções e atos normativos.
Com relação à PNMA, uma importante questão pertinente de salientar é com relação à obrigatoriedade de indenização imposta ao poluidor que causar danos ambientais, sendo esta uma responsabilidade objetiva, bem como a necessidade de realização de estudos e relatórios de impacto ambiental.
Quanto à lei de crimes ambientais, foram criminalizadas determinadas condutas lesivas ao meio ambiente. Dentre as disposições da referida legislação, interessante destacar a inovação trazida quanto à possibilidade de se penalizar também pessoas jurídicas em decorrência dos crimes ambientais cometidos.
No que tange ao Novo Código de Reforma Florestal, o art. 1º-A já estabelece os objetivos do diploma legal, que dispõe de normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e áreas de Reserva Legal, bem como a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, além de prever instrumentos econômicos e financeiros para o alcance desses objetivos. Ainda, traz também como importante finalidade a promoção do desenvolvimento sustentável, algo intrinsecamente relacionado com a própria tutela ambiental[14].
Com relação à Lei de Águas (Lei 9.433/97), previu-se expressamente que a água se trata de um recurso natural limitado e tem natureza de bem público, dotado de valor econômico, além de outros valiosos fundamentos em que se deve basear a Política Nacional de Recursos Hídricos, senão vejamos:
“Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I – a água é um bem de domínio público;
II – a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III – em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;
IV – a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V – a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI – a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”[15].
Outro relevante diploma normativo que podemos ressaltar se trata da lei instituidora da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que estabelece, conforme seu art. 1º, princípios, objetivos e instrumentos, bem como diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis, estando sujeitas às normas tanto pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nos termos do art. 1º, §1º[16].
Nota-se, assim, que a PNRS procura organizar a maneira pela qual o país lida com o lixo, requerendo transparência no gerenciamento dos resíduos sólidos gerados tanto pelo setor público quanto pelo privado, tendo suas normas amplitude nacional. Ainda, é válido salientar que a PNRS integra a PNMA e se articula com a PNEA, conforme previsão do art. 5º da mencionada lei, evidenciando que a proteção do meio ambiente se dá não de forma isolada, mas por um sistema que se complementa.
Por fim, cita-se também a Lei de Ação Civil Pública, comumente ajuizada pelo Ministério Público, que visa a tutela dos interesses e direitos difusos e coletivos, a exemplo da responsabilização por danos ambientais – direito difuso (ou coletivo lato sensu), conforme enunciado do art. 1º, inciso I[17].
É claro que ainda existem outros vários textos normativos que tratam de questões importantes relativas ao meio ambiente, tendo em vista que o próprio termo “meio ambiente” possui alcance bastante abrangente. A intenção apenas foi, portanto, demonstrar alguns dos relevantes instrumentos legislativos que vigoram no Brasil e que, por consequência, também explicitam a importância que vem sendo dada pelo país na busca por regulamentações em prol da tutela jurídica ambiental.
3 PRINCIPAIS OBJETIVOS DO ACORDO DE PARIS E A iNDC BRASILEIRA: AVANÇO OU RETROCESSO?
Apesar de não haver um consenso no âmbito da ciência a respeito do tema, muitos estudiosos há tempos já vêm alertando sobre os malefícios oriundos do aquecimento global, fenômeno responsável por elevar a temperatura média do planeta.
Para esses cientistas, as principais causas do aumento das temperaturas estão atreladas às atividades humanas não sustentáveis, ou seja, aquelas práticas que, sem pensar no comprometimento das futuras gerações, usam abusiva e indiscriminadamente dos recursos naturais como se finitos fossem. São exemplos de práticas não sustentáveis, que degradam o meio ambiente, a poluição do ar e da água, as queimadas, o desmatamento, dentre outros.
Neste sentido, uma das grandes preocupações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é justamente a influência humana no clima do planeta. Neste sentido, Oliveira e Nobre alertam que o segundo e terceiro relatórios de mudanças climáticas do IPCC (1996 e 2001) demonstraram que o aquecimento global tem alta probabilidade de ser causado pelas emissões antrópicas de gases de efeito estufa. Já o quarto relatório, de 2007, aponta para a influência do homem como o responsável pelo aquecimento global[18].
Quanto à emissão desses gases, Flores[19] alerta que a maior parcela é originária dos países desenvolvidos, e que as emissões per capita dos países em desenvolvimento ainda são relativamente baixas.
Dentro desse contexto, reconhecendo que a mudança de clima da Terra e seus efeitos negativos são uma preocupação comum da humanidade, bem como a necessidade de proteger o sistema climático para as gerações presentes e futuras[20], foi criada, em 1992, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Ainda, como um tratado complementar à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, foi criado em 1997 o Protocolo de Quioto, impondo metas aos países quanto à redução da quantidade de emissão de gases do efeito estufa (GEE).
Não obstante o referido Protocolo possa ser considerado um marco e avanço importante para a conscientização global da necessidade de se tomar medidas mais sustentáveis, objetivando justamente garantir a manutenção da saúde do planeta, o aquecimento global continua sendo pauta de discussão e preocupação.
Neste sentido, um importante Tratado veio para substituir o Protocolo de Quioto, a partir de 2020: o Acordo de Paris, após o cumprimento do requisito previsto no art. 25 do Tratado, qual seja, que ao menos 55 países que representassem 55% das emissões de gases do efeito estufa aderissem ao instrumento internacional.
Diferentemente do Protocolo de Quioto, em que se fazia uma distinção quanto às obrigações com relação ao grupo de países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, uma vez que aqueles são considerados os principais responsáveis pela emissão dos GEEs, o Acordo de Paris estabelece parâmetros aplicáveis, indistintamente, a todas as Partes (membros).
Mesmo sem ter sido um dos países em que recaíam os compromissos formais do Protocolo de Quioto, Flores[21] afirma que o Brasil tem se demonstrado ativo dentro do contexto internacional de negociações acerca da promoção da efetividade do regime de mudanças climáticas instaurado pela UNFCC.
E dentre os 194 países que aderiram ao Acordo de Paris, está o Brasil. A importância dessa anuência brasileira é evidente, tendo em vista que se trata do mais novo documento internacional de combate ao aumento da temperatura média global, demonstrando a preocupação com os rumos do planeta caso o consumo desenfreado e a emissão de poluentes na atmosfera não sejam reduzidas.
Todavia, a mera adesão não representa, em si só, grande avanço. Em verdade, é preciso que se analise a contribuição brasileira no sentido de cumprir com os objetivos do Acordo de Paris.
Vejamos, então, o que dispõe o art. 2º do Tratado em questão:
“1. Este Acordo, ao reforçar a implementação da Convenção, incluindo seu objetivo, visa fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima, no contexto do desenvolvimento sustentável e dos esforços de erradicação da pobreza, incluindo:
(a) Manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, e envidar esforços para limitar esse aumento da temperatura a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e os impactos da mudança do clima;
(b) Aumentar a capacidade de adaptação aos impactos negativos da mudança do clima e promover a resiliência à mudança do clima e um desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa, de uma maneira que não ameace a produção de alimentos; e
(c) Tornar os fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória rumo a um desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa e resiliente à mudança do clima.
2. Este Acordo será implementado de modo a refletir equidade e
o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas e respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais”[22].
Nota-se, portanto, que o desenvolvimento sustentável e a busca pela redução da temperatura média do planeta continuam em destaque, e agora com uma proposta mais ousada: tentar controlar o aquecimento global bem abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, limitando o aumento climático até 1,5ºC.
Para a implementação das metas desejadas pelo Acordo de Paris, o art. 4º, itens 2 e 3, dispõem que cada Parte, ou seja, os adeptos ao Tratado, deve preparar, comunicar e manter sucessivas contribuições nacionalmente determinadas que pretende alcançar, devendo a contribuição nacionalmente determinada sucessiva de dada Parte representar uma progressão com relação à vigente, em que se deve refletir a maior ambição possível[23].
Para entender agora o posicionamento brasileiro acerca dos objetivos previstos no Tratado, é preciso que analisemos a iNDC do Brasil. Para a mitigação dos efeitos adversos das alterações climáticas, o Brasil se compromete a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025, sendo a contribuição indicativa subsequente a redução das emissões dos GEEs em 43% até 2030, sendo ambas as metas comparadas aos níveis registrados em 2005[24].
Ainda, visando cumprir com a meta de conter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, o Brasil envidará, no longo prazo, esforços para uma transição para sistema de energias com fontes renováveis e descarbonização da economia mundial até o final deste século, bem como está disposto em ampliar mais ainda sua contribuição para a consecução do objetivo da Convenção, no contexto do desenvolvimento sustentável[25].
Dessa forma, conforme apresenta a própria iNDC brasileira, “as ações de mitigação do Brasil para implementar esta contribuição, incluindo os seus esforços atuais, são consistentes com a meta de temperatura de 2º C, à luz dos cenários do IPCC e das circunstâncias atuais[26]”.
Parece-nos, pois, que a iNDC brasileira está sim adequada aos objetivos propostos pelo Acordo de Paris, tendo em vista os altos percentuais pretendidos a serem reduzidos quanto à emissão de gases de efeito estufa, sendo a proposta para 2030 ainda mais ambiciosa do que para 2025, conforme requer o art. 4º do Tratado.
Também é possível ressaltar, ainda, que se levarmos em conta o caráter voluntário do Acordo assinado, ou seja, a ausência da obrigatoriedade de inclusão de uma meta quantificada de redução dos GEEs às Partes, a iNDC brasileira se mostra ainda mais propositiva.
Quanto a essa característica voluntária do Tratado, acreditamos que isso pode servir tanto para o bem quanto para o mal. Pode ser que, em razão disso, alguns membros sejam relapsos quanto aos objetivos do Tratado e não consigam trazer propostas ambiciosas para a contenção dos problemas graves advindos das alterações climáticas. Entretanto, ao mesmo tempo, é possível também que sejam realizadas discussões transparentes, com inclusão de propostas dentro das necessidades e possibilidades de cada país à luz do que entenderem ser “justo”.
O certo é que, inegavelmente, a adesão do Brasil ao Acordo de Paris não tem como ser vista de outra forma senão como um avanço. Não se pode enxergar retrocesso quanto à tomada de inciativas que objetivem garantir esforços para a implementação de um mundo mais sustentável.
Cabe, agora, a sociedade civil se informar e se conscientizar acerca da necessidade de mudança de hábitos, de começar a se educar para práticas mais próximas a uma “economia verde”. Isso deve ser feito, ressalta-se, também pressionando o Poder Público quanto ao cumprimento das metas pretendidas, de forma que o posicionamento do país no cenário internacional seja mais do que meras palavras desacompanhadas de efetivas políticas públicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo o que foi demonstrado no presente estudo, é preciso ter em mente que existe urgência quanto à adoção de práticas que possam mitigar os danos causados ao meio ambiente em escala global. Por muitos anos a questão ambiental foi negligenciada por vários países, acreditando, talvez, que as atividades humanas extrativistas não pudessem causar tantos problemas.
Porém, já não é de agora, o cenário mudou. O aquecimento global constitui uma realidade do planeta a ser enfrentada em conjunto, por todos que aqui habitam, pois só assim será possível garantir um meio ambiente saudável para as presentes e futuras gerações.
Vimos, dentro desse contexto, que as Conferências ambientais tiveram um papel fundamental no tocante à intensificação dos debates sobre as causas ambientais, de forma que restou demonstrado que a implementação do desenvolvimento sustentável trata-se de uma necessária alternativa no combate à poluição, em todos os aspectos, do meio ambiente.
Diante disso, ressalta-se que o Brasil, além do enfoque especial conferido pela Constituição, possui inúmeras legislações de âmbito nacional que demonstram a preocupação com a administração de um meio ambiente habitável, a exemplo da PNMA e PNRS, citadas no presente estudo.
Percebe-se, então, que a adesão do Brasil ao Acordo de Paris representa importante avanço na tutela do direito humano fundamental ao meio ambiente, na medida em que o país se demonstra condizente com as disposições constitucionais e legislações infraconstitucionais em vigor.
De todo modo, como o tema possui intrínseca repercussão internacional, é preciso que os debates ganhem maior amplitude, ou seja, que sejam fortalecidos os diálogos entre os países em busca de metas cada vez mais ambiciosas destinadas à proteção do planeta.
Neste sentido, avalia-se que a iNDC brasileira está coerente com as metas propostas pelo Acordo de Paris, de forma que possa servir, inclusive, de inspiração para outras comunidades internacionais, razão pela qual não podemos deixar de aplaudir os compromissos firmados pelo país. De outro lado, também é importante pressionar e fiscalizar o Poder Público quanto a adoção de medidas que sejam compatíveis com a manifestação brasileira exposta no cenário internacional.
Por fim, entendemos ser igualmente importante que esses conceitos básicos ligados ao desenvolvimento sustentável e “economia verde” sejam introduzidos nas escolas públicas e particulares desde o início da vida acadêmica dos estudantes, pois só assim formaremos cidadãos conscientizados e engajados para promover mudanças significativas em prol da tutela ambiental.
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória FDV
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em política internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestre em direito Internacional e comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutor em direitos e garantias fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em direito marítimo e portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Professor de direito internacional e direito marítimo e portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.
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