Gabriella Tavares Yang – Bacharela em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã. Advogada. Pós-graduanda em Direito Constitucional e em Direito Previdenciário. E-mail: gabriella_y@yahoo.com
Resumo: Este artigo decorre da necessidade de uma maior abordagem em relação ao trabalho escravo contemporâneo, seu espaço laboral e suas vítimas com vistas à erradicação de tal prática. A presente pesquisa pretende contribuir para a formação de um melhor ambiente de trabalho aos funcionários residentes no Brasil, sendo essa melhoria refletida em sua vida pessoal. Com esse objetivo será analisado conceitos importantes sobre o tema, o problema da monetização dos riscos, um caso real nacional e a potencial influência positiva da Lista Suja e do selo Great Place to Work na busca de um ambiente laboral adequado. Para tanto, a pesquisa foi descritiva, de natureza qualitativa, método dedutivo e com análise bibliográfica e documental com o intuito de uma melhor compreensão sobre o tema.
Palavras-chave: Ambiente laboral. Monetização dos riscos. Bem-estar dos funcionários.
Abstract: This article arises from the need for a greater approach in relation to contemporary slave labor, its work space and its victims with a view to eradicating such practice. This research aims to contribute to the formation of a better work environment for employees residing in Brazil, and this improvement is reflected in their personal lives. For that purpose, it will be analyzed important concepts on the topic, the problem os risk monetization, a national real case and the potential positive influence of the Dirty List and the Great Place to Work seal in the search for an adequate work environment. For that, the research was descriptive, of qualitative nature, deductive method and with bibliographic and documentary analysis with the intention of a better understanding on the subject.
Keywords: Working environment. Monetization of risks. Welfare of employees.
Sumário: Introdução. 1 Trabalho Escravo Contemporâneo. 2 Ambiente de Trabalho Adequado. 3 Monetização dos Riscos. 4 Estudo de Caso Nacional. 4.1 Coca-Cola. 5 Lista Suja. 6 Great Place to Work. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Diante da complexidade da sociedade contemporânea, observa-se o aprimoramento do capitalismo, buscando-se novos meios de aumentar a produção e diminuir seu custo. Essa versão do capitalismo está vinculada a sociedade de risco, não só ambiental, mas também arriscando o bem-estar e a saúde dos trabalhadores brasileiros.
Ultrapassada a escravidão diante da Lei Áurea, em 1888, ao menos legalmente, visto que tal abuso trabalhista ainda ocorre e atualmente é descrito como trabalho análogo ao de escravo, ou até escravidão contemporânea. É preciso estar atento, pois ao contrário do que muitos acreditam, essa exploração também está presente em grandes cidades.
Enquanto o empregador se empenha a encontrar maneiras de auferir lucro a qualquer custo, é função da sociedade, juntamente com órgãos públicos e ONGs prezar por um labor livre, digno, seguro e saudável, com o intuito de oferecer condições básicas a população. Dessa forma, o objetivo do trabalho é analisar a possibilidades de trabalho que não exponha o funcionário a acidentes ou doenças ocupacionais, o que nem sempre é a conduta das empresas, que por diversas vezes recorrem a terceirização, como meio de esquivar-se de suas responsabilidades (NASCIMENTO, 2010).
Vale salientar que é comum, na busca incessante por melhor resultado financeiro, o esgotamento físico e psicológico do empregado, sendo ambas as formas de doenças preocupantes e desgastantes. Assim, é abordado casos de irregularidades trabalhistas nacionais, buscando demonstrar o modo de pensar da empresa, monetizando os riscos da saúde de seus funcionários (OLIVEIRA, 2010).
Para tanto, a espécie da pesquisa é descritiva, com método dedutivo, natureza qualitativa e análise documental e bibliográfica por meio de livros, revistas e reportagens sobre o tema.
Ademais, procura-se meios de reduzir os perigos aos quais a população trabalhista está exposta, além de demonstrar os efeitos de medidas pensadas para melhorar o ambiente de trabalho.
1 Trabalho Escravo Contemporâneo
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), deve-se prezar por um labor decente, sendo assim livre, seguro e digno. Diante disso, observa-se que apesar de abolido o trabalho escravo, essa mazela ainda permeia em território nacional, agora sob a denominação de trabalho escravo contemporâneo, ou de análogo ao de escravo. Sobre o tema, Audi (2006, p. 76-77) explana:
“A escravidão contemporânea no Brasil então persistia e ainda insiste, de forma mais cruel e sutil que aquela abolida pela Princesa Isabel em 1888: os escravos modernos são pessoas descartáveis, sem valor agregado à produção-simplesmente não custam nada, não valem nada e por isso, não merecem segundo uma lógica puramente econômica, nenhum tipo de cuidado ou garantia de suas vidas”.
Observa-se que esse novo modelo de escravidão no Brasil aparenta ser menos custoso ao empregador, que não dispõe de recursos para “comprar” seu escravo, mas apenas compram suas horas por valores irrisórios e as utilizam sem nenhum cuidado ou apreço. Quando seu “funcionário” não mais o servir, estando esgotado física ou psicologicamente, podendo até, em casos mais graves, atingir o esgotamento psíquico, também conhecido como burnout, o empregador simplesmente o demite. Isso sem qualquer ajuda em relação às doenças contraídas, apesar de ter ciência de que o ex-funcionário raramente será novamente empregado, diante das atuais deficiências e restrições ao trabalho.
Outrossim, as pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dessa mão de obra ainda têm o costume de descontar de maneira ilegal tudo do empregado, fazendo assim com que o funcionário obtenha uma dívida impagável. Nesses casos é cobrado desde o transporte para a cidade em que o serviço será efetuado, como produtos de higiene, alimentação e, muitas vezes, até os materiais utilizados para o labor.
Ademais, de acordo com Brito Filho (2006) essa nova forma de escravidão acontece no Brasil de forma a negar ao trabalhador direitos mínimos, submetendo-o a laborar em condições degradantes, desumanas e até com o cerceamento de sua liberdade.
Além disso, é notório que as principais vítimas dessa exploração são pessoas analfabetas, de classe social baixa, imigrantes e migrantes brasileiros. É comum o aliciamento de pessoas carentes e vulneráveis para trabalhar em fazendas e empresas em diversos Estados, sendo que, uma vez contratados, é muito difícil sair da situação.
Quanto aos imigrantes, na maioria latinos que entram ilegalmente no País, a realidade é ainda pior. Eles têm medo de denunciar os fatos por serem induzidos a erro ao acreditar que podem, por isto, serem extraditados e em virtude da situação irregular com o visto de trabalho, não perceber direito algum. Isso ocorre diante das ameaças que recebem dos superiores ao demonstrarem de alguma forma que querem deixar o local de prestação de serviço.
Diante dessas informações é necessário perceber que o conceito de labor análogo ao de escravo é de complicada conceituação, visto ser importante analisar cada caso minuciosamente. Há, contudo, algumas características a serem observadas como a existência de condições degradantes de trabalho, a servidão por dívida, o trabalho forçado e até a jornada exaustiva.
O legislador brasileiro, conhecendo da necessidade da real extinção da exploração do labor em território nacional, tipificou tal conduta como crime no art. 149 do Código Penal Brasileiro:
“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
[…]”.
Ademais, é interessante a observância do art. 243 da CFRB/88, que dispõe o seguinte:
“Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 81, de 2014)”.
Sendo assim, é perceptível a preocupação da sociedade em proteger o profissional alvo de tal espécie de exploração, o qual pode não ter consciência de que é vítima de uma situação ilícita, considerando o seu reduzido nível de instrução. Dessa forma, muitos são induzidos a acreditar que estão “presos” ao local de “trabalho” porque ainda não quitou seu “débito” com o tomador de serviço, dívida esta, muitas vezes, ilegal.
2 Ambiente de Trabalho Adequado
O ambiente de trabalho é o espaço artificial o qual o empregado passa boa parte de seu tempo. Importante salientar que é essencial a existência de um ambiente de trabalho equilibrado para uma vida saudável, sendo assim o ambiente natural, laboral, artificial e cultural são protegidos pelo art. 225 da CRFB/1988, visando sua preservação para as presentes e futuras gerações:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[…]
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
[…]
[…]”.
É cediço que o ambiente de trabalho é parte do meio ambiente geral e, além disso, seu espaço pode variar, podendo ser o espaço interno de uma fábrica, um carro ou até um ambiente externo, como um parque, dentre tantos outros possíveis espaços laborais. Dessa forma, é dever do empregador proteger esse ambiente e seu entorno, até porque diante de um ambiente poluído ou insalubre, não apenas os funcionários estão expostos, mas meros passantes podem contrair doenças respiratórias, ou pulmonares, por exemplo. Sobre o tema, leciona Oliveira (2010, p.83):
“O meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente geral (art. 200, VIII, da Constituição da República), de modo que é impossível alcançar qualidade de vida, sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir um ambiente equilibrado e sustentável ignorando o meio ambiente do trabalho. Dentro desse espírito a Constituição de 1988 estabeleceu expressamente que a ordem econômica deve observar o princípio de defesa do meio ambiente (art. 170, VI)”.
Nesse contexto, percebe-se que um ambiente de trabalho insalubre ou perigoso pode colocar em risco pessoas que não tem relação com a atividade laborativa. Por isso é essencial o espaço laboral estar protegido, e não apenas aos que trabalham em tal obra ou empresa, mas também à população em seu entorno e que podem estar expostas a algum perigo. Mostra-se assim a real necessidade da observância de normas sobre segurança do trabalho.
Ainda, segundo Nascimento (2010, p.835):
“O meio ambiente de trabalho é, exatamente, o complexo máquinas-trabalho: as edificações do estabelecimento, equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas de proteção ao trabalhador, jornadas de trabalho e horas-extras, intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais que formam o conjunto de condições de trabalho etc”.
Dessa forma, é comprovado que situações de insalubridade e periculosidade podem ocorrer no ambiente de trabalho. Consequentemente é dever da classe empregadora fazer cumprir medidas protetivas a seus funcionários.
Atitudes como o uso de EPI eficaz para neutralizar condições insalubres podem ter grandiosos resultados como a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Sendo essas evitadas, ambos os lados saem satisfeitos: o empregador porque não terá que pagar os 15 (quinze) primeiros dias de afastamento, não será obrigado a pagar estabilidade, nem eventuais danos morais, materiais ou até estéticos em razão de potencial irresponsabilidade. Sob o viés do empregado, pode-se afirmar ser muito mais agradável e satisfatório laborar com segurança.
3 Monetização dos Riscos
É de notório saber que Organização Mundial de Saúde (OMS) firmou em 1947 que saúde é um estado de bem-estar físico, mental e social, não sendo apenas a ausência de doença ou enfermidade. Ainda, o art. 196 da CRFB/1988 garante que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
Sob esse viés, é preciso atenção ao modo como o trabalho está sendo exercido. Não basta, assim, prover os equipamentos de proteção individual e coletiva, mas também é dever do empregador fiscalizar o cumprimento de medidas protetivas ao meio ambiente de trabalho, o que inclui o uso de tais instrumentos de defesa da saúde do trabalhador. Em caso de descumprimento, deve-se acionar imediatamente pessoas e órgãos estatais legitimados a agir, o que inclui sindicatos, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Isso porque, uma vez materializado o dano, na maioria das vezes, pode ser irreversível, restando a monetização do prejuízo sofrido, que dificilmente será vantajoso ao trabalhador, além da sua complexa estimação por envolver critérios subjetivos na avaliação.
Sobre essa monetização, é preciso ter muita cautela, para que não se transforme numa prática da classe empregadora lesionar a saúde de seus funcionários e depois repará-la pecuniariamente, em montantes que, em certos casos, sequer atingem a finalidade pedagógica da medida, não servindo como obstáculo para eventual reincidência.
Esse sério problema acaba sendo comum no Brasil, visto que muitas vezes o empregador faz as contas de quanto custaria cuidar do meio ambiente de trabalho, de modo a zelar por condições mínimas de higiene, saúde e proteção. Por outro lado, calcula os custos de uma eventual multa administrativa e/ou pagamento de indenização por danos de várias ordens. O mais corriqueiro, principalmente para os grandes produtores e empresários, acaba sendo pagar indenização pelos danos e/ou as referidas multas, de modo a monetizar os riscos e a vida de seus funcionários (TAVARES, 2014).
Ademais, é comum as empresas quererem socializar os riscos e privatizar os lucros, considerando-se que há tomadores de serviços que forçam seus empregados a trabalharem em péssimas condições e ainda argumentam que, se não prestarem determinada atividade, há quem faça. Além disso, também é corriqueiro o empregador alegar que já está pagando um adicional de periculosidade ou de insalubridade e que este montante remuneratório cobre os riscos, inclusive amparado pelo que a própria lei prevê. O que não é um pensamento correto, pois deveria, na verdade, buscar neutralizar o ambiente de agentes insalubres ou afastar definitivamente os riscos de acidentes, para não precisar adimplir adicional remuneratório algum.
4 Estudo de Caso Nacional
Diante das presentes informações sobre a importância de um ambiente de trabalho adequado, devendo ser seguro, saudável e decente, constata-se que essas características estão diretamente vinculadas a qualidade de vida dos laboradores.
Nessa senda, torna-se difícil evitar a reflexão sobre ser ou não usuário de produtos advindos da exploração de mão de obra humana. No Brasil, há diversas empresas que já foram autuadas por más condições de trabalho, dentre elas foi feito um estudo focado na produção de Coca-Cola.
4.1 Coca-Cola
A Spal Indústria Brasileira de Bebidas S.A., responsável pela fabricação e distribuição de grande parte da Cola-Cola no Brasil, começou a ser investigada diante da quantidade de demandas judiciais a respeito de irregularidades trabalhistas entre 2013 e 2014. Ainda, analisando processos contra a empresa, acredita-se que ela seria conivente com jornadas de trabalho exaustivas, ressaltando-se neste quesito que, como abordado anteriormente, o labor exaustivo é um dos requisitos para o trabalho análogo ao de escravo, como foi observado no caput do art. 149 do Código Penal Brasileiro (CAMPOS, 2016).
Perante o histórico de processos da Spal Indústria Brasileira de Bebidas S.A., foi realizada uma fiscalização nos locais de distribuição de produtos da marca e de acordo com a Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina – FECESC (2016): “[…] identificou 179 caminhoneiros e ajudantes de entrega sistematicamente submetidos a jornadas exaustivas que configuram, segundo os auditores responsáveis pela ação, condições análogas às de escravo”.
Tal operação foi realizada nos anos de 2015 e 2016 e foi averiguada grandes quantidades de hora extra, sendo esta prejudicial à saúde dos funcionários que não tinham condições de descansar. Pontua-se assim que o perigo não é apenas ao trabalhador e sua família, mas também à sociedade, pois esses funcionários da distribuição em sua maioria são caminhoneiros.
Enfatiza-se ainda situações extremas desse ambiente de trabalho, a exemplo de uma média de 140 horas extras mensais. Para que essa média seja possível, é preciso que o laborador trabalhe cerca de 14 horas por dia, usufruindo de 1 dia de descanso por semana, o qual não é suficiente para repor as energias, muito menos para que haja um saudável convívio familiar e social.
Há também relatos de desrespeito ao intervalo interjornada em que um motorista afirma ter encerrado trabalho às 0:30h, chegando em casa às 2h e tendo seu próximo turno às 6:30h. Segundo auditores do trabalho, ele teria dito que nem dormiu, apenas comeu e assistiu televisão, pois se dormisse não conseguiria acordar para o labor (CAMARGOS, 2018). Diante de tal prática ilícita, a Spal foi multada pelo Governo Federal segundo André Campos (2016). Dessa forma, não surpreende que funcionários dessa empresa regularmente busquem seus direitos na justiça.
Por fim, a Spal afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que segue seu acordo coletivo, informou ter ajustado as operações relacionadas aos caminhoneiros e negou o uso de mão de obra análoga a de escravo (CAMARGOS, 2018).
5 Lista Suja
Como mencionado, legalmente o trabalho escravo foi abolido em 1888, contudo as práticas e condições as quais remetem a ideia de escravidão ainda permeiam no território brasileiro. Diante da existência de condições de trabalho escravo contemporâneo foi criada a Lista Suja que consiste na divulgação de empresas em que foi flagrado o uso de trabalho análogo ao de escravo.
É importante a noção de que o nome da empresa apenas constará na Lista Suja após decisão administrativa final relativa ao auto de infração com direito a defesa do réu. Nessa senda, levando-se em consideração que a empresa foi autuada ela será monitorada por 2 (dois) anos, ademais, terá sua imagem desvalorizada, ao menos momentaneamente, em razão das associações negativas. Ainda, é cediço que empresas sérias evitam relações comerciais com empreendimentos usuários de trabalho escravo contemporâneo. Sobre o tema, discorre Trevisam (2015, p.119):
“O Cadastro de Empregadores Infratores tem especial importância por servir como base de informação na avaliação de financiamentos ou empréstimos para as empresas na contratação de fornecedores, lembrando que as empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo se comprometeram a não realizar transações econômicas com os empregadores ou empresas que têm o nome incluído no Cadastro”.
Percebe-se então o enorme prejuízo que a empresa poderá sofrer ao ter empréstimos e financiamentos negados por instituições financeiras. Constata-se assim a importância desse Cadastro de Empregadores Infratores, pois diante dele o Brasil reforça que não aceitará o uso de mão de obra ilícita em seu território. Pontua-se ainda que a Lista tem sido utilizada por bancos e investidores para a análise de risco, conduzindo assim consequências financeiras, sociais e pedagógicas à empresa infratora.
Contudo, o combate à escravidão no Brasil ainda é uma tarefa árdua. Apesar de todo sucesso que a Lista Suja tem obtido, a Portaria n. 1.129, publicada em 13 de outubro de 2017 alterou o modus operandi da referida Lista. Isso porque a partir de então o nome da empresa apenas poderia ser divulgado após determinação expressa do então Ministro de Estado do Trabalho, obrigando a apresentação do boletim de ocorrência apresentado pela autoridade policial participante da fiscalização para a instrução do processo administrativo. Ademais, o conceito de trabalho análogo ao de escravo foi alterado, sendo sua caracterização altamente limitada, como pode ser observada no art. 1º, IV da referida Portaria.
“Art. 1º Para fins de concessão de benefício de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, nos termos da Portaria MTE nº 1.153, de 13 de outubro de 2003, em decorrência de fiscalização do Ministério do Trabalho, bem como para inclusão do nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, considerar-se-á:
[…]
IV – condição análoga à de escravo:
Nota-se que o trabalho análogo ao de escravo foi conceitualmente restrito a questão da liberdade e ir e vir. Diante das críticas relacionadas a nova Portaria e aos questionamentos sobre as reais motivações de sua publicação ela foi suspensa e declarada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Diante do exposto, a Portaria n. 1.293 foi publicada em dezembro de 2017 alterando novamente a conceituação do que seria trabalho análogo ao de escravo:
“Art. 1º Para fins de concessão de benefício de seguro-desemprego ao trabalhador que for encontrado em condição análoga à de escravo no curso de fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos da Portaria MTE n.º 1.153, de 13 de outubro de 2003, bem como para inclusão de administrados no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4, de 11 de maio de 2016, considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a:
I – Trabalho forçado;
II – Jornada exaustiva;
III – Condição degradante de trabalho;
IV – Restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho;
V – Retenção no local de trabalho em razão de:
Repara-se a ampliação das possibilidades de enquadramento do trabalho em condição análoga à de escravo em relação a antiga Portaria. Dessa forma, a Portaria de dezembro de 2017 contribui para que mais empresas infratoras possam ser expostas pela Lista Suja. Cabe destacar ainda que é preciso atenção da sociedade, órgão públicos, ONGs, Ministério Público, dentre outros, pois a suspensa Portaria n. 1.129, chegou a ser publicada em outubro de 2017, mesmo sendo ela um meio de ocultar o uso de mão de obra escrava contemporânea.
6 Great Place to Work
O Great Place to Work é um instituto fundado nos Estados Unidos prestador de consultoria a empresas que buscam obterem melhores resultados mediante a aplicação de uma cultura de melhoria nas condições de trabalho, estimulando o crescimento das organizações e de seus funcionários.
O Great Place to Work fundou o seu próprio selo Great Place to Work (GPTW), que pode ser traduzido como melhores lugares para trabalhar. A obtenção desse selo torna a empresa prestigiosa, pois demonstra o zelo da companhia com oportunidades de crescimento; transparência na gestão; benefícios proporcionados aos empregados; confiança e comprometimento entre líderes e subordinados, procurando-se sempre as melhores decisões para ambos e deixando-os confortáveis para aplicar suas funções na prática; preocupação do empreendimento com o ser humano funcionário; boas remunerações dentre outras qualidades (FERRER, 2015; PINHEIRO JR. 2019).
Ainda, o instituto costuma publicar anualmente as colocações das melhores empresas para trabalhar, influenciando positivamente na elaboração de um melhor ambiente de trabalho.
Evidencia-se, contudo, que a missão de transformar ambientes de trabalho não é simples, é imprescindível uma mudança de cultura de funcionamento interno. Ferrer (2015) ressalta que não basta oferecer benefícios, é preciso construir e manter uma cultura de trabalho saudável e agradável em que funcionários não são tratados como empregados apenas. Eles devem ser tratados como parceiros do empreendimento, cientes de que o empregador está investindo neles porque confiam em sua capacidade.
Mudanças como essas são alcançadas a longo prazo, com paciência e cautela nos mínimos detalhes. As companhias devem motivar, encorajar e inspirar o desenvolvimento de sua equipe com o objetivo de alcançar melhorias como menos estresse aos trabalhadores; menos dias de licença em razão de melhor saúde; melhor produtividade; mais motivação, satisfação e comprometimento no trabalho.
Portanto, deduz-se que um ambiente de trabalho agradável pode ser bastante útil para o empregador, pois além de se precaver de acidentes e doenças de trabalho, ele consegue recrutar melhores funcionários; melhorar a imagem de sua empresa; manter seus parceiros talentosos; identificar áreas em que atua bem e suas fraquezas para assim melhorar seu negócio.
Conclusão
O estudo teve como objetivo a reflexão sobre as formas de labor na sociedade contemporânea, em específico uma análise sobre o trabalho análogo ao de escravo no Brasil. Esse tipo de mão de obra apesar de ser proibida ainda persiste no território brasileiro, possuindo até padrões de vítimas.
Percebe-se então que um ambiente de trabalho adequado é imprescindível a uma vida satisfatória e para a realização pessoal dos funcionários. Isso porque o ambiente laboral está diretamente conectado com a vida pessoal dos contribuintes, sendo comum pessoas passarem mais tempo no trabalho e em seu deslocamento do que em casa e com atividades de lazer. Por isso é necessária a proteção do espaço laboral para todas as pessoas potencialmente expostas a ambientes insalubres, perigosos ou penosos.
Nesse sentido, mostra-se interessante destacar o problema da monetização dos riscos, diante da incessante busca pelo lucro. Assim como o caso nacional de uma das principais fabricantes de Coca-Cola no País.
Isso posto, é preciso conscientização e atitudes ativas da sociedade buscando medidas para erradicar de vez essa a escravidão contemporânea no Brasil. Em vista disso, pode-se considerar a consultoria do Great Place to Work um aliado à sociedade, isso porque é feito um ranking das melhores empresas para trabalhar, influenciando assim que profissionais mais qualificados deem preferência a empresas conhecidas por possuir uma ótima política de funcionamento.
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