A incapacidade como evento social coberto pelo regime geral de previdência social

Resumo: O presente artigo tem como objetivo expor algumas considerações acerca da incapacidade laborativa como evento social coberto pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS. As ações desse regime consistem na prestação de serviços previdenciários assim como na concessão de benefícios. Esses correspondem ao pagamento de numerário aos beneficiários submetidos a algum dos infortúnios previstos em Lei com a finalidade de garantir-lhes a sobrevivência. Um desses infortúnios é a incapacidade laborativa. Para cobertura dela são previstos três benefícios, quais sejam, o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez e o auxílio-acidente. A natureza da incapacidade geradora de cada um deles é distinta e permeada de diversos detalhes, de forma que colocações genéricas, a exemplo da “incapacidade total e temporária; parcial e permanente; e total e permanente”, não se prestam a defini-la. A ideal interpretação das normas que estabelecem o perfil da incapacidade coberta pelo RGPS tem repercussão direta no alcance da finalidade do sistema previdenciário.

Palavras-chave: Cobertura Previdenciária. Prestações Previdenciárias. Incapacidade.

Abstract: This article aims to expose some considerations about the incapacity to work as a social event covered by the General Regime – RGPS. The actions of this system consists in providing social security services as well as the granting of benefits. These correspond to the payment of cash to beneficiaries subject to some of the misfortunes provided for by law in order to guarantee their survival. One of these woes is the incapacity to work. To cover it provides for three benefits, namely, the sickness, retirement, disability and accident assistance. The nature of the activity-impairing each is distinct and fraught with many details, so that generic settings, such as the "total disability, temporary, and permanent partial, and total and permanent" do not lend themselves to define it. The ideal interpretation of the rules that establish the profile of disability covered by the RGPS has direct impact on achieving the purpose of the pension system.

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Keywords: Pension Coverage. Social Security benefits. Disability.

Sumário: Introdução. 1. Prestações previdenciárias do Regime Geral de Previdência Social. 2. Benefícios por incapacidade concedidos pelo RGPS. 2.1. A incapacidade no auxílio-doença. 2.2. A incapacidade no auxílio-acidente. 2.3. A incapacidade na aposentadoria por invalidez. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O Regime Geral de Previdência Social tem sua atuação pautada na concessão de prestações previdenciárias aos seus beneficiários. São elas os serviços da previdência social e os benefícios da previdência social.

Os serviços são representados pelo serviço social, habilitação e reabilitação profissional e perícia médica e têm como finalidade precípua viabilizar a recuperação da saúde e capacidade laborativa dos beneficiários de forma a promover a sua reintrodução no mercado de trabalho.

Os benefícios se prestam a garantir a sobrevivência dos beneficiários quando submetidos a eventos sociais impeditivos de que o façam às suas próprias custas. A incapacidade laborativa, como evento social coberto, implica a concessão de auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez. Expressões genéricas não definem de forma precisa as espécies de incapacidade laborativa geradora de cada um dos citados benefícios.

O conhecimento detalhado e global acerca das formas de incapacidade laborativa geradoras dos benefícios do RGPS é de suma importância para a ideal interpretação e aplicação da legislação.

1. PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – RGPS

A previdência social, como bem define Martins (2006, p. 280), é “um sistema de proteção social, mediante contribuição, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família contra contingências que acarretem perda ou redução de sua remuneração, de forma temporária ou permanente, de acordo com a previsão da Lei”. O Regime Geral de Previdência Social – RGPS, como ação integrante da previdência social brasileira, tem como finalidade “assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente”, segundo expressa dicção do art. 1° da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o plano de benefícios da previdência social.

Dessa forma, o RGPS atua mediante prestações previdenciárias tendentes a garantir a subsistência dos segurados e seus dependentes nas hipóteses em que eles sejam submetidos a eventos sociais impeditivos de fazê-lo às próprias custas. Esses fatores impeditivos consistem na morte, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos familiares, prisão e incapacidade. Para cada uma dessas contingências são previstos benefícios específicos. Ao todo, o RGPS presta-se a conceder 10 espécies de benefícios, quais sejam, a aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, aposentadoria por invalidez, salário-maternidade, salário-família, auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte e auxilio reclusão. É digno de nota que apenas esses dois últimos benefícios são pagos diretamente aos dependentes. Os demais são pagos aos segurados.

É importante aqui mencionar que a expressão “prestações previdenciárias” acima utilizada representa um gênero do qual fazem parte os benefícios previdenciários e os serviços da previdência social. Os serviços correspondem à execução de obrigações de fazer da previdência em prol dos seus beneficiários no afã de prestar-lhes apoio em questões de sua vida particular que repercutem direta ou indiretamente em sua relação previdenciária com o Estado. Em que pese o art. 18 da Lei n. 8.213/91 listar como serviços da Previdência Social apenas o serviço social e a habilitação e reabilitação profissional, Kertzman (2009, p. 421) entende que a “perícia médica se constitui em verdadeira espécie de serviço auxiliar da previdência social”, devendo, didaticamente, ser assim denominada.

“O Serviço Social é previsto para esclarecer aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los, além de estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem das sua relação com a Previdência Social” (LAZZARI & CASTRO, 2008, p.609). A sua previsão legal é trazida pelo art. 88 da Lei n. 8.213/91 assim como pelo art. 161, do Decreto n. 3.048/99:

“Art. 161. O serviço social constitui atividade auxiliar do seguro social e visa prestar ao beneficiário orientação e apoio no que concerne à solução dos problemas pessoais e familiares e à melhoria da sua inter-relação com a previdência social, para a solução de questões referentes a benefícios, bem como, quando necessário, à obtenção de outros recursos sociais da comunidade.

§ 1o Será dada prioridade de atendimento a segurados em benefício por incapacidade temporária e atenção especial a aposentados e pensionistas.

§ 2o Para assegurar o efetivo atendimento aos beneficiários, poderão ser utilizados mecanismos de intervenção técnica, ajuda material, recursos sociais, intercâmbio com empresas, inclusive mediante celebração de convênios, acordos ou contratos, ou pesquisa social.

§ 3o O serviço social terá como diretriz a participação do beneficiário na implementação e fortalecimento da política previdenciária, em articulação com associações e entidades de classes.

§ 4o O serviço social prestará assessoramento técnico aos estados, Distrito Federal e municípios na elaboração de suas respectivas propostas de trabalho relacionadas com a previdência social.

§ 5o O Ministro de Estado da Previdência Social editará atos complementares para a aplicação do disposto neste artigo.”

Aqui, é digno de nota o fato de que, segundo tal dispositivo legal, o serviço social será priorizado para os segurados em gozo de benefício por incapacidade temporária com a finalidade de viabilizar, o quanto antes, o seu retorno às suas atividades laborativas.

 O serviço de habilitação e reabilitação profissional tem essa mesma finalidade. Com bastante precisão Kertzman (2009, p. 422-423) afirma que esse serviço “visa a proporcionar aos beneficiários incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho, em caráter obrigatório, independentemente de carência, e às pessoas portadoras de deficiência os meios de reingresso no mercado de trabalho”. Vale destacar que os segurados acometidos de incapacidade assim como os dependentes inválidos são obrigados a submeter-se ao serviço de habilitação e reabilitação profissional. Sua regulamentação é trazida pelos artigos 89 a 93 da Lei n. 8.213/91 bem como pelos artigos 136 a 141 do Decreto n. 3.048/99, conhecido como Regulamento da Previdência Social.

A perícia médica tem como finalidade avaliar sob o ponto de vista técnico a existência de incapacidade laborativa geradora da concessão de benefícios respectivos assim como da obrigação de submeter-se ao serviço de habilitação e reabilitação profissional. Como bem destaca Kertzman (2009, p. 426) “aqueles que estejam em gozo de benefício por incapacidade permanente serão obrigados a submeter-se a exame médico-pericial, periodicamente, em geral a cada dois anos, com o objetivo de verificar a continuidade da incapacidade par ao trabalho”.

De outra forma, benefícios previdenciários são prestações pecuniárias, ou seja, em dinheiro, pagas aos segurados e dependentes. Deve-se ter em mente que tais prestações pecuniárias se prestam a substituir a remuneração mensal recebida pelo segurado em decorrência do seu trabalho assim como, em algumas hipóteses, possuem natureza meramente indenizatória, como complementação aos rendimentos do trabalho. Nesse sentido, afirma Kertzman (2009, p. 326) “alguns deles substituem a remuneração do trabalhador que ficou, por algum motivo, impedido de exercer sua atividade. Outros são oferecidos como complementação de rendimento do trabalho ou, até mesmo, independentemente do exercício de atividade”. Fala-se, assim, em benefícios de natureza substitutiva e de natureza indenizatória.

 Como dito acima, há previsão de concessão de benefícios previdenciários em razão da submissão do segurado e seus dependentes a cada um dos infortúnios sociais previstos em Lei. Dentre as dez espécies de benefícios concedidos pelo RGPS, 03 tem como fato social gerador a incapacidade do segurado. São eles o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez e o auxílio-acidente.

2. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE CONCEDIDOS PELO RGPS

Em que pese os benefícios por incapacidade possuírem outras peculiaridades, o principal fator diferenciador desses benefícios é a natureza da incapacidade que os gera. Antes de comentar de maneira detida acerca da espécie de incapacidade que implica a concessão do auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez, é pertinente destacar que a concessão de qualquer benefício previdenciário não pode prescindir de dois requisitos básicos.

O primeiro deles é ser o sujeito segurado do RGPS, seja ele obrigatório, por exercer alguma atividade laborativa, ou facultativo ou ainda por estar ele sob a influência do período de graça, que é um lapso de tempo em o segurado ainda permanece coberto pelo sistema apesar de não estar contribuindo, previsto no art. 16 da Lei n. 8.213/91.

O Segundo requisito básico é o cumprimento da carência, quando exigido por Lei. “Considera-se período de carência o tempo correspondente ao número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus aos benefícios” (MARTINS, 2007, p. 302).

É interessante mencionar, de antemão, que formulações genéricas, a exemplo de incapacidade total e temporária, incapacidade parcial e permanente e incapacidade total e permanente, não se prestam a expor de forma ideal as espécies de incapacidade laborativa geradoras de cada um dos benefícios por incapacidade concedidos pelo RGPS.

2.1 A INCAPACIDADE NO AUXÍLIO-DOENÇA

O auxílio-doença é definido por Ibrahim (2007, p. 540) como o “benefício não programado, decorrente da incapacidade temporária do segurado para o seu trabalho habitual”. Lazzari e Castro (2008, p. 572) afirmam que o auxílio-doença “será devido ao segurado que, após cumprida, quando for o caso, a carência exigida, ficar incapacitado para seu trabalho ou para sua atividade habitual”. O seu regramento está nos artigos 59 a 64 da Lei n. 8.213/91.

O período de carência para concessão do auxílio doença está previsto no art. 25, I e no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91:

Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

 I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais; (…)

Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:(…)

II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;

A concessão de auxílio-doença está condicionada ao cumprimento de uma carência de 12 contribuições mensais, em regra. No entanto, é dispensado período de carência quando a incapacidade do segurado advir de acidente de qualquer natureza, doença profissional ou do trabalho, assim entendidas aquelas decorrentes do exercício das atividades laborativas específicas do segurado, assim como de algumas doenças listadas pelos Ministérios da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social, a exemplo da tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – AIDS etc (MARTINS, 2007, p. 320).

Segundo expressa dicção legal (art. 59 da Lei n. 8.213/91), será devido auxílio doença ao segurado que “ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual”. O art. 73 do Decreto n. 3.048/99, complementando o disposto na Lei, dispõe que o segurado que exercer mais de uma atividade laborativa pode restar incapacitado para apenas uma delas. Nessa hipótese, ele receberá o benefício com relação a apenas uma delas, podendo a renda mensal, nesse caso, ser inferior a um salário mínimo. Quando o segurado desempenhar diversas atividades no exercício de uma mesma profissão, caso ele se incapacite para apenas uma delas, se afastará de todas recebendo o benefício pleno. Além disso, “caso o segurado exerça mais de uma atividade e venha a se incapacitar definitivamente para uma delas, deverá o auxílio-doença ser mantido indefinidamente, não cabendo sua transformação em aposentadoria por invalidez, enquanto essa incapacidade não se estender às demais atividades” (MUSSI, 2005). Ante o exposto, faz-se pertinente a transcrição do art. 73 do Regulamento da Previdência Social:

“Art. 73. O auxílio-doença do segurado que exercer mais de uma atividade abrangida pela previdência social será devido mesmo no caso de incapacidade apenas para o exercício de uma delas, devendo a perícia médica ser conhecedora de todas as atividades que o mesmo estiver exercendo.

§ 1º Na hipótese deste artigo, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade.

§ 2º Se nas várias atividades o segurado exercer a mesma profissão, será exigido de imediato o afastamento de todas.

§ 3º Constatada, durante o recebimento do auxílio-doença concedido nos termos deste artigo, a incapacidade do segurado para cada uma das demais atividades, o valor do benefício deverá ser revisto com base nos respectivos salários-de-contribuição, observado o disposto nos incisos I a III do art. 72.

§ 4º Ocorrendo a hipótese do § 1º, o valor do auxílio-doença poderá ser inferior ao salário mínimo desde que somado às demais remunerações recebidas resultar valor superior a este.

Observe-se que não se está falando em incapacidade para qualquer trabalho, mas apenas para o trabalho desempenhado pelo segurado. Trata-se de uma incapacidade total para o exercício das atividades laborativas exercidas pelo segurado na ocasião, em regra. Da mesma forma, pode-se dizer que a incapacidade é parcial, caso se tome como referência a incapacidade para o exercício de qualquer trabalho. Tem-se aqui uma incapacidade total mitigada ou uma incapacidade parcial, a depender da referência utilizada. Ao mesmo tempo, a incapacidade deverá ser temporária, na medida em que será provável a recuperação do segurado.

É digno de destaque que, na hipótese de o segurado exercer mais de uma atividade em uma mesma profissão e ficar incapacitado para apenas uma delas, será a ele deferido o benefício em sua integralidade, hipótese em que se verifica a concessão de auxílio-doença em decorrência de uma incapacidade parcial para o trabalho habitualmente exercido. Assim, pode-se definir a incapacidade que gera a concessão de auxílio-doença como de natureza temporária – ou definitiva, quando a incapacidade for para apenas uma das atividades laborativas do segurado – e total para as atividades habituais do segurado, em regra, podendo haver concessão em hipótese de incapacidade parcial, ou seja, para o exercício de apenas uma das atividades de determinada profissão. Não se pode deixar de mencionar que não será concedido o auxílio-doença quando a doença ou lesão geradora da incapacidade for anterior à filiação do segurado ao RGPS, ressalvada a hipótese de agravamento posterior.

É necessário registrar que existem questionamentos no sentido de considerar imprecisa a delimitação material da espécie de incapacidade que deve gerar a concessão de auxílio-acidente. Observe-se o que diz sobre a questão de Sanctis Júnior (2011):

“Portanto, sob o ponto de vista do requisito relativo à incapacidade, verifica-se que a Lei 8.213 preocupou-se com o critério temporal da incapacidade, detalhando o momento a partir da qual ela será considerada ou desconsiderada para fins de ser albergada pela proteção previdenciária. Contudo, não houve um detalhamento acerca do critério material da incapacidade, ou seja, qual a intensidade que referida incapacidade deveria possuir, ou seja, se ela deveria ser total e temporária ou apenas parcial e temporária.”

 Em que pese a pertinência da colocação acima transcrita, tem-se que a análise conjunta do disposto no art. 59 da Lei 8.213/91 e do art. 73 do Decreto 3.048/99 não deixa dúvidas de que o auxílio doença deve ser concedido ao segurado que ficar parcialmente ou totalmente incapacitado para o exercício das funções laborativas que habitualmente exercia e que, além disso, deverá a incapacidade apresentar-se de forma temporária ou até definitiva, na hipótese acima exposta.

2.2 INCAPACIDADE NO AUXÍLIO-ACIDENTE

O auxílio-acidente é o benefício pago ao segurado, como indenização, “quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia” (art. 86 da Lei 8213). Antes de tecer maiores comentários acerca da natureza da incapacidade geradora desse benefício, é importante reiterar a informação de que existem benefícios substitutivos da remuneração do segurado, os quais não poderão ter uma renda mensal a um salário mínimo, nos termos do disposto no art. 201, § 2° da CF, a exemplo do auxílio doença e da aposentadoria por invalidez. O auxílio-acidente não se presta tanto, mas apenas a indenizar o segurado pela redução de sua capacidade laborativa. Em razão disso, poderá ter uma renda mensal inferior ao salário mínimo mas, por outro lado, é acumulável com os rendimentos do trabalho do segurado. Acerca desse aspecto do auxílio-acidente Ibrahim (2007, p. 556) comenta:

“O auxílio acidente é o único benefício com natureza exclusivamente indenizatória. Visa a ressarcir o segurado, em virtude de acidente que lhe provoque a redução da capacidade laborativa. O segurado tem uma sequela decorrente de acidente que reduziu sua capacidade laborativa- daí presume o legislador que este segurado terá uma provável perda remuneratória, cabendo ao seguro social ressarci-lo deste potencial dano.”

Trata-se de um benefício não submetido a período de carência, segundo expressa previsão do art. 26, I da Lei n. 8.213/91. Observe-se que a incapacidade no auxílio-acidente deverá ter como evento causador um acidente de qualquer natureza, diferentemente do auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, que exigem que a incapacidade seja decorrente de um evento específico apenas para previsão de inexistência de carência. É importante mencionar ainda que, diferentemente do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, que são benefícios que podem ser concedidos a todos os segurados, o auxílio-acidente será concedido somente ao “segurado empregado (exceto o doméstico), ao trabalhador avulso e ao segurado especial” conforme dicção expressa do art. 18, § 1° da Lei n. 8.213/91 (IBRAHIM, 2007, p. 557).

Quanto à espécie de incapacidade geradora do auxílio-acidente, diante da redação do art. 86 da Lei n. 8.213/91, a princípio, pode-se afirmar que tem natureza parcial e permanente. O segurado, depois de um período de convalidação, restará acometido de uma sequela irreversível que cause redução de sua capacidade de exercício das funções laborativas por ele habitualmente exercidas. Deve-se atentar para o fato de que a incapacidade parcial é específica para as funções laborativas habituais do segurado. Um exemplo clássico de evento gerador de um auxílio-acidente é quando um segurado empregado na função de digitador sofre acidente na manipulação de um dado utensílio doméstico e perde dois dedos de uma de suas mãos. Trata-se, inquestionavelmente, de uma sequela definitiva que traz redução da capacidade de trabalho do segurado para sua função laborativa exercida. O fato é que a incapacidade parcial deve ter implicações diretas sobre as atividades laborativas exercidas pelo segurado assim como deve ser resultante de acidente de qualquer natureza.

É interessante destacar que a expressão “acidentes de qualquer natureza” abrange os acidentes de trabalhos típicos, descritos no art. 19 da Lei n. 8.213/91, assim como os acidentes de trabalho por equiparação, previstos nos art. 20 e 21 do mesmo diploma legal, incluídas ai as doenças profissionais ou trabalho.

2.3 INCAPACIDADE NA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

A aposentadoria por invalidez é um benefício que será concedido ao segurado “considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência”, consoante o art. 42 da Lei n. 8.213/91. De antemão, deve-se apontar que a concessão desse benefício submete-se à carência nos mesmos termos que o auxílio-doença. Em uma primeira análise, é inevitável se concluir que a aposentadoria por invalidez é concedida em casos em que o segurado é submetido a uma incapacidade total para qualquer trabalho de forma definitiva.

No entanto, observa-se que esse caráter definitivo é apenas relativo, uma vez que o segurado poderá apresentar recuperação de sua capacidade laborativa contradizendo as expectativas da perícia médica. De fato a medicina não é uma ciência exata, de forma que uma constatação inicial pode ser contraditada pelos fatos posteriores. Registre-se que Martins (2007, p. 324) chega a afirmar se tratar de um benefício temporário, opinião da qual discordamos, haja vista a sua temporariedade ser algo eventual.

Assim, ante a existência de uma possiblidade de recuperação, ao menos em tese, o segurado aposentado por invalidez é obrigado a submeter-se a avaliações médicas periódicas assim como aos serviços de reabilitação e tratamentos médicos gratuitos indicados pela previdência. Importa mencionar que a recuperação da capacidade laborativa não implica, necessariamente, a cessação imediata do benefício. Nas hipóteses em que a recuperação é constatada pela perícia e o segurado ainda não retomou o exercício de atividades laborativas, nos termos do art. 47 da Lei n. 8.231/91, o benefício será cessado apenas após um período que permita a reintrodução no mercado de trabalho (LAZZARI & CASTRO, 2008, p. 529).

É digno de nota que a invalidez é sempre permanente, sendo equivocada a expressão “invalidez temporária”. Nesse sentido, de forma bastante pertinente, Ibrahim (2007, p. 503) afirma que “a invalidez presume incapacidade permanente para o trabalho, ainda que excepcionalmente reversível. Invalidez temporária é verdadeira contradição, enquanto invalidez permanente é expressão redundante”.

Quanto ao aspecto material da incapacidade geradora da aposentadoria por invalidez, pode-se dizer que ela, em linhas gerais, deverá apresentar-se como evento impeditivo do exercício de qualquer atividade laborativa. No entanto, é indubitável que, em algumas situações, em razão das condições subjetivas do segurado, uma incapacidade objetivamente considerada como parcial, pode, em termos práticos, repercutir socialmente para um dado segurado como uma verdadeira incapacidade total. Em tais situações, qual a interpretação ideal para a legislação de regência da matéria?

 A princípio, como bem destaca Costa (2006), “sendo a incapacidade parcial, há dispositivo expresso na lei no sentido de que o indivíduo deverá ser reabilitado para exercer outra função sendo-lhe devido, nesse caso outro benefício, i.e., o auxílio-acidente”.

No entanto, a legislação não deve ser interpretada de maneira meramente literal, dissociada da finalidade da norma dentro do contexto normativo em que está inserida. Com efeito, as normas de natureza previdenciária possuem caráter e finalidade eminentemente social e protetivo e devem ser interpretadas de forma a garantir de maneira efetiva essa finalidade. Em se tratando segurado que apresente condições subjetivas como, idade avançada, baixo grau de instrução e outros aspectos que, conjuntamente, impliquem a conclusão de que não será possível a sua reintrodução no mercado de trabalho ante uma incapacidade parcial e permanente, a melhor interpretação da legislação previdenciária é a que defere ao segurado o direito ao recebimento da aposentadoria por invalidez. Em outras palavras, a concessão do benefício não pode prescindir de uma análise da incapacidade laborativa em cotejo com os aspectos pessoais e sociais do segurado. Com bastante propriedade, Lazzari e Castro (2008, p. 526) afirmam que:

 “A incapacidade para o trabalho é fenômeno multidimensional e não pode ser avaliada tão-somente do ponto de vista médico, devendo ser analisados também os aspectos sociais, ambientais e pessoais. Há que se perquirir sobre a real possibilidade de reingresso do segurado no mercado de trabalho. Esse entendimento decorre da interpretação sistemática da legislação, da Convenção da OIT- Organização Internacional do Trabalho, e do princípio da dignidade da pessoa humana.”

Esse entendimento é adotado pela jurisprudência dominante, como bem apontado no seguinte julgado:

EMENTA-VOTO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PARCIAL. CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS. PRECEDENTES DA TNU E DO STJ. PEDIDO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 1. “Segundo a jurisprudência deste Colegiado, é possível a verificação do contexto socioeconômico do segurado com a finalidade de concessão da aposentadoria por invalidez sem ofensa à norma do art. 42 da Lei de Benefícios”. (AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/0010566-9, Relator(a) Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, Data do Julgamento 29/04/2010, Data da Publicação/Fonte DJe 24/05/2010, AgRg no Ag 1270388 / PR). 2. “Para a concessão de aposentadoria por invalidez devem ser considerados outros aspectos relevantes, além dos elencados no art. 42 da Lei 8.213/91, tais como, a condição sócio-econômica, profissional e cultural do segurado. (3). Embora tenha o laudo pericial concluído pela incapacidade parcial do segurado, o Magistrado não fica vinculado à prova pericial, podendo decidir contrário a ela quando houver nos autos outros elementos que assim o convençam, como no presente caso. (4). Em face das limitações impostas pela avançada idade, bem como pelo baixo grau de escolaridade, seria utopia defender a inserção do segurado no concorrido mercado de trabalho, para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo faz jus à concessão de aposentadoria por invalidez”. (AgRg no REsp 1055886/PB, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0103203-0, Relator(a) Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, Data da Publicação/Fonte DJe 09/11/2009). 3. Caso em que tanto a sentença quanto o acórdão, ao serem omissos na análise das condições acima expostas, contrariaram a jurisprudência consolidada desta Turma de Uniformização e do STJ. 4. Incidente conhecido e parcialmente provido para anular o julgado e determinar o retorno dos autos à Turma de Origem.

(TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. Relator Juiz Federal Antônio Fernando Schenkel do Amara Silva. Pedido n. 00766272820064036301. Publicação em 31/06/2012)

(grifos nossos)

Essa impossibilidade de reintrodução no mercado de trabalho ante o acometimento de uma incapacidade apenas parcial, mas que, somada aos aspectos pessoais e sociais do segurado, impedem a sua reintrodução no mercado de trabalho pode ser denominada de invalidez social.

CONCLUSÃO

Feitas essas considerações, pode-se concluir que formulações genéricas, a exemplo de incapacidade total e temporária, incapacidade parcial e permanente e incapacidade total e permanente, não se prestam a expor de forma ideal as espécies de incapacidade laborativa geradoras de cada um dos benefícios por incapacidade concedidos pelo RGPS.

A incapacidade laborativa que gera o auxílio-doença, sob o ponto de vista temporal, tem natureza primordialmente temporária, mas pode, no caso previsto na legislação, apresentar-se de forma permanente. Em seu aspecto material, deve apresentar-se como total para o exercício das atividades laborativas habituais do segurado, podendo ser parcial na hipótese em que incida apenas sobre uma das diversas atividades inerentes à profissão do mesmo.

O auxílio-acidente é gerado por uma incapacidade permanente e parcial para as atividades laborativas habituais do segurado, desde que decorrente de acidente de qualquer natureza.

 Em se tratando de aposentadoria por invalidez, o aspecto temporal da incapacidade é eminentemente permanente, podendo apresentar-se, eventualmente, como temporário no caso da recuperação não esperada do segurado. A incapacidade total para o exercício de qualquer atividade laborativa, ante o contexto socioeconômico específico de alguns segurados, pode ser mitigada. Pode-se dizer que, sob ponto de vista do aspecto material, a incapacidade na aposentadoria por invalidez é, em regra, total, mas que pode haver concessão do benefício em situações específicas de incapacidade parcial.

 

Referências
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BRASIL. Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991. In:< http://www.planalto.gov.br> Acesso em 05 de abril de 2012.
BRASIL. Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991. In:< http://www.planalto.gov.br> Acesso em 05 e abril de 2012.
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Informações Sobre o Autor

Paulo de Tarso Souza de Gouvêa Vieira

Procurador Federal. Professor Universitário. Bacharel em Direito pela UFPE, Especialista em Direito Público pela Universidade Maurício de Nassau – PE e Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA


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Equipe Âmbito Jurídico

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