Dentre as mudanças procedimentais introduzidas pela Lei 11.232/2005, será objeto de nossa análise a que concerne à verba honorária na fase de execução.
Esse tema é relevante para os advogados e para o credor, pois este, via de regra, precisa da intervenção estatal para satisfação do direito subjetivo reconhecido na sentença. Destarte, considerando-se que são contratados honorários para cada fase processual, segue-se que os convencionados para a fase cognitiva não é extensível à fase executiva, o que significa dizer que a não-fixação judicial da honorária na execução onerará, por via oblíqua, o credor.
Antes da reforma de 2005 havia discussão em torno do cabimento de honorários advocatícios no processo de execução. A fim de dirimir o dissenso, o legislador, alterando a redação do parágrafo 4º, do artigo 20, do Estatuto Procedimental, por meio da Lei 8952/94[1], prescreve que nas execuções, embargadas ou não, são devidos os honorários judiciais. Agora, com o advento da Lei 11.232/2005, sincretizando o processo cognitivo e o executivo, reabriu-se a discussão sobre o tema, havendo quem defenda o não cabimento da verba por duas razões: a) a ausência de previsão legal expressa sobre a matéria; b) a eliminação da execução.
Essas proposições, a nosso ver, não retratam a melhor exegese das disposições procedimentais, encerrando, a propósito, verdadeira contradição com o novo sistema procedimental, tanto assim que vêm sendo afastadas pelos Tribunais.
Entendemos que a verba honorária deve ser fixada na fase executiva, tal como sucedia na sistemática anterior, independentemente de o executado apresentar defesa por meio da Impugnação, porquanto é o fato da execução que enseja o arbitramento de honorários. Nossa inferência decorre da interpretação sistêmica das normas disciplinadoras da fase executiva e dos princípios informativos do Código de Processo Civil no que concerne ao tema, dentre os quais, o da causalidade.
Com efeito, os honorários advocatícios fixados na sentença decorrem da circunstância de o réu resistir à pretensão do autor, compelindo-o a buscar a composição judicial do conflito. Mas, como a sentença não concretiza per se a satisfação efetiva do direito reconhecido, e, como nem sempre o vencido cumpre espontaneamente a obrigação imposta no comando emergente da sentença, cumpre ao credor tomar a iniciativa de promover a execução nos moldes do que preconiza, peremptoriamente, o caput do artigo 475J, in fine.[2] Portanto, deflagrada a fase de execução, mostra-se cabível o arbitramento de honorários.
E nem se afirme, como alguns, que a lei 11.232/05 eliminou a execução, pois tal assertiva traduz confusão conceitual entre processo e procedimento. Com efeito, da dicção da norma do artigo 475J, extraímos que foi suprimido o processo executivo autônomo, mas não a execução, tanto que o próprio legislador prescreve que, ao deflagrar a atividade de execução para o cumprimento da sentença, o credor deverá observar as regras do inciso II, do artigo 614[3]. Portanto, para concretizar no mundo fático a sentença, deve o credor observar atos procedimentais próprios e específicos preconizados pela lei processual, vale dizer, embora seja prescindível um novo processo, deve o credor promover um novo procedimento para a prática de atos de execução da sentença. É a lição do prof. Barbosa Moreira ao prelecionar que a lei 11.232/05 não eliminou a execução, o que a lei “(…) aboliu, dentro de certos limites, foi a necessidade de instaurar-se novo processo, formalmente diferenciado, após o julgamento da causa, para dar efetividade à sentença (…).” [4]
Destarte, apesar de a lei considerar a execução como uma fase processual, pois prescinde de citação do executado para o cumprimento da sentença, o fato é que haverá execução, porquanto a idéia do sincretismo e a imposição de multa (art. 475J) não afastaram a tarefa de o exeqüente provocar a atividade jurisdicional para a prática de atos executivos típicos para concretização do direito declarado na sentença, tal como sucedia no sistema anterior, relembrando que a sentença apenas instrumentaliza o credor para a prática de atos materiais concretizadores do direito. Dessa forma, competirá ao exeqüente, como no sistema legislativo anterior a 2005, deflagrar a execução, liquidar a sentença, localizar e indicar de bens expropriáveis, reagir à defesa do devedor, impugnar incidentes como, por exemplo, embargos à arrematação, etc. Ademais, e em prol da subsistência da execução no sistema processual pátrio, cabe lembrar que a norma expressa do artigo 475R[5], do Código de Rito, determina a aplicação, ainda que em caráter subsidiário, da regras da execução calcada em título extrajudicial no procedimento de cumprimento da sentença.
Deflui-se, por conseguinte, que há um procedimento executivo distinto do cognitivo, o que justifica o arbitramento da verba honorária logo no início dessa fase, como conseqüência pelo não cumprimento espontâneo do comando judicial consubstanciado na sentença e pela necessidade de o exeqüente praticar atos que realizem empiricamente a sentença. É que se observa da ementa infra em que a E. 4ª Turma do E. STJ destacou ao decidir o Resp n. 264.930, in:.
“Os honorários de advogado são devidos quando a atuação do litigante exigir, para a parte adversa, providência em defesa de seus interesses.”
(RSTJ 109/223)
Da decisão colegiada deriva que a verba honorária não decorre simplesmente da sucumbência, mas da necessidade da prática de atos próprios da execução decorrentes da recalcitrância do devedor em cumprir a sentença. Por outras, a incidência de honorários advocatícios decorre da circunstância de o executado causar a intervenção do Estado-juiz para satisfação coercitiva do direito reconhecido na sentença. Este é o substrato do princípio da causalidade.
Em suma, ainda que a lei 11.232/05 pareça tratar o processo de modo unitário, não extinguiu a linha divisória entre a fase do iurisdictio e a fase executiva, bastando considerar que a natureza e o objetivo dos atos processuais praticados em cada uma dessas fases são perfeitamente distintos. O legislador alterou o modus procedendi, mas não suprimiu a execução.[6] Portanto, se é certo que subsiste a execução, não menos preciso é afirmar serem cabíveis os honorários advocatícios, pois assim prescreve o § 4º, do artigo 20, do Estatuto Procedimental, cujo princípio vetor mantém-se íntegro, já que essa norma não foi ab-rogada nem derrogada pela Lei 11.232/05. Com efeito, a prescrição legislativa constante desse preceito normativo é inequívoca ao estabelecer o cabimento da verba honorária em razão da execução, pouco importando haver um processo autônomo. Desta forma, se a lei não faz qualquer distinção entre as modalidades de execução, segue-se que não cabe ao aplicador do direito fazê-lo.
Mas, ainda que não haja a fixação de honorários na fase inaugural da execução, insta que o julgador o faça ao decidir a impugnação. Isto porque, apesar de tornar prescindível a instauração de uma relação jurídico-processual autônoma para o desenvolvimento da atividade jurisdicional executiva, a lei 11.232/05, em cumprimento ao comando constitucional, garantiu ao devedor o direito ao contraditório e ampla defesa, facultando-lhe o oferecimento de impugnação.
A impugnação, como meio de defesa, induz à controvérsia, à lide, o que ensejará, por corolário lógico, o julgamento em favor do devedor ou do credor. Essa circunstância torna aplicável a norma do caput do artigo 20, segundo a qual, o juiz deverá, ao proferir sentença, condenar o vencido ao pagamento de honorários ao vencedor. Nesse diapasão, se a impugnação, que tem natureza jurídica de ação incidental, versar sobre as matérias arroladas nos incisos I, II, IV e VI, do artigo 475L, ensejará, nos termos do que reza o § 1º, do artigo 162, uma sentença para acolher ou rejeitar o pedido do devedor de extinção da execução, de modo que, havendo um vencido e um vencedor, emergirá o pressuposto configurador para a aplicação da regra do caput do artigo 20, o que reforça a tese do cabimento de honorários na fase da execução.
Em sede jurisprudencial, vem se sedimentando orientação pela incidência de honorários na fase executiva. Em mais de uma oportunidade o E. Tribunal de Justiça do Estado São Paulo assim decidiu, trazendo, por supedâneo, a regra do § 4º do artigo 20 e o princípio da causalidade, in:
“Agravo de instrumento — Locação de imóveis — Despejo por falta de pagamento — Execução de título judicial — Embargos do devedor — Sentença — Exclusão de novos honorários advocatícios — Incidência da lei n° 11.232/05 Cabimento daqueles, sobremaneira se realizado trabalho pelo causídico do credor — Fungibilidade recursal — Economia processual — Fixação da verba honorária por esta Instância Revisora — Recurso provido.”
(…) Já se pronunciou este Relator no sentido de que as modificações introduzidas pela Lei n° 11.232/05, que alterou o procedimento de execução por título judicial, não tiveram o condão de revogar o artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil.
Daí que a fixação de novos honorários de advogado é cabível nesta fase de execução, uma vez que não importa se cuidar de instauração de “processo” ou de “procedimento”.
É significativo apenas que o advogado do vencedor deva realizar trabalho adicional para obter a satisfação forçada da execução.
Isso se coaduna com o que vem decidindo esta Colenda Turma Julgadora, em referência o Agravo de Instrumento n° 1.081.272-0/4, Relator o Eminente Desembargador RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI, no pertinente:
“Admitir-se que a nova lei descartou a possibilidade de incidência de honorários pelo procedimento correspondente aos atos de execução forçada do julgado, diversamente do que a jurisprudência majoritária considerava adequado no sistema pretérito, significaria colocar o devedor em posição ainda mais confortável do que aquela de que desfrutava na anterior disciplina. É preciso ter em mente que o nítido propósito do novo diploma, mais um passo da chamada reforma processual, foi o de agilizar, dar maior efetividade e moralizar o cumprimento do comando sentencial.
A partir desse inequívoco pressuposto, cumpre atribuir aos novos dispositivos instrumentais exegese de rigor compatível com o objetivo da lei que os instituiu, abrandando-se a mentalidade demasiadamente protetiva, própria da cultura latina, que até hoje se dedicou à posição do devedor e que sempre lhe serviu de pretexto a toda sorte de delongas.
Entre outras inovações, criou-se a multa legal do art. 475-J do CPC, que incide de imediato e independentemente de pronunciamento judicial, na hipótese de recalcitrância do vencido no cumprimento do julgado.
Pois bem: afastada a incidência de honorários no procedimento referente à nova disciplina de execução, comprometido estaria o objetivo da Lei 11.232/05, até porque o “plus’ oriundo da aplicação da multa legal acabaria compensado, e com vantagem, pela falta de arbitramento de nova remuneração em favor do advogado do credor.
Mais ainda: sabido que os contratos de honorários de advogado costumam conter previsão de remuneração adicional para a hipótese de necessidade de instauração de execução do julgado, quem sairia verdadeiramente prejudicado seria o credor, pois que não teria ressarcido, nem em parte, esse custo complementar.
Os argumentos expostos me fazem concluir que o novo sistema, considerado – insisto – o claro propósito da Lei 11.232, não descarta, mas faz ainda mais imperiosa a fixação de honorários de advogado no procedimento de execução do julgado.
Ainda no meu sentir, essa conclusão está em plena sintonia com o que dispõe o art. 20 do CPC, seja porque o §1° daquele dispositivo prevê a responsabilidade do vencido pelas “despesas” de “qualquer incidente ou recurso”, seja porque o § 4° do mesmo artigo, ao assinalar a necessidade de fixação de honorários “nas execuções”, não faz alusão a um processo de execução. E o novo procedimento de execução, embora considerado mera extensão do processo já antes instaurado, não deixa de se enquadrar no conceito de “execução”, tanto que os arts. 475-1 a 475-Q do CPC, introduzidos pela referida lei, continuam a assim denominá-lo. (…)”.
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, Seção de Direito Privado, 25ª Câmara, AI n.° 1.082.956-0/4) (grifo nosso)
Como se infere dos fundamentos trazidos pelo E. órgão colegiado, o entendimento de que a verba honorária fixada na sentença cognitiva abarca também a execução, não traduz a melhor exegese, por implicar na negativa do princípio da causalidade e por deferir ao devedor uma vantagem pecuniária, incrementando, por via direta, o prejuízo ao credor, quem deverá suportar todas as despesas, aí incluído o valor dos honorários advocatícios referentes à execução, o que contrasta com a filosofia da reforma processual.
Conclusão
Do que dissemos, podemos concluir que o Código de Processo Civil em vigor é peremptório ao explicitar que a atividade jurisdicional executiva, aí entendida como a prática de atos conducentes à materialização do direito subjetivo reconhecido na sentença, enseja o arbitramento de honorários advocatícios.
Não bastasse a redação explícita do parágrafo 4º, do artigo 20, o caput do mesmo preceito normativo determina ao Estado-juiz que, ao proferir sentença, seja de que natureza for, fixe a verba honorária a ser suportada pelo vencido. Portanto, teses contrárias a esse entendimento, não devem prevalecer. Seja por contrastarem com normas de ordem pública, como a do artigo 20, seja por contrariar o substrato informativo das mudanças procedimentais introduzidas pela Lei 11.232/05.
Notas:
Advogada, Mestre em Direito pela UNIMES, Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Pós-graduanda em Direito Contratual pela PUC/SP
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