Por: Lidiani Andrade de Mattos, advogada especialista em Direito Aduaneiro e Tributário, sócia na Machado e Advogados Associados.
RESUMO: A Inaptidão de CNPJ é uma das sanções estabelecidas pela Administração Pública no controle das atividades de comércio exterior, em virtude de omissão ou de não comprovação da origem dos recursos utilizados pela sociedade empresária em uma operação de importação. Analisando o instituto à luz da legislação brasileira, seus efeitos se mostram questionáveis, visto que podem dar ensejo ao impedimento de exercício de uma série de garantias constitucionais. A Receita Federal ao disciplinar a matéria cometeu abusos ao regulamentar a aplicação do instituto dando margem para a arguição de inconstitucionalidade.
Palavras Chave: INAPTIDÃO – CNPJ – IMPORTAÇÃO – SOCIEDADE EMPRESÁRIA – CONSTITUIÇÃO – RECEITA FEDERAL.
ABSTRACT: CNPJ’s Disability is one of the sanctions established by the Public Administration in the control of foreign trade activities, due to omission or non-verification of the origin of the resources used by the company in an import operation. Analyzing the institute in light of the Brazilian legislation, its effects are questionable, since they can give rise to the impediment to the exercise of a series of constitutional guarantees. The Revenue Department, when disciplining the matter, committed abuses by regulating the application of the institute, giving rise to a claim of unconstitutionality.
Keywords: DISABILITY – CNPJ – IMPORTATION – CORPORATE SOCIETY – CONSTITUTION – FEDERAL REVENUE
SUMÁRIO: Introdução. 1. A Pessoa Jurídica. 1.1. Conceito. 1.2. Natureza jurídica. 1.3. Previsão Legal. 1.4. Formação. 2. A Sociedade Empresária. 2.1. Sociedade Limitada. 3. O Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. 3.1. Previsão Legal. 3.2. Do Registro no CNPJ. 3.3 A Importância do CNPJ. 3.4. Situações Cadastrais. 4. A Inaptidão de CNPJ. 4.1. Conceito e Natureza Jurídica. 4.2. Previsão Legal. 5. Efeitos da Inaptidão de CNPJ. 6. Análise de Jurisprudência. 7. A (in)constitucionalidade da Inaptidão de CNPJ. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A inaptidão de CNPJ implica em inserir a empresa em uma situação cadastral, na qual se enquadram as pessoas jurídicas que cometem as seguintes irregularidades: omissão de declarações e demonstrativos obrigatórios por dois exercícios consecutivos; não localizada no endereço fornecido à Receita Federal e verificação de irregularidade nas operações de comércio exterior.
São inúmeras as críticas à aplicação da inaptidão de CNPJ. Os argumentos para tanto vão desde a inconstitucionalidade da Instrução Normativa que a regulamenta até a ilegalidade dos efeitos oriundos de sua aplicação de uma forma geral.
A pessoa jurídica nasce da necessidade do homem de juntar esforços em prol de um objetivo comum.
Como bem coloca Venosa: “O homem, ser humano, é dotado de capacidade jurídica. No entanto, é pequeno demais para a realização de grandes empreendimentos”. (p. 242. 2009)
Segundo o autor, para que seja constituída uma pessoa jurídica é necessária a existência uma vontade humana criadora; observadas as condições legais para sua formação e finalidade lícita.
A pessoa jurídica, tal qual a pessoa física, tem suas relações tuteladas pelo Direito de maneira independente, sendo que a primeira não se confunde com a segunda, conforme comenta Fran Martins: “Entende-se por pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, podem ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio” (p.148. 2003).
Personificar um ente é uma técnica jurídica que permite que se atribua personalidade a um conjunto de pessoas ou coisas, para que estes possam realizar determinada atividade. Segundo Francisco Amaral: “Consiste na atribuição de personalidade jurídica a um grupo de pessoas (associações e sociedades), ou a um conjunto de bens (fundações), observados os requisitos da lei, tendo em vista os objetivos comuns a realizar.
Esse processo técnico, reconhecendo individualidade própria a um grupo, distinto de seus elementos componentes, evita que tal conjunto se considere como a simples soma dos indivíduos nas relações jurídicas de que participa. ” (p.278. 2002).
Uma vez personificado o ente, nasce para o Direito uma pessoa jurídica que pode ser de direito público – interno ou externo – ou de direito privado.
Muito se discute na doutrina a respeito da natureza das pessoas jurídicas. A maior parte das opiniões se divide entre os que acreditam ser a pessoa jurídica uma mera ficção legal e os que defendem que se trata de um fato, uma realidade que passa a ser tutelada pelo Direito.
Para a primeira corrente – Teoria da Ficção – a pessoa jurídica, uma vez que é ente abstrato, não pode ser sujeito de direito, pois esta garantia é dada tão somente ao homem, ser racional dotado de vontade capaz, e, portanto, apto a negociar com seus semelhantes.
Sendo o legislador um homem, é ele quem atribui direito e capacidade à pessoa jurídica, de maneira a torná-la, por uma ficção legal, um sujeito de direito e garantindo-lhe a existência. Como explica Venosa: “Por isso, só o homem pode ser titular de direito, porque só ele tem existência real e psíquica. Quando se atribuem direitos a pessoas de outra natureza, isso se trata de simples criação da mente humana, constituindo-se uma ficção jurídica. (…)
A pessoa jurídica, portanto, é obra do direito positivo, restringindo seu âmbito de ação apenas às relações patrimoniais”. (p.235. 2009).
Em sentido diametralmente oposto, a Teoria da Realidade Objetiva confere existência em si mesma a um ente abstrato, que, por razões óbvias, é posteriormente regulamentado pelo Direito na forma de pessoa jurídica.
Para essa parte da doutrina, trata-se de uma realidade social existente independentemente de seu reconhecimento e regulamentação pelo Direito, conforme analisa Fabio Ulhoa Coelho: “Para os seus adeptos, a disciplina legal da pessoa jurídica é mero reconhecimento de algo preexistente, que a ordem positiva não teria como ignorar. Segundo entendem, além do ser humano, também elas se apresentam ao direito como realidades incontestáveis, como os reais sujeitos das ações dotadas de significado jurídico” (p.8. 2004).
A dicotomia existente entre as hipóteses não muda o fato de que a pessoa jurídica é efetivamente tutelada pelo Direito, que estabelece em lei sua formação, o desenvolvimento da atividade a que se propõe e sua extinção.
A Constituição Federal não apresenta um conceito de pessoa jurídica, mas estabelece em seu artigo 5ºXVII o direito de livre associação para fins lícitos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; ”
Segundo Paulo Napoleão Nogueira da Silva, “o direito de livre associação é uma das consequências dos princípios que consagram a liberdade individual (preâmbulo e art. 5º caput) e da livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV) ”. (p140. 2009).
A importância de tal dispositivo no paradigma aqui proposto é que, conforme leciona Celso Ribeiro Bastos (1989), o Direito de livre associação é garantido pelo Estado quando este se abstém de interferir na formação, funcionamento ou dissolução das organizações.
Em seu estudo o autor ressalta, ainda, que tal dispositivo não estabelece expressamente a personificação das associações, mas reconhece que se torna impossível o exercício de qualquer atividade sem que esta se verifique:
A constituição não fala que as associações hão de ser personificadas. Do ponto de vista jurídico, contudo, quer-nos parecer que este é um elemento imprescindível à sua constituição, uma vez que, sem a capacidade jurídica para contrair obrigações e ser sujeito passivo de deveres, será praticamente impossível que a organização atinja suas finalidades.
Por sua vez, o art. 170 estabelece o direito à livre iniciativa e o desenvolvimento de atividade econômica lícita sem intervenção do Estado:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
É bem de ver que a pessoa jurídica está prevista de maneira implícita no texto constitucional, bem como as garantias a ela inerentes.
A formação da pessoa jurídica é prevista em lei infraconstitucional, sendo que a primeira disposição se encontra no artigo 45 da Lei nº 10.406/2002 – Código Civil: “Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.
O registro a que se refere o dispositivo legal acima é o realizado perante o órgão responsável, estabelecido na Lei Federal nº 8.934/94, que em seu artigo 3º prevê: “Art. 3.º – Os serviços do Registro Público de Empresas Mercantis e atividades Afins serão exercidos, em todo o território nacional, de maneira uniforme, harmônica interdependente, pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis — SINREM, composto pelos seguintes órgãos: I – o Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão central do SINREM, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no plano técnico; e supletiva, no plano administrativo;
II – As Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro”.
Regulamentando o acima disposto, o Decreto 1.800/96 estabelece as atribuições das Juntas Comerciais: “Art. 7º Compete às Juntas Comerciais: I – executar os serviços de registro de empresas mercantis, neles compreendidos: o arquivamento dos atos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de empresas mercantis, de cooperativas, das declarações de microempresas e empresas de pequeno porte, bem como dos atos relativos a consórcios e grupo de sociedades de que trata a lei de sociedade por ações;” (Grifei)
O rol taxativo de pessoas jurídicas de direito privado encontra-se previsto no artigo 44 Código Civil: “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas; V – os partidos políticos. ”
O escopo deste artigo será limitado às sociedades empresárias previstas no inciso II do dispositivo legal acima transcrito.
A complexidade dos negócios muda de acordo com sua abrangência, de maneira que para o desenvolvimento de atividades demasiado volumosas é necessária a união não só de forças, mas de recursos.
A finalidade maior do vínculo societário é unir patrimônio para que o exercício da empresa seja possível, conforme lição de Fábio Ulhoa Coelho: “Na medida, porém, em que se avolumam e ganham complexidade, exigindo maiores investimentos ou diferentes capacitações, as atividades econômicas não mais podem ser desenvolvidas, com eficiência, por um individuo apenas. O seu desenvolvimento pressupõe, então, a aglutinação de esforços de diversos agentes, interessados nos lucros que elas prometem propiciar. Essa articulação pode assumir várias formas jurídicas, dentre as quais a de uma sociedade” (p.3. 2004).
Uma vez formada esta “aglutinação de esforços” que origina uma sociedade, não é demais lembrar, esta será um ente separado das pessoas físicas de seus sócios e assumirá obrigações em seu próprio nome, bem como será passível de responsabilização pelos atos praticados no exercício de suas atividades.
Esta espécie de sociedade requer, como em todas as demais, que seja criada uma pessoa jurídica com atividade determinada, direcionada para o exercício da empresa.
O grande diferencial da sociedade limitada é que a responsabilidade do sócio se limita ao montante por ele investido na pessoa jurídica, nos termos do artigo 1.052 do Código Civil: “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”.
À esta altura, sem aprofundar demais a questão, tendo em vista o caráter propedêutico do presente tópico, cabe a ressalva feia por Rubens Requião: “Com efeito, a sociedade não tem limitada a sua responsabilidade ao passivo que assumir. Como pessoa jurídica possui um patrimônio seu, que se forma a partir de seu capital social. Esse patrimônio próprio responde ilimitadamente pelas obrigações contraídas” (p.402. 2000).
Sendo assim, temos que a sociedade limitada é um ente jurídico dotado de personalidade e patrimônio próprios, de maneira que este último não se comunica com os bens das pessoas naturais – ou jurídicas – que lhe deram origem.
No que diz respeito à sociedade limitada, o já referido artigo 45 do Código Civil prevê a inscrição do ato constitutivo no respectivo órgão de registro como requisito para a formação da pessoa jurídica.
Em consonância com o anteriormente mencionado, a sociedade fará seu registro na Junta Comercial do estado, mediante o arquivamento do seu ato constitutivo – no caso das sociedades limitadas, o contrato social.
Como assevera Waldo Fazzio Junior: “Juridicamente, a sociedade empresaria realmente nasce quando o instrumento contratual é inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis. (…)
A falta de contrato social registrado expressa a falta de personalidade jurídica que permitirá à sociedade empresária o exercício de direitos”. (p.62. 2003).
Conforme o disposto em lei, o contrato social é a gênesis da pessoa jurídica. O contrato social é o documento que dá origem a sociedade limitada. É o documento que regulamenta o funcionamento da sociedade, apresentando quais regras serão aplicadas à empresa e seus sócios.
No momento de conclusão do contrato devem ser observados os requisitos estabelecidos no artigo 1.054 do Código Civil, que nos remete ao artigo 997 também do Código Civil: “Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV – a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato”.
O caput do dispositivo trata dos requisitos formais do contrato social, que deve apresentar-se na forma escrita e pode tratar-se de documento público ou privado.
O referido artigo apresenta em seus incisos os elementos que obrigatoriamente devem constar do documento, independentemente da deliberação das partes sobre os demais aspectos da empresa.
2.1.4 Registro no Órgão Competente
Uma vez celebrado o contrato, este deve ser arquivado no prazo de 30 dias, conforme o disposto no artigo 998 do Código Civil: “Art. 998. Nos trinta dias subsequentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede. § 1o O pedido de inscrição será acompanhado do instrumento autenticado do contrato, e, se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade competente. § 2o Com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente, será a inscrição tomada por termo no livro de registro próprio, e obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades inscritas”.
O Decreto nº 1800/96 estabelece, conforme o anteriormente exposto, o procedimento para registro de sociedades, perante o Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis — SINREM, em seus artigos 33 a 52.
Uma vez apresentados todos os documentos – neste caso o contrato social – e preenchidos os requisitos legais, a Junta Comercial do Estado arquivará o registro da empresa, que passa a existir a partir de então.
Como conclusão desta primeira parte tem-se que a formação da pessoa jurídica se efetiva no registro da sociedade perante a Junta Comercial.
A esta altura importa lembrar que, por uma série de questões práticas, as pessoas jurídicas estão sujeitas a outros cadastramentos, que podem ter, ou não, natureza obrigatória.
Obviamente, tais cadastros têm finalidade diversa do já demonstrado, de maneira que a nenhum outro registro cabe certificar a existência de uma sociedade.
O capital social é o montante investido pelos sócios no momento de formação da pessoa jurídica, com a finalidade de garantir que esta disponha do patrimônio mínimo necessário para o desenvolvimento da atividade a que se propõe.
O capital social constitui o primeiro patrimônio da sociedade comercial. É seu fundo originário e essencial. Por isso, é fundamental que o conceituemos, dizendo, como a maioria da doutrina que, corresponde á soma representativa das participações (em dinheiro ou em bens) dos sócios.
Cabe enfatizar a importância da integralização do capital social, como ressalta Fábio Ulhoa Coelho: “A principal obrigação que o sócio contrai ao assinar o contrato social é a de investir, na sociedade, determinados recursos, geralmente referidos em moeda. Se duas pessoas contratam a formação de uma sociedade, o ponto central do acordo de vontades por elas expresso é organizarem juntas a empresa. ” (p.1.2003)
A não integralização do capital social implicará na incapacidade da sociedade de atuar, não só em razão da falta de recursos, mas pelas barreiras comerciais impostas às pessoas jurídicas quando da solicitação de créditos ou contratos com parceiros. Capital social integralizado é requisito essencial ao exercício da empresa.
O Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas é um controle obrigatório que tem a finalidade de identificar as pessoas jurídicas junto à Receita federal, sem o qual a sociedade não é capaz de ser parte em processos ou em contratos.
A referida identificação também auxilia a ceara tributária, visto que é utilizada para o lançamento de tributos federais cujos contribuintes são pessoas jurídicas.
A base legal do CNPJ encontra-se na Lei nº 5.614/70, na figura do Cadastro Geral de Contribuintes (C.G.C).
Como o próprio nome sugere, a ideia inicial era a criação de um cadastro de contribuintes, vale dizer, a finalidade era facilitar a tributação, pois o cadastro permitiria melhor controle das atividades das empresas, bem como a verificação de necessidade de lançamento de tributos[1].
Tanto é assim, que entre outras disposições a referida Lei criou o Departamento de Arrecadação do Ministério da Fazenda, e atribui a ele a administração do cadastro: “Art. 1º É instituído, no Ministério da Fazenda, o cadastro geral de contribuintes, no qual obrigatoriamente se registrarão as firmas individuais e demais pessoas jurídicas de direito privado, inclusive as domiciliadas no exterior, que possua capitais aplicados no país. §1º O Cadastro Geral de Contribuintes conterá as informações indispensáveis a identificação, localização e classificação das pessoas jurídicas e sues estabelecimentos e será administrado pelo Departamento de Arrecadação, na forma do Capítulo II desta lei. ”
Através de delegação, autorizada na Lei supramencionada, o Ministério da Fazenda atribuiu à Receita Federal a competência para disciplinar o CNPJ.
Por sua vez, a Receita Federal regulamenta o cadastro por meio da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863/2018 “Art. 1º Esta Instrução Normativa trata do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).”.
O artigo 2º da referida Instrução Normativa apresenta como finalidade do CNPJ o registro das informações cadastrais das entidades de interesse das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Note-se a restrição da finalidade do CNPJ prevista na própria legislação. Trata-se de um banco de dados para facilitar o procedimento de tributação e nada mais. Assim, dispõe a legislação.
3.2 O REGISTRO NO CNPJ
Tendo em vista a finalidade do referido cadastro, o artigo 3º da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863/2018, estabelece o rol de pessoas jurídicas obrigadas a proceder ao cadastramento: “Art. 3º Todas as entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, estão obrigadas a se inscrever no CNPJ e a cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades. § 1º Os estados, o Distrito Federal e os municípios devem ter uma inscrição no CNPJ, na condição de estabelecimento matriz, que os identifique como pessoa jurídica de direito público, sem prejuízo das inscrições de seus órgãos públicos, conforme disposto no inciso I do caput do art. 4º. § 2º Para fins inscrição do CNPJ, estabelecimento é o local privado ou público, edificado ou não, móvel ou imóvel, próprio ou de terceiros, onde a entidade exerce suas atividades em caráter temporário ou permanente ou onde se encontram armazenadas mercadorias, incluindo as unidades auxiliares constantes do Anexo VII desta Instrução Normativa.
As entidades mencionadas no dispositivo acima devem cadastrar-se no CNPJ, seguindo o procedimento estabelecido no artigo 14, I, a da referida Instrução Normativa, o qual prevê que “Os atos cadastrais no CNPJ são solicitados por meio do aplicativo Coletor Nacional da Redesim, disponível no Portal Nacional da Redesim, no endereço http://www.redesim.gov.br”.
Tais atos estão elencados no artigo 13 da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863/2018, que elenca as possíveis práticas perante o CNPJ: “Art. 13. São atos cadastrais no CNPJ: I – inscrição; II – alteração de dados cadastrais e de situação cadastral; III – baixa de inscrição; IV – restabelecimento de inscrição; e V – declaração de nulidade de ato cadastral”.
Conforme o disposto, a solicitação de inscrição é feita via internet e deve ser formalizada através da entrega a unidade cadastradora – ou órgão de registro que celebrou convênio com a Receita Federal – de jurisdição no estabelecimento do protocolo e da cópia do ato constitutivo da empresa, devidamente registrado no órgão competente.
É importante notar a simplicidade do procedimento, visto que toda a documentação da empresa já foi analisada quando do seu registro no órgão competente. Parece-nos que o procedimento de cadastro no CNPJ nada mais é do que a ratificação das informações já prestadas pela empresa em um outro momento, a fim de atender ao já referido objetivo primário no CNPJ, qual seja, a identificação das pessoas jurídicas junto á Receita Federal.
3.3 A IMPORTÂNCIA DO CNPJ NO PARADIGMA ATUAL
Conforme o anteriormente exposto, a finalidade do CNPJ prevista na legislação é a de tão somente manter informações atualizadas sobre as pessoas jurídicas passíveis de tributação, para facilitar o lançamento. A dimensão tomada pela importância do cadastro é um dos motivos do desenvolvimento deste trabalho.
Isso se deve ao fato de que o CNPJ, por pertencer ao Ministério da Fazenda, passou a ser adotado para outras finalidades. Como exemplo, podemos citar o caso das instituições financeiras, que cadastram e conhecem todos os seus clientes pelo número do CNPJ.
Se fizermos uma analogia com a pessoa física, veremos que o pensamento procede. O documento mais exigido de um cidadão para a realização de qualquer negócio é o seu CPF.
O contexto é disciplinado pelo direito comercial, um dos ramos mais dinâmicos do direito dada à flexibilidade do comércio e das relações e convenções estabelecidas no exercício das atividades.
Marcelo M. Bertoldi leciona que o “Direito Comercial em seu início era consuetudinário, razão pela qual os usos e costumes são tradicionalmente fontes do Direito Comercial”. (p.49. 2003)
As relações estabelecidas no âmbito do comércio são mais rápidas que o legislador ao as disciplinar, razão pela qual os usos e costumes são fonte efetiva do direito. “São esses a prática continuada de certos atos, aceitos por todos os comerciantes como regras obrigatórias e que vigoram quando a lei, comercial ou civil, não possui normas expressas para regular o assunto”. (p.49. 2003)
Parece sensato concluir que, dada a credibilidade conferida ao CNPJ, por se tratar de cadastro mantido pela Receita Federal, tornou-se um costume tomar a situação cadastral do CNPJ como um “atestado de idoneidade” das empresas, de maneira que, embora não haja nenhuma previsão legal a respeito, a sociedade que não estiver com a situação cadastral ativa, será incapaz de celebrar qualquer negócio e ficará fadada a fechar as portas.
3.4 SITUAÇÕES CADASTRAIS DO CNPJ
Ao longo de sua existência uma sociedade pode modificar sua situação cadastral de acordo com as condições de fato e de direito em que se encontre. Para algumas modificações a alteração é promovida a pedido, para outras, de ofício.
As situações cadastrais possíveis perante o CNPJ, previstas no artigo 38 da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863/2018 são: ativa; suspensa; inapta; baixada e nula.
A lei não é clara quanto aos os efeitos de cada situação, tratando apenas de alguns casos específicos, como é o caso da situação inapta que será analisada neste artigo.
4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Embora a Administração Pública tente sustentar que a inaptidão nada mais é do que uma situação cadastral perante o CNPJ, tudo indica que se trata de uma sanção.
Nas palavras de Daniel Ferreira sanção é “a direta e imediata consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo, determinada pela norma jurídica a um comportamento proibido nela previsto, comissivo ou omissivo dos seus destinatários” (p.25. 2001).
O instituto aqui tratado atende a todos os elementos do conceito apresentado.
A inaptidão implica em repressão, seu objetivo é – entre outros – coibir a prática de irregularidades, trata-se de resposta a conduta indesejada desempenhada pelo administrado.
A Lei nº 9.430/96 estabelece em seu artigo 81 as hipóteses que poderão dar ensejo á inaptidão do CNPJ: “ Art. 81. Poderá ser declarada inapta, nos termos e condições definidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a inscrição no CNPJ da pessoa jurídica que, estando obrigada, deixar de apresentar declarações e demonstrativos em 2 (dois) exercícios consecutivos. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009) § 1o Será também declarada inapta a inscrição da pessoa jurídica que não comprove a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002) § 2o Para fins do disposto no § 1o, a comprovação da origem de recursos provenientes do exterior dar-se-á mediante, cumulativamente:(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002) I – prova do regular fechamento da operação de câmbio, inclusive com a identificação da instituição financeira no exterior encarregada da remessa dos recursos para o País;(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002) II – identificação do remetente dos recursos, assim entendido como a pessoa física ou jurídica titular dos recursos remetidos.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002) § 3o No caso de o remetente referido no inciso II do § 2o ser pessoa jurídica deverão ser também identificados os integrantes de seus quadros societário e gerencial.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002) § 4o O disposto nos §§ 2o e 3o aplica-se, também, na hipótese de que trata o § 2o do art. 23 do Decreto-Lei no 1.455, de 7 de abril de 1976. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)
Da leitura do artigo pode-se concluir que são três as hipóteses de aplicação da inaptidão: a) a não apresentação de declarações e demonstrativos em 2 exercícios consecutivos; b) a não comprovação da origem, a disponibilidade e efetiva transferência dos recursos utilizados em operações de importação; c) a não localização da empresa no endereço informado a Receita Federal do Brasil.
Todas as hipóteses acima representam falta, omissão ou desrespeito a determinação imposta pela legislação, o que torna ainda mais evidente o caráter sancionatório do instituto analisado. Não se trata de simples alteração cadastral inerente à situação fática da sociedade, mas sim, conforme já mencionado, trata-se de resposta à prática de atos ilegais.
Uma vez verificado indício da irregularidade elencada no tópico anterior, será instaurado, mediante representação, processo administrativo para sua apuração, seguindo o rito estabelecido na Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863/2018: “Art. 44. No caso de pessoa jurídica com irregularidade em operações de comércio exterior, de que trata o inciso III do caput do art. 41, o procedimento administrativo de declaração de inaptidão deve ser iniciado por representação consubstanciada com elementos que evidenciem o fato descrito no citado inciso”.
Desde logo, uma vez acatada a representação será alterada a situação cadastral do interessado para “suspensa”, nos termos do artigo 44, §1º, II da referida Instrução Normativa, com respaldo do artigo 45 da Lei nº 9784/99, que prevê a possibilidade de adoção providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado “Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”.
Da referida alteração, o interessado precisa ser intimado, nos termos do artigo 28 do mesmo diploma legal: “Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse. ”
A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863/2018, que regulamente o processo de inaptidão determina o conteúdo da intimação: “Art. 44. (…)
Uma vez apresentadas as razões, se não tiverem o condão de afastar os fatos contidos na representação, a situação cadastral é alterada para “inapta”, mediante ato declaratório executivo, conforme o estabelecido no artigo 44, §2º da já referida Instrução Normativa da Receita Federal: “Art. 44 (…) § 2º Na falta de atendimento à intimação referida no § 1º, ou quando não acatadas as contraposições apresentadas, a inscrição no CNPJ deve ser declarada inapta pela unidade da RFB citada no § 1º, por meio de ADE publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 14, ou alternativamente no DOU, no qual devem ser indicados o nome empresarial e o número de inscrição da pessoa jurídica no CNPJ.”
A Lei nº 9430/99 e a Instrução Normativa nº 1863/2018 nada dispõe sobre o recurso da decisão proferida no Ato Declaratório, porém existe a possibilidade de interposição do mesmo nos termos da Lei nº 9784/99 – que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Quanto ao procedimento do recurso previsto na Lei supramencionada, cabe considerar as observações de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Da decisão cabe recurso, por razões de mérito ou de legitimidade (art. 56), o qual independe de caução, salvo disposição legal em contrário (§ 2º), e não tem efeito suspensivo, a menos que a lei o preveja (art. 61), mas a autoridade recorrida ou imediatamente superior poderá, de ofício ou a requerimento de interessado, dar-lhe tal efeito quando haja justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação (parágrafo único do artigo em causa). (…)
O recurso deverá ser interposto junto à própria autoridade que proferiu a decisão, no prazo de 10 dias, contados a partir da data da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. Cabe a esta, se não reconsiderá-la em 5 dias, elevar a matéria ao superior, que para decidir disporá de 30 dias, contados do recebimento dos autos e prorrogáveis por justificação explícita (art. 56, §1º c/c art. 59). ” (p.512/513. 2016).
Porém, em que pese à possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso administrativo, analisando os procedimentos existentes, os interessados apresentam a questão ao judiciário por meio de mandado de segurança, dada a gravidade dos efeitos da inaptidão.
No caso das pessoas jurídicas que não apresentarem as declarações e demonstrativos exigidos em lei por dois exercícios consecutivos, será publicado pela COCAD Ato Declaratório Executivo com o rol de CNPJs declarados inaptos. Podendo sua situação ser regularizada mediante a apresentação dos documentos faltantes. Assim dispõe o artigo 42 da IN/RFB nº 1863/2018: “Art. 42. Cabe à Cocad emitir ADE, publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 14, com a relação das inscrições no CNPJ das pessoas jurídicas omissas de declarações e demonstrativos declaradas inaptas. § 1º A pessoa jurídica declarada inapta nos termos do caput pode regularizar sua situação mediante apresentação, por meio da Internet, das declarações e demonstrativos exigidos ou comprovação de sua anterior apresentação na unidade da RFB que a jurisdiciona. ”
Para as pessoas jurídicas que não forem localizadas no endereço fornecido à Receita Federal o procedimento é bastante semelhante. Artigo 43 da IN/RFB nº 1863/2018: “A pessoa jurídica não localizada, de que trata o inciso II do caput do art. 41, é assim considerada quando: I – não confirmar o recebimento de 2 (duas) ou mais correspondências enviadas pela RFB, comprovado pela devolução do Aviso de Recebimento (AR) dos Correios; II – não for localizada no endereço constante do CNPJ, situação comprovada mediante Termo de Diligência; ou III – houver denúncia de terceiros interessados ou comunicação de qualquer órgão público, informando a não localização no endereço constante do cadastro, após diligência realizada pela RFB. § 1º Na hipótese prevista no inciso I do caput, cabe à Cocad emitir ADE, publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 14, com a relação das inscrições no CNPJ declaradas inaptas. § 2º Na hipótese prevista no inciso II do caput, a inscrição no CNPJ deve ser declarada inapta pela unidade da RFB que jurisdiciona a pessoa jurídica ou pela unidade de exercício do Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo procedimento fiscal, por meio de ADE, que conterá o nome empresarial e o número da inscrição da pessoa jurídica no CNPJ e será publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 14, ou alternativamente no DOU. ”
Em ambos os casos a empresa tem seu CNPJ declarado inapto de forma sumária, sem qualquer chance de contraditório. Consequentemente, toda e qualquer operação em andamento fica à mercê dos efeitos da declaração de inaptidão de CNPJ.
A Receita Federal primeiro sanciona para depois permitir a retificação das irregularidades, o que tem potencias efeitos graves no exercício da empresa que pode ser prejudicado de maneira irreversível.
Como exemplo, considere-se o caso da finalização de uma operação bancária para capital de giro ou para financiamento de uma obra. São meses de negociação que precisarão ser retomados do início caso o CNPJ da empresa seja declarado inapto, tempo que, muitas vezes, a empresa não tem.
Por sua vez, nos casos de irregularidades cometidas nas operações de comércio exterior o rito para a declaração de inaptidão de CNPJ é mais complexo, mas não menos prejudicial e arbitrário.
O procedimento determinado pela Instrução Normativa apresenta um grande problema: a suspensão sumária do registro da sociedade no CNPJ.
Estabelece o artigo 44, II da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863/2018 a suspensão do CNPJ de empresa que seja objeto de representação por irregularidade no comércio exterior, para que só depois esta seja intimada a prestar esclarecimentos.
Analisemos a situação em termos práticos. Mais uma vez, a sociedade sofrerá restrição antes mesmo de se verificar que uma irregularidade efetivamente ocorreu. Estará impedida de atuar em seu ramo de atividade até que se encerre o processo administrativo.
O fundamento da Administração para justificar medias previstas nos artigos acima citados o artigo 45 da Lei 9784/99, que fala da possibilidade de adoção pela Administração de medidas acauteladoras em caso de perigo iminente.
A previsão é aberta e dá ampla margem para interpretação, haja vista que o conceito de perigo iminente é subjetivo. Além disso, o dispositivo prevê expressamente que as medidas acauteladoras têm de ser motivadas.
Dessa forma, não há respaldo na legislação para a declaração de inaptidão/suspensão do CNPJ das pessoas jurídicas sem que se respeite o contraditório.
Outro argumento levantado pela Receita Federal é o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, sob o argumento de que o dano causado à pessoa jurídica seria justificado pela defesa dos interesses públicos.
Porém, considerando que estamos falando que uma sanção que é aplicada sem qualquer manifestação prévia dos interessados, e, que todas são referentes a situações pontuais[2], seria de bom alvitre ponderar se tal medida não é desproporcional ao paradigma proposto.
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Em suma: os ‘poderes’ administrativos – na realidade, deveres-poderes – só existirão – e, portanto, só poderão ser validamente exercidos – na extensão e intensidade proporcionais ao que seja irrecusavelmente requerido para o atendimento do escopo legal a que são vinculados. ” (p.28. 2009) (Grifei)
Neste sentido, as empresas poderiam ser notificadas para regularizar a situação em prazo exíguo ou, nos casos de irregularidades em operação de importação, a representação poderia dar ensejo à uma ressalva no SISCOMEX[3] ou a suspenção apenas da operação em questão.
Mesmo com a substituição das previsões legais pelas acima sugeridas implicam em prejuízo para a empresa – atrasos, quebras de contratos com clientes e fornecedores, demurrage[4] – porém, tais medidas se mostram proporcionais à investigação.
Ainda no âmbito do comércio exterior – uma vez que o procedimento é mais complexo – outro grande problema são as imprecisões técnicas existentes no julgamento levando a resultados que não correspondem a realidade.
Inicialmente, a autoridade administrativa pede que sejam apresentadas as declarações de Imposto de Renda dos sócios. De posse desses documentos o auditor fiscal compara a renda dos sócios com a da sociedade, tentando extrair desta relação a origem dos recursos empregados na operação de importação, o que nos remete aos primeiros capítulos do presente estudo, onde demonstramos de maneira exaustiva a independência existente o patrimônio dos sócios e o da sociedade, de maneira que é possível que a realidade de ambos não seja correspondente.
Ainda com relação ao patrimônio, há que se considerar a diferença existente entre “patrimônio” e “capital social”.
O capital social corresponde ao montante investido pelos sócios no momento de formação da pessoa jurídica. O patrimônio por sua vez é algo mais abrangente, correspondendo – em termos contábeis – a universalidade dos bens e dos direitos de que dispõe a sociedade naquele momento.
O patrimônio é muito mais amplo do que o capital social e corresponde a realidade da empresa, no entanto são poucos os pareceres da administração que levam em conta esta variável, já que se considera o valor constante no contrato referente ao capital social, o que torna a análise imprecisa e, muitas vezes, não condizente com a realidade da empresa.
Desta parte podemos concluir que não há precisão técnica no julgamento dos processos administrativos de inaptidão de CNPJ e que a legalidade deste procedimento está comprometida pela não observância dos limites estabelecidos em lei para a atuação do poder de policia da Administração.
Os efeitos na Inaptidão do CNPJ estão previstos nos artigos 46 e 47 da Instrução Normativa RFB nº 1863/2018, são eles: 1) A inclusão no Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (Cadin); 2) O impedimento de: a) Participar de concorrência pública; b) Celebrar convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos; c) Obter incentivos fiscais e financeiros; d) Realizar operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos; e) Transacionar com estabelecimentos bancários, inclusive quanto à movimentação de contas-correntes, à realização de aplicações financeiras e à obtenção de empréstimos, f)) transmitir a propriedade de bens imóveis, g) será considerado inidôneo, não produzindo efeitos tributários em favor de terceiro interessado, o documento emitido por pessoa jurídica cuja inscrição no CNPJ haja sido declarada inapta.
É assustadoramente claro que os efeitos acima conferem a inaptidão de CNPJ o caráter de sanção, e, embora a Instrução Normativa RFB nº 1863/2018 estabeleça que a sociedade será novamente enquadrada como ativa caso sua situação seja regularizada, na prática a sociedade já foi irremediavelmente prejudicada ou está extinta.
Na melhor das hipóteses, a empresa fica engessada enquanto durar o procedimento administrativo não podendo realizar suas atividades. Isso porque o lapso temporal entre a publicação do Ato Declaratório Executivo ou Representação e o despacho decisório determinando o reenquadramento do CNPJ como ativo (entre 10 e 30 dias úteis) é consideravelmente grande.
Além disso, há que se considerar os efeitos gerados pelo uso consuetudinário do CNPJ, que, como referido anteriormente, é utilizado para um sem número de procedimentos corriqueiros das empresas.
Efeitos que chamaremos e secundários, como por exemplo, a impossibilidade de negociar com outras empresas e fornecedores que possuam cadastro vinculado ao CNPJ, já que ao realizar a consulta a situação inapta será considerada um atestado de inidoneidade; a perda do direito de participar de refinanciamentos de dívidas fiscais; perda do direito de contratar com o Poder público; ou os empregos que se perdem com a cessação das atividades da sociedade.
De tudo isto, podemos concluir que a declaração de inaptidão de CNPJ coloca a sociedade em uma espécie de “limbo”. A entidade existe, mas é incapaz de praticar qualquer ato necessário ao exercício de sua atividade.
Outra consideração importante a ser feita quanto aos efeitos, é que a Lei nº 9430/96, em seu artigo 82 prevê como efeito da inaptidão de CNPJ tão somente a inidoneidade dos documentos emitidos por pessoa jurídica que tenha sido declarada inapta.
As demais penalidades inerentes à tal condição foram estabelecidas em âmbito infra legal (IN RFB 1863/2018), que não respeitou os limites impostos pela Lei e pela Constituição Federal, inovando ao estender o leque dos efeitos da declaração de inaptidão, e, portanto, abrindo margem para o questionamento das sanções que atribui ao CNPJ inapto.
Cabe apresentar o entendimento do Poder Judiciário sobre a matéria.
O Supremo Tribunal Federal já exarou decisão de que não é competente para julga a matéria, tendo em vista não se tratar de ofensa direta à Constituição Federal:
“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Ofensa reflexa. Declaração de inaptidão da inscrição no CNPJ. Hipótese de inexistência de fato da entidade. Alegado exercício regular da atividade empresarial. Necessidade de reexame da legislação infraconstitucional e do conjunto fático-probatório. Súmula nº 279/STF. 1. A afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa ou do contraditório, quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas infraconstitucionais, configura apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal. 2. Para ultrapassar o entendimento do Tribunal de origem acerca da observância do devido processo legal no âmbito administrativo e da legitimidade da declaração de inaptidão da inscrição no CNPJ da entidade em razão de sua inexistência de fato, seria necessário o reexame da causa à luz da legislação ordinária (Lei nº 9.430/96, e IN RFB nº 748/2007) e do conjunto fático-probatório da causa, o que não é cabível em sede de recurso extraordinário. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. Agravo regimental não provido[5]”.
Sobre o tema há pouquíssimos julgados no Superior Tribunal de Justiça, nos quais o referido tribunal declara-se incompetente para julgar a matéria:
“PROCESSUAL CIVIL, TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. ART. 105, III, DA CF/88. IMPORTAÇÃO FRAUDULENTA POR MEIO DE INTERPOSTA PESSOA. PENALIDADE DE INAPTIDÃO DA INSCRIÇÃO NO CNPJ. LEGALIDADE. APLICAÇÃO DOS ARTS. 81, DA LEI 9.430/96, E 29 DA IN 200/2000. CARACTERIZAÇÃO DO ILÍCITO. ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. É vedada a esta Corte de Justiça a apreciação de normas e princípios de índole constitucional, por esbarrar na competência atribuída ao Superior Tribunal de Justiça, pelo art. 105, III, da Constituição Federal. 2. Não há falar em ilegalidade da pena prevista no art. 29 da IN 200/2000 da SRF, uma vez que tal previsão encontra fundamento de validade no art. 81 da Lei 9.430/96, alterado pela Lei 10.637/2002. 3. A verificação da real ocorrência do ilícito consistente na interposição fraudulenta de terceiros nas operações de importação acarretaria a reanálise do conjunto fático-probatório contido nos autos e já apreciado pelo Tribunal de origem, o que é obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido[6].
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. AUSÊNCIA DE PROVA DOS RECURSOS EMPREGADOS NA IMPORTAÇÃO. INAPTIDÃO DO CNPJ. REEXAME DE MATÉRIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. 1. O acórdão recorrido concluiu que a análise de documentos juntados aos autos viabilizou a declaração de inaptidão do CNPJ nos termos do § 1º do art. 81 da Lei n. 9.430/96. Revisar as conclusões do Tribunal a quo implicaria reexame de matéria probatória, o que é vedado a esta Corte, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 2. Impõe-se o não conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento, entendido como o necessário e indispensável exame da questão pela decisão atacada, o que atrai a incidência das Súmulas 282 e 356 do STF. 3. Se a recorrente entendesse existir alguma omissão, contradição ou obscuridade no acórdão impugnado, deveria ter oposto embargos declaratórios, a fim de que fosse suprida a exigência do prequestionamento. E, caso persistisse tal omissão, seria imprescindível a alegação de violação do art. 535 do CPC por ocasião da interposição do recurso especial, sob pena de incidir no intransponível óbice da ausência de prequestionamento. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”[7].
Os Tribunais Regionais Federais julgam o tema com maior frequência. Em que pese o entendimento majoritário de que não há vício na Instrução Normativa que regulamente o tema, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região Fiscal considera que Instrução Normativa extrapola a Lei que a embasa quanto aos requisitos apresentados para a reativação do cadastro no CPNJ: “EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. C.N.P.J.REVALIDAÇÃO. IN/SRF 02/2001. AGRAVO REGIMENTAL. I – Agravo Regimental prejudicado ante o julgamento do Agravo de Instrumento. II – Uniformização de entendimento da E. 2ª Seção desta Corte pela inviabilidade de instrução normativa impor restrições, não previstas em lei, à inscrição no CNPJ, no incidente de uniformização de jurisprudência suscitado n REO n.º 2000.03.99.009805-7, julgado em 18.10.00, publ. no DJ 23.02.01 em acórdão relatado pela Exmo. Desembargador Federal Andrade Martins. III – Presença do “fumus boni iuris”, já que não pode o Fisco estabelecer meios coercitivos de cobrança de tributo. IV – Existência do “periculum in mora”, já que a declaração de inaptidão impede o exercício comercial da empresa. V – Agravo de Instrumento improvido”[8].
Em seu voto a Desembargadora manifestou-se como se segue: “Não merece reparos a decisão “a quo”. O d. juiz “a quo” concluiu no sentido de que “as disposições contidas na instrução normativa em comento implicam violação ao princípio da legalidade, já que estabelecem condições para a revalidação do documento não previstas em ato normativo superior”[9].
O entendimento acima respalda as afirmações anteriores quanto à constatação de irregularidades no procedimento trazido pela Instrução Normativa. Ao longo deste trabalho foram apontados vários abusos cometidos pela Instrução Normativa ao tratar da matéria.
O próximo julgado traz um caso de responsabilidade do sócio de empresa inapta:
“LIBERDADE DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. CADASTRO NACIONAL DE PESSOAS JURÍDICAS. INSCRIÇÃO. RECUSA. REPRESENTANTE LEGAL DE SÓCIO DA EMPRESA SOLICITANTE QUE INTEGRA O QUADRO SOCIETÁRIO DE OUTRA PESSOA JURÍDICA CUJA INSCRIÇÃO NO CNPJ ENCONTRA-SE INAPTA. SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF. 1. A Carta Constitucional de 1988, com o intuito de garantir, como direito fundamental da pessoa, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII,), salvaguardou, outrossim, a liberdade de desenvolvimento de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único). Não se pode admitir, pois, que qualquer empecilho seja impingido ao particular que tenciona exercer atividade econômica, senão quando expressamente consignado em ato de normatividade primária validamente editado pelo órgão legislativo ao qual fora constitucionalmente delegado esse ofício. 2. A Lei 5.614/70, ao registrar, no inciso II do art. 1º, que os prazos, condições, forma e exigência para o processamento das inscrições no Cadastro Geral de Contribuintes (atual CNPJ) seriam regidos por ato do Ministro da Fazenda, não possibilita que seja previsto todo e qualquer tipo de requisito, sob pena de evidente burla à norma inscrita no parágrafo único do art. 170 da Carta Magna, que não se coaduna com a delegação irrestrita da atividade de legislar. 3. Dentro desse quadro, não se mostra razoável impedir seja inscrita no CNPJ pessoa jurídica cujo sócio participe de empresa diversa, que, a seu turno, não esteja em dia com suas obrigações para com o Fisco; primeiro, porque a pessoa jurídica, como é consabido, tem existência jurídica distinta à dos seus componentes, não se admitindo imputar-lhes, salvo em situações excepcionais predispostas pelo legislador, débitos assumidos pela própria empresa; e porque, a se aprovar tal exigência infralegal, estar-se-ia permitindo ao Fisco cobrar, mediante via transversa, seus créditos tributários, coagindo o contribuinte em débito a adimplir com suas obrigações fiscais para poder exercer atividade econômica, o que de há muito vem sendo rechaçado pela jurisprudência pátria (Enunciados nºs 70, 323 e 547 da Súmula da Excelsa Corte)”[10].
O julgado reforça o entendimento apresentado neste trabalho quanto aos limites legais existentes e que não são respeitados pela Administração ao disciplinar a matéria.
Retrata a inobservância da garantia constitucional do direito ao livre exercício de qualquer trabalho, previsto no artigo 5º, XIII da Constituição.
Sobre o tema, o relator manifestou-se em seu voto: “Dentro desse quadro, não se mostra razoável impedir seja inscrita no CNPJ pessoa jurídica cujo sócio (na hipótese versada nestes autos, sequer consta mais o representante legal da impetrante como sócio da outra empresa) participe de empresa diversa, que, a seu turno, não esteja em dia com suas obrigações para com o Fisco”[11].
Mais uma vez os efeitos da declaração de inaptidão de CNPJ são colocados em xeque pelas garantias constitucionais.
O Tribunal Regional Federal 1º Região Fiscal, em julgamento de caso que trata da inaptidão de CNPJ e o REFIS[12], deixa clara a peculiaridade do assunto:
“RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL (RELATOR): Por inicial ajuizada em 01 DEZ 2000, a impetrante pediu, com liminar, segurança contra ato atribuído ao Comitê Gestor do REFIS, objetivando manter-se no programa, de que excluída (Portaria CG/REFIS nº 1.362/200) por ”declaração de inaptidão da inscrição” no CNPJ (Lei 9.964/2000, art. 5º, VIII). Alegou violados o contraditório e a ampla defesa, já por força da Lei nº 9.784/99. Indeferida a liminar, negou-se seguimento ao AG 2007.01.00.002083-8/DF, sem recurso. Com informações. Manifestação do MPF pela denegação da segurança. Por sentença (f. 91/5) datada de 27 SET 2007, a Mma. Juíza Federal MôNICA SIFUENTES, da 3ª Vara/DF, denegou a segurança. A impetrante apela (f. 98/110), repisando, em síntese, a inicial. Com contra-razões. A PRR (f. 134-v) não quis opinar. É o relatório. VOTO
Este, o preceito de lei que fundamentou a exclusão (art. 5º, VIII, da Lei nº 9.964/2000) do REFIS: “declaração de inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica”. Como muito bem disse a julgadora primária (f. 94): “a impetrante sequer questiona o motivo que ensejou sua exclusão do REFIS, sendo certo que, à vista do Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral’, por ela mesma colacionados aos autos (fl. 28), emitido no dia 01/12/2006, sua situação cadastral, desde 26/01/2000, era de ‘inapta’”. A recente SÚMULA nº 355 do STJ dirime qualquer pretensão de que o ato de exclusão (procedimento sumário e/ou virtual) do REFIS tenha malferido algum preceito legal ou princípio jurídico: “É válida a notificação do ato de exclusão do Programa de Recuperação Fiscal (Refis) pelo Diário Oficial ou pela internet. ” (Referências: Lei nº 9964/2000, Resolução nº 20/2001 do Comitê Gestor, RESP 778.003/DF, RESP 976.509/SC, RESP 638.425/DF e RESP 761.128/RS) ”. Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação. É como voto[13]. Relator LUCIANO TOLENTINO AMARAL”.
O caso retrata a exclusão da empresa do programa REFIS, um dos desdobramentos previstos para a inaptidão de CNPJ.
A declaração de inaptidão é o primeiro movimento de uma cadeia de sucessivas restrições inerentes à sua aplicação. A sociedade será punida várias vezes em virtude dos fatos verificados em um único processo.
O mais intrigante é que, neste caso, a sociedade sequer questionou a declaração de inaptidão, pleiteava tão somente o direito de aderir ao REFIS.
O caso acima proposto é paradoxal, pois ao punir a pessoa jurídica o Fisco ignora o desejo da sociedade de extinguir seus créditos tributários, a Administração deixa de receber o que lhe é devido, e, em que pese às disposições legais, o Poder Judiciário ratifica tal entendimento.
Neste ponto, importante ressaltar que os julgados acima fazem referência a diferentes dispositivos normativos, isto porque, à medida que a legislação se modifica, novas instruções normativas são editadas, porém nenhuma apresenta alteração na matéria.
Após todo o exposto, não há como não se questionar a constitucionalidade da declaração de inaptidão de CNPJ.
A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a sanção aqui estudada está de acordo com o estabelecido na Constituição, pois está expressamente prevista em lei – artigo 81 da Lei nº 9.430\1996 – e os artigos 5º, II, XIII, XVIII e 170 da Constituição apresentam ressalva, no sentido de que a lei pode estabelecer limites ao exercício dos direitos nele previstos.
“MANDADO DE SEGURANÇA. INAPTIDÃO DE REGISTRO NO CNPJ. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. IN RFB Nº 748/2007.
Não há falar na inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.430/1996. Os dispositivos constitucionais que dispõem sobre a matéria (art. 5º, II, XIII, XVIII e art. 170) fazem referência expressa às disposições previstas na lei. E a Lei nº 9.430/1996, em seu artigo 81, prevê as situações em que poderá ser declarada inapta a inscrição das pessoas jurídicas no CNPJ.
A previsão da declaração de inaptidão do registro no CNPJ da pessoa jurídica inexistente de fato ou que não efetue a comprovação da origem, da disponibilidade e da efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior, contida na IN RFB nº 748/2007, apenas define os termos e condições do disposto no artigo 81 da Lei nº 9.430/1996. Não há falar, portanto, em afronta ao princípio da legalidade.
O argumento de que a suspensão do CNPJ ensejará a interrupção das atividades econômicas da empresa deve ser contraposto à possibilidade de efetuar importações de porte, em pouco tempo, que, liberadas, dificilmente serão rastreadas e recuperadas. E, uma vez internalizadas e colocadas no mercado, produzir-se-á um rombo nos cofres públicos se não houver o recolhimento de todos os tributos incidentes.
Correta a declaração de inaptidão do registro da pessoa jurídica junto ao CNPJ, quando constatada a inexistência de fato da empresa ou a não comprovação da origem, da disponibilidade e da efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior em processo administrativo de fiscalização”[14]
Da leitura do voto se depreende outro argumento utilizado pelo tribunal para entender como válida a inaptidão de CNPJ: “Ademais, o argumento de que a suspensão do CNPJ ensejará a interrupção das atividades econômicas da empresa deve ser contraposto à possibilidade de efetuar importações de porte, em pouco tempo, que, liberadas, dificilmente serão rastreadas e recuperadas. E, uma vez internalizadas e colocadas no mercado, produzir-se-á um rombo nos cofres públicos se não houver o recolhimento de todos os tributos incidentes[15].
Resta clara a intenção do Judiciário de resguardar os cofres públicos e, em última análise a ordem econômica nacional.
“APREENSÃO DE MERCADORIAS. PENA DE PERDIMENTO. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. SUSPENSÃO/INAPTIDÃO DO CNPJ. POSSIBILIDADE.
1. Legalidade da retenção e da decretação de perdimento das mercadorias importadas em virtude da ocultação do verdadeiro responsável pela operação de importação.
2. A subtração de tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação caracteriza dano ao erário.
3. Será declarado inapto o CNPJ da pessoa jurídica que não logre comprovar a origem, disponibilidade e a efetiva transferência dos recursos empregados em operações de comércio exterior, na forma do art. 81, § 1º da Lei nº 9.430/96[16].
De outro lado, há uma minoria, que entende ser inconstitucional a declaração de inaptidão de CNPJ.
Ao longo do presente estudo foram relatados vários pontos onde é discutível a previsão, seja da lei, seja da instrução normativa.
Mas o principal ponto, que ainda não foi abordado pelos Tribunais é a previsão do artigo 5º, XIX da Constituição Federal. O exercício da empresa somente poderá ser impedido por sentença judicial transitada em julgado: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;”.
Da leitura do dispositivo mencionado conclui-se que a Administração não possui legitimidade para interferir na esfera privada da maneira como faz quando declara inapta uma sociedade perante o CNPJ.
Sendo assim, em que pese às ressalvas previstas nos já referidos incisos II, XIII e XVIII do artigo 5º e artigo 170, a previsão aqui abordada é norma de mesma hierarquia, não podendo ser ignorada, trata-se de uma garantia constitucional.
Ainda sobre a referida ressalva, ao determiná-la a Constituição não dá liberdade total de deliberação ao legislador para estabelecer obstáculos ao exercício da empresa, como ressalta Celso Ribeiro Bastos: “Parece-nos certo, portanto, que:
O conteúdo constitucional do direito de associação não faz menção ao direito de adquirir personalidade jurídica. Isto, contudo, não invalida o fato de que as associações acabam por fruir deste direito por implicitude. À lei não é dado criar exigências tais que possam obstaculizar o exercício do direito constitucional de associação. Daí porque o reconhecimento da personalidade não pode depender nunca de um juízo discricionário da administração nem de requisitos ou encargos tais que esvaziem na prática a significação do direito constitucionalmente assegurado. Os únicos limites a liberdade de associação são aqueles que a própria Constituição define, ou seja: a ilicitude dos fins e o caráter paramilitar.”(p.97. 1989)
A Constituição respalda o pensamento do Autor quando implicitamente prevê a observância pela Administração do princípio da razoabilidade.
Acerca dos princípios constitucionais, pondera Celso Antônio Bandeira de Mello, que a inobservância destes culmina na mais grave forma de ofensa à Constituição: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade (…)” (p. 21. 2006)
A declaração de inaptidão de CNPJ ignora tal princípio e com ele a função social da empresa. Seria leviano sustentar que as infrações cometidas perante a Receita Federal fiquem sem resposta. Porém, cabe ao legislador encontrar meio de disciplinar a matéria sem ferir garantias constitucionais.
Muitas das sanções que poderiam ser aplicadas já estão previstas no ordenamento brasileiro, como multas.
A declaração de inaptidão de CNPJ é inconstitucional. Isso porque, apesar de previsto em lei, o dispositivo desrespeita uma série de garantias constitucionais.
Além disso, fazendo uma análise da legislação pertinente ao tema, destaca-se que o ato normativo que instituiu o CNPJ nada apresentou acerca deste dispositivo.
O instituto na inaptidão de CNPJ aparece pela primeira vez na Lei nº 9.430/96, diploma legal que sequer trata diretamente do CNPJ. A referida lei trata da inaptidão de CNPJ ao falar das “empresas inidôneas”, deixando clara a intenção do legislador de estabelecer uma sanção.
Por conseguinte, a Receita Federal ao disciplinar a matéria cometeu abusos, consubstanciados na inobservância do estabelecido no artigo 5º, XIX da Constituição Federal, e no princípio da razoabilidade, disseminado ao longo da Carta Constitucional.
Basta a simples análise dos efeitos para entendermos que não se trata de mera situação cadastral, mas sim de uma sanção, conforme anteriormente mencionado, sanção prevista totalmente fora de contexto, pois encontra-se na legislação que versa sobre um cadastro e suas implicações.
Em última análise a inaptidão de CNPJ pode decretar a falência da sociedade a que se aplica, uma vez que a coloca em uma espécie de “limbo”. A empresa existe, mas é incapaz de praticar qualquer ato necessário ao seu exercício.
Além disso, a importância prática atribuída ao Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas não pode ser ignorada. Por pertencer ao Ministério da Fazenda, o cadastro passou a ser adotado para outras finalidades, situação que deve ser considerada tendo em vista o reconhecimento dos usos e costumes como fontes do direito comercial.
Não há precisão técnica no julgamento dos processos administrativos de inaptidão de CNPJ e a legalidade deste procedimento está comprometida pela não observância dos limites estabelecidos em lei para a atuação do poder de polícia da Administração, que tem a finalidade de preservar e manter.
São válidos e de suma importância os argumentos que versam sobre a proteção da ordem econômica e repressão das irregularidades cometidas junto à Receita Federal.
Contudo, a proteção da Administração deve se dar sem sacrifício de garantias constitucionais e a legislação precisa ser elaborada de forma precisa e sem a mescla de temas incompatíveis.
A legislação deve versar sobre o Cadastro de CNPJ e eventuais desdobramentos, podendo até prever sanção, mas dentro do contexto de utilização do cadastro e de maneira compatível com as irregularidades eventualmente tidas como possíveis.
REFERÊNCIAS
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BASTOS, Celso Ribeiro. “Comentários a Constituição do Brasil”, p. 97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
COELHO, Fabio Ulhoa. “A Sociedade Limitada no Novo Código Civil”, São Paulo: Saraiva. 2003.
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MEIRELLES, Helly Lopes. “Direito Administrativo Brasileiro”, 29ª ed. São Paulo: Malheiros 2004;
PEIRE, Milve Antonio. “Prática de Importação”, p. 25. São Paulo: Aduaneiras, 1990.
TREVISAN, Rosaldo. “Temas de Atuais Direito Aduaneiro”, São Paulo: Lex 2008.
VENOSA, Sílvio de Salvo. “Direito Civil, parte geral”, 2 ed., São Paulo: Atlas 2009;
Constituição Federal da República Federativa do Brasil;
Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002;
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Lei nº 9784/99;
Lei nº 9430/96;
Decreto nº 660/92.
Decreto nº 1800/96
Instrução Normativa Receita Federal do Brasil nº 1005/2010
http://www.receita.fazenda.gov.br
[1] Informações obtidas na reunião com o Sr. Carlos J. Oliveira, lotado na DIVIC da Superintendência da Receita Federal em Curitiba na data de 29/09/09.
[2] Omissão na apresentação de declarações de dois exercícios consecutivos, endereço diferente daquele cadastrado na RFC, irregularidades em procedimento de importação.
[3] “O Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, instituído pelo Decreto nº 660/1992, é um sistema informatizado responsável por integrar as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, através de um fluxo único e automatizado de informações”. (http://receita.economia.gov.br/orientacao/aduaneira/manuais/despacho-de-importacao/topicos-1/conceitos-e-definicoes/siscomex) em 26/02/2019
[4] Demurrage: a penalidade cobrada do importador ou contratante do container pelo tempo em que ele permanecer no País além do estabelecido entre as partes. http://enciclopediaaduaneira.com.br/demurrage-haroldo-gueiros/ Acesso em 10/04/2019
[5] (ARE 923956 AgR / PR – PARANÁ AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI
Julgamento: 01/12/2015 Órgão Julgador: Segunda Turma)
[6] REsp 1077178 / PR, STJ T1 – PRIMEIRA TURMA, Ministra DENISE ARRUDA, 19/03/2009.
[7] AgRg no REsp 1460738 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2014/0143727-4 Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO) T2 – SEGUNDA TURMA DJe 01/03/2016
[8] PROC. : 2001.03.00.029054-5 AG 139079 RELATOR : DES.FED. CECILIA MARCONDES / TERCEIRA TURMA, 09/03/2003.
[9] Idem 28.
[10] APL MS 2004.70.03.001138-0/PR, TRF 4, 1 TIRMA, RELATOR Juiz Federal Joel Ilan Paciornik, 24/05/2006.
[11] Idem 29.
[12] O Programa de Recuperação Fiscal – Refis consiste em um regime opcional de parcelamento de débitos fiscais proposto às pessoas jurídicas com dívidas perante a Secretaria da Receita Federal – SRF, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/Refis/refis.htm)
[13] TRF 1 AMS Nº 2006.34.00.036292-8/DF , DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, 05/05/2008.
[14] APL 2005.70.00.018002-6/PR, TRF4 1 TURMA, RELATOR VILSON DARÓS, 21/11/2007
[15] Idem 33.
[16] APELREEX 2005.72.08.001761-0 SC, TRF 4 1 TURMA, RELATOR ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA, 03/11/2009
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