A inconstitucionalidade do sistema de cotas para negros

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Resumo: O objetivo do presente trabalho foi demonstrar a inconstitucionalidade do sistema de cotas para negros, tanto em universidades, quanto em concursos públicos, por ferir tanto o princípio da igualdade, quantos inúmeros dispositivos constitucionais. O referido sistema garante que parte das vagas disponibilizadas seja reservada aos negros e pardos, independente de sua classificação, ou seja, independente do mérito, levando em consideração unicamente o critério da cor da pele. A inconstitucionalidade é cristalina, posto que, fere o princípio da igualdade ao dispor de tratamento benéfico em favor de determinado grupo social, o que implica em concessão de vantagens para determinadas pessoas. A Constituição Federal declara que todos são iguais, sem distinção de cor, raça, religião, portanto, o tratamento diferenciado entre negros e brancos não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico, razão pela qual, o sistema de cotas é inconstitucional, tendo em vista que ninguém poderá ingressar em uma universidade ou mesmo ocupar um cargo público em razão de sua cor ou classe econômica e sim por ser merecedora de ocupar tal posição, até porque com educação pública de qualidade, as cotas não seriam necessárias.

Palavras-chave: Sistema de cotas para negros, Princípio da Igualdade, Inconstitucionalidade.

Abstract: The aim of this study was to demonstrate the unconstitutionality of the quota system for blacks, both in universities and in public tenders for violating both the principle of equality, how many constitutional provisions. This system ensures that part of the available vacancies is reserved for black and brown people, regardless of their classification, ie, regardless of merit, taking into account only the criterion of skin color. The crystal is unconstitutional since, undermines the principle of equality to have beneficial treatment in favor of a particular social group, which implies granting privileges to certain people. The Constitution states that everyone is equal, regardless of color, race, religion, therefore, the differential treatment between blacks and whites is not supported by our legal system, which is why the quota system is unconstitutional, given that anyone may join a university or hold public office because of their color or economic class but to be worthy of occupying such a position, because with a quality public education, quotas would not be necessary.

Keywords: Quota system for blacks, Principle of Equality unconstitutionality.

Sumário: Introdução. 1. Ações Afirmativas. 2. Princípio da Igualdade. 3. A Interpretação das Medidas Raciais no Sistema de Cotas. 4. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a inconstitucionalidade do sistema de cotas instituído no Brasil. Tal sistema visa atribuir à população afro-brasileira um número de vagas nos cursos de graduação oferecidos pelas universidades brasileiras. A Constituição Federal vigente não estabeleceu distinção no acesso a direitos referente a cor ou raça, portanto, neste artigo procurou-se demonstrar que o referido sistema não está de acordo com os preceitos constitucionais vigentes. Utilizou-se como procedimentos metodológicos a revisão bibliográfica, a qual ocorreu por meios de estudos em doutrinas e periódicos que tratam do tema. Em suma, concluiu-se que o referido sistema é inconstitucional, pois viola o princípio da igualdade.

O sistema de cotas para “negros e pardos” nas universidades tornou-se um tema polêmico, posto que, refere-se a tratamento benéfico em favor de determinado grupo social, o que implica em concessão de vantagens para determinadas pessoas.

A Constituição Federal declara que todos são iguais, sem distinção de cor, raça, religião, portanto, ao estabelecer cotas nas universidades aos afrodescendentes, estabeleceu-se o conflito entre os direitos individuais dos que não foram beneficiados e os direitos conferidos a determinado grupo, violando o princípio constitucional da igualdade.

Tendo em vista a polêmica que o tema causa e com base no art. 5º da Constituição Federal, o presente estudo tem por objetivo analisar a constitucionalidade ou não do sistema de cotas para negros, buscando responder a seguinte questão-problema: Existem aspectos inconstitucionais no sistema de cotas para negros e pardos?

O presente trabalho está dividido em três capítulos, o primeiro abordou os aspectos gerais das ações afirmativas, no segundo capítulo foi analisado o princípio da igualdade, e o terceiro retrata a interpretação das medidas raciais no sistema de cotas, destacando por fim, a questão da constitucionalidade ou não do sistema de cotas para negros.

1. AÇÕES AFIRMATIVAS

As ações afirmativas têm múltiplos conceitos, porém, nenhum consolidado, mister se faz necessária, portanto, a compreensão de como elas se desenvolveram no decorrer do tempo, posto que não se originaram em nosso país, porém passaram a ser aplicadas aqui também. Sendo de suma importantíssima a sua análise histórico-adaptativa, expostas a seguir:

Conforme dispõe Menezes (2001), o sistema de cotas originou-se na Índia (década de 1940), tal sistema beneficiava representantes de castas inferiores no parlamento, pois antes das ações afirmativas tais cargos somente eram ocupados pelos pertencentes a castas superiores.

Segundo Peghin (2007) a expressão “ação afirmativa” (affirmative action) surgiu nos Estados Unidos (década de 60), período em que os norte-americanos viviam reivindicações democráticas internas (expressas principalmente na forma das manifestações pelos direitos civis), que reivindicavam a extensão da igualdade e oportunidade de participação social de todos. Na época, as leis segregacionistas, ainda vigentes no país, passaram a ser eliminadas, surgindo, dessa forma, o movimento negro como uma das principais forças atuantes no país, apoiado por liberais e progressistas, unidos na defesa dos direitos humanos.

As ações afirmativas, como política de Estado, no Brasil, iniciou-se no governo Vargas, com o advento da CLT, onde as mulheres ganharam benefícios legais, ou seja, ganharam proteção no ordenamento jurídico.

Segundo Silva (2000) somente em 1995, Fernando Henrique Cardoso (presidente da república), afirmou publicamente que o Brasil não era uma democracia racial e anunciou a sua intenção de desenvolver um programa “para valorização da população negra”.

Silva (2001) dispõe ainda, que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1996-1997), criou-se de fato, algumas ações afirmativas, tais como: GTI (Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra), o GTDEDEO (Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação) e o lançamento do Programa Nacional de Direito Humanos.

As “ações afirmativas” são medidas de compensação que visam assegurar uma igualdade de oportunidade àqueles que tiveram restrições a alguns direitos, por um período histórico significativo, tentando fazer com que atinjam, ao menos em parte, esses direitos outrora restringidos em relação aqueles que não sofreram restrições.

Nesse diapasão, Gomes (2001, pág. 39/40) define ação afirmativa:

“Inicialmente, as ações afirmativas se definiam como um mero “encorajamento” por parte do Estado a que as pessoas com poder decisório nas áreas pública e privada levassem em consideração, nas suas decisões relativas a temas sensíveis como o acesso à educação e ao mercado de trabalho, fatores até então tidos como formalmente irrelevantes pela grande maioria dos responsáveis políticos e empresariais, quais sejam, a raça, a cor, o sexo, e a origem nacional das pessoas. (…) Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”.

Nesse sentido dispõe o jurista Cruz (2003, pág. 185):

“As ações afirmativas podem ser entendidas como medidas públicas ou privadas, coercitivas ou voluntárias, implementadas na promoção/integração de indivíduos e grupos sociais tradicionalmente discriminados em função da origem, raça, sexo, opção sexual, idade, religião, patogenia física/psicológica, etc.”.

Assim, segundo Contins (2002, pág. 210), as ações afirmativas possuem por função específica:

“[…] a promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por discriminação. Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que beneficiados possam vir a competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado de trabalho”.

Portanto, a expressão ações afirmativas refere-se às medidas compensatórias que visam combater as desigualdades materiais, sejam elas econômicas ou de outra natureza, visam ainda, promover os direitos dos grupos vulneráveis, também chamados de grupos desfavorecidos ou marginalizados.

2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Segundo Bobbio (1992, pág. 11), a igualdade pode ser conceituada como “um valor constante das ideologias e teorias políticas, um valor supremo de uma convivência ordenada, feliz e civilizada e, portanto, por um lado, como aspiração perene dos homens vivendo em sociedade […]”.

O princípio da igualdade pode ser entendido de duas formas: a teórica (amparada constitucionalmente), que tem por finalidade evitar a distribuição de privilégios discriminados; e a prática, que visa ajudar na diminuição dos efeitos decorrentes da desigualdade, no caso concreto.

A forma teórica do princípio da igualdade (igualdade formal) nada mais é do que a igualdade garantida através dos textos normativos, ou seja, a lei concede idêntica relação de direitos e deveres, sem nenhum tipo de discriminação.

Um exemplo da igualdade formal é o artigo 3º, que estabelece os objetivos fundamentais da República, entre os quais, destaca-se o princípio da igualdade:

“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:[…]

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”.

A igualdade formal (descrita no texto de lei) possui dupla intenção, uma é conceder a todas as pessoas, igual distribuição de direitos e deveres, e a outra é garantir que não haja qualquer forma de privilégio a grupos ou pessoas, por parte do Estado.

Outro exemplo da igualdade formal em nosso ordenamento jurídico é o artigo 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; […];

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; […]

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei.

A igualdade material, por sua vez, é o princípio da igualdade na prática, onde, todas as pessoas, possuindo as mesmas oportunidades, são iguais, ou seja, não deve haver qualquer diferenciação, combatendo as desigualdades existentes, para que assim, o plano jurídico tenha eficácia na atuação do princípio da isonomia.

O artigo 7º da Constituição Federal é um exemplo da igualdade material, posto que, estabelece os direitos dos trabalhadores, fazendo distinções entre os trabalhadores rurais, urbanos, das gestantes e das empregadas domésticas.

Bobbio (1992, pág. 11) dispõe sobre os conceitos que priorizam a igualdade material:

“Mesmo garantidas constitucionalmente, essas normas que visam a diminuição das desigualdades socioeconômicas são impunemente desrespeitadas, dando a impressão de que os conceitos que põem por prioridade a igualdade material sempre acabam ineficazes ou ineficientes”.

E foi exatamente por causa da existência dessas desigualdades marcantes nas estruturas sociais, que surgiram as ações afirmativas, onde o Estado juntamente com a sociedade, a fim de evitar as discriminações e dar maior eficácia ao princípio vigente, acabou por implementá-las.

Historicamente, as discriminações que resultam em reflexos até os dias de hoje, são inúmeras, o número de pessoas negras que se encontram em universidades públicas atualmente é um exemplo, ou até mesmo o número de mulheres que obtinham o nível superior há 40 anos atrás.

Conforme leciona, Bandeira de Mello (2005, p. 41), o discrímem para ser legal deve ser conveniente com a isonomia, e para tanto, necessário se faz que ocorram quatro elementos:

“a) que a desequiparação não atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo;

b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferenciados;

c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;

d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público”.

Sendo assim, para o professor Bandeira de Mello, para reequilibrar as desigualdades são necessárias atitudes por parte dos governantes, atuando nas diferentes situações com atos imediatos e mediatos, onde o sistema de cotas seria uma solução imediata e a melhora do ensino público seria uma medida mediata, tendo em vista essa medida mediata é capaz de suprimir o sistema de cotas gradualmente, de tal modo que, quando todos estivessem em igualdade no ponto de partida elas não mais seriam necessárias.

Após a promulgação da Constituição de 1988, passaram a existir diversas formas de equiparação por meio de discriminação ou sem nenhum tipo de discriminação, algumas delas serão expostas, de forma sucinta, a seguir:

– Igualdade nas condições de trabalho: Todos os trabalhadores têm direito à proteção do trabalho, livre do risco de acidentes e propício para o exercício da profissão em condições de dignidade, seja ele: urbano ou rural, intelectual ou braçal, assegurado à justa remuneração, previdência social e ambiente de trabalho salubre, independente de raça, origem ou sexo.

– Igualdade sem distinção de crença: Conforme salienta o inciso VI, do artigo 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:(…)

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

– Igualdade sem distinção de convicções filosóficas ou políticas: Segundo inciso VIII, do artigo 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:(…)

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.

O artigo 143 da Constituição Federal, trata da escusa de consciência, assegurando o direito de cumprir prestação alternativa àquele que se recusar a cumprir um dever a todos impostos em razão de crença ou convicção filosófica, ou seja, é mais uma forma de tentar equilibrar a igualdade num país com tantas diferenças.

– Igualdade perante a tributação: A CF/88 assegura ainda a igualdade no que tange ao princípio da capacidade contributiva elencado no parágrafo 1º do artigo 145, fazendo com que aquele que tem mais, contribua com mais e aquele que tem menos, contribua com menos, sendo que em alguns casos a desigualdade é tamanha que a constituição acaba isentando alguns contribuintes devido a situação financeira, mais um clássico exemplo onde a CF tenta igualar os desiguais.

– Igualdade no acesso à justiça: Dispõe o artigo 5º, XXXIV e LXXIV da Constituição Federal que são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” e b) “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Vale transcrever os ensinamentos de Lucon (1999, p. 111):

“[…] ao fazer observar a igualdade das partes no processo, caberá ao juiz compensar de modo adequado desigualdades econômicas de modo a permitir a efetiva, correta e tempestiva defesa dos direitos e interesses em juízo. Tal é a igualdade real e proporcional, isto é, o tratamento desigual deve ser dispensado aos substancialmente desiguais na exata medida da desigualdade. (apud CRUZ E TUCCI, 1999, p. 111).”

E tantos outros direitos e garantias que acabam por equilibrar a situação de todos e que poderíamos discorrer por tempo indeterminado, porém, como o trabalho deve ser conciso, nos limitaremos aos direitos de igualdade supracitados.

Os dispositivos elencados são de extrema importância para o ordenamento jurídico, pois pereceria, não só o Estado Democrático de Direito, como também o próprio princípio da igualdade, se não fosse garantido a todos o acesso à justiça. No caso em tela, há discriminação, mas em favor dos hipossuficientes, a fim de igualá-los e oferecer paridade de armas em demandas judiciais.

Segundo Rousseau (2001, p. 62), a liberdade e a igualdade são os maiores de todos os bens existentes no ordenamento:

“Se indagarmos em que consiste precisamente o maior de todos os bens, que deve ser o fim de qualquer sistema de legislação chegaremos à conclusão de que ele se reduz a estes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade”.

A Constituição Federal garante a igualdade sem distinção de qualquer natureza, abrangendo brasileiros natos ou naturalizados, sendo que o rol elencado nessa Constituição não é taxativo, e sim exaustivo, abrangendo qualquer caso de desigualdade.

Tanto o direito à vida, quanto o direito a liberdade, são direitos que devem ser necessariamente garantidos para a configuração de um estado Democrático de Direito, conforme dispõe ROUSSEAU (2001, p. 15): “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres”.

Desde os primórdios, a discriminação aos negros é o tipo de ofensa mais grave e mais forte que temos. Determinadas leis apontavam para o fim abolicionista brasileiro, dentre as quais destacamos a Lei do Ventre Livre e a Lei Eusébio de Queiroz. Em 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que conferia a liberdade (mas não a igualdade) entre negros e brancos.

O atual sistema jurídico garante a igualdade, punindo quem agir de modo a afrontar não só a cor, mas a raça ou a origem de qualquer pessoa.

Ao longo da história foram criadas algumas medidas a fim de diminuir as desigualdades impostas aos negros, dentre elas, a que gerou maior discussão fora o sistema de “cotas” em universidades públicas ou em concursos públicos, tendo a discriminação positiva como justificativa a tentativa imediata de diminuir as desigualdades históricas existentes em relação aos negros.

Segundo o inciso I, do artigo 5º da Constituição Federal: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

Nos artigos 3º e 5º da CF, o legislador busca a igualdade entre os sexos, tendo em vista que por muito tempo houve discriminação, sem justificativa, entre homens e mulheres. Conforme salienta, Silva (2001, p. 220):

“Importa mesmo é notar que é uma regra que resume décadas de lutas das mulheres contra discriminações. Mais relevante ainda é que não se trata aí de mera isonomia formal. Não é igualdade perante a lei, mas igualdade em direitos e obrigações”.

Antigamente os idosos eram pessoas muito importantes e respeitadas na sociedade, assim como ocorre atualmente na maioria das civilizações indígenas, pois os idosos carregam consigo seu notório conhecimento, repassando seus conhecimentos, sua vivência e sabedoria para a tribo.

Em contrapartida, diferentemente do que ocorria na antiguidade, a sociedade atual não prestigia, na maioria das vezes, aqueles a quem devemos nosso passado. Por essa razão o legislador, visando evitar as desigualdades, passou a garantir alguns direitos que garantem o mínimo de dignidade aos cidadãos sexagenários, (Estatuto do Idoso, Lei 10741), dando aos idosos um tratamento desigual tendo em vista suas desigualdades.

O legislador também deu tratamento diferenciado aos jovens, pois nos termos do artigo 227 da Constituição Federal, eles têm direito à proteção plena e prioritária, em virtude da condição peculiar de ser humano em desenvolvimento, que possuem:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)”.

Nesse sentido, Silva (2003, p. 37) salienta que o legislador não pode tratar os iguais de forma desigual:

“A regra de que todos são iguais perante a lei, ou de que todos merecem a mesma proteção da lei, entre outros enunciados expressivos da isonomia puramente formal e jurídica, traduz, em sua origem mais genuína, a exigência de simples igualdade entre os sujeitos de direito perante a ordem normativa, impedindo que se crie tratamento diverso para idênticas ou assemelhadas situações de fato. Impede, em suma, que o legislador trate desigualmente os iguais”.

No tocante ao sistema de cotas, segundo Mello (2002, p. 10): “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”.

Assim, a igualdade obriga o legislador, quando tratar diversamente categorias de pessoas, a manter certo equilíbrio entre essas, porém sem que haja a presença de privilégios. Sobretudo, implica que, cada tratamento legal imposto a cada categoria, seja proporcional às situações reais, dentro dos quais se encontram estas categorias.

Dispõe Canotilho (1999, p. 577) sobre o princípio da igualdade, salientando que é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitraria:

“A fórmula “o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente” não contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade (ou desigualdade). A questão pode colocar-se nestes termos: o que é que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de uma forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de igualdade? … existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitraria. O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação: ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas … existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”.

Nesse sentido, Moraes (2002, p. 64-65) sustenta:

“… o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito… A igualdade se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a constituição, como norma suprema, proclama”.

O vício da inconstitucionalidade pode, portanto, incidir em qualquer norma toda vez que uma lei perde o critério da proporcionalidade. Logo, não basta somente uma relação de adequação entre o fator discriminante e o tratamento adotado para a aceitação da diferenciação. Mister se faz o equilíbrio entre esse tratamento e os demais valores constitucionalmente considerados.

Mello (2002, p. 21-22) esclarece:

“… tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles”.

A Constituição Federal veda a utilização da raça ou cor dos indivíduos sem que haja uma justificativa a cerca da discriminação, posto que, para que a raça seja adotada como critério de diferenciação, necessário será a existência de uma correlação lógica entre a desequiparação procedida e o fator de discrímen (raça), caso contrario, a norma editada será considerada inconstitucional, por violar o princípio da isonomia.

No caso do sistema de cotas, não se observa nenhuma correlação lógica entre a desequiparação e o fator discrímen, até porque os alunos negros são privilegiados com base em um fator (raça) que não guarda correspondência com as aptidões exigidas dos demais candidatos, quais sejam o conhecimento e a capacitação técnica.

Os estudantes que prestam o vestibular são submetidos a uma avaliação do conhecimento adquirido no ensino fundamental e médio, independentemente da raça ou cor. Logo, não há qualquer relação entre a raça dos alunos e o que se mede no vestibular.

Portanto, atribuindo tratamento jurídico diverso para os estudantes negros e pardos, estar-se-ia beneficiando esse grupo de pessoas, ou seja, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas em igual situação, logo, estar-se-ia ferindo o princípio da igualdade.

No caso supracitado, os alunos não beneficiados pelo sistema de cotas estariam sendo discriminados, tão somente por pertencerem à determinada raça (branca, amarela, índio), o que não parece justo e essa discriminação, não sendo autorizada pela Constituição, é inconstitucional.

3. A interpretação das medidas raciais no sistema de cotas

A lei de cotas raciais surgiu nos Estados Unidos com intuito de amenizar a discriminação histórica dos negros, pela integração forçada nas escolas e nos locais de trabalho. No Brasil, nunca existiu bairro de negros ou escola só para brancos, embora o racismo esteja presente de outras formas.

No Brasil, diversas universidades brasileiras adotaram uma proposta de cotas ou reserva de vagas para o ingresso da população afrodescendente, criada pelo governo, com o propósito de solucionar o problema das desigualdades raciais no ensino superior.

O sistema de cotas nas universidades assegura um percentual das vagas aos negros e pardos, independentemente de sua classificação, ou seja, acaba criando o estigma de que os negros são menos qualificados que as demais raças, e, consequentemente, aumenta a discriminação contra a população negra.

O artigo 5° da Constituição Federal dispõe sobre o princípio da igualdade:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…)”.

O artigo supracitado dispõe que todos são iguais perante a lei, não admitindo quaisquer distinções, porém, o Artigo 37 do mesmo diploma legal traz uma exceção em relação aos deficientes, atuando aí uma discriminação a fim de proporcionar a igualdade.

“(…) VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.

Carlos Fonseca Brandão (2005) define igualdade da seguinte maneira:

“Juridicamente, a igualdade é uma norma que impõe tratar todos da mesma maneira. Mas a partir desse conceito inicial, temos muitos desdobramentos e incertezas. A regra básica é que os iguais devem ser tratados da mesma forma (por exemplo o peso do voto de todos os eleitores deve ser igual). Mas como devemos tratar os desiguais, por exemplo, os ricos e os pobres. Se fala em igualdade formal quando todos são tratados da mesma maneira e em igualdade material quando os mais fracos recebem um tratamento especial no intuito de se aproximar aos mais fortes”.

O princípio da igualdade, sobre o aspecto prático (igualdade material) busca a igualdade dos desfavorecidos, favorecendo-os com alguns privilégios exclusivos. No entanto, a igualdade material se opõe ao inciso III do artigo 19 da Constituição Federal:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

II – recusar fé aos documentos públicos;

III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”;

Se a Constituição Federal (Lei maior) proíbe quaisquer distinções ou preferências entre os brasileiros e o sistema de cotas faz isso, logo, o sistema de cotas raciais para negros, tanto em universidades quanto em concursos públicos, é INCONSTITUCIONAL.

A solução para o problema é melhorar a qualidade da educação básica da rede pública, tendo em vista que o processo seletivo parte do pressuposto que a educação básica da rede pública capacita os alunos para a universidade, o que, é óbvio, não condiz com a realidade do país hoje.

Para que todos pudessem competir, em igualdade de condições, seria necessário que ocorressem mudanças significativas no processo seletivo ou no ensino da rede pública, para que a competição realmente ocorresse em igualdade, tanto para os egressos de escolas públicas quanto para os egressos de escolas privadas, tanto para pobres, quanto para ricos, enfim, sem distinções entre negros, índios ou brancos.

Para entender se as ações afirmativas são compreendidas sob o prisma do privilégio ou da igualdade, mister se faz duas distinções importantes: o que é privilégio e o que é a equidade? Somente por meio destas distinções, é possível entender se as ações afirmativas são compreendidas sob o prisma do privilégio ou da igualdade.

Segundo dispõe Bobbio (1992, pág. 312), na aplicação do princípio da igualdade ao caso concreto podem ocorrer dois casos distintos: a equidade, entendida como adaptação da norma ao caso concreto (permite corrigir uma possível desigualdade que resultaria da aplicação rígida da norma geral, portanto, não viola a regra de justiça), e o privilégio, entendido como isenção de um dever geral ou atribuição de um direito particular a uma pessoa ou categoria singular (introduzindo uma desigualdade não prevista, e violando, portanto, a regra de justiça).

Segundo Mello (2004), se a desequiparação atingir um critério diferencial e não estiver em consonância com os princípios da generalidade e abstração, ou a norma adotar um fator diferencial que não resida na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada, viola o princípio da isonomia, ou seja, ao instituir um sistema que apresente critério extremamente individualista, fundado em concepções que não se encontrem de acordo com o sentido da norma constitucional, caracterizado estará a violação ao próprio sentido de igualdade.

Indubitavelmente, a adoção de um sistema para assegurar os jovens afro-brasileiros a ingressarem em universidades ou concursos públicos com vagas já reservadas, é com certeza instituir uma política discriminatória em face da população branca.

Insta salientar, que apesar dos negros terem sido estigmatizados no passado, atualmente o Brasil é considerado um país de miscigenação e por vivermos em um ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, TODOS, sem exceção, sejam brasileiros natos ou naturalizados, possuem direitos e deveres para com a nação.

O direito ao acesso às universidades é um direito de todos, independentemente de cor, raça, condição financeira, pois implementar um sistema de cotas é abolir a universalidade da educação, instituída constitucionalmente.

A informação está cada vez mais acessível, sendo que hoje negros e brancos possuem as mesmas condições de ingressarem em uma universidade, não fazendo sentido utilizar-se da cor para obter um direito não estendido aos demais.

Tratar os desiguais na medida de suas desigualdades seria assegurar ao hipossuficiente, egresso de escolas públicas, a oportunidade de ingressar em uma universidade ou mesmo num concurso público e não assegurar tais direitos em razão da cor da pele.

 Bobbio (1992, pág. 315) dispõe sobre tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente:

“(…) O problema seria enormemente simplificado se todos os homens fossem iguais em tudo, como se afirma que são, embora apenas em sentido metafórico, duas bolas de bilhar ou duas gotas de água. Nesse caso bastaria um único critério: “A todos a mesma coisa”. Não seria necessário dividi-los em categorias segundo as suas diferenças e todos pertenceriam a uma única categoria. Em um universo em que todos os elementos pertencem à mesma categoria, a regra de justiça “é preciso tratar os iguais de modo igual” esgota o problema da justiça. Basta para solucionar o problema, e não é necessário recorrer a critérios de diferenciação que são o pomo da discórdia, e deram origem às seculares disputas sobre o modo de distribuir ônus e bônus: cada um desses critérios, de fato, divide os homens de diferentes modos e a adoção de um ou de outro deve-se a juízos de valor dificilmente comparáveis entre si e sobre os quais é difícil pôr-se de acordo. Mas os homens não são iguais em tudo, são iguais e desiguais, e nem todos são igualmente iguais ou igualmente desiguais. Aqueles que são iguais com base em um critério podem ser desiguais com base em outro critério e vice-versa”.

Nesse sentido, Jaccoud e Beghin (2002, pág. 151) dispõem sobre a discriminação ao contrário:

“[…] outra linha argumentativa sustenta que qualquer iniciativa que busque diminuir os efeitos da discriminação racial por meio de medidas de privilégio racial inverteria a questão sem resolvê-la. Esse esforço configuraria uma discriminação “ao contrário”, mas igualmente odiosa, como qualquer forma de discriminação”.

Frise-se que instituir um sistema de cotas para determinada categoria de pessoas não irá resolver um problema enraizado na sociedade (desigualdade material dos afro-brasileiros).

O Poder Público brasileiro criou um projeto de lei, acreditando ser a solução da desigualdade racial nas universidades, tendo em vista o número reduzido de negros no ensino superior deste país, em contradição ao percentual negro da população.

Nesse diapasão dispõe Dworkin (2002, pág. 369):

 “Os critérios raciais não são necessariamente os padrões corretos para decidir quais candidatos serão aceitos pelas faculdades de direito, mas o mesmo vale para os critérios intelectuais ou para qualquer outro conjunto de critérios. A equidade – e a constitucionalidade – de qualquer programa de admissões deve ser testada da mesma maneira. O programa estará justificado unicamente se servir a uma política adequada, que respeite o direito de todos os membros de serem tratados como iguais. […] Temos, todos nós, inteira razão ao desconfiarmos das classificações por raça. Elas têm sido usadas para negar, em vez de respeitar, o direito à igualdade, e todos nós estamos conscientes da injustiça que daí decorre”.

É de suma importância a análise da objetividade da justificativa utilizada ao implantar qualquer medida compensatória, para que possa ser aceita por constitucional. Sendo assim, esclarece Dworkin (2002, pág. 368):

“Os argumentos favoráveis a um programa de admissões, que discrimine a favor dos negros são ao mesmo tempo utilitaristas e de ideal. Alguns dos argumentos utilitaristas baseiam-se, ao menos indiretamente, em preferências externas, como a preferência de certos negros por advogados de sua própria raça; mas os argumentos utilitaristas que não se baseiam em tais preferências são fortes e podem ser suficientes. Os argumentos de ideal não se baseiam em preferências, mas sim no argumento independente de que uma sociedade mais igualitária será uma sociedade melhor, mesmo se seus cidadãos preferirem a desigualdade. Este argumento não nega a ninguém o direito de ser tratado como igual”.

Segundo Bastos (1998, pág. 417), o acesso à Universidade de grupos desfavoráveis fere o princípio da igualdade, posto que a educação superior é direito de todos, não podendo existir qualquer tipo de discriminação quanto à cor, sexo e idade:

 “A educação deve ser dirigida a todas as classes sociais e a todos os níveis de idade, sem qualquer tipo de discriminação, ou seja, deve-se considerá-la como sendo privilégio de todo o povo e não de uma classe social”.

O sistema de cotas quer seja nas universidades, quer seja em concursos públicos, trata-se de privilégios aos negros e pardos, violando o princípio da igualdade.

O sistema de cotas viola, outrossim, o princípio do mérito, constante na Constituição Federal de 1988, art. 208, inciso V, segundo o qual, o acesso ao nível superior deve ser feito segundo a capacidade de cada um:

“Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:(…)

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”;

O sistema de cotas contradiz o princípio do mérito, tendo em vista que se a seleção baseia-se na escolha dos melhores alunos (critério merecimento), as cotas distorcem o fundamento do sistema, ou seja, alunos com notas inferiores ingressam na faculdade, ao passo que outros, com melhores notas, são reprovados.

A inconstitucionalidade é cristalina, tendo em vista que as vagas nas universidades públicas são limitadas, logo, as vantagens concedidas a uma categoria social implicará prejuízos para todas as demais.

A discriminação positiva busca a efetivação da igualdade de possibilidades, porém, não é a raça ou a cor que merece um regime jurídico privilegiado, logo, há inconstitucionalidade no sistema de cotas para negros nas universidades, posto que, a dificuldade de ascensão dos negros ao ensino universitário não está relacionada ao racismo e sim à pobreza da maior parte desta população.

Para Tregnago, a lei de cotas é uma aberração jurídica, posto que fere os princípios basilares da Constituição Federal ao considerar que negros e brancos são desiguais, separando as raças num país de miscigenação. Se as políticas de cotas forem estendidas a tendência é uma piora significativa na qualidade do ensino prestado, pois a ação afirmativa premia os despreparados.

A inconstitucionalidade é notória, tendo em vista a discriminação entre pessoas que estão em situações de igualdade, utilizando-se como critério a cor e ignorando o sistema de mérito, permitindo que alunos com notas inferiores ingressem na faculdade, enquanto alunos com notas melhores não consigam o ingresso.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, portanto, que o sistema de cotas destinadas a negros, seja em universidades, seja em concursos públicos, são inconstitucionais pelos motivos a seguir expostos:

O sistema de cotas para negros fere em absoluto o princípio da igualdade, amplamente exposto no item 3 do presente trabalho;

Frise-se que o sistema de cotas fere, ainda, o objetivo fundamental da Republica Federativa do Brasil, que é reduzir as desigualdades sociais e regionais, elencado no artigo 3º da Constituição Federal, posto que, é uma discriminação ao contrário, ou seja, igualmente odiosa, como qualquer outra forma de discriminação.

O artigo 5º da Constituição Federal, por sua vez, é amplamente atingido pelo sistema de cotas, posto que, estabelece que todos são iguais perante a lei, ou ao menos deveriam ser!

É inconstitucional também por afrontar o inciso III do artigo 19 da Constituição Federal, tendo em vista que é expressamente vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si, e frise-se: é justamente o que o sistema de cotas faz!

E como se já não fosse o suficiente, o sistema de cotas atinge também o inciso V do artigo 208 da Constituição Federal, pois é DEVER do Estado efetivar a educação mediante acesso aos níveis mais elevados de ensino segundo a capacidade de cada um e por mais irônico que seja o sistema de cotas também não é capaz de possibilitar isso, tendo em vista que por vezes um branco será preterido (ainda que com notas superiores ao de um negro) somente por causa de sua cor…Realmente um paradoxo gritante!

Mister se faz esclarecer que, agregar o componente econômico no sistema de cotas em nada ajudaria, tendo em vista que apenas iria distorcer a realidade, criando uma falsa sensação de justiça, ou seja, o sistema de cotas, baseado em qualquer outro sistema é um atestado da incompetência do Estado, que não cumpre com o dever de propiciar aos jovens o acesso ao ensino de qualidade e voltado à formação integral.

O Brasil necessita estabelecer a construção de uma educação pública de qualidade, como prioridade, em todos os níveis de Governo, visando a formação integral do aluno.

As ações afirmativas, no que tangem ao sistema de cotas, em nada contribuem para instituir uma sociedade mais justa e igualitária, conforme preconiza nossa Constituição Federal.

Em suma, o tratamento diferenciado entre negros e brancos não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico, razão pela qual, o sistema de cotas é inconstitucional, tendo em vista que ninguém poderá ingressar em uma universidade ou mesmo ocupar um cargo público em razão de sua cor ou classe econômica e sim por ser merecedora de ocupar tal posição, até porque com educação pública de qualidade, as cotas não seriam necessárias.

 

Referências
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BOBBIO, N. A era dos direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992;
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a. Edição. Coimbra: Almedina, 1999, 1414 páginas
CONTINS, M.; SANT'ANA, L. C. O Movimento negro e a questão da ação afirmativa. Estudos Feministas. IFCS/UFRJ-PPCIS/Uerj, v. 4, n. 1, p. 210.
CRUZ, A. R. de S. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.p. 185.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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TREGNAGO, Carlos Alberto. Cisma moderna: sistema de cotas é ferramenta de injustiça e inferioridade. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3804/Cisma-moderna-sistema-de-cotas-e-ferramenta-de-injustica-e-inferioridade. Acesso em 07 jun. 2013.

Informações Sobre o Autor

Daniela Bonadiman

Advogada, pós-graduada em: Direito Constitucional, Direito e Processo do Trabalho, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Previdenciário e Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública


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