Resumo: Devido ao avanço tecnológico, muitas descobertas estão sendo realizadas no âmbito do setor farmacêutico, seja de novas patentes de medicamentos fármacos, ou de novos processos de aprimoramento destes. Entretanto, sabe-se que este é o domínio do setor privado, principalmente no Brasil, onde a legislação pátria ainda é muito escassa e pouco protetora, havendo um confronto direto entre princípios constitucionais de acesso ao patrimônio em prol da saúde pública e o direito de possuí-lo. A partir deste ponto controvertido, surge o Acordo TRIPs, o qual iniciou a OMC, tratando, em especial sobre o licenciamento compulsório, a popular “quebra de patente”, legitimando a função social da patente de medicamentos fármacos.
Palavras-Chave: Função social, Propriedade intelectual, patentes fármacos.
Abstract: Due to technological advances, many discoveries are being made within the pharmaceutical industry, is the new drug patent drugs, or new processes for their improvement. However, it is known that this is the domain of the private sector, mainly in Brazil, country where the law is still very scarce and not very protective, with a direct confrontation between the constitutional principles of access to equity in favor of public health and the right to possess it. From this point in dispute, there is the TRIPS Agreement, which initiated the WTO case, in particular on compulsory licensing, the popular "patent infringement", legitimizing the social function of patent medicines drugs.
Key-words: The social, intellectual property, patent drugs.
1. A Normatização Internacional e Doméstica da Propriedade Intelectual
Para as empresas despenderem recursos para o desenvolvimento de tecnologia, é necessária uma rica e ampla legislação a qual permita os direitos do inventor sobre esta. Para tanto, diversos acordos internacionais foram celebrados entre países, muitos multilaterais ou bilaterais, prevendo inclusive a possibilidade de comercialização desta tecnologia. O efetivo funcionamento das patentes é o que garante o acesso e proteção apropriada à tecnologia, conferindo direitos exclusivos aos respectivos inventores por um determinado período após a descoberta.
É consolidada a história jurídica dos direitos da propriedade intelectual a partir da data de 1883, com a Convenção de Paris, associada com a Convenção de Berna, de 1886, para a unificação dos direitos da propriedade intelectual que cuidaram juridicamente de matérias inerentes ao direito internacional deste tema .Estes acordos possuíam o objetivo de valorizar os direitos individuais, que eram tímidos pelas normas internacionais.[1] Também, as referidas Convenções permitiam aos Estados membros uma grande latitude para legislarem, adequando os conceitos de propriedade intelectual aos seus interesses nacionais, mas as disposições da Convenção deveriam prevalecer sobre as nacionais, com o enfoque de uniformizar os interesses da propriedade intelectual.
Por provocações brasileiras, em 1962, a ONU cria a Resolução 375 da Assembléia Geral, indicando a propriedade industrial como relevante ao desenvolvimento econômico e social e, também, reconhecendo que as patentes farmacêuticas são essenciais para tais questões, denunciou o estreitamento entre o acesso a medicamentos e o direito social, composto a partir do conjunto de necessidades individuais e ficou mais evidente em 1994 com o fim da Rodada do Uruguai e o início da OMC, através da negociação do acordo TRIPs (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights – tentava conciliar os interesses dos países em desenvolvimento que buscavam medidas para o desenvolvimento tecnológico, assim como dos países desenvolvidos, os quais preocupavam-se com o fato da fragilidade existente em outros países por inexistir uma proteção eficiente) ,cujo a questão central rondava o reconhecimento dos graves problemas de saúde pública enfrentados por países subdesenvolvidos, além de sua preponderância em relação aos interesses comerciais, sendo a proteção à inovação o principal objetivo a ser atingido e a concordância de que todos os Estados signatários estabelecessem um padrão mínimo de proteção à propriedade intelectual. A legislação brasileira incorporou e ratificou os dispositivos do Acordo TRIPs (Decreto nº 1.355/94) e criou outros caracterizados como “TRIPs – plus”[2], normas que ampliam os padrões negociados no âmbito da OMC, apostando na promulgação da Lei nº 9.279 de 14 de Maio de 1996, que, diferentemente do Código de Propriedade Intelectual de 1971, através de seu artigo 9 º, o qual não concedia privilégios às invenções relativas aos medicamentos e seus insumos ; concede proteção à tais produtos e processos de obtenção e modificação destes, porém sua proteção deve almejar o desenvolvimento tecnológico pátrio e o interesse social, vistos como o fundamento das patentes.[3]
2. Acordo TRIPs: os interesses de terceiros frente aos direitos dos detentores das patentes.
Durante o período em que os fármacos não eram privilegiados pela proteção intelectual, contida na Lei nº 5.772/71, o crescimento real das empresas brasileiras em face à participação no mercado farmacêutico não existiu, possibilitando uma transnacionalização da farmacologia[4] em decorrência da concentração da produção de medicamentos em Estados mais industrializados, formando muitas vezes, oligopólios[5]. Daí, a questão da necessidade da patenteabilidade de medicamentos e processos farmacêuticos, instituído através do método pipeline[6].
John Braithwaite e o Professor de Direito da Australian National University, Peter Drahos[7], defendem a concessão de patentes na área farmacêutica como porta para uma concentração de pesquisas pouco relevantes para as doenças tropicais, oriundas de países pobres, onde a população não teria condições de arcar com os preços de medicamentos patenteados, além do que, geraram concentração de poder em poucas empresas, provenientes de países ricos, desta maneira, aprofundando a desigualdade entre blocos continentais, tendo em vista que países da União Européia, EUA e Japão são os maiores patenteadores.[8] David Harvey, em sua afirmação mais radical, ressalta que o Acordo TRIPs “aponta para maneiras pelas quais o patenteamento e o licenciamento de material genético, o plasma de sementes e todo tipo de outros produtos podem ser usados agora contra populações inteiras cujas práticas tiveram papel vital no desenvolvimento desses materiais” [9], a partir da demasia privatização dos recursos naturais.
Esta questão em relação ao Acordo TRIPs, é visualizada em seu artigo 7º, que contempla o dever de contribuição do direito da propriedade para a disseminação da tecnologia assim como, sua transferência. Existe a linha tênue entre este artigo em relação ao artigo 30, cuja interpretação conclui que os Estados signatários devem atender as necessidades dos interesses de terceiros frente aos detentores das patentes, impondo-lhes restrições. A legislação eficácia deve partir do próprio Estado, tal flexibilidade oportuna o surgimento da licença compulsória.
3. A previsibilidade da função social da patente de medicamentos fármacos na Constituição Federal a partir do Acordo TRIPs com a eventual permissão para o licenciamento compulsório.
No ordenamento jurídico brasileiro, a tutela constitucional dos direitos da propriedade industrial é conferida pelo artigo 5º, incisos XXII e XXIX, da Constituição Federal de 1988, entre os direitos individuais e pelo princípio da propriedade. Também, o texto constitucional subordina ao atendimento de sua função social, conforme estatui o inciso XXIII, do artigo 5º e como princípio da ordem econômica, contido no artigo 170, II e III. Com efeito, a lei ordinária de propriedade intelectual que visa atender aos interesses da política externa governamental, em detrimento do interesse social ou do desenvolvimento tecnológico do país, incidirá em vício insuperável, eis que confronta e atenta contra as finalidades que lhe foram atribuídas pela Lei Maior. A Constituição não pretende estimular o desenvolvimento tecnológico em sim, ela procura ao contrário, ressalvar necessidades e propósitos nacionais, num campo considerado fundamental para a sobrevivência de seu povo, através de um conjunto de objetivos: interesse social, desenvolvimento tecnológico e o econômico, dentre os quais, todos são importantes e não podem ser ignorados, já que em países pobres ou em desenvolvimento, há de prevalecer a noção da função social da propriedade intelectual das patentes farmacêuticas junto com o princípio da acessibilidade. Ou seja, em casos concretos, de nítido interesse público, os direitos do inventor não são uma máxima, como já redigido alhures.
Thiago Gonçalves Paluma Rocha observa:
“Fica evidente que a Constituição Federal tem como objetivo atender ao interesse social, preterindo o interesse privado quando houver conflito entre esses interesses. Havendo confronto entre o direito do particular de explorar com exclusividade seu direito à propriedade intelectual e o interesse geral, de caráter público, de usufruir ou ter acesso, por exemplo, a medicamentos ou tecnologias essenciais para o desenvolvimento social, com base dos direitos humanos, nos direitos e garantias constitucionais, e até mesmo nos acordos relativos à propriedade intelectual, conforme objetivos e princípios do Acordo TRIPs, deve prevalecer o interesse público.” [10]
O Acordo TRIPs reconhece a necessidade de transferência de tecnologia de países mais favorecidos para países com tecnologia precária, incentivando o desenvolvimento e a cooperação internacional. A questão da cláusula de nação mais favorecida é um enorme entrave doutrinário e prático no mercado atual, muitos são os conflitos que merecem respaldo na OMC, devido à flexibilidade do acordo, que permitiu ao ordenamento brasileiro legislar sobre o instrumento legal de licença compulsória. Com a interpretação do artigo 30 do Acordo TRIPs, são enumerados três casos em que este dispositivo jurídico é aplicado, possibilitando a suspensão temporária para o saneamento de um problema relacionado à saúde pública do uso exclusivo de uma patente de fármacos. A primeira insere-se sobre o aspecto econômico, remetendo à questão da livre concorrência, ou seja, à hipótese de concessão de licença compulsória por abuso do poder econômico, prevista no artigo 68, §3º, da Lei de Propriedade Intelectual brasileira de 1996. Dentro do mesmo artigo, em seu § 1º, acrescenta-se a segunda possibilidade do caso de utilização insuficiente para as necessidades nacionais. Disso, entende-se a falta de fabricação local ou incompleta de produto patenteado, tornando-se relevante ao mercado brasileiro, já que em relação aos anti-retro virais, como não há fim econômico (previsto no artigo 184 da Lei de Propriedade Intelectual) por serem de distribuição direta aos portadores de HIV, não necessitam de negociação prévia ou permissão judiciária para a concessão de licença compulsória. A terceira e última está correlacionada às situações de emergência nacional ou de interesse público, entretanto, diferentemente da anterior, esta necessita de uma autorização do titular da marca local sobre o produto importado.
Para que estas exceções sejam usufruídas, tem de serem atendidos requisitos mínimos previstos no artigo 31 do Acordo TRIPS. Deve haver negociação prévia com o detentor da patente e uma remuneração, também, a patente não pode ser exclusiva, devendo estar disponível em território pátrio por prazo de proteção mínimo de vinte anos. Em compatibilidade, o artigo 71 da Lei de Propriedade Intelectual enumera que em caso de emergência nacional ou interesse público, quando o titular da patente requerida não atenda a esta necessidade poderá ser concedida a licença compulsória de ofício, podendo ser seu prazo de vigência prorrogado.
Em Janeiro de 2001, os EUA realizaram um pedido de panel a OMC, para a finalidade de discutir o licenciamento compulsório[11] previsto nos artigos 68 e 71 da Lei de Propriedade Intelectual, regulamentada pelo Decreto nº 3.201, de seis de outubro de 1999. Tal discussão levantada pelos estadunidenses abordava o desrespeito às fronteiras e na garantia que nenhuma patente fosse respeitada. Defendeu-se, o Brasil, ao alegar que sua legislação estava de acordo com o Acordo TRIPs ao blindar o país contra o desabastecimento de medicamentos e os preços abusivos. Em Junho de 2011, Brasil e EUA acordam, em Genebra: EUA decidiram em retirar o pedido de investigação contra o Brasil, ao passo que o último comprometeu-se em comunicar com antecedência qualquer possível intenção de “quebra de patente”.
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Notas:
[1] BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.108
[2] ROSINA, Mônica Steffen Guise. A regulamentação internacional das patentes e sua contribuição para o processo de desenvolvimento do Brasil: análise da produção nacional de novos conhecimentos no setor farmacêutico.2011. Tese. (Doutorado em Direito Internacional e Comparado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011. p. 24.
[3] ASCARELL, Tullio. Teoria de La concurrencia y de los bienes imateriales. Madrid: Bosch, 1970. p. 276.
[4] FROTA, Maria Stela Pompeu Brasil Proteção de Patentes de Produtos Farmacêuticos: o Caso
brasileiro Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, 1993 p.72.
[5] Ibid., p. 69
[6] TINOCO SOARES, José Carlos. Tratado da Propriedade Industrial – Patentes e seus sucedâneos. São Paulo. Editora Jurídica Brasileira, 1998 p. 497.
[7] BRAITHWAITE, John; DRAHOS, Peter. Information Feudalism: Who Ows the Knowledge Economy? London: Earthscan,2002. p. 138.
[8] MAGALHÃES, Vladimir G. Propriedade Intelectual, Biotecnologia e Biodiversidade. 2005. 262 f. Tese (Doutorado em Direito)- Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo.p.138-145.
[9]HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2005.p.123.
[10] ROCHA, Thiago Gonçalves Paluma. Proteção da propriedade intellectual pelo TRIPS e transferência de tecnologia in WELBER, Barral Luiz Otávio Pimentel (org.) Propriedade intelectual e desenvolvimento. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006.
[11] OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria A sistemática de solução de controvérsias no âmbito da OMC. Revista de Direito Internacional Econômico. , v.2, n.5, p.61 – 70, 2003.
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