Direito Constitucional

A Inexistência De Defensoria Pública Na Comarca De Luziânia e o Papel Social Desempenhado Pelo Núcleo De Prática Jurídica Do Unidesc Como Garantidor Do Acesso à Justiça

Deborah Santos Sobral¹, Caroline Gibran Garcia Daher2

Resumo: Diante da ausência da implantação da Defensoria Pública na Comarca de Luziânia, faz-se mister analisar o contexto social da região e o trabalho feito pelo Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc aos assistidos. O objetivo do trabalho é estudar a importância do papel desempenhado pelo Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc, como garantidor do acesso à justiça. Para tanto, quanto aos meios de investigação, serão utilizadas as pesquisas de campo, bibliográfica e documental, valendo-se dos métodos qualitativo e quantitativo, em que se busca visualizar o contexto do objeto de estudo. A partir da análise do perfil da população atendida pelo Núcleo de Prática Jurídica será possível atingir o objetivo da pesquisa, aplicando a metodologia proposta. A investigação documental será realizada em documentos arquivados no interior do Núcleo de Prática Jurídica, além de entrevistas com os colaboradores e assistidos. A finalidade, portanto, é verificar, na prática, a proteção da garantia constitucional do acesso à justiça, por meio do Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc.

Palavras-chave: Acesso à Justiça; Defensoria Pública; Luziânia; Unidesc.

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Abstract: Due to the absence of the implementation of the Public Defender’s Office in the Region of Luziânia, it is necessary to analyze the social context of the region and the work done by the Center of Legal Practice of Unidesc to the assistants. The objective of this work is to study the importance of the role played by the Unidesc Legal Practice Center, as guarantor of access to justice. In order to do this, as well as the means of investigation, field, bibliographical and documentary research will be used, using the qualitative and quantitative methods, in which one seeks to visualize the context of the object of study. From the analysis of the profile of the population served by the Center of Legal Practice will be possible to reach the objective of the research, applying the proposed methodology. The documentary research will be carried out in documents filed inside the Center of Legal Practice, in addition to interviews with the collaborators and assisted. The purpose, therefore, is to verify, in practice, the protection of the constitutional guarantee of access to justice, through the Legal Practice Center of Unidesc.

Keywords: Access to justice; Public defender; Luziânia; Unidesc.

 

 Sumário: Introdução. 1. Acesso à justiça. 2. Princípio da dignidade da pessoa humana. 3. A ausência da implantação de defensoria pública na comarca de Luziânia. 3.1. História da defensoria pública. 3.2. Atuação da defensoria pública no estado do Goiás com ênfase na comarca de Luziânia. 4. O núcleo de prática jurídica do Unidesc e seu alcance. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende discorrer sobre os princípios utilizados como garantidor dos hipossuficientes o acesso a justiça tendo em vista a realidade da ausência de implantação da Defensoria Pública na Comarca de Luziânia e a importância do papel desempenhado pelo Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc nesse contexto social.

Assim, o Núcleo de Prática Jurídica garante o acesso à justiça dos hipossuficientes? Verifica-se que a falta de implantação de Defensoria Pública na Comarca de Luziânia tem ocasionado dificuldades no acesso à justiça das pessoas hipossuficientes financeiras e, consequentemente, fere a garantia da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto social, o Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc atende uma parcela da população que não possui condições de constituir advogado particular. Assim, alunos do curso de Direito, sob a supervisão de professores e advogados exercem a prática jurídica, cujo objetivo maior vai além do aprendizado e contribui para a melhoria da realidade social, de forma geral.

E, guardadas as devidas proporções, o trabalho prestado pelo Núcleo de Prática minimiza os efeitos causados pela ausência da Defensoria Pública.

Desse modo, a presente pesquisa pretende analisar a importância do trabalho realizado pelo Núcleo de Prática Jurídica para a sociedade de Luziânia.

 

  1. ACESSO À JUSTIÇA

O acesso à justiça é direito humano e essencial ao completo exercício da cidadania. Esse acesso ao judiciário vai além, pois, alcança também o acesso a aconselhamento, consultoria, no intuito de busca justiça social.

Há algumas décadas atrás o acesso à justiça era limitado a quem tinha condições financeiras para buscar o judiciário, não impedindo autotutela por aqueles que buscavam justiça, todavia não tinham instrução para chegar até o judiciário. Com o passar dos tempos e principalmente após a teoria da repartição dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) juntamente com esta monopolização do Estado para solucionar os conflitos previstos em lei, o Estado tornou-se o responsável exclusivo em proporcionar o acesso à justiça, sendo impedido a viabilizar e efetivamente dizer o direito aos seus subordinados, distribuindo a justiça àqueles que a invocar.

Segundo Bonifácio (2008), a universalização do acesso à justiça visa primordialmente garantir um processo justo aos cidadãos independentemente dos limites territoriais do Estado ao qual esteja vinculado.

O acesso à justiça está intimamente ligado à justiça social. Pode-se até afirma que é a ponte entre o processo e a justiça social. Sendo a tutela jurisdicional exercida através da garantia de acesso à justiça e se constitui um dos maiores, senão o maior instrumento para garantir uma ordem jurídica justa e então efetivar o exercício da cidadania plena.

No que tange o princípio do acesso à justiça e o direito de petição consagrado no mesmo artigo, inciso XXIV, alínea “a” da Constituição, são princípios diferentes, visto que a diferença de um princípio para o outro é que no princípio garantidor do acesso à justiça é a necessidade de se vir a juízo pleitear a tutela jurisdicional, haja vista se tratar de direito pessoal, ou seja, é preciso que se tenha interesse processual, preenchendo assim a condição da ação.

Além das leis brasileiras, o Brasil também assinou o Pacto de São José da Costa Rica, ou seja, se propondo a cumprir todos os artigos que não entrassem em conflito com a Constituição. Nesse documento também consta em nos seus artigos a proteção e o direito do cidadão ao acesso à justiça.

“[…]toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza[…]” (Artigo 8º, 1 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos – São José da Costa Rica).

Junto com o acesso à justiça, a Constituição Federal prevê no seu rol de princípios alguns que são tidos como garantias fundamentais.

Os direitos fundamentais constituem uma grande conquista da humanidade e verdadeiro instrumento de proteção ao indivíduo diante da atuação do Estado. Este conjunto de valores, direitos e liberdades surge num momento de reconstrução do conceito de Estado e da necessidade de defesa da sociedade, na forma de limitação normativa ao poder estatal.

Essas garantias fundamentais são princípios com aplicabilidade imediatos, ou seja, a sua própria existência é suficiente para que produzam efeitos, pois as garantias fundamentais são direitos humanos que devem ser defendidos e protegidos pelo o Estado. Sendo assim, esses princípios estão entre os assuntos que não se permite alteração no texto da lei original da Carta Magna.

O acesso à justiça vai além de permitir que todos busquem ajuda no judiciário, de acordo com o doutrinador Wilson é necessário ampliar o olhar.

“[…] o conceito de acesso à justiça não pode ser examinado sob o enfoque meramente literal. Em outras palavras, não se pode concebê-lo como se significasse apenas o direito de postulação perante o Estado-juiz, como se fosse a mera “porta de entrada dos tribunais” (SOUZA, 2013, p. 19)

Todavia, é necessária a conceituação exata desse princípio para que o Estado possa trabalhar em viabilizar a execução desse princípio. O Pacto de São José da Costa Rica traz uma definição clara sobre o assunto debatido.

“Artigo 25 – Proteção judicial

  1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
  2. Os Estados-partes comprometem-se:
  3. a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;
  4. b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e
  5. c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso. ” (Artigo 25º, 1 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos – São José da Costa Rica.)

O princípio de acesso à justiça tem suas limitações, pois não se trata de um princípio absoluto, podendo ser imunidade ou estado de emergência do Estado dentre outras. O mesmo documento supracitado em seu corpo limita as situações em que o Estado pode deixar de suprir o acesso à justiça, todavia essas limitações são taxativas e enfatiza as situações que os cidadãos não podem deixar de serem atendidos.

“Artigo 27 – Suspensão de garantias

  1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.
  2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 6 (proibição da escravidão e da servidão), 9 (princípio da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da criança), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos. 3. Todo Estado-parte no presente Pacto que fizer uso do direito de suspensão deverá comunicar imediatamente aos outros Estados-partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos, as disposições cuja aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em que haja dado por terminada tal suspensão. ” (Artigo 27º, 1 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos – São José da Costa Rica.)

 

Um princípio que está ligado diretamente ao acesso à justiça é o princípio da dignidade da pessoa humana, pois esse princípio aborda um conjunto de valores necessários para o ser humano tanto no âmbito pessoal como para o convívio na sociedade.

O doutrinador Barroso consegue abordar no seu conceito a ampla importância desse princípio.

“[…] O princípio da dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios que se pode considerar incorporado ao patrimônio da humanidade, sem prejuízo da persistência de violações cotidianas ao seu conteúdo. Dele se extrai o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais, para tutela da liberdade, da igualdade e para a promoção da justiça. No seu âmbito se inclui a proteção do mínimo existencial […]” (BARROSO, 2016, p.260).

 

  1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana é um conceito amplo, desta forma, existe uma grande dificuldade em ter um conceito jurídico objetivo sobre ele. Sua definição e delimitação são abrangentes, englobando diversas definições e significados. Seu sentido foi sendo criado e compreendido historicamente como valor.

Justamente por ser interpretado como valor é um princípio de difícil conceituação jurídica em virtude de ter características subjetivas das muitas teorias existentes a respeito.

Uma das teorias que se destaca é a kantiana que contribui para o entendimento do princípio, todavia, o princípio tem seu conceito em constância mudança, pois acompanha a sociedade e seus valores.

A autora Flávia Piovesan julga de extrema importância entender primeiramente a forma do texto para depois entender o princípio.

“[…] compreender a forma pela qual o Texto Constitucional consagra os direitos da cidadania impõe-se como requisito fundamental para o enfoque dos princípios constitucionais a reger o Brasil […]” (PIOVESAN, 2013, p.83).

Na Constituição Federal Brasileira, é intrínseca a relação dos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, estabelecer a ideia de que os direitos fundamentais são parte da dignidade humana dentro da ordem constitucional e esta relação esclarece um pouco da função do desse princípio.

A dignidade da pessoa humana é desrespeitada na maioria das vezes quando se tem uma das partes hipossuficiente, na relação processual. A sociedade de certa forma faz uma seleção inconsciente podendo ser explicado pelo Eduardo Santos.

“A história da sociedade humana demonstra que os homens estão sujeitos as desigualdades inerentes a própria luta de classes de todo e qualquer sistema social. Deste modo, para que condições iguais sejam garantidas a todos os seus membros, o Estado deve criar meios que possibilitem urna equiparação entre eles, tais como a inversão do ônus da prova nos casos de hipossuficiência de urna das partes em relação a outra, o acesso gratuito dos mais pobres as defensorias públicas, a instituição de órgãos de defesa do consumidor, dos idosos, das crianças e adolescentes (e demais minorias), a isenção de taxas e tarifas daqueles que não possuem condições financeiras de arcar com tal ônus etc., de modo a quebrantar as “barreiras ao acesso” impostas, sobretudo, pela condição social e econômica dos indivíduos sociais. Assim, e dever do Estado promover soluções a essas “barreiras ao acesso’: tanto antes como durante o processo (com assistência jurídica gratuita, bem como com a gratuidade dos atos processuais e com leis que viabilizem uma igualdade de condições processuais entre os litigantes). ” (SANTOS, 2016, p.146).

É muito difícil de ser definido, mas o princípio da dignidade da pessoa humana possui um lado objetivo e um lado subjetivo. Objetivamente, o Estado deve garantir e assegurar a cada indivíduo o mínimo decente para a sua sobrevivência, sendo muitas vezes distinguindo o ser humano de um animal. Kant critica a comparação do homem com animal, pois o homem não poderia ser confundido com uma coisa ou com um animal.

Subjetivamente, é preciso saber que numa visão até mesmo sociológica, não há como se afastar da constatação de que o pobre preso tem condições diferentes do rico preso.  Porém, a dignidade humana é garantir o respeito ao indivíduo, em sua autoestima e na sua autoconfiança. É garantir o respeito do ser humano acima de qualquer outra medida, seja para a segurança pública, seja para uma meta financeira, dentre outras situações.

Na órbita internacional, a dignidade da pessoa humana é fundamentada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas em dezembro de 1948, logo após o execrável período da Segunda Guerra Mundial, na qual cinquenta e cinco milhões de pessoas perderam suas vidas.

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo. ” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2009, p.2).

A atual concepção de dignidade da pessoa humana encontra suas raízes na Idade Moderna, mais especificamente com Immanuel Kant, que trouxe a ideia do homem como sujeito de direitos, pois, Kant defendia que o homem foi definitivamente tomado como ser que indicava um fim em si mesmo, diferentemente das coisas, representadas apenas de um meio, para se alcançar outra coisa. Só o ser humano, como ser racional que é, pode ser chamado de pessoa, nomenclatura que não se estende aos demais seres e objetos.

 

“O fundamento deste princípio é o seguinte: A natureza racional existe como fim em si mesma. O homem concebe deste modo necessariamente sua própria existência; e, neste sentido, tal princípio é igualmente um princípio subjetivo da atividade humana. ” (KANT, 1964, p.28).

A dignidade significa que todo ser humano revela essência por intermédio da qual outro homem é impedido de submeter ser semelhante aos ditames de seu alvitre. Nenhum ser humano pode ser considerado como meio para os outros, porque é um fim em si mesmo, possuindo valor incomensurável, superior a qualquer outro ser ou coisa. Ingo Wolfgang Sarlet bem define a dignidade da pessoa humana.

“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” (SARLET, 2001, p.60)

Portanto, a dignidade humana é o valor supremo a ser buscado pelo ordenamento jurídico, é o princípio basilar a partir do qual decorrem todos os demais direitos fundamentais, não só para a criação, interpretação e aplicação, mas para a própria existência do direito.

De acordo com Piovesan (2013), o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.

 

  1. A AUSÊNCIA DA IMPLANTAÇÃO DE DEFENSORIA PÚBLICA NA COMARCA DE LUZIÂNIA

3.1 HISTÓRIA DA DEFENSORIA PÚBLICA

Criada em 1988, a Defensoria Pública é a instituição mais nova a compor o Sistema de Justiça. Todavia, o constituinte originário cuidou de instituí-la e sistematizá-la como uma das funções essenciais à Justiça, fundamentando-as nos artigos 134 e 135 da Constituição Federal.

Desde então, as normas que regem a Defensoria Pública passam por um significativo processo de mutação constitucional e gradativamente vem se transformando e ganhando amplitude significativa para abranger todos os vulneráveis, isto é, não só os necessitados econômicos, mas também os necessitados jurídicos e organizacionais.

A Emenda Constitucional 45/2004 proporcionou a uma Reforma do Judiciário e, incluindo o parágrafo 2º ao artigo 134 da Constituição, outorgou às defensorias públicas estaduais as autonomias administrativa, funcional e financeira, mediante a iniciativa de sua proposta orçamentária.

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

  • 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
  • 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º
  • Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.
  • São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal. ” (BRASIL, 1988).

Assim, apesar de agir por intermédio diversos núcleos e dos seus defensores públicos, a Defensoria Pública corporiza ente único, razão pela qual os atos praticados pelo Defensor Público não devem ser atribuídos ao agente, no entanto à instituição Defensoria Pública, pois o mesmo a representa, sendo regido pelo princípio da indivisibilidade, um inerente desse órgão, pois ele está voltado para sua proteção.

Desta forma, por serem um todo indivisível, os membros da Defensoria Pública podem se substituir uns aos outros em causar problemas ao andamento processual e por esse mesmo motivo os defensores públicos não se vinculam aos processos em que atuam, pois, são conduzidos sucessivamente por defensores distintos, observadas as regras legais e regulamentares de distribuição das atribuições.

Em resumo, por força de sua independência funcional, o defensor público pode e deve atuar com ampla liberdade no exercício de suas atribuições, sendo atribuição exclusiva do defensor público conferir a existência de hipótese de atuação institucional, não se podendo falar em nomeação ou designação judicial de defensor para atuar na defesa dos direitos de quem quer que seja.

A liberdade de exercício do defensor público não é o mesmo da autonomia funcional exercida pela Defensoria Pública. A definição do autor Gustavo Corgosinho sobre esse assunto nos traz clareza. “A autonomia funcional é um princípio que visa salvaguardar a Defensoria Pública por inteiro, considerada como conjunto formado por todos os seus órgãos de execução, atuação e administração superior, ao passo que a independência funcional se traduz sob a forma de uma garantia conferida a cada um de seus órgãos e cada um de seus membros, separadamente. ” (CORGOSINHO, 2014, p.64).

Enfim, em virtude de sua independência funcional, a Defensoria Pública encontra-se protegida de toda e qualquer ingerência externa, possuindo plena liberdade de atuação no exercício de suas funções institucionais e submetendo-se unicamente aos limites estabelecidos pela Constituição, pelas leis e pela consciência de seus membros.

A Defensoria Pública também goza de autonomia administrativa e pode ser definida como ter competência de solucionar e gerenciar problemas administrativos como pode ser visto na definição de Mazzilli. “[…] toda vez que um serviço, por conveniência pública, é erigido em instituição autônoma, com capacidade própria de decisão, ou com a capacidade de decidir mediante juízos ou critérios de sua própria escolha […]” (MAZZILLI, 2007, p.140).

Nesse sentido, a Defensoria Pública exerce de maneira independente e livre de influências externas os seus atos de gestão, tais como: adquirir bens e contratar serviços, mediante processos licitatórios próprios; elaborar sua folha de pagamento e expedir os respectivos demonstrativos; praticar atos e decidir sobre situação funcional e administrativa do pessoal; organizar os seus serviços auxiliares; estabelecer a sua estrutura de funcionamento, com os seus órgão de atuação e de execução, estabelecer a lotação de servidores e defensores, certo que estes últimos são dotados da garantia da inamovibilidade, na forma do artigo 134, § 1º, da Constituição da República, etc.

A Defensoria Pública está prevista pela Constituição Federal, no intuito de atender e orientar todos os cidadãos hipossuficientes, garantindo que terão como buscar ajuda no Judiciário, ao mesmo tempo em que terão suas garantias fundamentais resguardadas e não ficando desamparados pelo Estado.

 

3.2 ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DO GOIÁS COM ÊNFASE NA COMARCA DE LUZIÂNIA

No Estado de Goiás, a Defensoria Pública foi legalmente instituída no ano de 2005, através da Lei Complementar Estadual nº 51, de 19 de abril de 2005. No entanto somente no ano de 2013, o Governador do Estado nomeou o primeiro Defensor Público Geral integrante dos quadros da Defensoria Pública.

Por um tempo os servidores da antiga e extinta Procuradoria de Assistência Judiciária estiveram no cargo de Defensor Público do Estado na forma do permissivo do artigo 22 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

No ano de 2015 foram empossados os primeiros defensores públicos concursados, provenientes do I Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado de Goiás. No ano de 2016 foram nomeados outros tantos defensores públicos provenientes do II Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado de Goiás, e em agosto de 2017 os aprovados remanescentes.

No presente momento a Defensoria Pública goiana conta com 84 defensores públicos em seu quadro, fazendo-se presente, em virtude do diminuto quadro de defensores públicos, somente na Comarca da Capital, na Comarca de Inhumas, na Comarca de Anápolis.

A comarca de Luziânia não possui Defensoria Pública instituída. Assim, para tentar suprir a necessidade da população, a Defensoria faz mutirões de atendimento, que duram em torno de uma semana. No entanto, a demanda de hipossuficientes é alta para um evento que ocorre semestralmente ou anualmente, deixando a população desamparada.

 

  1. O NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DO UNIDESC E SEU ALCANCE

O Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Unidesc) foi criado a princípio por ser uma exigência acadêmica para o curso de Direito nas Instituições de Ensino Superior, pois é o local de prática supervisionada dos estudantes de Direito, onde eles têm aulas práticas do ofício e, em contrapartida, assistem à população local.

No entanto a inexistência de Defensoria Pública no Município da Instituição transformou o Núcleo de Prática Jurídica na única maneira para suprir as necessidades jurídicas dos hipossuficientes.

Vários anos depois da sua criação o NPJ encontra-se cada dia mais consolidado, mediante o trabalho que exerce na comarca de Luziânia e nos municípios vizinhos. A comunidade encontra segurança ao saber que mesmo sem a existência de Defensoria Pública o NPJ é um canal da população carente no acesso à Justiça.

Apesar do Núcleo de Pratica Jurídica não ter obrigação legal em promover o princípio da isonomia, com a falta da Defensoria Pública, o NPJ busca fazer tudo o que a Constituição Federal permite no intuito de não deixar os hipossuficientes sofrerem com a deficiência do Estado.

Em entrevista com o Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc o Professor e Advogado Marcelo Nobis foi possível ter acesso ao número de pessoas na equipe, sendo três advogados, uma professora orientadora, um assessor, uma estagiária e no primeiro semestre de 2018, à média de 20 alunos fazendo atendimentos como voluntários ou pela matéria estágio obrigatório da grade curricular do curso, nas áreas penal, trabalhista e civil.

A demanda de assistidos diariamente é alta, sendo em média de 20 assistidos por dia, de segunda a quinta-feira.

Tendo em vista toda a contribuição social realizada pelo Núcleo do Unidesc em busca de garantir o acesso à Justiça e cumprir o executar o princípio da dignidade da pessoa humana aos cidadãos da comarca de Luziânia, já que é palpável a incapacidade momentânea do Estado de Goiás em ter uma Defensoria Pública ativa no município como visa a Constituição Federal, foi realizado uma pesquisa de campo com alguns assistidos do Núcleo de Prática Jurídica para catalogar dados da importância desse trabalho e como tem impactado positivamente na população de Luziânia.

A pesquisa de campo foi realizada com assistidos que buscavam orientação ou assistência na área cível e criminal.

A maioria das pessoas que recorrem ao Núcleo de Prática são cidadãos com baixa escolaridade, sem renda fixa, ou até mesmo sem renda alguma, muitas vezes dependente de familiares para sobreviver.

A maioria das ações interpostas pela área civil é pedida de pensão alimentícia, ou execução dela. Já no atendimento na área penal, é palpável a dor e o sofrimento dos familiares por não entenderem como funciona o sistema jurídico brasileiro, muitas vezes é possível perceber assistidos em busca de ter seus direitos respeitados e acompanhamento sem julgamento social.

O aprendizado dos alunos transcende a prática jurídica, passando a alcançar uma reflexão de como não ser só mais um profissional, no entanto em como fazer diferença na carreira desejada para os necessitados de bons profissionais e não amparados pelo Estado.

Foram aplicados 23 formulários com pessoas aleatórias no NPJ. A maioria nunca teve contato com a Defensoria Pública, inclusive alguns assistidos pelo trabalho realizado pelo Núcleo de Prática pensavam que era a Defensoria. Poucos tiveram contanto com a Defensoria, todavia pelo fato do processo ter vindo de outra comarca.

Os assistidos em seus formulários em sua grande maioria analisaram com nota máxima o desempenho do Núcleo de Prática Jurídica, todavia que conseguiram resolver seus problemas por acordos benéficos ou por processos bem-sucedidos.

A felicidade e alívio no rosto dos assistidos é notório, ao saber que terão seus problemas discutidos no judiciário, pois muitos acham que o judiciário é inalcançável para eles por suas condições já supracitada.

Os profissionais presentes no NPJ tem buscado a capacitação para atender a demanda de orientações jurídicas e assistidos, pois o que era para ser um complemento na comarca de Luziânia se passou a ser o único método de acesso à justiça dos hipossuficientes.

Exemplificando a explanação a cima, uma medida já utilizada pelo Núcleo de Prática Jurídica é em eventos da cidade fazer ações sociais no intuito de atender mais pessoas e divulgar que em caso de necessidade em buscar o judiciário a população tem onde buscar ajuda.

 

CONCLUSÃO

A população hipossuficiente na comarca de Luziânia é exorbitante, tendo em vista o número de atendimentos realizado pelo Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc. A falta de Defensoria Pública no município fere a Constituição Federal, pois não garante direitos fundamentais do cidadão como o princípio da isonomia na relação processual, no atendimento jurídico.

Outro princípio que vem sido deixado de lado com a falta da Defensoria Pública é o princípio do acesso à justiça, pois é impossível a comunidade ter acesso ao judiciário, visto que no processo há necessidade de uma defesa técnica. A falta de Defensores impossibilita o hipossuficiente de buscar a solução do seu conflito pela via judicial, aumentando assim o número de pessoas que abrem mão dos seus direitos por não terem quem os defendam, haja vista que o Estado não vem cumprindo com o seu papel e ferindo dia após dia a Constituição, mesmo sendo ela o pilar da nação.

Em contrapartida é notório o trabalho social feito pelo Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc. É possível perceber, diariamente, que a falta da Defensoria está sendo minorada, com eficiência e eficácia, dentro da permissão legal e dos limites de alcance do Núcleo.

O Núcleo não tem condições de trazer o mesmo suporte para a comunidade, pois não goza dos mesmos direitos e autonomia. Todavia, com todas as dificuldades enfrentadas, principalmente pela procura ser maior que o número de profissionais para o atendimento, o Núcleo de Prática do Unidesc não desiste de assistir da melhor maneira possível cada hipossuficiente aflito que estaria desamparado sem o Núcleo.

O reconhecimento social e do seu trabalho se expandiu a ponto da Defensoria Pública do Estado, toda vez que precisa fazer um mutirão na comarca de Luziânia, solicita auxilio direto do Núcleo de Prática Jurídica do Unidesc.

Por melhor que seja o trabalho desempenhado pelo NPJ não é possível cobrar do Unidesc algo que não pode ser delegado, pois o acesso à justiça pela Defensoria Pública é obrigação do Estado, sendo o Núcleo de Prática Jurídica em teoria um meio de aprendizado dos alunos e uma contribuição social. O NPJ é uma solução paliativa que o Unidesc junto com a comunidade encontrou de não desamparar a população, no entanto o fato do Núcleo está desempenhando um bom trabalho em atender os Hipossuficientes, é perceptível o comodismo do Estado em cumprir a Constituição, já que não se tem nem previsão de concurso para Defensores para a comarca de Luziânia.

Em resumo, o trabalho que vem sido realizado na comarca de Luziânia pelo Núcleo vem trazendo dignidade, isonomia, acesso à justiça e resolvendo casos que, sem ele, não teriam solução por falta de Defensoria Pública no município. A comunidade sabe que enquanto o Estado não começa a cumprir o que está determina na Carta Magna eles não estão desamparados.

Em virtude dessa situação o Unidesc tem laços estreitos e um bom relacionamento com os cidadãos da comarca de Luziânia o que facilita a confiança mútua para a realização dos trabalhos.

 

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. – ABNT. NBR 15287. Informação e documentação: projetos de pesquisa: apresentação. Rio de Janeiro, 2005.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. – ABNT. NBR 6023. Informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.

BARROSO, LUÍS ROBERTO. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2 ed. São Paulo, Saraiva, 2016.

BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a proteção dos Direitos Fundamentais. Coleção Professor Gilmar Mendes. v. 8. 1. ed. São Paulo: Método, 2008.

CORGOSINHO, GUSTAVO. Defensoria Pública. 2 ed. Belo Horizonte, Arraes, 2014.

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1 Acadêmica do Curso de Direito no Unidesc – ssobraldeborah@gmail.com

2 Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central-Faciplac (Brasília – Brasil). Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhaguera-Uniderp (Brasília-Brasil). Máster em Derecho y Negocios Internacionales pela Universidad Europea del Atlántico – Uneatlantico (Santander – Espanha).

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