Nicolau’s Influence On Policy In Contemporary Policy In The Light Of Work The Prince: Ethical, Moral And Religion
Iara Cristina Dos Anjos Costa [1]
Luiz Vieira De lima [2]
Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA
Resumo: A originalidade do pensamento de Maquiavel está exprimida em uma das suas principais obras, O príncipe, nela é notória a ruptura que o autor provoca em relação ao período antecessor a ele, a idade média, ultrapassando barreiras da moralidade, ética e religião tradicionais, constituindo uma nova forma de pensar e analisar a política. O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise dos escritos de Maquiavel, na obra O príncipe, e como seu pensamento influencia e contribui para o desenvolvimento da política contemporânea, para isso, se fez necessário uma análise do período do renascimento, que reflete uma transição da idade média para a moderna, em meio a uma instabilidade política, a partir desse momento, o autor passa a discorrer sobre a necessidade da moral, ética e religião se desvincularem da política, em nome das razões do estado, em contraposição aos filósofos clássicos como Sócrates, Platão e Aristóteles, que defendiam de maneira idealista a relação entre esses conceitos, inclusive a ética como requisito para o sucesso do homens na vida política, nesse sentido busca entender quais os reflexos desses aspectos na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Maquiavel – política – ética – moral – contemporaneidade.
Abstract: The originality of Machiavelli’s thought is expressed in one of his major works, The Prince, in it is notorious the break that the author causes in relation to his predecessor period, the Middle Ages, overcoming barriers of traditional morality, ethics and religion, constituting a new way of thinking and analyzing politics. This study aims to perform an analysis of the writings of Machiavelli in the work The Prince, and how his thinking influences and contributes to the development of contemporary politics. For this, an analysis of the Renaissance period was necessary, reflecting a transition. From the Middle Ages to the Modern Age, in the midst of political instability, from that moment on, the author goes on to discuss the need for morality, ethics, and religion to disengage from politics, in the name of state reasons, as opposed to classical philosophers. like Socrates, Plato and Aristotle, who ideally defended the relationship between these concepts, including ethics as a requirement for the success of men in political life, in this sense seeks to understand what are the reflections of these aspects in contemporary society.
Keywords: Machiavelli – politics – ethics – moral – contemporaneity.
Sumário: Introdução. 1. Moral, ética e política. 1.1. Abordagem histórica. 1.2. Contribuições filosóficas. 2. Análise da obra o príncipe. 2.1. Contexto histórico. 2.2. Realismo político. 2.3. Virtù e fortuna. 3. Maquiavel na contemporaneidade. 3.1. Jogo de aparências dos governantes. 3.2. A ética política de Maquiavel x ética tradicional. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O príncipe se trata de uma obra clássica muito conhecida que foi considerada durante muito tempo um manual de conselhos para governantes, assumiu diversas interpretações ao longo da história e atualmente continua exercendo uma poderosa influência sobre os mecanismos políticos, pois desperta o interesse em diversos tipos de leitores, principalmente dos líderes políticos e daqueles que almejam tal posição. A obra que tinha como premissa, elaborar instruções para um chefe de Estado alcançar seus objetivos, sobre uma determinada época e contexto histórico, isto é, os problemas políticos, econômicos e ideológicos que contextualizavam com tudo que acontecia na Península Itálica na segunda metade do Século XV.
Nicolau Maquiavel é tido como o primeiro a pensar a política sob uma perspectiva moderna, deixando para trás todas as concepções filosóficas idealistas e desvinculando da política, os princípios morais, éticos e religiosos que até então eram entendidos como parte fundamental para as ações de um soberano, sua forma de pensar se dá pela verdade efetiva das coisas, a realidade concreta, observando o modo efetivo que os políticos desenvolvem suas ações, passando a ver as coisas como de fato elas são e não como gostariam que fosse, forma intitulada de realismo político, cerne da obra de Maquiavel. Na busca por uma melhor compreensão da influência dos escritos de Maquiavel para a contemporaneidade em O príncipe, é importante fazer considerações sobre moral, ética e religião, pois para o autor, a política não está ligada a nenhum destes aspectos.
1.1 Abordagem histórica
Não se pode falar em ética sem fazer considerações sobre os preceitos morais, esses termos por possuírem semelhanças quanto ao significado, por vezes são usados como sinônimos, mas apresentam características diferentes entre si, entretanto, o fato é que ambas estão ligadas à construção de guias para o comportamento do ser humano em sociedade.
A ética afirma-se no campo filosófico em uma reflexão de valores e princípios morais de uma sociedade. A moral, por sua vez, se baseia na obediência de hábitos e costumes, que podem variar em aspectos históricos de épocas, regiões e de sociedade para sociedade, pode- se dizer que a moral é datada historicamente de forma que ao observar a evolução das civilizações verifica-se que tradições e costumes aceitos moralmente em épocas passadas, hoje em dia já não são mais entendidos da mesma forma, e a ética busca o fundamento das ações morais de acordo com a razão, “A Ética significa Ciência da moral, quer dizer, ética seria a construção intelectual, organizada pela mente humana sobre a moral. Esta seria, pois, o seu objeto” (COIMBRA, 2002, p. 75).
“A ética estuda as relações entre o indivíduo e o contexto em que está situado. Ou seja, entre o que é individualizado e o mundo a sua volta [mundo moral]. Procura enunciar e explicar as regras [sobre as quais se fundamenta a ação humana ou razão pela qual se deve fazer algo], normas, leis e princípios que regem os fenômenos éticos. São fenômenos éticos todos os acontecimentos que ocorrem nas relações entre o indivíduo e o seu contexto”. (KORTE, 1999, p. 64)
A ética como estudo das normas e princípios que norteiam as bases da vida individual e da moralidade social, se trata, portanto, de uma reflexão sobre as ações do indivíduo em sociedade. Ao longo da história, com a expansão da filosofia, os pensamentos a respeito da ética e moral, e a reflexão sobre esses termos foi se tornando cada vez mais complexa, se tratando do comportamento do ser humano. Essa preocupação se deve a construção de sociedades organizadas, onde passava a ser importante a definição de normas de convivência para uma construção harmoniosa entre os agentes sociais da época.
Durante um longo período da história, na Idade Média, a igreja detinha grande influência social. São Tomás de Aquino foi um dos grandes responsáveis pela orientação e proteção religiosa da sociedade. Ele aplicou a visão de Aristóteles sobre a doutrina cristã, para São Tomás de Aquino, (AQUINO, 2001) a fé e a razão estavam unidas e não poderia haver contradição em ambas, pois elas estavam sempre dirigidas a Deus, somente com exercício da razão humana atrelado a revelação divina, o homem poderia atingir a perfeição das virtudes.
1.2 Contribuições filosóficas
Sócrates preocupado com a moral, nos seus estudos fez considerações a respeito dessa, na famosa frase “Conhece a ti mesmo, lema que não era teórico, mas prático, pois não buscava um conhecimento puro e sim uma sabedoria de vida), acentuou a especificidade da moral diante da cosmologia (estudo filosófico do mundo) ” (VALLS, 2017, p. 35). O filósofo procurava instigar as pessoas a fazerem indagações sobre suas ações da vida cotidiana, bem como os valores ligados a estas, fazendo questionamentos sobre o que são considerados condutas boas e ruins, como o bem é tido como virtude e o mal um erro, perguntas reflexivas importantes não só para o indivíduo, mas, também para a sociedade.
Seguindo a análise, outro pensador que contribuiu para a história da ética e moral, foi Platão. Considerado um dos maiores influentes no assunto, ao refletir sobre as definições de ética, o filosofo buscou uma articulação entre o belo e bem, ao ponto que o ser humano se constitui ético através do conhecimento a respeito do bem, a ideia que está inserida na obra A república (1993)¸ explica que um homem justo em nada será diferente da cidade justa e ainda serão semelhantes a ela, “Platão estabelece uma relação estreita entre o cidadão e a cidade. Um reflete o outro. Ele examina a correspondência entre a função da alma e os papeis sociais” (PAVIANI, 2010, p. 19), nesse sentido esses conceitos possuem um vínculo, e são tratados de forma harmoniosa no pensamento de Platão. Del Vecchio (1925, p. 14) contribui dizendo “Aparecem aí fundidas a norma moral e jurídica, a política e a ética, inclusive psicologia, ou seja, a vida interior de indivíduo e as relações sociais”.
A ideia acerca de ética teve continuidade no pensamento de Aristóteles, aluno de Platão, para ele, a ética na sua essência, está ligada a teoria de que as ações humanas possuem um fim, e esse é direcionado a realização de um bem específico. Na análise de A ética a Nicômaco (1985) de Aristóteles, é possível identificar uma síntese das virtudes que formavam a moral na sociedade grega, baseada no bom senso, fundada nos juízos morais do homem bom e virtuoso, a junção dessas virtudes permite o alcance de um bem supremo que se chama felicidade.
“O que faz a marca específica do homem é o pensamento e a razão que o segue. É a atividade intelectual. Nesta encontra-se a fonte principal das alegrias do homem, ou seja, a fonte donde provém a verdadeira felicidade. Com efeito, a felicidade do homem consiste no aperfeiçoamento da atividade que lhe é própria, ou seja, na atividade segundo a razão. O homem deve, então, subordinar o sensível ao racional. A subordinação da atividade sensível à atividade racional se impõe. É o preço da felicidade humana e a condição da moral humana. Portanto, para ser feliz, o homem deve viver pela inteligência e segundo a inteligência” (Nodari, 1997, p. 390).
A ética aristotélica é apresentada como parte da política, cuja finalidade é o bem do homem, intrinsecamente condicionada ao bem da cidade. Existe uma ligação íntima entre os termos, a ética se apresenta como condição de auto realização do indivíduo, o mesmo acontece com a política que é condição de auto realização da polis, cidadão e individuo, e estas estão interligadas da mesma forma, não se separam. De acordo com Aristóteles a ética e política possuem uma relação harmoniosa, ao ponto que a ética alcança a plenitude no cenário da política. A ética faz com que o indivíduo se torne um bom cidadão.
“Agir corretamente (isto é, moralmente) significa agir de acordo com uma lei (a boa medida) fixada por cada um a si mesmo. Mas agir corretamente (isto é, agir de forma politicamente justa) significa seguir as leis da polis, fixada pelos filósofos e políticos, empenhados na verdade e no bem coletivo adequando-a ao caso particular”. (FREITAG, 1992, p.30)
A discussão que envolve esses termos não preocupava o homem greco-romano, pois era da polis que surgiam as normas de comportamento. O sentido de justiça para os gregos possuía relação direta com a política e a ética. Além disso, ajustiça é também virtude ligada diretamente a ordem, tanto na comunidade dos cidadãos quando no seu individualismo. Aristóteles (1985) defende que somente vivendo em comunidade na polis, a felicidade pode ser alcançada. Para os gregos, para ter uma boa vida, era preciso se basear em uma ética, onde a felicidade era a grande finalidade da vida.
2.1. Contexto Histórico
Nascido em Florença, século XV, na península itálica, no ano de 1469, Nicolau Maquiavel viveu a política em momentos estáveis, “até 1494, graças aos esforços de Lourenço, O magnifico, a península experimentou uma certa tranquilidade” (SADEK, 1995, p. 15), mas em seguida, nos últimos anos do mesmo século, iniciou-se a fase caótica, onde o lugar passara a enfrentar momentos de extrema desordem política, “a península tornou-se, então, o cenário de longas e ferozes lutas entre França, Espanha e o império Alemão, sendo atravessada por exércitos mercenários que levavam consigo violência, devastação e pestilências” (PINZANI, 2004, p. 13) isso fez com que Maquiavel se debruçasse sobre os problemas políticos existentes. A Itália não constituía uma país, mas várias cidades-estados, onde os governos eram extremamente instáveis, “ neste cenário conturbado, no qual a maior parte dos governantes não conseguiam se manter no poder por um período superior a dois meses” (SADEK, 1995, p. 15) a política se desenhava como disputa pelo controle da força.
Conforme dito, a Itália não era um estado nacional, era um local formado por várias republicas e principados, com a retomada da família Médici ao governo em 1502, Maquiavel, havia sido destituído das suas funções. Seu trabalho era voltado para questões diplomáticas, durante o governo de Pedro Sederini, o autor ficou numa posição privilegiada de espectador da vida política de sua época, porém, após sua destituição, passou a viver praticamente exilado, mas mesmo assim não deixou de lado sua preocupação com o cenário político em que vivia.
Maquiavel ansiava por uma organização política bem como a unificação da Itália, resolveu presentear o novo governante Lorenzo, com o livro “O Príncipe”, onde apresentou conselhos, destacando possibilidades e argumentos de como um príncipe pode alcançar o seu objetivo, frisando a chegada e manutenção do poder. Desta forma, os escritos de Maquiavel orientavam o leitor para algumas considerações a respeito da finalidade da conduta de um príncipe, isso quer dizer que, o governante deve buscar sua permanência no poder, utilizando-se dos meios necessários para isso.
Ao escrever sobre política na obra O príncipe, Maquiavel, rompe com as estruturas que existiam, no sentido de que havia uma maneira de se pensar política antes dele, e a partir do seu pensamento estava surgindo uma nova maneira de analisar a política, essa nova forma de pensar política se baseia em uma análise realista dos fatos, o que atualmente se chama de ciência. O autor lançou um olhar diferente para o fenômeno político, porque até então a política era analisada sobre uma ótica filosófica idealista.
O autor passou por uma transição de épocas em que o homem europeu saía da era medieval e ingressava no mundo moderno. Ele passou por uma transição conflituosa, marcada por um colapso moral. Nos seus escritos, Maquiavel ([2013?]) afasta o pensamento religioso das organizações políticas, não defende que o homem tenha que deixar de ter fé em Deus, mas o autor explica que a igreja também é uma instituição humana, o seu trabalho não pode ter relação com o uso da força, força ostensiva, esta pertencente ao Estado, a igreja precisa se reservar ao mundo humano no sentido de preparar as pessoas para outra dimensão, nesse sentido a religião cristã e política precisavam se separar.
É no renascimento que ocorre um conjunto de transformações históricas, sendo a mudança política a última a acontecer. Foi o fechamento do poder nas mãos do monarca moderno, o homem recupera o espaço que ele tinha antes da entrada da Idade Média, que havia sido substituído pelo teocentrismo, pela ideia de que Deus está no centro, e o homem ficava à mercê de Deus. Maquiavel apresenta uma desvinculação de abordagens filosóficas de políticas tradicionais, onde o raciocínio era fundado em aspectos especulativos, e, partindo do seu método de estudo realista, busca uma efetividade nas ações dos homens, com isso desprende-se política da ética, moral e religião:
“O homem deve, portanto, compreender que por vezes será necessário praticar a maldade, a dissimulação, a simulação, a mesquinhez, dentre outras categorias menos nobres de comportamento tão contrárias ao mundo cristão. Mas é assim que fica demonstrada a lógica própria da política, diferente da moralidade e da religião. Trata-se de conquistar e manter Estados e as práticas adequadas a esse intento não residem nos manuais da antiguidade clássica ou as doutrinas cristãs”. (GUANABARA, 2011, p. 33)
Com a Itália fragmentada, havendo uma forte disputa interna, Maquiavel percebe a necessidade de uma organização política e centralização do poder, pois o fato de estarem dispersos internamente, ocasionaria a fraqueza diante do exterior, a ideia era tornar forte todo o território para transformá-lo em único reino, e para tanto, o autor olha para a realidade e utiliza-se do método realista, quer dizer que, a realidade deve ser examinada como ela é, e não como se gostaria que ela fosse, a forma idealista de se pensar ficara no passado e não funcionava mais como base para os ditames políticos modernos. Resolver o problema da instabilidade política era o objetivo de Maquiavel, superar o desequilíbrio entre o caos e a ordem. A necessidade de examinar a realidade como ela é, é a essência do realismo político de Maquiavel.
2.2 Realismo politico
Tendo em vista que o realismo político é oposição ao idealismo, a forma como o autor descreve e analisa a política tem fundamento no método realista. Existem quatro pontos fundamentais na história que são frutos do seu método, aspectos que estão na realidade concreta em que a ocorrência de modificações na estrutura social possibilitaram ao autor pensar o real, de maneira original, para assim obter uma resposta diferente daquela proposta pelos idealistas, esse método trabalha com a verdade efetiva das coisas e se baseia na história, natureza humana, conflitos sociais e o poder político. Sobre o novo método, Maquiavel ([2013?]) escreveu:
“Como é meu intento escrever coisa útil para quem a entenda, julguei mais conveniente procurar a verdade efetiva das coisas, do que suas aparências. Muitos imaginaram Repúblicas e Principados que jamais foram vistos ou considerados como verdadeiros. Entre como se vive e como se devia viver há tamanha diferença, que aquele que abandona aquilo que se faz por aquilo que deveria fazer, conhece antes a ruína do que a própria preservação”. (p.76)
Fatos históricos estão presentes em todo livro de Maquiavel, um deles, a organização feudal que estava em decomposição, e o autor cita muitos exemplos de formas de governo, bem como líderes políticos que em algum momento utilizaram-se de passagens históricas para se precaver de alguns erros ou mesmo para seguir modelos de sucesso. Examinar a história de uma sociedade permite uma compreensão de como ela foi organizada e não conhecê-la faz com que o governante esteja fadado a cometer os mesmos erros que as gerações passadas, nesse sentido, para um bom administrador, é fundamental conhecer a história, embora as realidades sejam diferentes, os governantes poderão passar por situações parecidas, dito isso, é conveniente ao príncipe atentar-se aos modelos de governo do passado para poder agir melhor no presente e se direcionar para o futuro.
Ao escrever sobre o homem e sua natureza, o autor afirma que a natureza humana é muito cruel. Existem traços do ser humano que se repetem todo o tempo, um deles a maldade. O homem não é bom por natureza, “ Ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro” (MAQUIAVEL, [2013?] p.82), logo, o homem possui uma tendência para o mal, e usará sempre que necessário. Seguindo com a análise profunda da história a respeito do caráter do ser humano, Maquiavel, descreve que esse aspecto é imutável, o fator invariante permite dizer que não importa se são locais e épocas distintas, os homens irão agir de acordo com sua natureza, isso que torna o resultado das relações previsíveis.
Para o autor, todos os seres humanos nascem maus, a bondade é que é aprendida, ou seja, os homens possuem essa disposição para toda vez que precisarem, usar a perversidade. A maldade existente entre os homens é uma figura inerente a eles, isso com o tempo, faz com que os homens se joguem uns contra os outros, gerando o que se chama de conflito social. Esses impasses consequentemente provocam instabilidade na sociedade, que interferem diretamente na esfera política:
“É com essa natureza humana que os governantes terão de lidar, não podendo esquecer jamais a incômoda situação em que estão inseridos, rodeados de homens ávidos por trair. Essa situação levará Maquiavel a defender claramente a ideia de que ao príncipe é melhor ser temido do que ser amado, pois se o temor dos súditos é capaz de desestimular eventuais traições, o mesmo não acontecerá com o amor a eles devotado. Sua espada, portanto, deve estar sempre pronta a ser usada em seu principado para protege-lo em um mundo, em regra, hostil”. (FERREIRA, 2008, p.37)
Dentro de cada sociedade existem grupos com opiniões diferentes, essas divergências de interesses geram relações conflituosas e é nesse cenário que surge a função do poder político, trabalhando na busca da solução dos problemas. Através dele pode-se encontrar um ponto conciliador, fazendo com que essas relações conflituosas não tomem proporções grandiosas. O Estado é quem faz esse papel, através dos seus governantes, sendo o poder político a solução apresentada por Maquiavel. A solução é humana, porque o problema é humano, e não se deve atribui-la a Deus, como era feito na Idade Média. A política é social e mundana, nasce nesse meio e busca resolver questões desse contexto.
2.3 Virtù e fortuna
Na concepção maquiaveliana, todo bom governante precisa ter fortuna e virtù, mas estas não se tratam de qualidades relacionadas a ética e moral. No ambiente político, a fortuna não é entendida como riqueza, mas se trata da sorte que um governante pode ter, podendo levar o indivíduo ao poder, de maneira fácil, como por exemplo, quando ele chega por sucessão, entretanto, a fortuna também pode chegar de forma ruim, situações que não estão sob o domínio do governante, por isso ela é considerada metade do sucesso de um príncipe, sendo a outra metade chamada de virtù. Essa segunda, corresponde a sagacidade, inteligência, astúcia, entre outras, que se tratam de características cruciais que o príncipe precisa ter, pois são elas que configuram suas ações, dentre elas saber o momento de agir ou não, e manter a palavra ou desfazer-se de um acordo. Um bom governante é aquele que utiliza a fortuna e virtù de forma sábia e equilibrada, isto é, havendo momentos de má sorte, possuindo a virtù, poderá ele lidar com situações complexas e assim saberá como agir conforme a necessidade do momento. Assim está empregada no texto:
“Não ignoro ser crença antiga e atual que a fortuna e Deus governam as coisas deste mundo, e de que nada pode contra isso a sabedoria dos homens (…), todavia para que não se anule o nosso livre arbítrio, eu, admitindo embora que a fortuna seja dona de metade das nossas ações, creio que, ela nos deixa senhores de outra metade ou pouco menos. Comparo a fortuna a um daqueles rios, que quando se enfurecem, inundam as planícies, derrubam casas e árvores, arrastam terra de um ponto para pô-la em outro: diante deles não há quem não fuja, quem não ceda ao seu ímpeto, sem meio algum para se obstar. Mas, apesar de ser isso imprevisível, nada impediria que os homens, nas épocas tranquilas, construíssem diques e canais, de modo que as águas ao transbordarem do seu leito, corressem por estes canais, ou ao menos, viessem com fúria atenuada, produzindo menores estragos. Fato análogo sucede com a fortuna, a qual demonstra todo o seu poderio quando não encontra ânimo (virtù) preparado para resistir-lhe e, portanto, volve os seus ímpetos para os pontos onde não foram feitos diques para contê-la”. (MAQUIAVEL, [2013?], p. 114)
Virtù e fortuna, para Maquiavel são basicamente as qualidades que um governante precisa ter se pretende alcançar o poder e permanecer nele, somente o príncipe que souber agir de acordo com a situação do momento será capaz de estabilizar o imprevisível, a fortuna. O autor ensina que a virtude tradicional, aquela que precede da moralidade cristã, não deverá ser usada por um príncipe, pois seria o mesmo que o condena-lo a própria ruína, é certo que a virtù a presentada por Maquiavel é um conjunto de qualidades que um bom governante precisa ter para conseguir obter sucesso na sua função, Skiner (1988) diz que:
“A virtù está relacionada com a capacidade de agir segundo os ditames da necessidade, independentemente de se praticar uma boa ou má ação. A virtù significará, portanto, a flexibilidade moral indispensável a qualquer príncipe, que deve ter a mente aberta, pronta a se voltar em qualquer direção, conforme exijam os desígnios da fortuna”. ( p. 65)
Diante disso, a virtù, permite ao governante maior flexibilidade nas escolhas sobre as suas ações, no sentido de não há necessidade dessas escolhas estarem vinculadas as ideias de ética, moral, religião, Guanabara (2011) ensina que:
“O homem deve, portanto, compreender que por vezes será necessário praticar a maldade, a dissimulação, a simulação, a mesquinhez, dentre outras categorias menos nobres de comportamento tão contrárias ao mundo cristão. Mas é assim que fica demonstrada a lógica própria da política, diferente da moralidade e da religião. Trata-se de conquistar e manter Estados e as práticas adequadas a esse intento não residem nos manuais da Antiguidade clássica ou as doutrinas cristãs”. (p. 33)
Dada a importância de entender a relação desses termos, a ligação entre virtù e fortuna para alcançar o sucesso, uma se torna complemento da outra, por isso aquele que chega ao poder, diante de uma crise e não possui essas qualidades, logo estaria fadado ao fracasso. O governante que possuir virtù, consequentemente terá maior estabilidade política, seguida de fortuna, mantem sua soberania.
Para Maquiavel, o poder é algo inseparável da natureza de um ser, é algo iminente as relações existentes entre os homens, uma espécie de jogo de forças que tem como base explicações naturais e intrínsecas, e tem ligações diretas com o fazer política, pois o objetivo é conquistar e manter-se no poder, sendo assim, a política é um campo de atuação que tem regras e leis próprias que não se reduzem às regras da moral e ética tradicional. O autor foi o primeiro a separar a moral, ética e religião, da política, e trabalhou para construir esta como objeto de estudo independe.
3.1 Jogo de aparências dos governantes
Apesar das limitações impostas pelo contexto histórico da época, os escritos de Maquiavel contribuíram e ainda contribuem muito para aquisição de conhecimentos sobre conquista e manutenção do poder no cenário político. Suas ideias, metodologia e planos teóricos influenciaram para o estudo dos fenômenos políticos. Maquiavel afirma que cabe ao governante agir conforme as circunstâncias, não devendo manter suas ações em bases em preceitos morais, éticos, religiosos, porém deva aparentar tê-los, devendo demonstrar sempre sua flexibilidade diante das situações, pois conforme o momento em que se vive, serão tomadas suas decisões:
“Maquiavel que viveu e escreveu na passagem do século XV para XVI, dizia que o príncipe não precisava de fato ter todas as qualidades imaginadas pelas pessoas, mas deveria se esforçar ao máximo para “parecer tê-las. Devia “disfarçar bem” sua natureza mais “ animal” (a raposice por exemplo) e ser um “grande simulador e dissimulador”. (AURÉLIO, 2019. p 27).
Atualmente, a população brasileira tem uma visão negativa sobre a política, em virtude de um histórico político devastado pela corrupção. O panorama que se tem é que a política se tornou um instrumento para ludibriar o povo, e além disso, passou a ser vista como um meio para a obtenção de benefícios próprios, isto é, os desejos privados em detrimento do interesse público, mas a questão é como esses indivíduos agem para conquistar a confiança dos cidadãos, o jogo do ser e aparentar ser de um político. Maquiavel afirma que para conquistar e manter-se no poder, é necessário ser amado, bem visto, e para isso ele lista algumas qualidades:
“Deve, portanto, o príncipe tomar cuidado para que de sua boca não saiam palavras que não estejam perfeitamente coadunadas com as cinco sobreditas qualidades e para parecer aos que veem e ouvem, de todo misericordioso, sincero, de todo integro, humanitário, de todo religioso. Nada, aliás, se faz mais indispensável do que passar a impressão de possuir esta última qualidade” (MAQUIAVEL, [2013], p. 79)
Conforme exposto, não é preciso possuir as qualidades, é necessário e favorável ao governante que ele aparente tê-las. É notório que a política atualmente se parece com o que Maquiavel escreveu, a título de exemplo, tem-se o número de candidatos que conseguem se reeleger por se apresentarem ao povo como o ideal para governar, se intitulando como defensores do povo, dos bons costumes e da moral, afinal o que se percebe é como as pessoas se apresentam e não como elas são verdadeiramente.
3.2 A ética política de Maquiavel X ética tradicional
Tendo em vista as limitações do contexto histórico em que Maquiavel viveu, e do seu pensamento a respeito da desvinculação da ética tradicional do meio político, seguida da criação de uma ética própria dos ditames políticos, e assim, na concepção do autor por se tratar de um instituto autônomo, possui suas próprias regras, divergentes daquelas presentes na moral e ética tradicional, que são impostas somente em função das razões do Estado, manutenção da pátria e o bem geral da sociedade, “Na política, o problema é o de saber se o que é ilícito moralmente pode ser considerado e apreciado como lícito na prática dos governantes ou dos homens políticos de modo geral” (Bobbio, 1997 , p. 156 apud MELLO, 2003, p.55).
Maquiavel faz uma distinção entre o plano público e o plano privado, em que o público se remete a política, onde tudo é permitido para que se possa alcançar a vontade geral da coletividade. Por outro lado, o plano privado, está relacionado a moral e ética cristã, que em nada pode interferir nas questões do Estado, isto é, para o autor, o príncipe no exercício e manutenção da sua atividade deve ser amoral.
Os ditames da moral e da ética não são imutáveis, eles se movem e evoluem historicamente, na sociedade atual, público e privado se misturam, e a ética se tornou parte intrínseca da política, portanto, teoricamente separá-las é uma tarefa quase impossível. Na atualidade a ética e a política façam parte do plano de eficácia do governo, o que se tem na prática é uma falta de uma ligação positiva entre esses institutos, e isso vem causando graves consequências ao exercício da política. Em consonância com o que foi dito por Maquiavel, o poder político é o ponto de equilíbrio de uma nação, a política não exercendo a sua função, de instância que tem objetivo de fazer valer o interesse coletivo, provoca o rompimento da confiança na relação entre político e cidadão.
A moral por se tratar de um fenômeno que tem especificidades, ligadas a grupos sociais distintos, está presente, por exemplo, em grupos de partidos políticos, que possuem valores tidos como legítimos, isso quer dizer que a moral não tem compromisso com a universalidade, diferente da ética, pois esta é que tem a função de regular a legitimidade das normas de condutas sociais impostas em cada grupo ou sociedade.
Em virtude da ausência de preceitos morais e éticos na política, a multiplicidade de escândalos políticos só não se torna mais grave do que a consequência dos mesmos para uma sociedade. O agente político também é um cidadão, mas que assume a responsabilidade de trabalhar em prol dos interesses coletivos, pois são atribuídas a essas lideranças o poder e a responsabilidade, de forma institucional, pessoal e educacional, tornando-se mais urgente a necessidade de trabalhar tendo como base a ética.
CONCLUSÃO
O pensamento de Maquiavel é por si só uma fonte inesgotável onde brotam elementos que permitem refletir sobre a política e sua complexidade. São vários os fatores que levaram à elaboração desse artigo e sem pretensões de esgotar a matéria, foi observado com a leitura de O Príncipe que se trata de uma obra atemporal, tendo influência no cenário político contemporâneo.
Embora, naturalmente, tenha ganhado novas formas, a maneira de se fazer política possui semelhanças com o que o autor escreveu a mais 500 anos, ambos em contextos históricos de crise dessa instituição, principalmente no que diz respeito aos aspectos de ingresso e permanência no poder. Entretanto, a configuração da política mudou, defender que quaisquer ações dos governantes são prudentes pois são feitas em razões do estado, até mesmo a criação de uma nova ética, implica negativamente na atual política
A ética tradicional não perde seu caráter de vigilância crítica sobre as condutas morais dentro das sociedades ou grupos sociais. Ela é considerada um dos principais reguladores do desenvolvimento do ser humano no meio social, pois busca ser universal, e sem ela, a humanidade pode está fadada a autodestruição. O fato dos seres humanos serem capazes de concordar em assuntos, como justiça, direito, igualdade, dignidade, permite que a ética seja posta em prática, a ética sustentada por Maquiavel corre por fora desses princípios.
De fato, se pudesse ser medida a responsabilidade ética das lideranças políticas poderia se dizer que tem o mesmo peso de todos os direitos reunidos daquelas que eles representam. A ética por se tratar de uma norma que regulamenta o comportamento social, permite a restauração da confiança de um povo nos seus representantes, pois não é positivo para o país a descrença na política e nos seus governantes. Eticamente falando, o cenário político brasileiro se encontra em estado de degradação, se fala de governos antiéticos, ou teoricamente éticos, portanto é fundamental a existência dos preceitos éticos dentro da política.
REFERÊNCIAS
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[1] Graduanda do curso de bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: iaracristina_anjoscosta@hotmail.com.
[2] Orientador, professor do curso de Direito do centro Universitário Santo Agostinho, Mestre em Ciência da Educação pela UniversidaD Politécnica e Artística del Paraguay – UPAP. E-mail: lvfenix55@hotmail.com
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