William Hilgemberg – Advogado trabalhista, bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Estácio de Sá. william.hilgemberg@gmail.com
Resumo: O artigo pretende demonstrar as alterações no contexto social relativo ao Covid-19, as peculiaridades dessa doença que a fazem um potente agente biológico de insalubridade, conceitos do Direito do trabalho e de normas de saúde e segurança do trabalho ligados aos efeitos do coronavírus na economia e no mercado de trabalho, com a análise da jurisprudência, das normas de saúde e segurança do trabalho, bem como dos conceitos jurídicos relacionados ao tema. A metodologia basicamente consiste na análise de artigos, jurisprudência e doutrina utilizando como parâmetro os textos legais, normas regulamentadoras, ofícios da Secretaria do trabalho e informações médicas de estudos relacionados ao tema. Isto posto, existe em verdade a intenção de abrir a discussão sobre o pagamento de adicional de insalubridade em razão da exposição ao COVID, entender o contexto histórico de saúde e da relação de trabalho insalubre, os conceitos e definições relacionados a insalubridade passando pela história até as normas regulamentadoras e seus anexos específicos, a existência do agravamentos da insalubridade nos ambientes de cuidado a saúde em razão do agente biológico sindêmico e a exposição ao coronavírus e a segurança dos empregados que podem estar sujeitos a aglomerações.
Palavras-chave: Adicional de Insalubridade. Coronavírus. Exposição a agente insalubre COVID-19.
Abstract: The article intends to demonstrate the changes in the social context related to Covid-19, the peculiarities of this disease that make it a potent biological agent of unhealthiness. It is also intended to address concepts of labor law and health and safety standards related to the effects of coronavirus on the economy and the labor market. The analysis of jurisprudence, health and safety standards at work, as well as the legal concepts related to the theme and the comparison is shown to be imperative and relevant for interpreting the labor moment experienced by countless workers in the area of health and public assistance in general, presented their motivations and consequences. The methodology basically consists of the analysis of articles, jurisprudence and doctrine using as a parameter the legal texts, regulatory norms, offices of the Secretary of Labor and medical information from studies related to the theme. That said, there is in fact the intention to open the discussion about the payment of unhealthy work additional due to exposure to COVID, to understand the historical context of health and the unhealthy work relationship, the concepts and definitions related to unhealthy going through history until the regulatory norms and their specific annexes, the discussion of the base of incidence of the additional of unhealthiness due to several controversies and questions, the existence of worsening unhealthiness in health care environments due to the union biological agent, exposure to coronavirus and the safety of employees who work with public service and may be subject to agglomerations and, also, the analysis of the measures presented by the Labor Inspection Section.
Keywords: Unhealthy work additional. Coronavirus. Exposure to unhealthy agent COVID-19.
Sumário: Introdução. 1.Contexto histórico da doença. 2.Conceito e definição legal de insalubridade. 3.Base de Incidência do adicional de insalubridade. 4.Agentes insalubres biológicos e os profissionais da saúde. 5.Exposição ao agente biológico no atendimento ao público. 6.Medidas apresentadas pela Seção de Inspeção do Trabalho. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
A observação e análise crítica da história do mundo sempre podem proporcionar uma evolução na sociedade. Desta forma, antes de entender a atual pandemia, é necessário observar que não se trata da primeira pandemia a surgir na sociedade. Algumas pessoas têm a falsa ideia de que o que determina o perigo da doença é sua gravidade, contudo o que se deve levar em consideração na verdade é o poder de proliferação e contágio da doença pelo mundo a fora.
Ao longo da história observamos algumas pandemias com a Peste de Justiniano, ocorrida por volta de 541 d.c. a qual estima-se que tenha durado mais de 200 anos. Temos também a Peste Negra, que teve seu auge em 1343, a Gripe Russa em 1580 sendo a primeira pandemia de gripe, a Gripe Espanhola em 1918. Após a gripe espanhola tivemos mais alguns surtos pandêmicos, sendo o último em 2009, chamado de Gripe Suína.
No presente momento vivemos a pandemia, que alguns especialistas chamam de sindemia, termo que será tratado durante este artigo, causada pelo COVID-19. O Sars-CoV-2 atua como agente de contágio através do ar, principalmente em locais fechados com más condições de ventilação e especialmente onde há aglomerações. Pesquisadores chineses confirmaram essas informações estudando a infecção de dez casos de pessoas que forma acometidas pela doença em um restaurante na cidade de Wuhan, onde houve o primeiro registro da doença no mundo.
A doença tem sido objeto de muitos estudos tanto para conhecer mais sobre as implicações dela, quanto para elaboração da vacina, que tem se mostrado cada dia mais urgente. Ocorre, contudo, que enquanto não há vacina efetiva e em franca disponibilização, as recomendações médicas consistem no isolamento social, cuidados higiênicos e utilização de barreiras físicas que impeçam o contato imediato que proporciona o contágio.
Obviamente o isolamento social tem suas consequências não só para a saúde mental das pessoas, como também na economia. E quando falamos em economia, apesar de alguns meios de comunicação e alguns setores não entenderem perfeitamente isso de forma lógica, fatalmente estaremos falando de trabalho e de pessoas.
A economia antes de ser feita de dinheiro é feita de pessoas, portanto, este é o foco do presente trabalho, pois não se pode falar em crescimento econômico em uma sociedade onde a morte se torna o maior combustível social, o qual revela desigualdade social, mitigação da função social das empresas, afastamento do princípio da proteção do trabalhador, bem como violação a regras básicas relacionadas ao ambiente de trabalho seguro.
Isto posto, vale ressaltar que a retomada da economia dentro do período pandêmico implica na retirada dos trabalhadores do isolamento social, sendo estes a linha de frente da economia no bom e no pior dos sentidos, posto que a obrigação contratual do contrato de trabalho de expor-se ao contágio no trajeto ou no ambiente de trabalho coloca em risco o trabalhador, o qual não possui amparo legal imediato e consolidado acerca da contraprestação financeira derivada se sua necessária exposição.
As evidências e descobertas sobre o Coronavírus, seja de acordo com o Ministério da Saúde ou a OMS, é que o vírus é transmitido pelo contato pessoal ou com superfícies contaminadas em geral e pelo ar. Evidentemente estamos falando em um agente de insalubridade de alto grau de contágio, uma doença sem cura, sem vacina e com tratamento incerto.
Assim, fica o questionamento: todas as pessoas expostas ao vírus por força do trabalho têm direito ao adicional de insalubridade?
A doença Covid-19 decorre do vírus SARS-Cov2 e atinge especialmente o sistema respiratório, sendo o intervalo de tempo entre infecção e início dos sintomas uma medida imperfeita. Desta forma, ainda não se sabe com absoluta certeza quando tempo demora para a pessoa infectada manifestar sintomas, quando os apresenta, ou quanto tempo essa pessoa serve de vetor da doença.
Como mencionado na introdução, o vírus é altamente contagioso, permanecendo em superfícies por até 9 dias e no ar por até 3 horas conforme informações da publicação “Novos dados e estudos sobre a COVID-19” do site Portal dos Hospitais Brasil da Editora Publimed. O risco é sério, principalmente quando se considerando que o período de incubação tem escala de 14 dias.
Fato é que em novembro de 2020 o mundo possui 53.492.701 casos registrados e 1.304.864 mortes. O Brasil, por sua vez, ocupa a 3ª posição no ranking de casos e mortes registradas possuindo 5.811.699 casos registrados e 164.855 mortes.
E assim, considerando os impactos sociais causados pela doença, cientistas da The Lancet estão apresentando um novo termo para explicar a dimensão dos impactos chamando de sindemia.
Na página Tecmundo, na matéria “Covid-19 seria sindemia, e não pandemia, afirmam cientistas”, há indicação de que o termo sindemia seria mais adequado pelo seguinte motivo:
O termo sindemia surgiu na década de 1990, lançado pelo médico e antropólogo americano Merril Singer, que se tornou popular por suas pesquisas sobre abuso de substâncias, HIV/AIDS e as diferenças sociais na saúde da população.
Nas palavras de Singer, sindemia significa “um modelo de saúde que se concentra no complexo biossocial”, ou seja, nos fatores sociais e ambientais que promovem e potencializam os efeitos negativos da interação de uma determinada doença.
Em outras palavras, a abordagem sindêmica considera que a doença, assim como sua prevenção e combate, sejam tratados com base nas consequências de medidas como o confinamento e o isolamento social, que têm peso diferente, de acordo com classes sociais distintas.
Em seu artigo, Horton escreveu: “A covid-19 não é uma pandemia. É uma sindemia. A natureza sindêmica da ameaça que enfrentamos significa ser necessária uma abordagem mais diversificada se quisermos proteger a saúde de nossas comunidades”.
Portanto, o termo sindemia agrega os efeitos da interação da doença com outras doenças pré-existentes, bem como a desproporcionalidade de resultados adversos na população mais pobre. A ligação da doença com o resultado social que ela proporciona, além de ser algo a ser considerado no âmbito econômico, é algo que se entende especialmente pertinente na presente abordagem, quando tratamos de trabalhadores e o risco que fatalmente estão experimentando.
É fato que considerando o alto grau de contágio o primeiro problema a ser encarado é o da saúde pública, ou seja, a super lotação de hospitais e a escassez de vagas em UTI’s. Para que o vírus tenha a velocidade de propagação retardada, necessariamente, o isolamento social serve como opção viável e eficaz para diminuir o impacto no sistema de saúde nacional.
Todavia, o isolamento social sofreu duras críticas por parte de setores da sociedade que dependem do fluxo e da aglomeração de pessoas para venda e comercialização de produtos. Os empregadores, portanto, em sua maioria ficaram em posição de fragilidade, tendo redução no faturamento sem diminuição do custo de manutenção do negócio. Como resultado desta fragilização, o governo editou medidas para evitar maiores prejuízos e para colaborar com a manutenção dos negócios como as MP’s 927 e 936.
Mesmo assim, passados meses desde Decreto n° 64.879/2020 que reconhece o estado de calamidade pública, empresas estão retomando suas atividades de forma integral, buscando alternativas para proteger seus empregados como a disponibilização de máscaras e álcool em gel.
Mas será que tudo isso é suficiente para afastar por completo o risco da exposição que pode gerar a obrigação do pagamento de adicional de insalubridade?
Durante a vida de um ser humano, como ser social, ele será muito mais representado por aquilo que faz do que sobre aquilo que é. Sabemos que a discussão sobre o que uma pessoa é tem um condão muito mais extenso e filosófico, ante a objetividade de descrever uma atividade laboral humana.
Portanto, a profissão de uma pessoa além de a definir como um ser social, preenche boa parte da história de sua vida. Como reflexo disso, o ambiente de trabalho pode mostrar-se um grande vilão face a saúde de um trabalhador.
Como exemplo podemos citar trabalhadores do mundo fabril na Revolução Industrial:
Com o avanço do trabalho no mundo e o surgimento da Revolução Industrial, passou o trabalhador a experimentar ainda maior sofrimento e consequências de sua função operária, Com o surgimento das máquinas e a necessidade de produção em massa, a a comunidade dos trabalhadores percebeu, rapidamente, a fragilidade de sua saúde, haja vista que o foco desta dizia respeito apenas aos crescentes lucros e o avança do capitalismo, colocando o trabalhador, paradoxalmente em condições de miserabilidade sem o mínimo de proteção e sofrendo com as moléstias decorrentes do trabalho, o que, por vezes, resultava em mutilações e morte.
Nessa época, dada a premente necessidade de sobreviver, era ônus de cada trabalhador cuidar da defesa de sua saúde frente o ambiente a que era submetido, o qual o expunha aos perigos inerentes à utilização das máquinas e a absoluta ausência de equipamentos de proteção. (CASSAR. p. 972. 2014).
Muito embora este período seja caracterizado pela total ausência de amparo à saúde dos trabalhadores, bem como a seu bem-estar, a exploração existente aquela época segue a mesma lógica nos tempos atuais.
Com a criação da OIT, que teve como objetivo de garantir maior Justiça Social e uniformizar questão relacionadas ao trabalho, ocorreram avanços na seara da saúde e segurança no trabalho. O entendimento da relação de doenças com o ambiente de trabalho atingiu um outro patamar, posto que era necessário analisar o respeito a saúde do empregado para que este se mantivesse produtivo.
Em que pese a efetiva atenção a eliminação dos riscos no processo produtivo ainda não fosse o foco, ao menos os danos por ela causados já eram motivos de preocupação e amparo médico dentro das empresas.
Como marco do avanço na Saúde e Segurança do trabalho, podemos citar a Convenção nº 155 da OIT, a qual apresenta o conceito de saúde e impõe regras para a garantia da saúde mental e física dos trabalhadores, minimizando riscos a saúde e a vida.
Todos esses riscos, logicamente, deveriam ser reduzidos no ambiente de trabalho, o qual é determinado pelo seguinte:
O meio ambiente de trabalho deve priorizar a incolumidade física, psíquica e social do empregado e demais trabalhadores (terceirizados) e, por isso, deve ser salubre, saudável, digno e íntegro. Logo, não se limita ao local, ao endereço, ao ambiente interno, mas também ao serviço, mesmo que externo, às ferramentas, aos instrumentos de trabalho, à forma de execução das tarefas e ao modo como é tratado o trabalhador pelos colegas e superiores hierárquicos. (CASSAR. p. 977. 2014).
Portanto, para uniformizar e garantir o respeito a saúde e segurança dos trabalhadores é que surgem as Normas Regulamentadoras que visam a proteção e a prevenção de riscos nos ambientes de trabalho.
Dentre os diversos riscos a serem enfrentados pelos trabalhadores temos os ambientes insalubres. Em uma definição simples a insalubridade decorre de um ambiente que não é bom para a saúde, que causa ou pode causar doença.
Na Consolidação das Leis Trabalhistas, o legislador no artigo 189 define da seguinte forma:
Art. 189 – Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Destarte, verifica-se que a lei indica os seguintes critérios para a análise da existente de atividade insalubre: natureza, condição ou método da atividade, grau de exposição ao agente, limite de tolerância, natureza do agente, intensidade do agente e tempo de exposição.
Todos os critérios acima tratados ainda careciam de definições para não restarem totalmente subjetivos. Para tanto foi criada a Norma Regulamentadora nº 15, a qual trata sobre atividades e operações insalubres. Neste instrumento são citadas diversas atividades, bem como os critérios operacionais caracterizadores da existência de insalubridade.
No item 15.1.5 a NR define Limite de tolerância:
Entende-se por “Limite de Tolerância”, para os fins desta Norma, a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral.
Com o texto da norma, fica claro que para verificação de tal dano é necessária a análise dos efeitos da exposição a determinado agente de forma efetiva.
Nos anexos da NR-15 podemos identificar como agentes insalubres o ruído, o calor, a radiação ionizante, a pressão, radiação ionizante, vibração, frio, umidade, agentes químicos, poeiras minerais e agentes biológicos.
Todos estes agentes após identificados vão gerar algum grau (mínimo, médio e máximo) para a contraprestação pecuniária por parte do empregador em função da exposição não neutralizada. O empregador sempre deve se atentar para tomar os devidos cuidados, buscando sempre as melhores práticas e sempre que possível as que neutralizem a ação dos agentes insalubres completamente.
Para identificação do agente é imperiosa a necessidade de realização de perícia, pois assim pode-se identificar a realidade fática da prestação de serviços, o meio ambiente de trabalho, as condições de trabalho, os agentes insalubres presentes, bem como as medidas para prevenção e a utilização de EPI’s e, principalmente, se eles são devidamente testados e aprovados na neutralização total ou parcial da ação do agente.
Em sua obra, Sergio Pinto Martins, utilizando do conceito do utilitarismo, faz uma crítica a necessidade de pagamento do adicional de insalubridade:
O ideal é que o empregado não tivesse que trabalhar em condições de insalubridade, que lhe são prejudiciais a sua saúde. Para o empregador, muitas vezes é melhor pagar o ínfimo adicional de insalubridade do que eliminar o elemento nocivo à saúde do trabalhador, que demanda incentivos. O empregado, para ganhar algo a mais do que seu minguado salário, sujeita-se a trabalhar em local insalubre. (MARTINS. p. 644. 2009)
De forma geral o adicional de insalubridade objetiva proporcionar ao empregado meios para fazer frente ao desgaste que decorre do trabalho em ambiente que lhe traga prejuízos à saúde.
Os prejuízos a saúde, como mencionado alhures, dependem da potencialidade que o ajuste tem de causar esse prejuízo. Assim, nem sempre uma exposição intermitente poderá descaracterizar, por si só, a nocividade do agente, assim, não se poderá afastar só por este critério temporal o direito ao adicional de insalubridade.
Inclusive, é o que dispões a Súmula nº 47 do Tribunal Superior do Trabalho:
Súmula nº 47 do TST
INSALUBRIDADE (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O trabalho executado em condições insalubres, em caráter intermitente, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional.
Processualmente, a insalubridade está ligada a perícia de forma indissociável. Contudo, nem sempre a perícia será suficiente para identificação plena da exposição do trabalhador, tendo outros critérios a serem analisados, como, a dinâmica laboral e o que aqui tratamos de forma mais aprofundada, qual seja, o contexto histórico social.
Considerando o prejuízo trazido aos trabalhadores que ficam exposto a agentes insalubres, a CLT em seu artigo 192, com redação dada pela Lei nº 6.514/77, impõe aos empregadores o pagamento de adicional de insalubridade sobre o salário-mínimo. Vejamos:
Art. 192 – O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.
Como intencionalmente citado acima, a redação é de 1977. Ocorre que em 1988 tivemos a promulgação da Constituição Federal da República do Brasil, a qual em seu artigo 7º, inc IV, veda a vinculação do salário-mínimo para quaisquer fins:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
A controvérsia pairava principalmente sobre a possível inconstitucionalidade do artigo 192 e batida de frente com o Princípio da Legalidade insculpido no artigo 5º II da Constituição Federal.
Diante desta controvérsia, o Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal iniciaram uma sequência de intervenções para resolver a questão da base de cálculo.
Em 30/04/2008 o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante nº 04 que dispõe o seguinte:
Enunciado
Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
Assim, diante da decisão do STF, o TST edita em 04/07/2008 a alteração da Súmula 228 que passou a ter a seguinte redação:
Súmula nº 228 do TST
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008) – Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 – Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. SÚMULA CUJA EFICÁCIA ESTÁ SUSPENSA POR DECISÃO LIMINAR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.
Desta forma, com a nova redação da súmula na época, surgia uma obrigação não prevista em lei, confrontando imediatamente o Princípio da Legalidade.
Por este motivo, em 2009 já houve a suspensão liminar pelo STF da nova súmula, considerando que não seria possível a substituição do salário-mínimo com indexador antes da criação de uma lei ou edição de dispositivo legal que o valha.
Atualmente, ainda presente a celeuma acerca da insconstitucionalidade, mantem-se a utilização do salário-mínimo como base de cálculo da insalubridade, de acordo com as decisões abaixo do Tribunal Superior do Trabalho:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. SÚMULA VINCULANTE 4 DO STF. SUSPENSÃO LIMINAR DA SÚMULA 228 DO TST.Nos termos do r. despacho do e. Presidente do excelso Pretório, fixando a inteligência do julgamento que ensejou a edição da Súmula Vinculante nº 4, “o adicional de insalubridade deve continuar sendo calculado com base no salário mínimo, enquanto não superada a inconstitucionalidade do art. 192 da CLT por meio de lei ou convenção coletiva” (R-6266-DF). Precedentes deste c. Tribunal. Agravo de instrumento a que se nega provimento. TST- AIRR 706007120085120013 70600-71.2008.5.12.0013- Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte- Julgamento: 26/06/2013.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, visto que demonstrada possível contrariedade à Súmula Vinculante nº 4 do STF. RECURSO DE REVISTA. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE-565.714-SP, sob o manto da repercussão geral da questão constitucional, referente à base de cálculo do adicional de insalubridade, editou a Súmula Vinculante nº 4, reconhecendo a inconstitucionalidade da utilização do salário mínimo como parâmetro, mas vedando a substituição deste por decisão judicial. Assim decidindo, a Suprema Corte adotou técnica decisória conhecida, no direito constitucional alemão, como -declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade-, ou seja, a norma, não obstante ser declarada inconstitucional, continua a reger as relações obrigacionais, em face da impossibilidade de o Poder Judiciário substituir o legislador, a fim de definir critério diverso para a regulação da matéria. Portanto, ainda que reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 192 da CLT, tem-se que a parte final da Súmula Vinculante nº 4 do STF não permite criar critério novo por decisão judicial, razão pela qual, até que se edite norma legal ou convencional estabelecendo base de cálculo, para o adicional de insalubridade, distinta do salário mínimo, continuará a ser aplicado esse critério para o cálculo do referido adicional. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.(TST – RR: 12760920115080010 1276-09.2011.5.08.0010, Relator: Valdir Florindo, Data de Julgamento: 19/06/2013, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/06/2013)
Portanto, para aferição dos percentuais de 10%, 20% e 40% deve-se sempre considerar o valor do salário-mínimo como base de cálculo.
Conforme abordado no presente trabalho, são diversos os agentes insalubres elencados na NR-15, entretanto, como o tema aqui abordado envolve um agente biológico, já temos de início uma correlação com os profissionais de saúde.
No Anexo XIV da NR-15 são apresentadas as atividades que envolvem agentes biológicos e seu grau:
Relação das atividades que envolvem agentes biológicos, cuja insalubridade é caracterizada pela avaliação qualitativa.
Insalubridade de grau máximo
Trabalho ou operações, em contato permanente com:
– pacientes em isolamento por doenças infecto-contagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados;
– carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose);
– esgotos (galerias e tanques); e
– lixo urbano (coleta e industrialização).
Insalubridade de grau médio
Trabalhos e operações em contato permanente com pacientes, animais ou com material infecto-contagiante, em:
– hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana (aplica-se unicamente ao pessoal que tenha contato com os pacientes, bem como aos que manuseiam objetos de uso desses pacientes, não previamente esterilizados);
– hospitais, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados ao atendimento e tratamento de animais (aplica-se apenas ao pessoal que tenha contato com tais animais);
– contato em laboratórios, com animais destinados ao preparo de soro, vacinas e outros produtos;
– laboratórios de análise clínica e histopatologia (aplica-se tão-só ao pessoal técnico);
– gabinetes de autópsias, de anatomia e histoanatomopatologia (aplica-se somente ao pessoal técnico);
– cemitérios (exumação de corpos);
– estábulos e cavalariças; e
– resíduos de animais deteriorados.
Como observa-se, os profissionais de saúde são citados tanto no grau máximo como no grau médio, sendo a diferenciação pautada no contato com pacientes em isolamento por doenças infecto-contagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados.
Ocorre que existe uma figura que traz mais gravidade para este quadro. Trata-se de uma doença sem tratamento definido e altamente contagiosa. Com a força da sindemia, todos os profissionais de saúde acabaram por ficaram extremamente vulneráveis em seus ambientes de trabalho, posto que em hospitais, considerando o alto número de pessoas infectadas presentes no local tornaram impossível criar com completa efetividade um local de isolamento contra infecções.
De acordo com a OPAS (Organização Pan Americana de Saúde) até 2 de setembro de 2020, 570 mil profissionais de saúde se infectaram e 2.5 mil morreram nas Américas em decorrência do coronavírus.
O Hospital, grosso modo, tornou-se uma grande zona de isolamento de pacientes infectados pelo COVID-19, acarretando a ampliação de profissionais a receberem o adicional de insalubridade em grau máximo, independentemente da área de trabalho, se de contato com direto com os pacientes ou não.
Logicamente a situação dos hospitais podem agravar-se ainda mais se não verificado o atendimento das disposições da NR-32, a qual tem por finalidade o estabelecimento de diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção aos empregados nos serviços de sáude.
A título de exemplo, o SindSaúde do Ceará (Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Ceará) ingressou com Mandado de Segurança visando a majoração do adicional de insalubridade para grau máximo e obteve decisão liminar favorável, ante ao elevadíssimo grau de contágio que os profissionais estariam sujeitos.
Este foi o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região:
SUSCITAÇÃO DE INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA (IAC). ART. 947 DO CPC. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. GRAU MÁXIMO. COVID-19. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. Hipótese de relevante questão de direito, com grande repercussão social, ante o impacto econômico na categoria dos profissionais da saúde do Estado do Ceará, sujeitos ao contágio da COVID-19. Temática central que reside na possibilidade de majoração do adicional de insalubridade ao grau máximo, de 40%, independentemente de prova pericial. NR 32 do Ministério da Economia. Art. 192 da CLT. Incidente acolhido. (TRT-7 – MS: 00801869220205070000, Relator: JOSE ANTONIO PARENTE DA SILVA, Data de Julgamento: 06/10/2020, Seção Especializada I, Data de Publicação: 06/10/2020)
Como verifica-se no julgado, sequer houve necessidade de prova pericial, ante a relevância e repercussão social flagrantemente verificada nos seus efeitos ao redor do mundo. Como observa-se, os profissionais de saúde ficaram mais expostos e vulneráveis a esta doença viral, que ainda não possui tratamento comprovadamente eficaz, que, portanto, traz alto risco à saúde.
O título deste tópico pode trazer a falsa impressão de que todas as pessoas que trabalham com exposição ao público têm direito ao recebimento de adicional de insalubridade. Entretanto esta não deve ser a regra.
É importante entender que a saúde dos empregados deve ser a prioridade de um negócio em tempos de pandemia, principalmente quando falamos de comércio e de atividades que necessariamente imponham a presença física como efetivo instrumento de trabalho.
Isto deve ser posto, principalmente porque há possibilidade de implementação de trabalho de forma remota, em muitas áreas, em que pese não seja a maioria da realidade dos trabalhadores do país.
Para melhor compreensão, se faz necessário a menção do Princípio de Proteção do Trabalhador, o qual surge para amparar a parte mais fraca da relação de trabalho.
Américo Plá Rodrigues em sua obra “Princípios de Direito do Trabalho” traz de forma especialmente precisa a contextualização e fundamentação do princípio:
“A consequência dessa idéia é que se deve favorecer a quem se pretende proteger. Cesarino Jr. a resumiu numa frase sumamente feliz: “Sendo o direito social, em última análise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser sempre a favor do economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador.
Em certo sentido, isto se limita a estabelecer uma interpretação coerente com a ratio legis. Se o legislador se propôs a estabelecer por meio da lei um sistema de proteção do trabalhador, o intérprete desse direito deve se colocar na mesma orientação do legislador, buscando cumprir o mesmo propósito. Sob este aspecto, o princípio não aparece como estranho aos critérios que se aplicam em qualquer ramo do direito, nos quais o intérprete deve sempre atuar em consonância com a intenção do legislador. E num plano mais concreto assinala Krotoschin que o Direito do Trabalho, embora não tenha provavelmente produzido métodos típicos de interpretação, tem sido e continua sendo o que dirige certo movimento interpretativo tendente a introduzir ou aprofundar no direito positivo a idéia da solidariedade social. Trata-se daquela tendência geral que propende a igualar cada vez mais as condições da luta pelo direito em que se encontra economicamente débil com as do homem opulento e a atenuar os rigores excessivos do direito individual, considerando-se o interesse social. Esta tendência é hoje em dia comum a todo direito e só se podem estabelecer diferenças quanto a importância que se deve atribuir a suas aspirações ou à força com que ela se faz sentir.
A necessidade da existência deste princípio decorre da discrepância entre as partes de um contrato de trabalho. O que evidencia esta situação é que, logo no início da pandemia, houve empregadores que optaram por demitir seus empregados alegando existência de fato do príncipe, deixando de pagar verbas rescisórias colocando os empregados em gritante vulnerabilidade.
Isso, nada mais foi uma evidência social de que a economia quando em crise sacrifica aqueles que a fazem existir. Aos poucos, as retomadas de atividades econômicas estão se normalizando, principalmente o comércio. Shoppings, lojas e restaurantes ainda que com fluxo inferior, já estão em pleno funcionamento, contudo nem sempre da forma mais segura, organizada e diligente.
A ânsia da retomada tem representado a manutenção do vírus nos ambientes, seja nas superfícies ou mesmo no ar. Em geral, a regra socialmente adotada com relação ao vírus é a utilização da máscara e do álcool em gel. Outras medidas como distanciamento, limitação de pessoas no local e até mesmo a medição de temperatura já são mais difíceis de observar em pleno funcionamento em todos os locais.
Dentre todas essas questões o que não há dúvida é que a fiscalização acerca do ambiente de trabalho seguro deve se dar pela empresa.
A Constituição Federal em seu artigo 7º, XXII elenca como direito do trabalhador o ambiente de trabalho seguro:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Nesse mesmo sentido, Mauricio Godinho Delgado afirma que:
A submissão da propriedade à sua função socioambiental, ao mesmo tempo em que afirma o regime da livre iniciativa, enquadra-o, rigorosamente, em leito de práticas e destinações afirmatórias do ser humano e dos valores sociais e ambientais. É inconstitucional, para a Carta Máxima, a antítese ‘o lucro ou as pessoas’; a livre iniciativa e o lucro constitucionalmente reconhecidos – e, nessa medida, protegidos – são aqueles que agreguem valor aos seres humanos à convivência e aos valores da sociedade, à higidez do meio ambiente em geral, inclusive o do trabalho.
Portanto, a responsabilidade da empresa com o meio ambiente de trabalho deve ser nesse momento ainda mais criteriosa. A fiscalização do empregador deve garantir que todas as medidas possíveis devem ser adotadas, seja para manter o local livre do vírus, ou reduzir a exposição ao mínimo.
Evidentemente, é praticamente impossível garantir um ambiente totalmente livre do COVID-19, mesmo que todas as medidas necessárias sejam tomadas, o que acende o sinal amarelo para a existência do agente insalubre biológico. Desta forma, o que deve se levar em consideração para essa discussão é se a exposição é contínua, e se o contato com as pessoas é recorrente. Se preenchidos estes requisitos, pode surgir o dever do pagamento do adicional de insalubridade como forma de indenização do empregado pela alta exposição em virtude da natureza do trabalho exercido.
Mais grave ainda a situação da empresa que descumpre regras de higienização e manutenção de um ambiente de trabalho saudável, posto que, em eventual demanda trabalhista requerendo pagamentos de adicional em virtude de local insalubre, pela exposição ao COVID, o adicional não deve ser menor do que 20%, levando em conta a disposição da tabela de agentes insalubres biológicos do anexo da NR 15.
Além disso, cabe a empresa o ônus da prova de comprovar que, em que pese tratar-se de local insalubre, cumpriu com todas as determinações e recomendações de saúde referentes ao coronavírus. No ambiente judicializado, o tema certamente será tratado mais a frente, considerando que o país enfrenta uma crise econômica, e uma grande onda de desemprego. Ou seja, alguns trabalhadores podem acabar se sujeitando a exposição muito acima do comum ao vírus e condições extremamente vulneráveis de trabalho.
Durante o ano de 2020, Sindicatos de empresas bem como alguns donos de empresas do comércio foram radicalmente contra o lockdown e até realizaram protestos contra essa medida de saúde que foi determinada em diversos municípios. O posicionamento destes personagens no cenário social, certamente os coloca em posição de assunção de ainda mais riscos no negócio. O fundamento da teoria do risco da atividade econômica, prevista no artigo 2º da CLT implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Melhor dizendo, os empregadores que optam por expor de forma demasiada empregados a risco de saúde, assume para si o risco de indenizar o Reclamante pela exposição arbitrário do empregador.
Acerca do ônus processual, segue a jurisprudência do E. Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CONFIGURADO. ÔNUS DA PROVA. No caso, restou provado que o reclamante se ativava em ambiente insalubre. A ré, neste particular, não logrou êxito em desconstituir as conclusões alçadas em sede de laudo pericial. Era ônus da reclamada provar que procedeu de maneira correta com a salubridade do ambiente (artigo 818 da CLT c/c artigo 373, II do NCPC). Não tendo, pois, se desincumbindo deste mister, correta a decisão primária. Recurso não provido. (TRT-23 – RO: 00012268820155230021, Relator: JOAO CARLOS RIBEIRO DE SOUZA, 2ª Turma-PJe, Data de Publicação: 02/02/2017)
Vale ressaltar que o STF reconheceu que a contaminação pelo COVID-19 em ambiente de trabalho configura doença ocupacional, o que pode sinalizar que demandas que surjam ao longo do tempo sobre o tema tenham um entendimento consonante. Fato é que as empresas necessariamente precisam possuir rígidos protocolos de saúde e higienização, bem como garantir que seus empregados respeitem o distanciamento.
Em 27 de março de 2020, a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia publicou o Ofício Circular SEI nº 1088/2020/ME, onde apresentou o contexto social e trazendo medidas buscando prevenir o contágio do COVID-19.
Em que pese não se tratar de medidas vinculativas, devem ser um instrumento de segurança das empresas para evitar ser responsabilizada por eventuais situações ligadas a pandemia com seus empregados. O documento inicia contextualizando o momento que implicava o necessário achatamento da cursa de contágio no país e os impactos sociais da pandemia. Esclarece que se trata de orientações práticas buscando o controle e a mitigação de riscos, e, prossegue apresentando práticas de boa higiene e conduta.
As medidas apresentadas com verbos como criar, divulgar, emitir, priorizar adotar, promover, limpar, reforçar, dentre outros, são claramente direcionadas aos empregadores. Desta forma, podemos concluir que o Estado vem por meio da Secretaria do trabalho para auxiliar as empresas, visando evitar que as mesmas sejam núcleos de contágio e disseminação da doença.
Dentre tantas medidas apontadas, destacam-se as relacionadas aos momentos de refeição, as práticas referentes ao SESMT e CIPA, bem como o transporte dos trabalhadores. As empresas devem estar atentas ao cumprimento das responsabilidades determinadas no artigo 157 da Consolidação das Leis Trabalhistas:
Art. 157 – Cabe às empresas:
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
Assim, a lei também determina que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual é obrigatório, considerando a existência de riscos para a saúde dos empregados:
Art. 166 – A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.
Além do fornecimento, a empresa deve cobrar e fiscalizar o uso efetivo dos EPI’s , conforme item 6.6.1 da NR-6:
6.6.1 Cabe ao empregador quanto ao EPI :
As máscaras, luvas, álcool em gel que devem ser disponibilizados aos empregados são equiparados a EPI’s e portanto, devem também os empregados usar de forma adequada e respeitar as informações e recomendações do empregador sob pena de sanção.
Em contrapartida, verificamos que em diversos locais do país, setores do comércio, como lojas, bares, restaurantes e outros que geram aglomeração em ambientes com alto grau de interação direta e indireta entre as pessoas, voltaram a funcionar. Cuidados básicos necessários como limitação do número de pessoas, utilização de máscaras, álcool em gel e outros, contudo, nem sempre tem sido respeitado.
Com o retorno das atividades laborais nesses setores, os empregados que estavam em isolamento, retornaram para o ambiente de trabalho. Necessariamente a exposição do trabalhador aumenta em decorrência da necessidade de utilizar também o transporte público e ter contato com os clientes em geral.
Não se pode olvidar que existem fortes indícios de que o Coronavírus se difundiu de forma eficaz pelo ar entre 10 famílias no início da pandemia em um restaurante de Wuhan, na China, de acordo com a Vigilância epidemiológica do país, conforme citado nesse artigo.
Outros cuidados se revelam essenciais para a manutenção do ambiente saudável para os empregados, como o controle da situação de saúde dos empregados com exames regulares, medição de temperatura, afastamento do grupo de risco e protocolos relacionados a casos de demonstração de quaisquer sintomas da doença.
É essencial destacar que o ideal é que o empregado não esteja trabalhando em condições de insalubridade, e que cabe ao empregador eliminar o elemento nocivo à saúde do trabalhador, garantindo um ambiente de trabalho totalmente salubre. Entretanto, se ausentes os cuidados necessários, ou a insuficiência de medidas de proteção a saúde dos trabalhadores, há necessariamente o surgimento para os trabalhadores do direito de recebimento ao adicional de insalubridade.
Nesse sentido, todos os empregadores devem estar atentos as disposições aplicáveis da NR-15 que descreve as atividades, operações e agentes insalubres, inclusive seus limites de tolerância, definindo as situações que, vivenciadas nos ambientes de trabalho pelos trabalhadores, demonstram a caracterização do exercício insalubre e também os meios de protegê-los das exposições nocivas à saúde.
Conclusão
Não é exagero reiterar que a economia antes de ser feita de dinheiro é feita de pessoas, assim não se pode falar em crescimento econômico em uma sociedade onde a morte se torna o maior combustível social, o qual revela desigualdade social, mitigação da função social das empresas, afastamento do princípio da proteção do trabalhador, bem como violação a regras básicas relacionadas ao ambiente de trabalho seguro.
O momento histórico de sindemia demanda de todos o perfeito funcionamento de suas obrigações e funções sociais, afinal a sociedade existe para que a união entre indivíduos com princípios e ideias diferentes possam se complementar harmoniosamente no substrato social a fim de seguir o mesmo objetivo.
Antes de discutir a existência de adicional de insalubridade no ambiente de trabalho é importante dar ênfase a necessária conscientização dos empregadores em garantir um ambiente seguro de trabalho, conforme determina a Constituição Federal. Portanto, o ideal é que a empresa somente retome as atividades ou as viabilize exclusivamente de forma segura, e não apenas com medidas paliativas sem qualquer fiscalização. Afinal, melhor que o pagamento do adicional de insalubridade aos empregados expostos, é que não exista risco, ou que ele seja reduzido ao mínimo.
Entretanto, verificada a ausência de providências relacionadas a saúde dos empregados e o respeito a normas por parte dos empregados é evidente que surge a obrigação ao pagamento de adicional de insalubridade por exposição a agente biológico. Isso se justifica pela inexistência, até o momento da conclusão do presente artigo, de um tratamento medicamentoso eficaz ou ainda de uma vacina amplamente distribuída no território nacional, posto que isto é o que diferencia está gripe das demais já presentes no ar e nos locais em geral.
Julgamentos como o do Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT7), bem como o entendimento do Supremo Tribunal Federal relacionado a doença laboral, apresentam um indicativo de que o judiciário seguirá respeitando os princípios do Direito do Trabalho para garantia da ordem constitucional, sendo rígidos com as obrigações dos empregadores em manterem os ambiente de trabalho em plena salubridade, e, ainda garantindo a devida contraprestação pecuniária verificada a exposição insegura do empregado ao vírus.
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