A Guerra Fiscal está profundamente arraigada no seio das administrações estaduais e dificilmente ela será extirpada.
Cada governador tem o legítimo interesse de atrair para o seu Estado a maior gama de investimentos, por meio de exoneração parcial do ICMS, o imposto de maior arrecadação no país (43% da receita tributária nacional). O distanciamento dos níveis econômicos regionais que isso acarreta não é problema do ente político regional, mas, do governo central. Por isso, a Guerra Fiscal continuará de uma forma ou de outra.
A submissão da questão dos incentivos à deliberação dos Estados por meio de Convênios não deu resultado. O que assistimos diariamente é a promulgação de “convênios” firmados consigo próprio. A Resolução Senatorial de nº 13 para tentar por fim à Guerra dos Portos trouxe mais problemas do que soluções.
A declaração de inconstitucionalidade das leis de incentivo fiscal, editadas fora do regime de convênio, decorridos anos de sua vigência, também, não resolveram os problemas. Se modulados os efeitos da declaração de inconstitucionalidade isso serviria como um estímulo aos incentivos unilaterais concedidos por parte dos Estados. Se negado o efeito modulatório, como aconteceu no julgamento conjunto de uma dezena de ADIs, cria-se um problema econômico-financeiro gravíssimo àqueles que foram beneficiados pelos incentivos.
Em razão disso, está em tramitação no Congresso Nacional o PLC nº 238/13 para convalidar os incentivos fiscais concedidos irregularmente, sem observância dos requisitos fixados no art. 155, § 2º, inciso, XII, letra “g” da CF. Assim, anula-se os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para evitar um mal maior, e de conformidade com o princípio da autonomia e harmonia dos Poderes.
Aliás, no âmbito do Poder Judiciário, desde o precedente da composição irregular da Câmara de Vereadores de Mira Estrela em que o STF decretou a sua inconstitucionalidade, está em moda a constitucionalização temporária da norma fulminada por inconstitucionalidade. É o que vem acontecendo, atualmente, com a Emenda nº 62/09 (Pec do calote de precatórios) que foi declarada inconstitucional, mas, que por determinação de um dos Ministros da Corte os pagamentos de precatórios vem ocorrendo de acordo com o regime da Emenda considerada inconstitucional, sem que tenha havido, formalmente, a modulação dos efeitos da decisão, até a presente data.
No caso dos incentivos inconstitucionais, o PLC nº 238/13 sob comento prevê a remissão dos créditos tributários constituídos em decorrência de incentivos fiscais irregulares, mediante aprovação de um convênio em que se exige a manifestação favorável de, no mínimo:
I- Três quintos das unidades federada; e
II- Um terço das unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do País (art. 1º).
O art. 2º desse PLC prescreve que o convênio deverá ser celebrado pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ[1] – até o dia 31 de dezembro de 2013. Com ou sem aprovação até a data prevista, basta tão só o projeto legislativo em discussão para afastar qualquer pretensão do fisco em recuperar o crédito tributário que deixou de arrecadar em função de incentivos fiscais outorgados ao arrepio da Constituição Federal.
Finalmente, mediante sutil alteração dos incisos e parágrafos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal abre-se uma fenda em um dos requisitos essenciais da responsabilidade fiscal (art.11) que é a efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente político.
A introdução de normas vagas e nebulosas que compõem as hipóteses de inaplicação do artigo 14 da LRP (requisitos para a concessão de incentivos fiscais) poderá redundar em uma política de renúncia de receita que venha comprometer o equilíbrio das contas públicas, levando à política de exacerbação da carga tributária em geral, cujo nível já está saturado.
Essa norma salutar do art. 14 da LRF, que tem contribuído para a saúde financeira do Estado, de há muito estava na alça de mira do governo central, que não quer abrir mão de incentivos fiscais subjetivos, senão casuísticos.
Por isso, fico a imaginar se o verdadeiro objetivo do PLC nº 238/13 não é o de remover a regra moralizadora do art. 14 da LRF acoimado, equivocadamente, de obstáculo à política de exoneração tributária, denominação dada à política de substituição da contribuição social patronal incidente sobre a folha de pagamentos, pela contribuição social incidente sobre a receita bruta que, na verdade, alivia a carga tributária de uns e aumenta a de outros. Daí a não redução do percentual da carga tributária em relação ao PIB.
Só se pode falar em exoneração tributária ou redução de carga tributária quando cair efetivamente o percentual de incidência tributária em relação ao PIB. Do contrário, o que existirá, na verdade, é a política de vestir um santo e desvestir um outro que vem se repetindo ao longo do tempo.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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