Resumo: Este artigo objetiva analisar a utilização da Internet e das Redes Sociais como um dos principais meios utilizados por criminosos para o estudo, captação e, consequente vitimização para o tráfico internacional de humanos. A Internet tem se mostrado como um dos principais veículos ferramentais para o tráfico internacional de pessoas e, o advento das Redes Sociais vem sendo de imensa valia para grupos criminosos no que se refere a obtenção de informações facilitadoras para o convencimento das suas vítimas. Mesmo não existindo um “conceito perfeito” para o crime de tráfico de pessoas/humanos, dispomos do Protocolo de Palermo do qual o Brasil é signatário desde 2004 por meio de um Decreto da Presidência da República que trata que o mesmo ocorre quando do aliciamento da vítima por meio de: engano, fraude ou força. Sendo a mesma obrigada ou simplesmente convencida a se submeter a uma mudança de domicílio (país) no afã de desenvolver determinado trabalho, ao chegar em seu destino se depara com uma realidade totalmente diferente. O que notadamente é encontrado são casos de escravidão, prostituição e até mesmo extração de órgãos, tecidos e fluídos vitais para comercialização. E ainda, não são raros os casos em que as vítimas são utilizadas como “barrigas de aluguel”.
Palavras-chave: Internet, Redes Sociais, Tráfico de Humanos, crime digital, escravidão, roubo e comércio de órgãos, exploração sexual, comércio de humanos.
Abstract: This article aims to analyze the use of the Internet and Social Networks as one of the main means used by criminals for the study, capture and consequent victimization of international human trafficking. The Internet has proven to be one of the main tool vehicles for international persons trafficking, and the advent of Social Networks has been of immense value to criminal groups in obtaining information that facilitates the conviction of their victims. Although there is no "perfect concept" for the crime of trafficking of human beings, we have the Palermo Protocol, which Brazil has signed since 2004 through a decree of the Presidency of the Republic, which deals with the victim by deception, fraud or force. Being the same obliged or simply convinced to undergo a change of domicile (country) in the eagerness to develop certain work, when arriving at its destiny faces a very different reality. That are notably found are cases of slavery, prostitution and even extraction of organs, tissues and vital fluids for commercialization. Commonly has cases where victims been used as "rent bellies".
Keywords: Internet, Social Networks, Human Trafficking, digital crime, slavery, theft and trade of organs, sexual exploitation, human trade.
Sumário: 1. Lei de Tráfico de Pessoas: avanços e hesitações; 2. Do Marco Civil à Lei Ordinária 12.965/2014; 3. Tráfico de pessoas e as redes sociais; Considerações finais.
Introdução
Muitos são os instrumentos legais disponíveis no universo que circunda o direito das pessoas humanas, e primam, sobretudo à proteção dos seus bens mais importantes e indisponíveis. Resta, plenamente cabível, o sancionamento da Lei Nº 13.344 de 6 de outubro de 2016, a Lei do Tráfico de Pessoas[1], ou simplesmente LTP, que dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas; alterando a Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980[2], o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal[3]; alterando e revogando dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal[4].
O presente artigo trata e, quiçá, propõe soluções para os problemas associados e oriundos da evolutiva globalização de nossa sociedade e da virtualização das vidas pessoais e profissionais dos indivíduos que a formam. Há que se dizer que a Internet e as redes sociais têm hoje, um mister de reduzir diferenças, aproximar pessoas, remover barreiras, oferecer oportunidades e ampliar os horizontes. Outrossim, revela seu lado obscuro como uma ferramenta poderosa e nociva, constituído por um sem fim de recursos que compõem um verdadeiro arsenal de possibilidades criminosas.
Estamos tratando de pessoas humanas e, sabemos de antemão ser infinita sua capacidade criativa, que por vezes tende à obscuridade latente em seus feitos, transgredindo direitos e conquistas, predispondo seus atos e manobras, em vícios e delitos. Não são raros os casos que nos deparamos de ilicitudes praticadas por aqueles criminalmente inimputáveis.
Traçaremos assim um paralelo entre as evoluções legais propostas pela LTP em associação com a Lei 12.965/2014 que muitos tratam como o Marco Civil da Internet no Brasil. Esperamos lograr êxito ao provar que dispomos dos mecanismos, mesmo desconhecendo as aplicações e usabilidades dos mesmos.
Há que se desmistificar tais matérias presentes em nosso ordenamento jurídico e fazer com que as mesmas possam auxiliar na prevenção e, não somente no combate de delitos, quer sejam criminais ou infracionais, no que tange ao tráfico de pessoas[5] entre outros mais, inseridos nesse “ciberespaço”.
1. Lei de Tráfico de Pessoas: avanços e hesitações
Em meio a salvas e perplexidade a Lei 12.965/2014 foi recebida em nosso ordenamento, asseverando o já disposto no Decreto Nº 5.017/2004[6], que traz à baila o que fora acordado no Protocolo de Palermo[7] do qual o Estado brasileiro se tornou signatário já em 2004. Até este momento o tráfico de pessoas era tratado por meio de repressão criminal, quando enquadrado sob forma de exploração sexual, presente em nosso Código Penal nos artigos 231 e 231-A.
Seu surgimento, por assim dizer, foi um verdadeiro romper de águas. Nosso Estado, ainda em total dissonância com a comunidade internacional, enfim se desonerava de tal mora, dotando os operadores do direito de meios para prevenção e repressão ao tráfico de pessoas.
É imperioso marcar que nossa tábua axiológica passava a punir com igual rigor demais formas de exploração humana: remoção de órgãos para comercialização, trabalho escravo, servidão e adoção ilegal. Sobrelevando notar que, ante ao tráfico de pessoas, sem obliterar o disposto no artigo 3º do Protocolo de Palermo, seu manancial, ganhava agora maior importância.
Note-se que a Lei 13.344/2016, LTP, se fundamenta na prevenção, repressão e assistência à vítima, ao tratar de direitos humanos. Artigo 1º, parágrafo único.
O código penal, com seu recém-criado artigo 149-A, traz vários núcleos do tipo penal para tráfico de pessoas: agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso.
Nos pomos diante de um tipo misto alternativo, como crime de ação múltipla passível de ação mediante a prática de qualquer das condutas. É fato, que alguns de seus atos configuram permanência, como transportar e alojar, onde fica notória a consumação ao longo do tempo.
É ainda crime bicomum de acordo com as preleções de Masson[8], haja a vista que pode ser cometido por qualquer pessoa e contra qualquer pessoa, sem a existência de condição nomeada do agente ou da vítima.
Demanda-se a finalidade especial, como elemento subjetivo do tipo, não somente a exploração sexual, bem como da remoção de órgãos, exploração de trabalho escravo, servidão e ainda, adoção ilegal. A conclusão do ato, ou seja, do delito, independe da efetiva materialização da vontade especificamente, podendo contemplar a mera conjugação de qualquer um dos núcleos do tipo com uso de violência física ou moral, fraude ou abuso.
A violência ou a fraude até então se encontravam presentes sob forma majoritária e precípua nos artigos 231 e 231-A do CP. Na LTP encontram-se inseridas propriamente no tipo penal. Sendo o conflito pressuposto do crime, o consentimento do ofendido remove a tipicidade da conduta, não inferindo com isso como causa supralegal de exclusão da ilicitude.
Foi alterado ainda o conceito empírico de vulnerabilidade, que agora disposto no artigo 218-B do CP passa a proteger o menor de dezoito anos da exploração sexual, e ao menor de quatorze anos, ditado no artigo 217-A do CP, como estupro de vulnerável.
Insta esclarecer, que ao menor de dezoito anos não cabe aquiescer em sua exploração sexual, e desta forma, não pode impingir de validade ao seu tráfico para outros fins. Harmoniza-se este entendimento ao compromisso assumido pelo Estado, internacionalmente, sendo este levado diretamente para essa idade no artigo 3º, d.
O pagamento de benefícios ou qualquer repasse financeiro não se encontram como forma de execução do delito no corpo da Lei 13.344/2016 como apresenta o tratado internacional, em tese permitiria atribuir licitude ao tráfico de pessoas quando do aceite de contraprestação por parte do indivíduo, mesmo estando claro a quase total certeza do envolvimento de abuso ou fraude nessa situação. Cabendo tentativa do delito.
A Lei 13.344/2016 revoga os artigos 231 e 231-A do CP, que tratavam da matéria tráfico internacional e interno de pessoas para exploração sexual. É combalido o “abolitio criminis”, já que se trata apenas do revogar formal do tipo penal mantendo indelével o fato criminoso. Em verdade, fora aplicado o princípio da continuidade típica da norma, já que a conduta permanece característica do crime, certos da existência de um nivelamento do tipo penal.
Houve um agravamento das penas, mas em se tratando de “lex gravior” fica vedada a retroatividade da norma em prejuízo do réu.
Dispõe, ainda, em seu parágrafo 1º, que em caso de:
“a. Crime cometido por funcionário público,
b. Contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência,
c. Prevalência de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função,
d. Retirada da vítima do território nacional.”
Incidirá na aplicação de majorantes de 1/3 a 1/2.
O tráfico de pessoas, enquanto delito não hediondo ou equiparado, acolhe uma exceção referente ao crime categorizado: requisito temporal mais severo, acréscimo de 2/3 ao total da pena, no recebimento de liberdade condicional de acordo com o artigo 83, V, do Código Penal. No entanto, não são aplicáveis demais sanções e impeditivos da Lei 8.072/1990, Lei dos Crimes Hediondos[9], cabendo somente a ação penal pública e incondicionada.
O desígnio da investigação estará ao cargo da Polícia Civil, exceto quando ocorrerem no âmbito internacional ou interestadual, com base no artigo 144, §1º da Constituição Federal[10], cabendo à Polícia Federal sua investigação e esclarecimento.
Compete à Justiça Estadual, por conseguinte, sendo transferida para a Justiça Federal em casos que sejam constatados a abrangência internacional, como dispõe o artigo 109, V, da “Lex Mater”.
Cumpre ressaltar, a imensa importância no tocante aos aspectos investigativos e processuais penais do artigo 9º da LTP:
“Aplica-se subsidiariamente, no que couber, o disposto na Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013”.
Note-se claramente o uso subsidiário da Lei do Crime Organizado, deixando disponível todos os meios para a obtenção de provas lá presentes, como: colaboração premiada, ação controlada, infiltração de agentes e captação ambiental de comunicações.
O uso de tais técnicas, respaldam às investigações e, são imprescindíveis frente à modernidade dos métodos empregados pelos criminosos repletos de elevados níveis de organização e sofisticação.
Segundo o douto Renato de Lima: “Diretamente proporcional à gravidade do crime devem ser as estratégias investigativas no que cerne à sua diferenciação devendo ser mais incisiva e, até mesmo, intrusiva não mais se limitando a testemunhas e análises periciais”[11].
Há que se atentar para a imprescindibilidade da comunicação e do intercâmbio de informações entre as Polícias Judiciárias, para a matéria em questão, já que temos a atribuição investigativa ao cargo tanto da Policia Federal quanto da Polícia Civil, que por sua vez devem repassar suas informações em tempo real ou ínfimo, para o Ministério Público.
Notamos ainda, que o artigo 11 da Lei 13.344/2016, acrescentou dois novos dispositivos no Código de Processos Penais, que por sua vez, se revelaram em uma alteração expressiva.
O artigo 13-A do CPP, que em si alude aos crimes de:
“a. Sequestro e cárcere privado – artigo 148 do CP;
b. Redução à condição análoga de escravo – artigo 149 do CP;
c. Tráfico de pessoas – artigo 149-A do CP;
d. Crime de sequestro relâmpago – artigo 158, §3º do CP;
e. Extorsão mediante sequestro – artigo 159 do CP;
f. Envio ilegal de criança ou adolescente para o exterior – artigo 239 do ECA”[12].
Atribui ao Ministério Público, na pessoa do seu representante, e ao delegado de polícia poder de solicitar, junto a todo e qualquer, órgão do poder público e de empresas privadas, informações e dados variados da vítima ou de suspeitos. Em um prazo extremamente curto: apenas vinte e quatro horas e, ainda, causa espanto o fato de estar contemplado o pedido de informações não só de suspeitos, mas também da vítima.
É sabido, porém cabe ressaltar, que as requisições de informações cadastrais por parte da Polícia Judiciária e do Ministério Público, no que se refere ao entendimento penal constam previstos, de igual forma, na Lei do Crime Organizado, Lei 12.850/2013[13], e Lei que trata de lavagem ou ocultação de bens, artigo 17-A da Lei 9.613/1998[14], que tratam diretamente e de forma direta do investigado e não determinam prazo para seu cumprimento.
Nesse sentido, é feita uma representação pelo delegado ou é requerida a aplicação de medida junto ao Judiciário por parte do Ministério Público. No caso de ausência de agilidade em sua apreciação, a ordem judicial é dispensada e passa-se para a requisição, ou seja, a Polícia Judiciária ou o MP apontam o possuidor da informação desejada, e a este é determinado, de forma direta, que remeta os dados ao órgão requisitante.
Ressalvas à parte, a Lei 13.344/2016 é de extrema importância em nosso ordenamento jurídico e traz à baila uma preocupação do legislador em atualizar e manter relevante seu conteúdo em face das matérias que a mesma trata.
2. Do Marco Civil à Lei Ordinária 12.965/2014
Tratar de Internet e Redes Sociais na esfera do Direito nos obriga a enveredar pelo Marco Civil ou Lei Ordinária 12.965/2014, que visa regulamentar nosso “ciberespaço”.
Faz-se necessário o uso do neologismo, haja a vista que o termo consegue, de forma sintética, moldar a Grande Rede de Computadores, que ao passar dos dias vem aumentando sua presença e importância em nossa sociedade.
Notemos que a mais importante característica da Internet está associada a liberdade, ou seja, ausência de barreiras e fronteiras. É o poder “estar presente” em todos os cantos do planeta. Assim nos deparamos com um imenso problema: querer segurar uma nuvem nas mãos.
Inegável é o fato de sermos hoje a Sociedade da Informação e da Comunicação.
Outrossim, não temos um instrumento que nos apresente nossos “ciberdireitos”, nossos direitos enquanto usuários digitais da Grande Rede Internacional de Dados e Computadores.
O Marco Civil, e consequentemente a Lei 12.965/2014, é erroneamente tratado pela mídia como a “Constituição da Internet” ou o “Estatuto dos Usuários de Internet”. Tal afirmação além de equivocada parte do pressuposto que possuímos a Internet. O “ciberespaço” é heimatlo, apátrida, e nosso Estado não é dono da Internet. Como nenhuma outra nação o é.
À propósito, quase a totalidade dos direitos elencados no Marco Civil já constam em nossa Lei Maior, no Código Civil e em demais tratados e convenções. Porém, apesar de alguns desmandes e equívocos gerou-se um significativo avanço, resultando em uma peça legal desenvolvida pelo Ministério da Justiça acatando sugestões da sociedade civil e de toda a academia.
O Marco Civil da Internet traz ideias nucleares potentes: liberdade de expressão, neutralidade da rede e a proteção à privacidade dos usuários. Não poderia ser diferente, já que falamos de direitos fundamentais garantidos pela Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, pelo Pacto de São José da Costa Rica e pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Nascia assim um “ciberdireito”: a neutralidade da rede, que atua no tratamento que deve ter os dados pessoais no “ciberespaço”.
Indubitavelmente, este é o mais criticado dos alicerces da Lei 12.965/2013, mesmo tendo sido recebido de forma positiva e laureado pelo físico britânico Tim Berners-Lee, reconhecido como o pai da “World Wide Web”, e pelo pensador e professor da faculdade de direito da universidade de Columbia Tim WU, porém é uma tarefa árdua convencer os especialistas legais como positiva e necessária a neutralidade da rede.
Em verdade, não existe inovação presente na referida norma, já que podemos dizer que a mesma parafraseia a Lei Telegráfica do Pacífico, de 1860, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos da América do Norte, trazendo que mensagens recepcionadas de um cidadão, empresa ou de qualquer de comunicação telegráfica deviam ser “imparcialmente transmitidas na ordem em que forem recebidas”, exceto para os casos que envolvessem despachos governamentais, que passavam a deter a prioridade nas transmissões.
O design da Grande Rede já lhe garante neutralidade, pois prima pela maximização do uso da informação promovendo tratamento igualitário independente do conteúdo, origem, plataforma ou volume. Um encadeamento dedutivo do princípio da isonomia, que preconiza que todos são iguais perante a lei dessa forma não podendo haver discriminação do conteúdo trafegado via Internet.
A neutralidade da Rede é garantidora também de que todo e qualquer conteúdo deve
ser tratado de forma igual e consequentemente poderá se “mover” por ela com igual velocidade. Essa é a verdadeira magia que garantiu a Rede das Redes ser esse imenso pilar e propulsor econômico e social.
Nossos legisladores, e consequentemente nossos governantes venderam a ideia de inovação e pioneirismo na regulamentação da Internet. Entretanto, a verdade é que pelos menos quatro outros países já haviam introduzido o conceito em seus ordenamentos.
A neutralidade vem ditada no artigo 9º do Marco Civil e estabelece que:
“O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação“.
O § 3º do mesmo artigo encerra:
“Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo“.
No campo penal, é inegável a articulação do Marco Civil com o Código Penal e com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A doutrina preleciona que não se tem direitos sem deveres e, consequentemente, não existem ciberdireitos sem a presença de seus ciberdeveres. Mesmo sendo o meio diverso e novo, a solução é antiga: “neminen laedere”, que significa, não prejudicar o próximo. E ainda, que a Internet pode ser usada para a prática de “cibercrimes” próprios, os quais se traduzem por crimes de informática e “cibercrimes” impróprios, quando a informática entra em ação como mera ferramenta facilitadora.
Não há como se negar que os dados pessoais de usuários e até mesmo o conteúdo de suas comunicações, publicações, conversas, postagens e demais atividades na rede podem sofrer ataques, interceptação clandestina e difusão indevida. Este universo já a muito explorado pela mídia e pela dramaturgia, é dominado por figuras míticas como hackers e crackers, e vemos a proteção legal aparecer de forma tardia, mas permitindo recuperar direitos violados.
Assim sendo, o “ciberespaço” está repleto de atividade e presença dos órgãos de investigação criminal e, saibam, que todas as atividades telemáticas estão constantemente sujeitas a busca, captura e análise, de igual teor como se praticadas no mundo físico, ou seja, fora da rede. Para tanto basta existir tipicidade e anterioridade, ou seja, lei penal prévia, lesão ou tentativa de lesão a um bem jurídico de outrem. Ressaltando que em todos os casos, a vítima, pode ser qualquer e cada um dos indivíduos de nossa sociedade.
A responsabilização civil, criminal e administrativa dos chamados “provedores de Internet” estão previstas no Marco Civil. Sendo essas independentes, cumulativas e não excludentes, conforme preconizado no artigo 12 da Lei 12.965/2014.
Entende-se que a responsabilidade civil consiste na dependência de provocação de suas vítimas ou do Poder Público. Entretanto, as devidas sanções estão atreladas a decisões judiciais, conforme os ditames do processo legal, como preconizado pelo CPC e/ou na Lei de Ação Civil Pública[15], que acata a obrigação de fazer, de não fazer ou de indenizar. Por tal fato qualificam-se como réus os próprios provedores enquanto pessoas jurídicas, ou seus administradores como pessoas naturais. Resguarda ainda a possibilidade de se desconsiderar a pessoa jurídica nos moldes do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor16.
Na seara criminal a responsabilidade se dá ao cargo das leis penais, em especial para o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente e, em casos eventuais se vale de leis especiais, sendo regulamentos seus procedimentos pelo CPP. Por motivos óbvios não existe a responsabilidade de pessoas jurídicas para este tipo de infração, que só se enquadram quando no caso de crimes ambientais nos moldes da Lei 9.605/1998. Destarte, para tal matéria só é admitida a responsabilidade pessoal e subjetiva das pessoas naturais, nos casos em voga, os administradores dos provedores que se enquadrem nas condutas tipificadas pelas leis penais, sendo suas ações desde partícipes à autores, prevista também sua coparticipação na autoria dos mesmos.
No que tange a responsabilização administrativa, teremos os provedores que se enquadraram no previsto no artigo 12 do Marco Civil da Internet que os sujeita a um conjunto de penalidades. A aplicação está ao cargo da autoridade administrativa federal competente, e recaem sobre ofensa aos “ciberdireitos” contidos na Lei 12.965/2014, ou ainda de suas possíveis variantes com demais diplomas, como no caso o CDC. Vale ressaltar que tais sanções são de cunho cumuláveis de acordo com o princípio da proporcionalidade, como previsto no inciso II do mesmo artigo.
O que viceja dizer, que podem ser aplicadas isoladas, cumulativas, entre as mesmas quando mais de uma sanção administrativa, ou ainda, associadas com sanções penais e cíveis. Caracteriza-se aqui a cumulatividade exógena ou endógena, também referidas na doutrina como: heterogênea e homogênea, respectivamente.
Tratemos a Internet como uma ferramenta de uso global e, assim dados de usuários no Brasil e no exterior podem ser úteis para investigações em nosso Estado como em demais nações. Há que se elaborar um conjunto de leis adequado à cooperação nessa verdadeira Babel jurisdicional, principalmente no que se refere a adoção de mecanismos de cooperação internacional, que servirão como meio transnacional na obtenção de provas, principalmente de evidências digitais em casos de “cibercrimes”.
Aqui vemos a importância da preservação dos dados, prevista no Marco Civil da Internet. Em alguns países, será possível a reciprocidade. Caso dos Estados Unidos, já que podem ser notificados diretamente os provedores lá estabelecidos, e posteriormente mediante o apropriado pedido de “mutual legal assistance”, ter os dados solicitados remetidos sob o intermédio de uma autoridade central.
Não nos aprofundaremos no que tange ao Marco Civil da Internet e aos “ciberdireitos” neste artigo, esperamos tratar sobre o tema em oportunidade vindoura, com maior detalhamento e novas proposições já que a matéria deve acompanhar a velocidade com a qual a Internet evolui e avança junto à nossa sociedade.
3. Tráfico de pessoas e as redes sociais
A presença das redes no cotidiano dos indivíduos de nossa sociedade civil é imensa e causa muita preocupação para os legisladores, haja a vista a facilidade de obtenção de informações que podem nortear delitos dos mais variados.
A Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Pessoas, em 2013, optou por colocar as redes sociais como aliadas no combate ao delito, com proposta de obrigar as mesmas a fazer um controle prévio de perfis e conteúdo.
O foco principal de tal proposição estava na prevenção de atos ligados ao comércio de seres humanos, e foi motivado por um episódio no qual através do portal Facebook uma jovem de 19 anos residente no estado do Pernambuco oferecia seu filho, um bebê recém nato em negócio pela quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
O que mais chocou aos legisladores foi o fato de a mesma ter se associado a um grupo de pessoas intitulado “Conversando sobre adoção de crianças e adolescentes”, e nele ter mantido inúmeras trocas de mensagens com vários outros participantes, também usuários registrados do referido portal.
Este é um, em meio a muitos dos casos, em que a morosidade do processo se torna notória, haja a vista que a provocação judicial deverá partir de uma pessoa natural contra o portal, no caso o Facebook, para que retire tal publicação, popularmente conhecida como “post” e identifique o autor do anúncio.
Ainda hoje, mesmo após ter sido sancionada a Lei 12.965/2014, verifica-se a possibilidade de se criar um mecanismo de controle juntos as redes sociais, de tal forma que se possa efetuar a identificação imediata de páginas, permitindo seu bloqueio e identificação de seus autores no caso concreto de atividades criminosas.
Tal procedimento, de forma automatizada, é possível sim, mas denota em um excessivo custo operacional que oneraria as empresas proprietárias de soluções usadas nas ditas redes sociais e culminaria na violação do mais valoroso dos “ciberdireitos” de acordo com os especialistas em tecnologia e vida digital consultados pela CPI.
Certamente podemos estar diante do início de um verdadeiro movimento de censura, mesmo estando apoiada em formas de se impedir abusos, vícios e delitos, certamente feriria a liberdade de expressão.
Quando arguido, em audiência pública, o então responsável pelo setor de relacionamentos corporativos e empresariais do Facebook para a América Latina, Bruno Magrani, foi taxativo ao afirmar que a empresa não dispunha de meios para monitorar a totalidade do que ocorre em sua plataforma virtual, mesmo porque se trata de conteúdo dinâmico gerado quase na sua totalidade por seus usuários.
O registro de publicações (postagens) diárias do Facebook ultrapassa a marca do bilhão. No caso do anúncio do bebê pernambucano, Magrani, trouxe aos legisladores a informação de que em lugar de solicitarem informações acerca de um determinado perfil de usuário as autoridades encaminharam apenas um registro de imagem de uma tela do computador, um “print do post”, e quando efetivamente chegaram com as informações junto à empresa a pessoa já havia retirado a publicação do ar.
São muitos os casos, por todo o território brasileiro, onde as Divisões de Prevenção e Repressão de Crimes Tecnológicos, se deparam com a inexistência de legislação processual que se aplique a crimes desse tipo e, associe-se ao fato da dificuldade de acesso enfrentada pela Polícia Judiciária, junto aos provedores e redes sociais, na comprovação de documentos, ocasionando assim a não identificação de autoria e consequentemente na total impunidade para tais delitos.
Fato é, que nossos magistrados entendem que inexiste necessidade de filtragem de conteúdo por parte dos provedores, já que isso configuraria em censura à liberdade de expressão. Sendo assim, o mecanismo hoje disponibilizado é tão somente repressivo, ou seja, aplicado de forma posterior as publicações de conteúdo, uma vez constatada a prática criminosa ou tentativa de delito ou equivalente.
4. Considerações finais
Em 2014 observou-se um aumento da ordem de nove por cento (9%) nas denúncias relativas aos conteúdos ilícitos presentes na Internet. Dados estes apresentados por levantamento da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet Brasil, uma organização não governamental que se dedica a análise e proteção de dados e conteúdo no “ciberuniverso”.
No total foram recepcionadas mais de cento e noventa mil (190.000) reclamações, envolvendo quase sessenta mil (60.000) páginas diferentes presentes na Internet. O motivo maior, segundo a ONG, foram as eleições e a Copa do Mundo, e se acumularam denúncias referentes a racismo, tráfico de pessoas e ao xenofobismo.
Com aumentos de 34,15% de indicações de racismo e, de 365,46% de conteúdos relacionados à xenofobia. Na sua maioria, segundo a SaferNet Brasil, foram criados no período eleitoral, mais precisamente na semana que se seguiu ao segundo turno das eleições daquele ano. Destacaram-se manifestações contra “nordestinos”.
Ainda, segundo o trabalho efetuado pela ONG, aumentou em 192,93% o número de páginas envolvendo tráfico de pessoas, quando comparado aos anos anteriores. A meta destas páginas era o recrutamento de pessoas, na sua maioria do sexo feminino, estando inclusas adolescentes, para a prática de prostituição em cidades-sedes do evento mais esperado daquele ano: a Copa do Mundo. Os centros urbanos mais citados foram São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza.
O surgimento da Lei 12.965/2014, consequência do Marco Civil, é realmente um fato para celebrar, pois tem como guia a proteção dos direitos à privacidade e à liberdade de expressão junto à neutralidade da Internet.
Traz ainda a confirmação de que o “ciberespaço” não é uma terra-de-ninguém, mostrando que tanto lá quanto cá podem ser efetuadas reclamações referentes a direitos sonegados ou desrespeitados e, que deveres devem ser cumpridos sempre que envolvam bens jurídicos fundamentais para a vida gregária, mesmo que na sociedade digital.
Na Roma antiga se dizia que: “Ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus”, ou em uma tradução livre: onde está o homem estará a sociedade, onde há a sociedade aí deve estar o Direito. E esta imortal lição que nos foi apresentada pelo lendário jurista Ulpiano, que, tendo morrido no século II depois de Cristo, jamais utilizou a Internet.
Porém, fora conhecido por viver navegando.
Bacharel em Ciências da Computação com ênfase em Engenharia de Sistemas e Análise de Sistemas pela Universidade Católica de Petrópolis, concluído em 1992. Pós-graduado em Computação Gráfica. Mestrado em Design Gráfico e Produção Visual pela PUC-RJ/LNCCe Doutorado em Telecomunicações pela Guelph University (Ontário – Canadá). Certificado e titulado: CMM, CMMI, COBIT, ITIL – Foundation, PMP – Project Management Professional, Extensão Strictu Sensu em Gestão Comercial e em Gestão e Administração Hospitalar, MBA em Gerência de Recursos Humanos e Gestão Ambiental. Acadêmico de Direto da Faculdade Foz do Iguaçu (FAFIG)
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