A judicialização da política no Brasil

Resumo: Este trabalho pretende demonstrar uma visão geral da tendência atual da intervenção do Poder Judiciário na política, ou seja, o fenômeno da judicialização da política, definido como um processo de transferência decisória dos Poderes Executivo e Legislativo para os magistrados e tribunais, de forma que para compreender esse fenômeno, serão apresentados os elementos que constituem a separação dos poderes, bem como será abordada a questão do poder democrático do Estado, entre outros fatores. Além disso, o presente trabalho irá demonstrar que o referido fenômeno acaba colocando o judiciário numa situação pela qual irá demonstrar força ou fraqueza, que será revelada conforme for sua atuação e desempenho. [1]  

Palavras-chave: judicialização; poder democrático; Poderes; Estado.

Abstract: This paper aims to demonstrate an overview of the current trend of the intervention of the judiciary in politics, in other words the phenomenon of judicialization of politics, defined as a process of transfering decisions of the Executive and Legislative branches for judges and courts in order to understand that this phenomenon, are present the elements that constitute the separation of powers, and will address the issue of democratic power of the state. Furthermore, this paper will demonstrate that this phenomenon which ends up putting the judiciary in a situation in which will show strength or weakness, as that will be revealed for his acting and performance.

Keywords: judicialization; democratic power; Powers; state.

Sumário:Introdução; 1.A Separação dos Poderes; 2. Da Jurisdição Constitucional e dos Princípios Democráticos; 3. Do Debate quanto à Judicialização da Constituição Federal; Conclusão.

Introdução: Tem-se observado o desenvolvimento de um processo de judicialização da política no Brasil. Com isso, o judiciário amplia seu poder com relação aos demais poderes. Para apresentar esse debate, se faz necessário fazer uma abordagem acerca dos motivos que levaram à expansão do poder judicial, bem como analisar as condições para a realização desse fenômeno e ainda verificar como se revelará sua atuação e desempenho, ou seja, se demonstrará força ou fraqueza.

Além disso, analisar a ampliação das áreas de atuação dos tribunais através da revisão judicial das ações legislativas e executivas com base na constitucionalização de direitos e dos mecanismos checks and balances e também a questão da introdução ou da expansão de staff judicial, ou melhor, de procedimentos judiciais no Executivo e no Legislativo.

Cabe verificar os motivos que levaram ao processo de judicialização da política no Brasil, as condições para o desenvolvimento desse processo e outras abordagens possíveis a essa problemática.

Para melhor compreender esse fenômeno, se faz necessário realizar uma análise quanto à separação dos poderes, de forma a identificar sua estrutura e a função de cada poder dentro do sistema, quanto à jurisdição constitucional e quanto aos princípios democráticos, para poder adentrar no debate quanto à judicialização da política.

Para finalizar, após a exposição dos motivos, condições, aspectos e demais elementos formadores do processo de judicialização da política, tecer comentários quanto a sua formação, desenvolvimento e possibilidades em nosso país.

1. A separação dos poderes

O direito constitucional tem como base estrutural a teoria da separação dos poderes, que retrata o caráter representativo ao exercício dos poderes do Estado, de modo que a forma democrática de governo é, ao menos formalmente, ligada à subordinação dos poderes e à manifestação popular.

Nesse sentido Leal (2001,p.31): “De uma forma direta ou indireta, o pensar sobre a separação dos poderes significa refletir como se dá o processo de organização e funcionamento desses poderes, isto sem entrar na discussão acerca de se não é mais acertado falar em divisão de funções do Estado. Por sua vez, tal debate implica enfrentar a questão da representação política dos poderes instituídos: suas características, formação, desenvolvimento, etc.”.

 A separação dos poderes se justifica na afirmação de Montesquieu: “todo homem que tem Poder é levado a abusar dele; vai até encontrar os limites”, de forma que cada poder freie o outro, impedindo abusos de um sobre outro.

Montesquieu, em sua teoria, constatou a existência de Três Poderes no Estado, quais sejam: Legislativo, Executivo e Judiciário, de forma que ao Poder Legislativo cabe fazer as leis, corrigir ou abrrogar as que estão feitas; ao Judiciário cabe punir os crimes ou julgar as demandas; e ao Executivo exercer as demais funções do Estado, sua administração geral, ficando responsável por executar as leis de uma forma geral.

Constata-se então, que antes disso, não havia uma ordem, e a confusão dos poderes imperava. Porém, com o tempo, os Estados foram pouco a pouco adotando essa doutrina até que atualmente, exceto poucos casos, todos os países têm os Três Poderes conforme a doutrina posta então por Montesquieu.

Já no decorrer do século XX, formulou-se o problema do “equilíbrio dos Três Poderes”, quando então se posiciona Montesquieu (1996, p.24): “Para formar um Governo Moderado, precisa combinar os Poderes, regá-los, temperá-los, fazê-los agir: dar a um Poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a jurisprudência produzir. (…) Eis aqui pois a Constituição fundamental do Governo de que falamos. Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentará a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três Poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto”.

Observa-se nesse aspecto, a clara divisão entre os Poderes que caracterizam as funções básicas de um Estado organizado, bem como o entendimento de que o Judiciário é um poder “neutro”, e que o Executivo e o Legislativo são mais suscetíveis ao abuso de Poder, e, por conseguinte, mais sujeitos a frear-se um ao outro.

Além disso, pode-se constatar que para haver uma independência entre os Poderes e ainda, para que um possa frear o outro, devem contar com garantias constitucionais.

Por fim, o que se destaca não é a simples divisão dos Poderes, mas sim sua harmonia, ou melhor, sua atuação em conjunto, concorrentemente e ao mesmo tempo independentes, e não de forma isolada, estanque.

Para fins de nos situarmos na história, cabe destacar que a teoria da Separação dos Poderes foi utilizada pela primeira vez na Constituição norte-americana de 1787, a qual, apesar de não mencionar expressamente, faz a enumeração das competências dos Três Poderes citando suas respectivas funções. Também foram introduzidos os sistemas de checks and balances, ou seja, o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes.

Após, constata-se a adoção da teoria da separação dos Poderes na Constituição Francesa de 1791, de forma mais rígida. Na seqüência, pode-se afirmar, de acordo com Queiroz Filho (2001, p.17) que: “Com a superação da Revolução Francesa e a restauração da monarquia, essa ideia de divisão de poderes estava consolidada, motivo pelo qual serviu de modelo para as Constituições promulgadas a partir da Charte Constitutionelle de 1814, subsistindo tal concepção até hoje, mesmo nos regimes totalitários, ainda que nestes os ditadores emprestem a esse princípio um caráter meramente formal, legitimador do status quo. No Brasil, durante o Império, era adotado o regime parlamentar, com quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. Foi na Primeira República que se convencionou que fossem três os poderes “harmônicos e independentes” na linha de Montesquieu. As constituições posteriores mantiveram o sistema em sua essência, concentrando, todavia, por diversas vezes, parcelas variáveis das competências e atribuições dos demais poderes em um só, via de regra o Executivo, conforme a conjuntura política. A Constituição brasileira em vigor consagra o princípio da separação dos poderes em seu art. 2º: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Porém, atualmente se observam novos princípios que basicamente correspondem a uma “distinção das funções do Estado” distribuídas em órgãos distintos, todavia, com “meios de atuação recíprocos”

Nesse sentido Queiroz Filho apud Canotilho (2001, p.18-19), constata que: “(…) o principio da divisão de poderes, comporta duas dimensões, quais sejam: a separação como “divisão, “controle”  e “limite” do poder, ou como constitucionalização e organização do poder do Estado, assegurando tanto uma medida a este poder e consequentemente, garantindo e protegendo a esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos, quanto uma justa ordenação das funções estatais, intervindo como esquema relacional de competências e responsabilidades de seus órgãos”.

Assim, pode-se dizer, que essa separação clássica foi repudiada por alguns estudiosos, como no caso de Karl Loewenstein que colocou no lugar da teoria tripartite uma outra análise da dinâmica do poder mais condizente com a dinâmica pluralista em que vivemos, sendo representada por uma nova divisão: “a decisão política conformadora e fundamental, a execução da decisão e o controle político”. Nesse aspecto, entre nós, podemos citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que nega cientificidade à teoria tripartite, bem como a uma especialização estrita, ao comentar que o próprio Montesquieu abria exceção ao permitir que o Executivo pudesse vetar no processo legislativo.

Portanto, o principio da separação dos poderes tem indiscutível importância, não somente histórica quanto na organização do Estado, na limitação e controle do poder, e ainda na garantia das liberdades individuais e do próprio sistema democrático.

2. Da jurisdição constitucional e do principio democrático

Constata-se que o ponto de partida da ideia moderna de Estado Democrático teve suas raízes no século XVIII, através da afirmação de determinados valores fundamentais do homem e da exigência de organização e funcionamento dos mesmos bem como a busca de sua proteção.

Quanto à formação do Estado Democrático, pode-se assegurar que os marcos fundamentais para sua positivação são as gerações de direitos.

O ideal na formação de um Estado Democrático é que todos possam viver  com dignidade, de forma fraterna e justa com vistas à igualdade  entre todos, independente de cor, raça, sexo, condições financeiras, enfim, onde todos possam viver como verdadeiros cidadãos.

Quanto à relação existente entre direitos humanos e democracia, surge a questão de que estando os direitos humanos ancorados em direitos fundamentais constitucionais pode representar uma restrição à democracia, bem como a expressão “todo o poder do estado emana do povo” não é ilusória.

Bielefeldt apud Schmitt (2000, p.128), define a democracia como “expressão da ilimitada soberania coletiva”. Considera também que a capacidade de ação do soberano democrático depende de substancial homogeneidade do sujeito coletivo político, que ele observa estar ameaçado de duas formas pela universalidade dos direitos humanos: enquanto o individualismo e o privatismo de reivindicações libertarias liberais representam interna ameaça à coesão política do todo, o universalismo dos direitos humanos questiona, externamente a unidade de um grupo popular em particular.

Ainda Bielefeldt apud Schmitt (2000,p.128),  comenta da formulação de um conceito de democracia, ao mesmo tempo, antiliberal e antiuniversalista, cujo principio não é a liberdade geral, mas apenas a igualdade dentro de um coletivo particular: “como princípios democráticos, igualdade e liberdade são frequentemente arrolados lado a lado, quando na verdade são diferentes e muitas vezes antagônicos em seus pressupostos, seu conteúdo e em sua eficácia. Corretamente, apenas a igualdade pode vigorar como principio democrático, com eficácia interna.”

Conforme Bielefeldt apud Schmitt (2000,p.128) : “é licito ao soberano democrático adotar uma constituição liberal, com direitos fundamentais e divisão de poderes”. Todavia, a ordem constitucional somente pode ser considerada democrática se a incondicional primazia do agir político for preservada e o povo, como soberano coletivo, puder revogar, a qualquer momento as normas legais do estado de direito por ele estabelecidas. O soberano coletivo é o povo, que representa a maioria com ilimitado poder de decisão.

Bielefeldt apud Schmitt (2000, p.130) faz uma analogia entre a soberania popular democrática e a soberania da nobreza absolutista ao afirmar que: “o povo é soberano em uma democracia, pode desfazer todo o sistema de normas constitucionais e decidir em um processo, como o rei fazia através de processos na monarquia absoluta. O povo é juiz supremo, como o é o supremo legislador”.

Ainda segundo Bielefeldt apud Schmitt, (2000, p.130) quando a política se subordina às ligações jurídicas, perde a qualidade de autêntica democracia, numa estrutura de divisão de poderes onde instituições e procedimentos controlam-se e equilibram-se mutuamente.

De acordo com Bielefeldt apud Kaltenbrunner, (2000, p.131), democracia significa domínio do povo, ou melhor: domínio da maioria com base em igualdade de direitos civis. Ela determina que quem deverá dominar é a maioria dos cidadãos politicamente iguais, seja pessoalmente ou através de representante eleito por determinado período. Não tem nada a ver com liberalismo.

A democracia representa um lugar comum no campo da teoria política e jurídica sobre tipo ideal de sistema de governo. Sob a forma direta, pode-se afirmar que a democracia atualmente se resume a três modelos, conforme Leal apud Bobbio (2001, p.145):  “[…] o governo do povo através de delegados investidos de mandato imperativo e portanto revogável; b) o governo de assembléia, isto é, o governo não só sem representantes irrevogáveis ou fiduciários, mas também sem delegados; c) o referendum, acrescentando-se, talvez, o plebiscito.”

E o regime democrático de governo e de Estado se dá com a representação popular, através do sufrágio universal, livre e secreto.

Pode-se afirmar, segundo Brito (1995, p.39) que: “o poder legislativo do povo através dos seus representantes  eleitos é a dimensão essencial da democracia e que a jurisdição constitucional é uma restrição à democracia na medida em que retira, pelo menos em parte, à lei a sua força. (…) A teoria jurisdicional vê, portanto, na jurisdição constitucional um limite ou uma restrição ao principio do governo do povo pelo povo.”

Assim, democraticamente, somente existe direitos e liberdades por meio da vontade do povo, e é pela Constituição que o principio democrático se limita a si mesmo, no momento em que a Constituição subordina o legislador ordinário ao legislador constitucional, de forma que este não pode alterá-la.

Quanto ao fundamento democrático da jurisdição da constituição, temos dois posicionamentos, quais sejam: as teorias de John Hart Ely e de Ronald Dworkin, conforme explica Brito (1995, p.41): “Ely continua a adoptar à partida a teoria tradicional da jurisdição constitucional como uma restrição à democracia, mas pensa que os direitos de participação política, e também os direitos e liberdades que são instrumentais desta, tais como a liberdade de expressão e de associação política e o direito à não-discriminação, derivam do principio democrático porque condicionam a eficácia desse principio.A jurisdição constitucional que os defende e que protege, assim, as minorias contra a lei da maioria, não lesa, mas antes reforça o próprio principio democrático (…) Dworkin opõe uma concepção estatística da democracia (…) baseada no principio maioritario, onde a acção colectiva é uma simples função da acção individual, a uma concepção comunitária, onde a acção colectiva é atribuída à comunidade, que tem autonomia frente aos indivíduos, enquanto unidade ética de responsabilidade”.

Assim, pode-se afirmar, segundo Brito (1995, p.43) que a jurisdição constitucional apoia-se no seguinte argumento: “os juizes constitucionais são mais qualificados para resolver questões de princípio, ou insensíveis à escolha, enquanto que os parlamentos e os governos são mais qualificados para escolher”. 

Uma questão que merece destaque é um obstáculo que se observa resultante do processo de democratização da sociedade, que é o referente ao aumento de demandas ocasionado pela maior possibilidade de participação social. Com isso, o Estado teve que se organizar e se moldar estrutural e funcionalmente para conseguir administrar o crescente número de demandas. Então, diante da crescente participação da sociedade, bem como o conseqüente aumento de demandas,  deu-se inicio a um processo de “fragilização da democracia”, também devido à morosidade das respostas e muitas vezes até pela ineficiência das mesmas, o que pode acabar ocasionando frustrações sociais  e desgastes para o modelo seguido.

Importante se faz destacar, quanto ao Estado Democrático, as afirmações de Leal (2001, p.129): “Os conflitos sociais e a crise de identidade e legitimidade do Estado do Direito em geral e em especial do Estado brasileiro, enquanto evidenciam a existência de opiniões, comportamentos, desejos e crenças múltiplas e contraditórias, convivendo no mesmo tecido social e revelando uma profunda marginalização humana, denunciam o profundo questionamento do Poder e da ordem estabelecida, inauguram práticas de resolução dos seus conflitos e problemas a partir de uma normatividade própria e informal quando não ilegal. A forma pela qual esta ordem estatal é desconsiderada, no decorrer de determinadas manifestações de massa, acusa a contestação da legitimidade formal estabelecida, fazendo visível a presença de um contrapoder e de uma contra-ordem.” 

Assim, se percebe, através dessa ideia ampliada de Estado Democrático, que não se pode conceber a democracia sem considerar a legitimidade do poder político, sendo, para isso, necessária a ampliação do espaço público.

3. Do debate quanto à judicialização da Constituição Federal

O Constitucionalismo, por ter emergido das revoluções liberais, se estruturou na soberania popular, governo representativo, subordinação do poder às leis, divisão dos poderes e ainda na proteção da propriedade e na liberdade dos cidadãos.

Aos poucos, o espaço constitucional foi ampliando seu espaço, seja pela ampliação dos direitos fundamentais, seja pela organização dos poderes, bem como pela constitucionalização de novas matérias e, até mesmo, pela constitucionalização de novas categorias de direitos, como, por exemplo, os direitos sociais, à saúde, à cultura, à segurança social, ao ambiente, aos partidos políticos, etc. Além disso, vislumbra-se o surgimento de novos órgãos constitucionais, como o Tribunal Constitucional, os conselhos econômicos e sociais, os órgãos de autogoverno da Magistratura, entre outros.

O motivo que levou ao processo de ampliação do poder judicial  no Brasil, se deve em grande parte pelo expressivo aumento das ações judiciais, pelo desenvolvimento da revisão judicial, e ainda da própria jurisprudência pelos tribunais, que acabaram por tornar mais sofisticados os mecanismos de controle jurisdicional.

Além disso, constata-se também questões relativas à judicialização da política  ligados a interesses econômicos globais, no sentido de que sem uma estrutura judiciária sólida, são grandes os riscos de ocorrer ainda mais problemas econômicos e sociais.

Outra questão importante é quanto as mudanças de comportamento jurisprudencial dos tribunais. Ocorre que estes passaram a agir nos vazios deixados pelos poderes representativos, de forma que essas alterações foram muitas vezes impulsionadas pelas mudanças interpretativas das Escolas Jurídicas, onde se constata a crise do Positivismo Jurídico, ocorrida muita vezes por omissão dos poderes Executivo e Legislativo, entre outros fatores.

No caso do Brasil, em específico, de acordo com Costa apud Bastos (2001, p.165): “No Brasil há uma distancia grande que medeia entre o povo e seu Poder Judiciário. Esta falta de entrosamento do Poder Judiciário com a soberania  popular faz com que ele também não se apresente seguro, com força bastante para pronunciar aquelas decisões que possam efetivamente coibir os desmandos de Executivo, sempre inclinado a ser arbitrário e caprichoso, como todo detentor do poder”

Destaque-se que somente após a Constituição Federal de 1988 se tornou possível reconhecer o veto constitucional do judiciário.

No tocante à separação dos poderes, no Brasil se observa, conforme análise feita por Costa (2001, p.165) : “Depois do golpe (1964), o poder foi assumido pelos militares que tentariam resolver os problemas a sua maneira. O Legislativo e o Judiciário sofreram profundas alterações. À semelhança do Estado Novo os poderes do Executivo foram aumentados. Seus atos escaparam ao controle do judiciário.”

Assim, pode-se afirmar que passou a ocorrer uma assimetria entre os poderes. Com a ampliação dos direitos, de uma forma geral, inclusive dos direitos políticos, acabou fazendo com que os grupos de interesse passassem a utilizar ou aplicar o veto nos tribunais para resolver situações de seu interesse.

Dessa forma, um fator fundamental para tornar possível o processo de judicialização da política, é a participação dos grupos de interesse nas ações judiciais.

Outro fator que propicia a judicialização da política, ocorre quando as instituições majoritárias ficam inertes, são ineficazes ou por algum motivo não resolvem as demandas sociais, faz com que tribunais se obriguem a por fim nos conflitos que poderiam ser tratados nos respectivos âmbitos.

É possível identificarmos dois tipos de judicialização: um dos tipos de judicialização pode ser o controle jurisdicional de constitucionalidade, ou seja, quando o judiciário realiza a revisão de uma decisão do Poder Político, baseando-se na Constituição, situação em que o Judiciário amplia  seu poder frente aos demais poderes; outro tipo ocorre quando se utiliza o aparato judicial na administração pública.

Assim, o aumento puro e simples do número de demandas judiciais, por si só, não configura no fator único causador do processo de judicialização da política, mas sim  o caráter substantivo, ou melhor, o comportamento judicial que se traduz no fato de juizes modificarem leis ou atos dos outros poderes, e também o alcance da interferência das suas decisões nas políticas públicas, isto sim tem uma conotação muito mais efetiva nesse processo.

Nesse viés, cabe evidenciar alguns motivos que levam à expansão do poder judiciário, quais sejam: colapso do socialismo, evolução da jurisprudência constitucional, os direitos humanos, as guerras mundiais, ativismo dos juizes entre outros.

Dessa forma é evidente a dificuldade que se tem em conceituar, justificar e caracterizar o processo de judicialização da política no Brasil.

Portanto, pode-se concluir, após feita essa análise, que para a expansão do poder Judiciário no Brasil, sem dúvida, precisa da democracia, pois não seria possível tratar de política judiciária em regimes fechados. Porém, quanto ao papel do Supremo Tribunal Federal, deve haver um maior aprofundamento e maior diversidade em suas abordagens, pois, mesmo apesar dos avanços que já obteve, ainda tem um longo caminho a percorrer para que se efetive de forma plena o processo de judicialização da política no Brasil. Enfim, após a análise acerca das condições para o desenvolvimento da judicialização da política no Brasil, pode-se concluir que temos sim as condições necessárias para que esse processo se efetive por completo.

Conclusão

Após as leituras realizadas acerca desse tema tão importante que é a judicialização da política no Brasil, pode-se observar o posicionamento de alguns autores, que  definiram, situaram, bem como manifestaram suas opiniões quanto aos motivos, condições e possibilidades desse processo se desenvolver e se efetivar no Brasil.

O fenômeno da judicialização da política, pode ser definido como um processo de transferência decisória dos Poderes Executivo e Legislativo para os magistrados e tribunais. Para que isso seja possível, a democracia é um fator essencial, visto que a ampliação do poder judiciário somente acontecer dentro de regimes abertos.

Também se constatou que conforme o poder Judiciário conduzir o desenvolvimento desse processo de judicialização da política, irá demonstrar sua força ou sua fraqueza. Irá, pois, demonstrar sua força, se conseguir atuar com celeridade, bem como se conseguir provar que, mesmo diante de situações de stress, como diria Boaventura de Souza Santos, conseguir agir “segundo os melhores critérios técnicos e as melhores práticas de prudência e conseguir neutralizar quaisquer tentativas de pressão ou de manipulação”.

Portanto, conforme analisado, o Brasil possui todas as condições necessárias para a efetivação da judicialização da política, por sua estrutura, bem como pelo fato de que no Brasil o Supremo Tribunal Federal controla boa parte dos conflitos jurídicos, tanto através da competência originaria quanto pela via recursal.

 

Referências
BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos Direitos Humanos; tradução de Dankuart Bernsmuller. São Leopoldo. UNISINOS, 2000.
BRITO, José de Souza e et al. Tribunal Constitucional – Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional –  Jurisdição constitucional e principio democrático. Coimbra Editora, 1995.
COSTA, E. V. O Supremo Tribunal Federal e a Construção da Cidadania. São Paulo: Institutos de Estudos Jurídicos e Econômicos, 2001.
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado: cidadania e poder político na modernidade. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo; introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. – 4ª ed. melhor. – São Paulo: Saraiva, 1996.
QUEIROZ FILHO, Gilvan Correia de. O controle judicial de atos do poder legislativo: atos políticos e interna corporis . Brasili: Brasília Jurídica, 2001.
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLITICA N. 23, ARTIGO: Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Ernani Rodrigues de Carvalho, 2004. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n23/24626.pdf acesso em 11/09/2012, 16:45 hs.
Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof.Dr. Argemiro Luis Brum. Doutor em Economia Internacional pela EHESS de Paris (França) e mestre em Economia Agrícola pelo Institut Agronomique Méditerranéen de Montpellier (França). Professor permanente dos cursos de Mestrado em Direitos Humanos e de Desenvolvimento– Unijui.

Informações Sobre o Autor

Eliane Spacil de Mello

Mestranda em Direitos Humanos pela Unijui – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul


Equipe Âmbito Jurídico

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