Resumo: O presente trabalho traz breves considerações acerca do instituto da prescrição, após o advento da nova redação do artigo 219, parágrafo 5º do CPC, modificado pela Lei 11.280/2006. O artigo tem como escopo a análise da compatibilidade da oficialidade da prescrição em relação à vigência do artigo 191 do Código Civil de 2002, trazendo à tona questões referentes às repercussões provocadas pela mudança no âmbito das relações trabalhistas. O trabalho visa ao questionamento entre a imposição fria e mecânica do direito formal trazida pelas mudanças recentes da mencionada lei, e o reconhecimento do direito material, universo muito buscado pela moderna doutrina.
Palavras-chave: Prescrição. Oficialidade. Código Civil. Código de Processo Civil. Direito do Trabalho.
Sumário: 1. Introdução. 2. O art. 191 do Código Civil de 2002. 3. A oficialidade da prescrição e a compatibilidade com o instituto da renúncia. 4. As repercussões da mudança na relação justrabalhista. 5. Ponderações finais. Referências bibliográficas.
1. Introdução
É cediço que o princípio da inércia inerente à atividade jurisdicional é um dos elementos basilares do arcabouço processualista civil brasileiro. No entanto, este princípio vem paulatinamente sendo mitigado, face às diversas mudanças advindas de reformas do Código Civil de 2002 (CC/02) e do Código de Processo Civil de 1973 (CPC).
À guisa de exemplo, a Lei 11.280/2006 veio dar nova redação ao dispositivo do artigo 219, parágrafo 5º do CPC acerca da prescrição, admitindo-a de ofício pelo magistrado. Esta mudança, porém, não foi acompanhada pelo atual Código Civil, que assevera em seu artigo 191 disposições sobre a matéria em questão.
2. O art. 191 do Código Civil de 2002
A disciplina do atual Código Civil reza em seu artigo 191 que:
“A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”
Longe de ser pacífica, a questão da prescrição de ofício e seus efeitos traz muitos questionamentos favoráveis e contrários dos doutrinadores.
Sabe-se que, antigamente, a prescrição poderia ser reconhecida de ofício em favor do absolutamente incapaz. Com o advento da Lei 11.280/2006, alterando o dispositivo do CPC referente à prescrição, estendeu-se esta possibilidade do juiz reconhecer a prescrição em favor de todos, indistintamente. Não se exigindo qualquer condição.
Porém, da interpretação deste dispositivo cabe certa cautela, haja vista que o artigo 191 do CC/02 não sofreu qualquer modificação e continua em vigor. A pergunta que se faz é: como admitir a comunhão entre esses dois institutos? O instituto do reconhecimento da prescrição de ofício pelo magistrado e a existência da renúncia da prescrição.
3. A oficialidade da prescrição e a compatibilidade com o instituto da renúncia
É cediço que o interesse maior no reconhecimento prescricional se dá à parte contrária.
Na relação jurisdicional, deve o juiz se mostrar inerte em face dos clamores de seus jurisdicionados, mantendo-se alheio às paixões, julgando as causas de modo isonômico, impedindo-se de transparecer suas inclinações, predileções, ou mesmo, opiniões.
Tem-se, ainda, que ser observado pelo Juiz, o respeito ao princípio do contraditório, que deve existir em consonância com o devido processo legal. Este último, princípio basilar a ser protegido face à celeridade processual defendida por alguns doutrinadores, sob fundamento para o reconhecimento da prescrição de ofício pelo magistrado.
Em entendimento contrário à manutenção da oficialidade prescricional, aduz o autor Flávio Tartuce que “sendo a norma autorizadora do reconhecimento “ex officio” da prescrição incoerente com o sistema jurídico brasileiro, deve ela ser considerada inconstitucional”.[1]
Na mesma linha contrária, mas não sob o mesmo argumento, assevera o professor Alexandre Freitas Câmara:[2]
“É, pois, a prescrição, um procedimento, composto por três fatos: o decurso do prazo, a propositura da demanda após o termo final daquele prazo, a alegação da prescrição pelo devedor. […] Esta explicação permite entender porque a prescrição, mesmo sendo matéria de ordem pública, não pode ser conhecida de ofício pelo juiz (o que insisto em defender, não obstante a absurda modificação legislativa operada pela Lei nº 11.280/2006). É que o juiz não pode declarar uma prescrição que ainda não ocorreu (já que só ocorrerá quando o demandado alegar).” (grifos nossos)
Neste diapasão, vê-se que há um conflito jurídico entre: 1. Ver estabelecido na demanda possível economia processual com a oficialidade da prescrição deduzida pelo magistrado e, 2. Manter a possibilidade ao autor do benefício da renúncia da prescrição, em favor da continuidade da lide processual.
Entende-se que há a possibilidade de se conciliar os dois institutos, desde que sejam analisados de forma singular frente ao caso em que se apresentam, de modo que sempre se mantenha o respeito aos princípios do contraditório e o da ampla defesa, sem mitigação aos princípios do devido processo legal e da legalidade.
4. As repercussões da mudança na relação justrabalhista
Em relação à prescrição de ofício relativa ao direito processual do trabalho, o ministro do TST e professor Maurício Godinho Delgado [3] deixa bem claro a sua objeção ao falar que:
“Há argumentos contrários à compatibilidade do novo dispositivo com a ordem justrabalhista (arts. 8º e 769, CLT). É que, ao determinar a atuação judicial em franco desfavor dos direitos sociais laborativos, a novel regra civilista entraria em choque com vários princípios constitucionais, como da valorização do trabalho e do emprego, da norma mais favorável e da submissão da propriedade à sua função socioambiental, além do próprio princípio da proteção”.
É fato que a prescrição dá-se em favor do réu. Vê-se que no direito processual civil a parte mais frágil da relação processual é a parte ré. Na relação juslaboral, a parte hipossuficiente é a parte autora, o empregado. O empregador é a parte privilegiada, claramente superior na relação processual. E isso deve ser levado em consideração na justa ponderação acerca do reconhecimento da prescrição pelo magistrado.
Ademais, o trabalhador, em muitas ocasiões, não tem pleno conhecimento de seus direitos nem de como deve invocá-los de maneira eficiente e correta. Há um enorme abismo entre o poder econômico e jurídico do empregador e o universo simplório de seu empregado. O trabalhador, na maioria das vezes, postula em favor próprio, utilizando-se do benefício singular do jus postulandi na Justiça do Trabalho.
Diante disso, não há como se exigir do magistrado a imposição fria e nociva da prescrição de ofício, haja vista que esse procedimento vai de encontro aos princípios da proteção e da norma mais favorável. Há que se fazer sérias observações, ainda, ao fato de que o réu (empregador) pode renunciar ao seu direito de prescrição, interessando-se em manter ativa a demanda jurisdicional. Por estas considerações, entende-se que a oficialidade da prescrição pelo magistrado não atende aos princípios basilares do arcabouço juslaboral, prejudicando sobremaneira os interesses da parte hipossuficiente (o empregado) na lide trabalhista.
5. Ponderações finais
É deveras reconhecido que o princípio da segurança jurídica deve ser consubstanciado no ordenamento jurídico protegendo as relações jurisdicionais existentes. O respeito aos prazos processuais traz consigo a certeza da continuidade ou não de situações jurídicas, bem como do desfazimento delas, ao seu cômputo, na prescrição. O reconhecimento da prescrição mostra-se em consonância com a proteção do devido processo legal na relação processual.
Por outro lado, a força deste argumento traz um embate e produz colisão com os princípios da proteção, da solidariedade e o da dignidade da pessoa humana. Ademais, tem-se que a tendência do Estado-juiz corrobora para uma maior proteção ao direito material em detrimento do formal. O alvo não se subsume apenas a verificação da implementação das condições, mas, sobretudo, da consequência delas.
E, em muitos casos, o Juiz vê a existência do direito material, porém a forma processual se mostra superior. Em benefício da forma, extingue-se um direito, que deveria ser invocado pela parte a quem dela se beneficia. A imparcialidade do juiz não deve ir além da vontade imediata e mediata das partes, senão, se estaria diante de uma tentativa de jurisdição involuntária.
O que se tira como conclusão deste estudo é que se deve analisar cada caso concreto e o que ele provoca como conseqüências aos seus interlocutores. Com isso, ganham os jurisdicionados e a sociedade civil, na medida em que se preservam os direitos e as garantias constitucionais advindas das relações processuais e também das relações trabalhistas, preservando-se os direitos sociais e humanos.
Técnica do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especializanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera- UNIDERP.
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