Resumo: Este artigo traz a lume algumas das ideias fornecidas pela recente lei 13.257/16, a qual versa sobre políticas protetivas para crianças, em especial aquelas na considerada primeira infância. São consideradas crianças na primeira infância aquelas com até 6 (seis) anos ou 72 (setenta e dois) meses de vida. A lei realiza alterações no Código de Processo Penal (CPP), na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outros dispositivos, criando benefícios que visam um ideal de equidade, onde os iguais são tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual, afim de se promover uma igualdade material. Observa-se ainda a relação destas inovações legislativas com o garantismo de princípios específicos do Estatuto da Criança e Adolescente, bem como uma interpretação conforme os princípios fundamentais constitucionais, a exemplo da Dignidade da Pessoa Humana, visando assegurar direitos como a convivência familiar, inerentes às crianças e essencial para formação psicológica destas.
Palavras-chave: Igualdade; Convivência familiar; Lei 13.257; Primeira Infância;
Abstract: This article brings to light some of the ideas brought by the recent Law 13,257 / 16, which deals with protective policies for children, especially those considered in early childhood. Children are considered in infancy those with up to six (6) years or 72 (seventy-two) months. The law brings changes to the Code of Criminal Procedure (CPP), the Consolidation of Labor Laws (CLT), the Statute of Children and Adolescents (ECA) and other devices, creating benefits aimed at an ideal of equity, where the same are treated equally and unequals unequally, in order to promote a substantive equality. It also observes the relationship of these legislative innovations with garantismo specific principles of the Child and Adolescent Statute as well as an interpretation as the fundamental constitutional principles, such as the Human Dignity, to ensure rights such as family life, inherent to children and essential for psychological training of these.
Keywords: Equality; Family living; Law 13,257; Early Childhood;
Sumário: Introdução. 1. A Lei 13.257/16 Como Paradigma De Justiça. 2. O Direito À Convivência Familiar e Os Direitos Fundamentais Na Lei 13.257/16. 3. Lei 13.257/2016 E Os Princípios Do Estatuto Da Criança E Do Adolescente. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No dia 6 de março de 2016 foi publicada a Lei 13.257 de 2016, que dispõe sobre a formulação e execução de políticas públicas para a primeira infância, que abrange os seis primeiros anos completos, ou setenta e dois meses de vida da criança.
A nova lei, além de dispor acerca da primeira infância, também introduz algumas significativas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Consolidações das Leis Trabalhistas, no Código de Processo Penal e na Lei nº 11.770/2008.
Destarte, o presente trabalho tem como objetivo primordial demonstrar de que modo a inovação legislativa prioriza e garante determinados princípios que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente, como também dos princípios constitucionais.
A lei assegura à criança nos seus primeiros seis anos de vida uma maior proteção e prioridade, em razão dos direitos fundamentais desta fase serem indispensáveis para uma boa formação e desenvolvimento do ser humano. Assim, se mostra indubitável que neste período sobrevém uma ampla mudança física, afetiva e psicológica, sendo assim, a convivência familiar recebe especial atenção da norma que dispõe maior segurança para esse grupo vulnerável.
Tendo em vista a importância deste marco jurídico, a tutela de uma forma mais ampla dos direitos das crianças na primeira infância se mostra primordial. O objetivo central é que sejam criadas condições adequadas e possibilitem uma vida plena de criança feliz, alcançando-se assim uma noção de eficiência da justiça.
1. A LEI 13.257/16 COMO PARADIGMA DE JUSTIÇA
No dia 08 de março de 2016, a então presidente do Brasil sancionou a lei nº 13.257, a qual versa sobra políticas protetivas para menores, em especial aqueles inseridos na primeira infância. Esta prevê a implementação de políticas públicas voltadas a garantir direitos fundamentais e específicos dessas pessoas.
O Direito como ciência da sociedade e para a sociedade, e a lei nº 13.257 a qual é instituto desse, visam a implementação de uma ideia de Justiça por equidade. Ao instituir uma posição clara de benefício à uma determinada categoria de pessoas – nesse caso as crianças na primeira infância – a lei intenta uma justiça distributiva.
De fato, mesmo que as disposições legais sejam igualitárias, a ideia de justiça não pode ser satisfeita tendo em vista que as pessoas em qualquer sociedade não são iguais. Dessa forma, uma igualdade absoluta e abstrata não satisfaz o dever de uma efetividade plena da norma jurídica.
O teórico John Rawls inicia sua obra "Teoria da Justiça” (1971) com o argumento que ainda que as disposições sociais sejam bem ordenadas, as sociedades não expressam as vontades humanas de maneira satisfatória. Uma noção de Justiça ideal deve englobar plenas liberdades pessoais, como também uma ideia de igualdade material[1].
Ademais, é notório que crianças e adolescentes, inclusive aquelas na primeira infância, estão sujeitas a vulnerabilidade, necessitando de políticas públicas que garantam uma situação vantajosa visando garantir direitos mínimos e ter uma igualdade social alcançada. Daí a utilidade de políticas afirmativas como a lei nº 13.257/16.
“Rawls afirma que um princípio que serve para maximizar a porção mínima é preferível à igualdade absoluta, uma vez que, se permitirmos alguma desigualdade, pode dar-se o caso de que a pessoa na pior situação, ainda que num padrão de distribuição desigual, possa na verdade estar em melhor situação do que estaria se todas estivessem numa situação de total igualdade. ” (MORRISON, 2006. p. 472- 473)
Dessa forma, ao trabalhar os conceitos trazidos pela referida inovação legislativa, tem-se que estas são nevrálgicas para o desenvolvimento eficiente de uma noção de Justiça, na medida que procuram satisfazer um ideal de justiça por equidade.
2. O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA LEI 13.257/16
A lei 13.257/16 introduz alterações ao Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), ao Código de Processo Penal (CPP), à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, por fim, à Lei nº 11.770/2008.
São consideradas crianças na primeira infância aquelas com até 6 (seis) anos ou 72 (setenta e dois) meses de vida. A lei também ostenta essas pessoas com o título de cidadãs.
A lei em si implica em diversas modificações relevantes às outras leis brasileiras, dando especial atenção à proteção familiar, onde os interesses da criança devem vir em prioridade aos interesses particulares e sociais imediatos[2].
Pode-se destacar o fato da lei querer promover o pleno interesse de todos os entes da federação na garantia dos direitos das crianças na primeira infância[3]. Além desses, a lei também coloca solidariamente no artigo 12 a família e toda a sociedade na proteção desses direitos[4].
Fica evidente a disposição da lei em proteger a entidade familiar e colocar esta como um instituto nevrálgico para a formação da criança. Assim, o convívio familiar se mostra essencial para o desenvolvimento e para busca da felicidade.
Tal demonstra ser evidente em algumas mudanças sofridas, por exemplo, na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Nas hipóteses de falta justificada do trabalhador foram incluídas as possibilidades de que este poderá se ausentar por “até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira”[5] ou “por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica”[6].
A preocupação ainda fica evidente ao alterar a licença paternidade – tanto nos casos de filhos biológicos como também nos casos de adoção -, prorrogando-a, nos casos em que a pessoa jurídica empregadora adira ao programa empresa cidadã, de 5 para 20 dias. Nesse programa a empresa participante pode prorrogar a licença maternidade/paternidade para ser contemplada com abatimentos no importo de renda. O pai então fica proibido de exercer atividades remuneradas no período. Assim, prioriza-se a convivência do filho com o pai, garantindo que o convívio familiar esteja protegido em interesse direto da criança alvo da medida.
Nesse mesmo sentido temos algumas alterações no Código de Processo Penal (CPP), o qual cobra dos servidores policiais atitudes ativas na verificação da existência e condições de filhos desde o conhecimento da pratica do ilícito[7], como também no interrogatório[8] e na prisão em flagrante[9]. Garante também a prisão domiciliar para mulheres que tenham filhos menores de 12 anos[10], ou para o homem que seja o único responsável por menor de 12 anos[11].
Tais modificações legislativas são frutos de uma interpretação da noção de Justiça conforme a Constituição Federal.
Com o movimento de constitucionalização do Direito, a norma infraconstitucional passa a ter “papel secundário”, o que se observa é a necessária interpretação conforme princípios e garantias constitucionais.
Dessa forma, ao proteger a entidade familiar em interesse da criança em primeira infância, atinge-se princípios como a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana – esta última como fundamento da república e base para os demais princípios.
A convivência familiar é corolário da noção de vida em relação, que é essencial para a formação da personalidade e guia para tomada de decisões necessárias para a produção de um projeto de vida.
É evidente que, em regra, o ser humano vive em sociedade. Suas experiências de vivência se coadunam com as relações estabelecidas ao longo da vida, ou seja, a vida em relação diz respeito “ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao comungar com seus pares a experiencia humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, e crescendo, por meio do contato continuo (processo de diálogo e de dialética) em torno da diversidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e valores ínsita à humanidade.” (FROTA, 2013, p. 24).
De fato, o plano existencial do ser humano só se constrói a partir do convívio com os demais, os quais o constroem e o completam. Portanto, o estabelecimento de relações com outros seres coloca o ser humano no mundo, passando a ter relação com este[12], sendo essa indispensável para a construção da personalidade e projetos da criança na primeira infância.
A violação da entidade familiar, prejudicando o convívio desta, pode acarretar violações à nova lei 13.257/16, danos existenciais com responsabilização civil e violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre outros prejuízos.
Por conseguinte, a referida lei ainda trata do direito à saúde, à alimentação e à nutrição, à cultura, o brincar e o lazer, à convivência comunitária e familiar, à assistência social à família da criança, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, à prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica.
Desta forma, é mister perceber a importância da proteção da vida e a instituição familiar. A lei 13.257/16 visa, em muitos pontos, dar uma maior proteção aos institutos e consequentemente também à dimensão existencial das crianças em primeira infância. A lei também é mais abrangente e engloba diversos outros direitos que juntos pretendem assegurar uma ideia de justiça plena à essas crianças.
3. LEI 13.257/2016 E OS PRINCÍPIOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A lei 13.257/16 trata em diversos institutos relacionados à entidade familiar, que mantem intima relação com a ideia de desenvolvimento da pessoa humana, principalmente no relacionado à crianças e adolescentes.
Aplicando-se uma hermenêutica constitucionalista e corroborando com ideais de uma constitucionalização do Direito, pode-se relacionar as ideias de desenvolvimento da criança com base em sua entidade familiar às noções contidas em princípios fundamentais constitucionais e infraconstitucionais.
No mesmo sentido se pode exercitar essa linha hermenêutica para relacionar as inovações legislativas trazidas pela referida lei aos princípios específicos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Princípio da Prioridade Absoluta, disposto no art. 4º do ECA[13] e no artigo 227 da Constituição Federal[14], estabelece como sendo de “responsabilidade da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Portanto, cumpre ao Poder Público prestar atendimento preferencial às crianças, incluindo a primeira infância, e aos adolescentes, de forma que garanta que os interesses destes grupos sejam enfrentados prioritariamente, promovendo políticas públicas sociais básicas como saúde, educação, lazer, políticas de assistência social, de proteção e socioeducativas, entre outros.
Nesse sentido, o Estado deve destinar recursos necessários para que seja preservada a efetivação dos direitos infanto-juvenis e o efetivo desenvolvimento das crianças e adolescentes.
A lei 13.257/16 reafirma, em seu art. 3º[15], que seja realizada a implementação de “políticas, planos, programas e serviços que visem atender às especificidades e peculiaridades da primeira infância, buscando garantir seu desenvolvimento integral”, de acordo com medidas estabelecidas no art. 4º[16].
No art. 5º[17], determina como “áreas prioritárias para as políticas públicas voltadas à primeira infância, a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica”.
Reitera ainda, no art. 16[18], que seja realizado uma expansão da educação infantil de qualidade para os menores da primeira infância, assim como prevê, no art. 9º e 10º, a criação e adequação de cursos especializados voltados para a formação de profissionais qualificados que atuam na execução das políticas e programas destinados à primeira infância, em razão do Princípio da Condição Peculiar da Pessoa em Desenvolvimento, que busca manter condições gerais para o desenvolvimento desse grupo vulnerável, por serem detentores de uma atenção especial.
O art. 13[19] da Lei nº 13.257 intenta por fortalecer os vínculos familiares e comunitários da criança. Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão apoiar a participação das famílias em redes de proteção e cuidado da criança em seus contextos sócio familiar e comunitário visando, com prioridade aos contextos que apresentem riscos ao desenvolvimento da criança. Trata-se, portanto, do Princípio da Convivência Familiar, disposto no art. 19 do ECA[20], que visa assegurar à criança e ao adolescente um crescimento saudável, tendo em vista que o meio familiar contribui para o desenvolvimento moral, cultural e espiritual, ou seja, na formação desses indivíduos.
Dessa forma, a União, os Estados, Os Municípios e o Distrito Federal deverão promover programas que visem a proteção e educação da criança e do adolescente, tendo como foco a família e a comunidade. É o que determina o Princípio da Cooperação, em que a família, o Estado e a sociedade devem trabalhar juntos em busca da proteção dos direitos básicos e do mínimo existencial que é inerente à pessoa humana (Princípio da Dignidade Humana).
O § 2º, do Art. 14[21] determina ainda que as famílias que forem identificadas nas redes de saúde, educação e assistência social e nos órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente que se encontrarem em situação de vulnerabilidade e de risco ou com direitos violados para exercer seu papel protetivo de cuidado e educação da criança na primeira infância, bem como aquelas que têm crianças com indicadores de risco ou deficiência, terão prioridade nas políticas sociais públicas.
A referida lei encontra embasamento no Princípio da Proteção Integral, que visa tutelar os direitos da criança e do adolescente, assegurando direitos e privilégios que busquem reduzir suas fragilidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção de medidas protetivas se mostra necessária para garantir uma busca da efetiva Justiça.
O conceito de justo não pode coadunar ideias de uma igualdade absoluta de condições para pessoas que são essencialmente e materialmente diferentes. Dessa forma, atuar de forma específica para determinados grupos traz uma noção de justiça por equidade, que se mostra muito mais adequada ao caso concreto.
A lei 13.257/16 traz uma série de mudanças à normas já estabelecidas, colocando novas hipóteses que corroboram noções trazidas em princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade.
Da mesma forma, estão presentes nos diversos artigos da referida lei alguns dos princípios gerais do ECA, como a proteção integral, Condição Peculiar da Pessoa em Desenvolvimento e outros.
Portanto, tem-se que a lei satisfaz seus propósitos em abstrato, cabendo ao poder público a concretização das metas pretendidas pelo legislador.
Advogado e Bacharel em Direito na Universidade Federal da Paraíba
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