Direito Civil

A Morosidade Nos Processos de Adoção no Brasil

Letícia Lana de Melo Nunes[1]

Me. Francieli Borchartt da Cruz[2]

 

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RESUMO: A família da antiguidade era formada basicamente por pai, mãe e filhos, no entanto, com o passar dos anos passou a tomar novos moldes sendo muitas vezes formada por pessoas com laços de afetividade, muitas vezes, não contendo nenhum vínculo consanguíneo. Sendo assim, o instituto da adoção vem sendo cada vez mais comum no seio familiar se tornando a realização de um sonho de muitos casais que desejam ter filhos e que por algum motivo se veem impossibilitados, consequentemente, o de muitas crianças que aguardam ansiosamente por um lar. No entanto, há uma lacuna enorme entre a teoria utópica e a prática, de modo que, a legislação mesmo após consideráveis mudanças, ainda procrastina muito esse processo que com toda demora implica numa infância perdida, sem qualquer chance de ter uma família que nunca chega.

Palavras-chave: Família. Afetividade. Adoção. Legislação. Morosidade.

 

The length of adoption processes in Brazil

ABSTRACT: The family of antiquity was basically formed by father, mother and children, however, over the years it began to take new forms and often formed by people with ties of affection, often without any consanguineous bond.  Thus, the adoption institute is becoming more and more common within the family, becoming a dream come true for many couples who wish to have children and who for some reason find themselves unable, consequently, for many children who are eagerly waiting for a child.  home.  However, there is a huge gap between utopian theory and practice, so that, the legislation even after considerable changes, still procrastinates much this process that with all delay implies a lost childhood, without any chance of having a family that never arrives.

Keywords: Family.  Affectivity  Adoption.  Legislation.  Delay.

 

Sumário: Introdução. 1. Conceito de Família. 1.1. Roda dos Expostos. 2. Legislação que Rege a Adoção 2.1. Princípio da Prioridade Absoluta. 2.2. A Constituição Federal. 2.3. Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.3.1. Requisitos Legais da Adoção. 2.4. A Lei de Adoção. 2.4.1. Cadastro Nacional de Adoção. 2.4.1.1. Exceções ao Cadastro. Considerações Finais. Referências.

 

 Introdução

Ao longo dos anos a adoção já se deu de várias formas, sendo que não é uma prática recente da humanidade, muito pelo contrário, há séculos famílias podem adotar. Um exemplo da antiguidade na prática da adoção é a adoção de Moisés pela filha do Faraó, no Egito; relatada na bíblia.

No decorrer dos anos se deu das mais variadas formas, exigindo-se diversos critérios, como: idade mínima, a exigência que os pais não tivessem filhos biológicos, também só podiam adotar os cônjuges casados e etc.

No Brasil, a adoção ganhou as primeiras regras formais com o Código Civil de 1916. Ainda com muitos entraves e exigências; destaca-se para o caráter contratual que o Código estabelecia, de modo que, o trâmite da adoção era apenas por meio de simples escritura pública, além de estabelecer vínculo de parentesco apenas entre o adotante e o adotado.

No entanto, muitas e consideráveis foram as mudanças na adoção. O art. 227, §6º CF foi derradeiro ao igualar os direitos de todos os filhos, sejam eles biológicos ou adotivos, afastando a disposição do Código Civil de 1916. Em seguida a Lei 8069/90 (ECA) vem em consonância e confirma a norma constitucional.

Após um longo período o filho adotivo passou a gozar dos mesmos direitos do filho biológico, de modo que, estabelece-se o parentesco civil equiparado ao parentesco consanguíneo e para efeitos de ordem patrimonial o filho adotivo concorre com igualdade de condições aos filhos consanguíneos.

O presente artigo se constrói no intuito de colaborar com a discussão dos entraves que ensejam na morosidade dos processos de adoção no Brasil que mesmo após muitas mudanças ainda se mostra burocrático e lento, privando crianças e adolescentes de desenvolverem seu caráter num lar saudável que a convivência familiar é capaz de oferecer.

A metodologia utilizada na elaboração foi baseada em estudos de análises bibliográficas, por meio de doutrinas, artigos científicos e a legislação, bem como outros materiais que colaboraram com a compreensão do tema.

 

  • Conceito de Família

Inicialmente, cumpre tentar estabelecer o conceito de família, que nada mais é do que o vínculo afetivo que une indivíduos, podendo ser conjugal e consanguíneo, exercendo influência essencial para a formação humana.

Reconhecida como a célula mater da sociedade, a família é fundamental para a sobrevivência da espécie humana. É a referência existencial do ser humano, caracterizando-se pela união de pessoas vinculadas por laços de afeto (real ou presumido) num contexto de conjugalidade ou parentalidade. (RAMOS, 2016, p. 25)

Inicialmente, para definir família vem a mente o conceito de pai, mãe e filhos, no entanto, nos dias atuais a realidade é outra, o que enseja em ampliar esse conceito, de modo que, há um leque de possibilidades na formação de uma família. Em que pese o ingresso da mulher no mercado de trabalho, o conceito patriarcal de família foi se esvaindo, onde o homem deixou de ser o provedor exclusivo do lar, além de muitas vezes participar nas atividades domésticas, o que há muitos anos atrás era visto como uma tremenda impossibilidade. O fato é que os novos contornos da família desafiam a possibilidade de se encontrar um conceito único para família, parte de que é um grupo social fundado essencialmente nos laços afetivos após o desaparecimento da família patriarcal que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas.

[…] Como a lei vem sempre depois do fato e procura congelar a realidade, tem um viés conservador. Mas a realidade se modifica, o que necessariamente acaba se refletindo na lei. Por isso a família juridicamente regulada nunca consegue corresponder à família natural, que preexiste ao Estado e está acima do direito. A família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica, na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função – lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos -, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. (DIAS: 2015, p. 29).

Embora a CF liste apenas três tipos de entidades familiares, muitas outras devem ser consideradas, tendo em vista estarem pautadas na afetividade, na estabilidade e na ostensibilidade o que torna muito ampla as suas formas. Haja vista o conceito que predominou durante décadas de que somente seria família pessoas da mesma árvore genealógica, hoje, pode-se dizer que o elemento da consanguinidade deixou de ser único e fundamental para a constituição da família.

Convém ressaltar que os vínculos afetivos são remotos e não predomina apenas nas relações humanas, os seres vivos num todo veem a vida em pares como um fato natural, de modo que sempre procuram se relacionar e se unir, com isso, formando uma família em suas mais diversas formas; o importante é ter uma convivência afim de integrar sentimentos, caminhando para a realização dos projetos de felicidade idealizados por cada um.

De modo resumido pode-se descrever a família então, como a união de pessoas vinculadas por laços de afeto que cumprem um papel fundamental no crescimento do indivíduo, sobretudo em seus primeiros anos de vida, os quais abrangem a infância. A união de uma família é grande responsável por moldar o caráter de crianças e adolescentes, através do bom exemplo, do afeto, da educação, cultura, princípios religiosos, de modo que, são essências que influenciam diretamente na formação humana.

[…]A família atua através de um processo educativo, o entrejogo, isto é, o ensino de noções relacionadas ao cuidado de si – aspecto físico, ao desenvolvimento das habilidades voltadas à integração com os demais membros da família e, num contexto mais amplo, com a sociedade, e instrumentaliza o indivíduo para a atividade produtiva, além de conferir-lhe, com herança, as normas culturais – valores – de seu contexto social. (PEZZINI, APUD, CAMARGO, 2006, p. 64)

No mais, é bem sabido que a família exerce influência sobre a vida do ser humano desde muito cedo, uma vez que, se a criança cresce sem uma estrutura familiar sólida acaba tendo reflexos por toda vida, principalmente em relações futuras, pois corre riscos de traumas, oriundos dessa falta de inserção saudável que o laço familiar é capaz de trazer. Esse é o risco que crianças e adolescentes que se veem a mercê da “fila de adoção” estão sujeitos, gerando assim, consequências futuras para suas vidas.

 

1.1 Roda dos Expostos

Extinta na década de 1950 e perpetrando por grandes regimes da história do país, a roda dos expostos, foi durante muitos anos a saída encontrada por muitos pais para o abandono sigiloso de seus filhos. Foi criada na Colônia, passou pelo período imperial e manteve-se na república até sua extinção, sendo o Brasil o último país a abolir o sistema da roda dos enjeitados.

A roda foi instituída para “garantir” o anonimato do expositor, evitando-se, na ausência daquela instituição e na crença de todas as época, o mal maior, que seria o aborto e o infanticídio. Além disso, a roda poderia servir para defender a honra das famílias cujas filhas teriam engravidado fora do casamento. Alguns autores atuais estão convencidos de que a roda serviu também de subterfúgio para se regular o tamanho das famílias, dado que na época não havia métodos eficazes de controle da natalidade. (MARCÍLIO, 1999, p. 72)

Por outro lado, a roda dos expostos foi a salvação de muitas crianças, uma vez que, a prática do abandono não é de hoje, desde os primórdios existiram famílias que abandonavam bebês indesejados pelos mais diversos motivos, seja por uma relação extraconjugal, por falta de condições financeiras, criminalidade, entre outros.

Como mencionado, a roda dos expostos foi um meio encontrado visando garantir o abandono de forma anônima e servindo também como estímulo a não abandonar a criança em qualquer lugar, correndo risco de morrerem, o que acontecia frequentemente, pois muitas vezes demoravam a serem encontrados por alguém.

O sistema de rodas de expostos foi inventado na Europa medieval. Seria ele um meio encontrado para garantir o anonimato do expositor e assim estimulá-lo a levar o bebê que não desejava para a roda, em lugar de abandoná-la pelos caminhos, bosques, lixo, portas de igreja ou de casas de família, como era o costume, na falta de outra opção. (MARCÍLIO, 1999, p. 51)

Inicialmente, era de responsabilidade do Estado através das Câmaras municipais, o cuidado das crianças abandonadas, ocorre que com a omissão e o descaso, alegando falta de recursos muitas famílias se sensibilizavam e acabavam criando essas crianças. Mais tarde e após muitos conflitos, estabeleceu-se que as Santas Casas de Misericórdia assumiriam o cuidado dessas crianças, mas que a Câmara deveria arcar com um subsídio anual.

A criação das Misericórdias originou que nos grandes centros urbanos se estabelecessem acordos de princípio entre as duas instituições de modo que, passando a administração dos expostos para a responsabilidade das Misericórdias, as Câmaras deveriam contribuir financeiramente para este serviço. (REIS, 2012, p. 159)

A origem dos cilindros rotatórios de madeira vinha, principalmente, dos conventos. Eram usados para envio de objetos, alimentos e mensagens aos residentes. Sua finalidade era de evitar o contato dos religiosos com o mundo exterior, sendo que rodava-se o cilindro e os objetos iam para dentro da casa, sem que ninguém visse quem havia deixado. Era comum na época os mosteiros receberem crianças doadas para o serviço de Deus, chamados de oblatos, então as rodas começaram a ser utilizadas para depositarem bebês “indesejados”, esperando que fossem batizados e recebessem educação aprimorada, como os oblatos.

Diante do uso indevido das rodas, surgiu o uso para receber os expostos, fixadas nos muros de hospitais criados para cuidar dos bebês abandonados. Foi então, em 1964 criada a FUNABEM, dando início à fase do Estado do bem-estar, em seguida instalou-se as FEBEMs. No advento da CF/88, intitulada como Constituição Cidadã inseriu-se na sociedade os Direitos Internacionais da Criança, proclamados pela ONU em 1950. A partir de 1990 com o Estatuto da Criança e do Adolescente o Estado assumiu a responsabilidade sobre a assistência à infância e à adolescência, tornando-se sujeitos de direitos pela primeira vez na história.

 

2 Legislação que Rege a Adoção

A adoção é sistematizada pelo Código Civil em seus artigos 1618 e 1619, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 39 ao 52, bem como pela Lei 12.010/09 (Lei de adoção).

O instituto da adoção passou pelo ordenamento jurídico brasileiro por períodos de transição ao longo dos anos em que foi inserida. Apareceu pela primeira vez no Código Civil de 1916, no início do século XX, foi então regulamentada integralmente por esse Código até 1990, com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Constituição Federal de 1988 trouxe a aplicação de princípios constitucionais, de modo que as relações familiares que já vinham sendo constantemente modificadas foram elegendo o bem estar de seus membros através da aplicação desses princípios.

Durante longos 40 anos, apenas casais casados poderiam adotar. No entanto, atualmente muitas decisões judiciais estendem à pais homoafetivos ou pessoas solteiras a possibilidade da adoção, com todos os direitos que detém qualquer descendente ou filho biológico dos pais adotivos, inclusive os hereditários.

 

2.1 Princípio da Prioridade Absoluta

A burocracia e consequente morosidade que rege os processos de adoção no Brasil confrontam diretamente o princípio da prioridade absoluta, de modo que, com todos os entraves a criança fica sujeita à uma “fila de espera” por anos, sendo assim, não tem suas necessidades supridas de imediato.

Nas palavras de LIBERATI (1991, p. 21), crianças e adolescentes “deverão estar em primeiro lugar na escala da preocupação dos governantes, devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes”. (PEZZINI, APUD, LIBERATI, 1991, p. 21)

A demora do procedimento implica ainda, na rápida inserção da criança e do adolescente em uma família afim de que possa gozar de seus direitos desde sua tenra idade, tendo em vista, muitas vezes a desistência de casais que buscam por esse requisito, sendo muitas vezes o fator que os levaram a adoção.

Nas palavras de Vargas (1998), no momento em que a sociedade nega a criança o direito de inserir-se num contexto familiar, está provendo uma interferência determinante em seu processo de constituição e, consequentemente em seu modo de ser e estar no mundo. (PEZZINI, APUD, VARGAS, 1998)

Ainda seguindo esse mesmo enfoque, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança expressou em seu art. 3º, que:

Todas ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o maior interesse da criança. (1989)

Portanto, o tempo de espera que a legislação morosa submete a criança e o adolescente aos trâmites do processo de adoção não condiz com suas necessidades de se devolverem e moldarem seu caráter de forma a seguir os princípios e bons costumes da sociedade, devendo haver por parte do legislador um enfoque maior no tempo que o menor fica submetido à espera do fim do processo em instituições de acolhimento;

Nesse sentido, Paulo Lôbo discorre que,

[…] O princípio do melhor interesse significa que a criança – incluído o adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança – deve ter seus interesses tratados como prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade. (2011, p. 75)

Sendo assim, ante a necessidade de amparo aos que se encontram em situação de vulnerabilidade, é garantido a proteção e ainda, que seja proporcionado um processo sadio, afim de desenvolver e formar sua personalidade sem qualquer sequela psicológica.

 

2.2 A Constituição Federal

A esperança da criança e do adolescente que se encontra institucionalizado é unicamente a de receber um lar que os acolha de forma célere, uma vez que, a morosidade do processo de adoção faz com que cresça com a frustração do abandono inicial.

Essa celeridade fica a cargo da legislação que na verdade acaba sendo burocrática, assim, obstruindo o direito previsto na CF/88 em seu art. 227 que dispõe acerca da prioridade do interesse da criança e do adolescente.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Portanto, como visto, não somente no princípio descrito acima, mas ainda a Constituição Federal prevê expressamente essa proteção à criança e ao adolescente como forma de garantia de seus direitos fundamentais, tendo assim, prioridade absoluta.

 

2.3 Estatuto da Criança e do Adolescente

            O ECA propõe que é garantia da criança e do adolescente o direito de ser criado no seio de uma família, independente de ser legítima ou substituta. Entre as modalidades de família substituta, a adoção é medida excepcional e irrevogável, que atribui ao filho adotado, todas as condições que o filho legítimo detém, impondo direitos e deveres relativos à filiação.

O art. 4º prevê então, o seguinte:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar comunitária. (BRASIL,1990)

A implantação do ECA elaborou uma norma nacional de proteção dos direitos da criança e do adolescente, sendo assim, os desafios da proteção integral aumentaram, em que pese a adequação ao princípio da prioridade absoluta.

 

2.3.1 Requisitos Legais da Adoção

            É essencial estabelecer requisitos para adoção, vez que o intuito do ato é a garantia dos direitos do adotado de forma plena, sendo assim, o ECA estabelece taxativamente esses requisitos, além disso destaca que é medida excepcional e irrevogável, sendo recorrida somente na hipótese do esgotamento dos recursos da família natural ou extensa.

A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta lei. (BRASIL, 1990, art. 39, §1º)

No bojo de seu art. 42, o ECA regulamenta a capacidade para adotar, de modo que somente os maiores de 18 anos podem adotar, não importando seu estado civil. Em suma, “a norma foi alterada na esteira do que já previa o antigo art. 1618 do CC/2002 e da redução da maioridade civil de 21 para 18 anos.” (TARTUCE, 2017, p. 288)

A adoção bilateral, passou a ser denominada adoção conjunta e está prevista no art. 42, §2º do ECA. A exigência para adoção conjunta é que os adotantes sejam casados civilmente ou mesmo mantenham união estável, mediante comprovação da estabilidade da família. O ECA dispõe ainda que os divorciados, os judicialmente separados e ex-companheiros podem adotar conjuntamente, no entanto, desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado ainda no período de convivência marital, atendendo à isso, que seja acordado sobre a guarda e visitas.

Rossato e Lépore, declaram que:

Ainda que possa parecer ínfima, trata-se de alteração substancial empreendida no instituto da adoção e que abre espaço, por exemplo, para a adoção por casais homossexuais, uma vez que não exige mais a formalização de uma união pelo casamento ou pela união estável em curso, para que possa reconhecer a possibilidade de adoção bilateral. (LÉPORE e ROSSANTO, APUD, TARTUCE, 2017, p. 288)

Ademais, caso demonstrado benefício ao adotando, será assegurado a guarda compartilhada, conforme prevê o art. 42, §5º do ECA e ainda, o art. 1584 do CC.

Ainda respalda o art. 42 do ECA, em seu §3º que como requisito da adoção, o adotante deverá ser pelo menos dezesseis anos mais velho do que o adotado. No entanto, deve se valer do bem estar da criança ou adolescente, mesmo atento ao Princípio da Prioridade Absoluta prevista na Constituição e assim, analisar conforme o caso concreto para exceções nesse quesito.

O art. 44 do ECA prevê a adoção por tutor ou curador, no entanto, é enfático ao apontar que enquanto não der contas de sua administração e não se saldar o débito, a adoção não poderá ocorrer.

Em regra, a adoção depende do consentimento dos pais ou representantes legais da criança ou adolescente, conforme art. 45 do ECA, excetuando-se nos casos de destituição do poder familiar (art. 45, §1º do ECA). Ainda traz o mencionado artigo em seu §2º, a exigência da concordância do adolescente adotado, caso tenha mais de 12 anos para que seja válido o processo.

Com exceção do matrimônio, previsto no art. 1521 do CC/2002, não resta dúvidas quanto
à relação do rompimento com a família biológica, de modo que o processo de adoção, assegura a igualdade entre os filhos. Sendo assim, todos os direitos sucessórios estão conferidos ao adotado, conforme previsão do art. 41, §2º do ECA.

 

2.4 A Lei de Adoção

            A lei de adoção veio como um divisor de águas trazendo consideráveis alterações para o Código Civil e para o Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente no que tange à celeridade do procedimento.

Dentre essas mudanças, está a estipulação do prazo máximo de 120 dias para que o processo de destituição do poder familiar seja concluso e ainda trouxe, a necessidade facultativa de oitiva da criança e em caráter obrigatório do adolescente a partir de doze anos, desde que possuam capacidade para tanto.

Nesse mesmo norte, outra alteração trazida pela lei é a tentativa de reintegração na família extensa, os quais englobam parentes próximos cuja criança convive ou mantém vínculo de afinidade; esses têm preferência no cadastro nacional, bem como no estadual, de adoção.

Mesmo indo de encontro ao desejo da mãe – que quer entregar o filho à adoção e não a algum parente – parte o Estado à caça de algum membro da família, insistindo para que acolham a criança, ainda que tal situação gere para lá de precária. Afinal, fica sob a guarda ou da avó ou de algum parente, o que não lhe garante qualquer segurança jurídica. O “guardado” não adquire nenhum direito, quer a alimentos, quer à herança do “guardador”. (DIAS, 2015, p. 505)

Ademais, vista como uma das mais importantes mudanças, foi a estipulação de uma previsão de dois anos para a permanência da criança em abrigos. Sendo que, ao fim desse período, a situação da criança deve ser resolvida com o retorno à família biológica, caso o problema tenha sido resolvido ou em caso de absoluta impossibilidade e na hipótese de não existir família extensa que tenha condições de acolher a criança ou adolescente, deverá proceder com os trâmites da colocação em família substituta. Ainda dentro do prazo de dois anos, a lei estabelece o acompanhamento de uma equipe interprofissional ou multidisciplinar, que avaliará a situação de cada menor, a cada seis meses, emitindo um relatório que instruirá a autoridade judicial afim de decidir se a criança ou adolescente será reintegrada em sua família biológica ou inserida em família substituta.

O acolhimento familiar priorizado pela Lei de adoção, não tem um resultado tão satisfatório como deveria, uma vez que o menor não pode ser adotado por quem o acolheu o que acarreta em mais uma perda acumulada pela criança que deverá voltar ao abrigo após dois anos, prazo máximo de permanência nas famílias.

Nesse sentido, discorre Maria Berenice Dias (2015, p. 504) “a permanência nas famílias acolhedoras não pode ser superior a dois anos, sendo que a criança não pode ser adotada por quem a acolheu”.

Outrossim, a tentativa infindável de que o menor fique com a família natural atrasa ainda mais o procedimento que já é moroso por si só, de modo que, apenas após esgotadas as tentativas é que são encaminhadas para aguardar o processo de adoção por outra família.

 

2.4.1 Cadastro Nacional de Adoção

            As novas alterações no processo de adoção trouxeram exigências a serem cumpridas por parte também dos interessados, estes deverão tomar algumas providências afim de que estejam aptos à se inscrevem no Cadastro Nacional de Adoção e assim, conseguirem realizar o sonho de ter um filho e ainda, o dos que esperam ansiosamente por um lar.

Os primeiros passos para se inserirem no processo é se encaminharem à Vara da Infância e Juventude munidos de dados como documentos pessoais, comprovantes de renda e domicílio, antecedentes criminais, atestados de sanidade física e mental, certidão de nascimento, casamento ou declaração de união estável, dentre outros.

Após o preenchimento dos requisitos básicos, estes passarão por uma ou mais entrevistas sociais e ainda, serão sujeitos à avaliações sociais e emocionais, sob a supervisão de um assistente social e um psicólogo que emitirão um laudo para análise do Ministério Público e do juiz, consequentemente.

Caso não ofereça um ambiente familiar adequado, vantagens reais para a criança e adolescente ou sejam incompatíveis com a natureza da adoção, com base no artigo 29 do ECA, o interessado será desqualificado, sendo assim, não estará apto ao seguimento do processo.

Atendendo todos os requisitos conforme dispõe a legislação e ainda, o básico para o bem estar e sobrevivência dos adotados, os pretendentes passarão por um curso de preparação e aprenderão sobre as necessidades emocionais de uma criança adotada e as responsabilidades da nova missão, se tornarem pais.

A inscrição dos candidatos está condicionada a um período de preparação psicossocial e jurídica (ECA 50 § 3.º), mediante frequência obrigatória a programa de preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos (ECA 197-C §1.º). (DIAS, 2015, p. 509)

Por fim, o juiz sentenciará e os interessados poderão se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção, essa é a fase em que especificam o perfil que pretendem adotar. A partir daí, a Vara da Infância irá informar os pretendentes quando surgir uma criança compatível com o especificado e dependendo do perfil o tempo de espera pode ser maior.

Quando encontrado um perfil que preencha o especificado pelos adotantes, a criança é apresentada e havendo interesse, ambos são apresentados. A partir daí, é permitido visitas ao abrigo e passeios, tudo sujeito à supervisão pela equipe técnica da Justiça. Estando tudo nos conformes, a família gozará da guarda provisória que terá validade até o fim do processo e então, a criança passará a morar com a família, contudo, é importante salientar que as visitas técnicas permanecerão para que assim, possam apresentar uma avaliação conclusiva.

Há uma exigência particularmente perversa: incentivar, de forma obrigatória, o contato dos candidatos com crianças e adolescentes que se encontram institucionalizados e em condições de serem adotados (ECA 50 §4.º). Além de expô-los à visitação, pode gerar neles, e em quem as quer adotar, falsas expectativas. Afinal, a visita é tão só para candidatar-se à adoção. (DIAS, 2015, p. 509)

Ademais, o juiz sentenciará a favor da adoção, podendo a família proceder com os atos afim de que a criança ou adolescente seja registrada com o sobrenome ou em alguns casos, com o nome que a família escolher, assim, passando a gozar de todos os direitos de um filho biológico.

 

2.4.1.1 Exceções ao cadastro

            Visando acelerar o procedimento, bem como preservar o menor à determinadas situações, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu art. 50, §13, exceções aos cadastros de adoção, para isso, nas hipótese previstas deve haver a comprovação de que o candidato preenche os requisitos necessários à adoção.

Ainda que haja a determinação de que sejam elaboradas as listas, deve-se atentar ao direito da criança de ser adotada por quem já lhe dedica carinho diferenciado, em vez de priorizar os adultos pelo só fato de estarem incluídos no registro de adoção. Não sendo a pretensão contrária ao interesse da criança, injustificável negar a adoção por ausência de prévia inscrição dos interessados. Principalmente quando a criança de há muito convive com quem reconhece como seus pais. (DIAS, 2015, p. 507)

Embora o intuito da lista seja o de organizar os pretendentes e agilizar o processo, a partir do momento que é estabelecido vínculo afetivo, é maléfico negar o pedido de adoção da criança e entrega-la ao primeiro inscrito no cadastro, de modo que, tal conduta excluiria os interesses que devem ser priorizados no tratamento do menor.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o processo de adoção é regido por muita complexidade e burocratização, como consequência disso, a morosidade se instala. O resultado disso, em muitos casos, é a desistência de famílias no meio do caminho, em virtude de suas exigências tanto para adotante, quanto para adotado.

As considerações aqui feitas dos normativos legais visaram mostrar por meio de biografias as discordâncias que regem o instituto da adoção que mesmo após consideráveis mutações não alterou seu significado, que desde os primórdios tinha fim de construir família. Embora a legislação antiga preconizava maiores restrições, sua essência continua a mesma.

No mais, é função do legislador e não do judiciário suprimir os entraves das inúmeras exigências que norteiam a adoção, uma vez que, diante de tanta burocratização o Poder Judiciário fica incumbido de analisar e prezar pelo bem estar da criança ou adolescente por meio de precedentes e jurisprudências, se atentando por último, ao fim social que a lei é destinada.

Embora a legislação preveja o direito ao convívio familiar, as obstruções impostas ainda remontam à morosidade do processo implicando na devida concretização da adoção. A partir do momento que o Estado detecta que a família não possui estrutura para assegurar a sobrevivência digna dos filhos, já deveria adotar providências afim de assegurar ao menor o seu direito de crescer no seio do convívio familiar, inibindo a infindável espera por parte da criança.

Por fim, a morosidade que norteia os processos enseja em consequências desfavoráveis ao menor, uma vez que a delonga implica no saudável convívio familiar e faz com que a criança cresça com traumas do abandono que podem ser irreversíveis, tornando seu comportamento futuro difícil de lidar, implicando diretamente na convivência em seu futuro lar.

 

REFERÊNCIAS

______DIAS, MARIA BERENICE. Manual de direito das famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015.

 

______LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

______MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Revista Brasileira de História, 1999.

 

RAMOS, P. P. O. C. Poder familiar e guarda compartilhada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

 

REIS, Maria José Porém. Margens sociais, in Cidade Solidária: Revista da Santa Casa Misericórdia de Lisboa. Lisboa, 2012.

 

______TARTUCE, FLÁVIO. Direito civil: Direito de família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

 

[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário São Lucas, 2019. Email: letlanamnunes@gmail.com

[2] Professora Orientadora do Artigo. Graduada pela Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA, Santa Maria/RS (2010); Pós graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Fundação Educacional Machado de Assis – FEMA, Santa Rosa/RS (2012); Mestre em Direito e Multiculturalismo pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai da Região das Missões – URI, Santo Angelo/RS (2017).

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