Resumo: O presente estudo tem por escopo demonstrar a aplicabilidade da astreinte quando do descumprimento do regime de visitas entabulado entre os pais do infante ou estabelecido judicialmente, procurando demonstrar que, atualmente, é o meio coercitivo mais eficaz e menos traumático para a criança para a resolução desse tipo de conflito. Para tanto, os casos mais recorrentes em que uma medida de coerção se faz necessária quando do inadimplemento do regime de visitação serão analisados, dando destaque para o genitor guardião que obstaculiza a convivência do filho com o genitor visitante, bem como para o genitor não guardião que se omite em visitar o filho nos períodos destinados a esse fim. O enfoque será dado com base no direito fundamental à convivência familiar, que é garantido à criança e ao adolescente com absoluta prioridade no ordenamento jurídico brasileiro, visando demonstrar que também é dever do Estado oportunizar meios eficazes, como é o caso da multa, para que tal direito se efetive, buscando sempre o melhor interesse da criança. Ademais, também serão abordados os reflexos que o instituto das visitas poderá sofrer com o advento da Lei nº 13.058/14, que tornou a guarda compartilhada obrigatória mesmo em caso de litígio entre os genitores do menor. [1]
Palavras-chave: Visitas. Descumprimento. Multa. Astreinte.
Sumário: Introdução. 1. Os vínculos de filiação. 1.1. O poder familiar. 1.2. Convivência conjunta e as funções parentais. 1.3. Pais separados. 1.4. Guarda unilateral. 1.5. Guarda compartilhada. 2. Direito de convivência. 2.1. Direto de visitas. 2.2. Direito de convivência. 3. Execução das visitas. 3.1. Descumprimento das visitas. 3.2. A multa/astreintes. 4. A multa no descumprimento do regime de visitas e os reflexos da nova lei da guarda compartilhada. 4.1. A multa na hipótese de descumprimento das visitas pelo genitor guardião. 4.2. A multa no caso de descumprimento das visitas pelo genitor visitante. 4.3. Efeitos reflexos. 4.4. Mudanças trazidas pela nova lei da guarda compartilhada. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O Direito Civil, após o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, entrou em um processo de despatrimonialização, não sendo diferente com o Direito de Família nele abrangido, na medida em que passou a respeitar todos os componentes do núcleo familiar de forma igualitária, descentralizando o poder que anteriormente era conferido somente à figura paterna, além de atribuir uma série de direitos aos demais integrantes da família, priorizando as situações existenciais.
Dentro desse contexto está inserido o direito de visitas, que passou a ser tratado não mais como um direito ou uma faculdade dos pais de visitar os filhos, mas sim como um direito do filho e um dever dos progenitores de garantir a convivência familiar, que vem prevista no ordenamento jurídico brasileiro como um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.
Com o fim do vínculo conjugal dos genitores do infante, há a necessidade de se estabelecer a modalidade de guarda que será adotada por aquela família, destacando que, após o advento da Lei nº 13.058/14, o legislador deu preferência para a adoção da guarda compartilhada. No entanto, caso optem os genitores pela guarda unilateral, um regime de visitas será estabelecido em face do genitor que não ficar com a custódia física do filho, podendo ser acordado ou fixado judicialmente.
Ocorre que o regime de visitas pode deixar de ser cumprido por um dos genitores do menor, oportunidade em que o direito à convivência familiar da criança estará sendo desrespeitado. É nesse momento que surge a astreinte (multa pecuniária), que tentará desempenhar a função de impulsionar, exercendo pressão psicológica, o genitor inadimplente a cumprir o período de visitação previamente pactuado.
Destaca-se, contudo, que a utilização da astreinte para esse caso ainda não é pacífica na doutrina, e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que foram os dois tribunais escolhidos para a análise do tema e elaboração deste trabalho.
Para o fim de elucidar tal controvérsia, os dois principais casos de descumprimento das visitas que poderão ensejar a aplicação de uma sanção pecuniária serão analisados com o fito de constatar a viabilidade e a eficácia da fixação da astreinte na execução das visitas: quando o genitor guardião bloqueia ou obstaculiza as visitas do filho com o genitor visitante; e quando o genitor não guardião se omite em visitar o filho nos períodos destinados para o exercício das visitas. Ademais, a doutrina pertinente ao tema também será analisada e contraposta, na medida em que a problemática não é somente jurisprudencial, mas também doutrinária.
Não obstante, em razão da importância e do destaque dado ao instituto da guarda compartilhada pela legislação, também será analisada a viabilidade do estabelecimento de multa em face do genitor que deixar de cumprir as tarefas e encargos a ele incumbidos no exercício da guarda conjunta.
Assim, o presente trabalho terá por objetivo analisar a importância do cumprimento do direito à convivência familiar, que com o esfacelamento do vínculo conjugal dos genitores do menor vem a ser exercido pelo regime de visitas ou pela guarda compartilhada, bem como a possibilidade e a eficácia de se estabelecer uma multa pecuniária ao genitor que descumprir os seus deveres em face do período de comunicação com seu filho.
1 OS VÍNCULOS DE FILIAÇÃO
1.1 O PODER FAMILIAR
O poder familiar pode ser definido como uma evolução histórica do pátrio poder, que passou por diversas mudanças no tocante a valores sociais que tiveram como inspiração a Constituição Federal de 1988. O pátrio poder era compreendido como os direitos conferidos ao pai em face dos filhos, englobando tanto a sua pessoa quanto os seus bens. A prole era submetida às decisões e imposições do pai, sendo, portanto, um poder quase absoluto. Além disso, esse poder era essencialmente paterno, onde a mãe só ganhava espaço na falta ou no impedimento do pai.
Hoje, com a igualdade entre homens e mulheres já reconhecida constitucionalmente (artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal), o papel materno encontra-se sendo realizado igualmente e em equilíbrio ao papel do pai na educação e na criação dos filhos. Ademais, a redação do artigo 21, do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê expressamente essa nova ideia, ao dispor que “o poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”.
Não obstante, importante se faz mencionar que o poder familiar é exercido de forma conjunta e simultânea pelo pai e pela mãe, sendo ambos os sujeitos ativos de tal poder. O que confere a eles esse exercício é essencialmente a paternidade e a maternidade, não importando se estão casados, unidos estavelmente ou se estão separados. Waldyr Grisard Filho conceitua o instituto ora em pauta como “o conjunto de faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, com o fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, física, mental, moral, espiritual e social”.[2]
O poder familiar vem previsto no artigo 229, da Constituição Federal, dispondo que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 22, prevendo que “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.
A Lei Civil também dispõe acerca de um conjunto de direitos e deveres que são impostos aos genitores, previstos no artigo 1.634, do Código Civil, tratando relativamente à pessoa dos filhos menores. Há que ser destacado, no entanto, que o rol do artigo acima referido não é exaustivo, existindo outras condutas que, embora não previstas expressamente, também podem ser englobadas pelo exercício do poder familiar, especialmente as que dizem respeito às necessidades de caráter afetivo dos filhos.
1.2 CONVIVÊNCIA CONJUNTA E AS FUNÇÕES PARENTAIS
Nos dias atuais, é amplamente reconhecida a grande necessidade de o filho ter uma relação de convivência habitual com seus genitores, pois se sabe que a família é garantidora da estruturação psíquica da criança, onde cada membro ocupa um lugar e uma função específica. O pai fica incumbido das funções de autoridade, disciplina e orientação, cabendo à mãe a estruturação das relações afetivas da criança. Neste mesmo sentido leciona Rolf Madaleno, dispondo que “os filhos têm o direito à convivência com os pais, e têm a necessidade inata do afeto do seu pai e da sua mãe, porque cada genitor tem uma função específica no desenvolvimento da estrutura psíquica da prole”.[3]
A inevitável conclusão, de plano, é de que a criança que convive com ambos os pais na mesma casa, receba o adequado exercício dessas funções parentais. Esse entendimento é natural, pelo fato desse grupo de crianças conviver conjunta e diariamente com os dois genitores. Contudo, os filhos que não moram com ambos os pais não podem ter seu desenvolvimento prejudicado em razão da vida conjugal deles não ter dado certo. Eles precisam que as funções parentais sejam exercidas plenamente para que possam crescer e se desenvolver de forma saudável.
É consabido que tanto a mãe quanto o pai tem o direito de conviver com sua prole, constituindo dever moral do genitor não guardião auxiliar na condução e educação da criança, podendo exercer tais funções não apenas quando do exercício do seu direito de visitas. Portanto, ao genitor não detentor da guarda incumbe a função de garantir, da mesma forma que o guardião, os direitos atribuídos aos filhos menores.
O que se pretende é que a criança que não more mais com ambos os pais não tenha sua criação e educação frustradas em função do término da relação amorosa deles. O genitor que não ficar com a guarda da prole terá ainda grande papel para a formação psicossocial de seu filho, devendo continuar exercendo o poder familiar, que também lhe é conferido.
1.3 PAIS SEPARADOS
No atual momento de transformação social em que vivemos, o modelo clássico de casamento, onde o marido/pai era detentor da autoridade absoluta das decisões familiares, encontra-se em uma decrescente, na medida em que os vínculos conjugais não são mais vistos como indissolúveis, levando em conta o elevado número de separações e divórcios dos últimos tempos, bem como o de casais que nunca sequer chegaram a se casar. Assim, os filhos de pais que não vivem juntos passaram a desempenhar papel de grande destaque em nossa sociedade, devendo ganhar atenção especial em seu cuidado.
A separação dos pais na infância ou na adolescência, via de regra, é um momento muito difícil para os filhos, tendo em vista que seus efeitos, inevitavelmente, a eles se estendem. A dissolução conjugal altera a organização familiar e seu funcionamento, podendo gerar na prole consequências como a desestruturação emocional momentânea ou até mesmo interferir e influenciar em seus sentimentos. Esse quadro tende a ser pior quando os genitores não conseguem se dissociar dos ressentimentos do final da relação, onde o melhor interesse da criança acaba sendo totalmente esquecido por sentimentos de raiva e vingança nutridos por desentendimentos do casal.[4]
Apesar da separação judicial, o divórcio ou a dissolução da união estável dos progenitores, não há qualquer alteração em relação ao exercício do poder familiar, ou seja, não se altera a relação entre pais e filhos, conforme preceitua o artigo 1.632, do Código Civil. Contudo, a consequência será a transferência da guarda, que era bilateral, onde o filho morava com os progenitores na mesma residência, tornando-se unilateral ou compartilhada, que são as duas principais modalidades de guarda reguladas pelo Código Civil pátrio.
Importante se faz a distinção entre poder familiar, que consiste em um complexo de direitos e deveres impostos aos genitores em seu ativo exercício, do instituto da guarda, visto que esta é apenas uma das funções do poder familiar, o qual persiste intocável em seus demais aspectos ao genitor que não detenha a guarda do infante, permanecendo revestido de todos os demais deveres, direitos e prerrogativas.[5]
Portanto, a criança que passa pela experiência de ser filha de pais separados acaba tendo que se adaptar a uma nova realidade que lhe foi imposta. O papel dos progenitores para fazer com que o infante compreenda tal situação é fundamental, sendo necessário que o exercício da guarda seja realizado de forma consciente e sempre visando que a criança sinta da menor forma possível os reflexos da separação. É de suma relevância que os pais, embora muitas vezes investidos de tensões não resolvidas, sejam maduros o suficiente para demonstrar que mesmo que o amor entre eles tenha chegado ao fim, os laços materno e paterno-filiais durarão por toda a vida.
1.4 GUARDA UNILATERAL
Em um apanhado histórico, é possível constatar que, antigamente, com o fim da união conjugal dos pais, os filhos ficavam sob a guarda materna, em razão de a mulher ter sido criada para desempenhar afazeres domésticos e se dedicar exclusivamente à família, restando o homem despreparado e alheio aos cuidados para com os filhos, além do fato de a sua profissão o levar a estar sempre fora de casa.
A guarda era unipessoal, ou seja, quando da separação dos progenitores, verificava-se a necessidade de estabelecer com quem iria ficar a guarda da prole, o que era deferido quase todas às vezes à mãe. Nasce daí, portanto, o regime de visitas ao genitor que não ficasse com a guarda da criança, geralmente o pai.
Com o passar dos tempos, no entanto, essa realidade foi se modificando graças às mudanças de hábitos e costumes sociais, surgindo inclusive o princípio da igualdade do homem e da mulher na Constituição Federal brasileira de 1988. A sociedade foi aceitando a ideia da mulher se inserir no mercado de trabalho e do homem cuidar dos filhos e a realizar tarefas domésticas, o que era inimaginável no passado.
A guarda unilateral, que se caracteriza como a atribuição, a um só genitor, dos cuidados diretos e da custódia do filho[6], é estabelecida quando decorre do consenso de ambos os pais ou por decisão judicial, sendo fixado um regime de visitas ao genitor que com ela não ficar.
Por muito tempo a custódia exclusiva foi regra no Código Civil brasileiro, modificando este panorama no ano de 2008, com o advento da Lei nº 11.698, que alterou os artigos 1.583 e 1.584, do Diploma Civil. Tais dispositivos passaram a definir a guarda unilateral e a guarda compartilhada; deixaram de priorizar a guarda unipessoal; e demonstraram expressamente a obrigatoriedade da guarda compartilhada, só sendo possível a opção pela guarda unilateral quando se mostrasse inviável a guarda conjunta.
Anteriormente, o genitor visitante limitava-se a fiscalizar a manutenção e a educação dos filhos quando a criança se encontrasse na guarda do outro, conforme disposição do artigo 1.589, do Código Civil. Ou seja, o pai que não ficasse com a guarda da prole tinha pouca participação em sua criação e educação, sendo um mero fiscal do guardião, além de ficar atado a períodos de convivência previamente estabelecidos, tendo pouca ou nenhuma autonomia.
1.5 GUARDA COMPARTILHADA
Com o fim do vínculo conjugal entre os genitores, há um natural e inevitável afastamento entre pais e filhos, por eles deixarem de viver diariamente na mesma casa. As funções parentais deixam de ser exercidas conjuntamente, havendo, portanto, a divisão de encargos em prol dos filhos. É neste contexto o surgimento da guarda compartilhada que, ao contrário do que proporcionava a guarda unilateral, objetiva uma aproximação efetiva na relação paterno-filial mesmo com a separação dos progenitores, além de reforçar o exercício do poder familiar.
A guarda exercida de forma conjunta, além de garantir o cumprimento do princípio do melhor interesse da criança, também visa terminar com os efeitos que a guarda unilateral gerava em relação ao genitor visitante, que se encontrava, muitas vezes, insatisfeito com a forma pela qual a guarda estava sendo conduzida pelo guardião, que em várias oportunidades se aproveitava dessa condição para praticar abuso de poder em relação ao filho, com o fim de atingir o outro ascendente.
Ela também permite que o genitor não detentor da custódia física não fique limitado a somente supervisionar e fiscalizar a educação dos filhos, mas também a participar de forma efetiva, com autoridade para decidir diretamente sobre sua formação, no tocante aos cuidados com a saúde, o lazer, os estudos, enfim, podendo influir na vida cotidiana do filho menor.[7]
Nesta modalidade de guarda, não interessa quem estará detendo a custódia física da criança, como acontece na guarda unilateral e na guarda alternada, pois aqui não se conta o tempo de custódia e, sim, a repartição de tarefas parentais, onde os pais assumem a efetiva responsabilidade pela criação, educação e lazer dos filhos.[8] Ressalta-se que o instituto da guarda compartilhada foi interpretado de forma equivocada na legislação brasileira, tendo em vista que chama de guarda compartilhada o que, na verdade, é a guarda alternada, pois entende que também é divisão de tempo, e não somente divisão de tarefas.
O Código Civil pátrio, no parágrafo 1º do artigo 1.583, que foi incluído pela Lei nº 11.698/08, definiu guarda compartilhada como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. A Lei supra referida, a chamada Lei da Guarda Compartilhada, modificou alguns artigos do Código Civil no capítulo “Da Proteção da Pessoa dos Filhos”, havendo por bem, além de definir um conceito para o instituto ora em comento, priorizar a guarda compartilhada em detrimento da guarda unilateral sempre que houvesse litígio entre os genitores em relação à guarda dos filhos em comum.
Contudo, a redação desta Lei induzia os magistrados a decretarem a guarda compartilhada apenas nos casos em que os pais mantivessem uma boa relação após o final do vínculo conjugal. Dispunha o parágrafo 2º, do artigo 1.584, do Código Civil, que quando não houvesse acordo entre os pais quanto à guarda do filho, seria aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. A locução “sempre que possível” dava espaço para que a aplicação da guarda conjunta fosse relativizada, apesar desse artigo já estabelecer expressamente sua imposição quando houvesse discórdia entre as partes. Esse posicionamento pode ser observado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que entende ser descabida a guarda compartilhada quando do litígio entre os genitores da criança.[9]
Rolf Madaleno adverte que, na prática, esse artigo não era aplicado, uma vez que os tribunais decidiam não ser possível a determinação da guarda compartilhada compulsória quando não houvesse diálogo entre o casal. Ainda, refere que, por um lado, faz sentido pensar desta forma, tendo em vista que, se os pais realmente são capazes de negociar com êxito suas relações com os filhos comuns, eles não pediriam a guarda compartilhada, vez que eles mesmos se entenderiam.[10]
Para que essa brecha na interpretação da lei fosse sanada, além de outros aprimoramentos do instituto, foi criada a nova Lei da Guarda Compartilhada (Lei nº 13.058/14), tornando-a obrigatória quando não houver acordo entre os pais acerca da guarda dos filhos, basicamente reiterando o que já dispunha a lei anterior, mas agora eliminando qualquer possibilidade de relativização de sua aplicação.
Adepta à criação desse novo modelo, Maria Berenice Dias alega não mais se justificar a guarda unilateral em favor de um dos genitores, pois assegura ao outro exclusivamente o direito de visitas em horários estabelecidos de forma invariável e inflexível, o que seria inaceitável nos dias atuais.[11]
Assim, é notável a perda de espaço da guarda unilateral e, consequentemente, do direito de visitas com a chegada dessa nova lei, tendo em vista sua obrigatoriedade mesmo quando do litígio entre os genitores acerca da guarda dos filhos. É possível concluir que a guarda exclusiva passou a desempenhar papel secundário na legislação brasileira, sendo aplicada somente quando um dos pais expressamente não manifestar interesse na guarda compartilhada.
Entretanto, embora a lei preveja a obrigatoriedade da guarda compartilhada, ainda há grande receio dos aplicadores do direito quanto à utilização dessa nova disposição legislativa. Rolf Madaleno defende fortemente a ideia de que a guarda conjunta pressupõe consenso entre os genitores, que devem estar imbuídos da tarefa de priorizarem apenas os interesses dos filhos, e não o interesse egoísta dos pais. Para o aludido autor, a guarda conjunta é inviável quando há litígio e os progenitores estão em conflito, uma vez que atentaria contra a saúde psíquica e emocional da prole, que perderia seus valores e sofreria de problemas reais de adaptação, dentro de um campo de batalha de fonte inesgotável entre seus pais.[12]
Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto alegam que se as partes não entrarem em um acordo ou agirem com serenidade para decidir a melhor forma para definir a guarda dos filhos, a alternativa será a opção pela guarda unilateral para um dos pais e o direito de visitas para o outro, já que se não existe tranquilidade para se ajustar a guarda, é bem provável que não seja uma boa ideia compartilhá-la.[13]
Por conseguinte, o entendimento é o de que a guarda compartilhada só poderá ser adotada quando houver uma sintonia entre o casal que esteja se separando, devendo ambos demonstrar interesse na sua implementação, já que não há como obrigar um dos pais a cooperar com essa modalidade de guarda quando ele não a quiser, sob pena de frustrar o objetivo dessa medida, que visa sempre o melhor interesse da criança.
Fazendo uma ponderação, Ana Cristina Silveira Guimarães e Marilene Cristina Silveira Guimarães analisam que:
“Em casos em que ocorrem falhas na comunicação e ainda predominem sentimentos conflituosos e ambivalentes entre os cônjuges, sugere-se uma intervenção terapêutica como forma de facilitar a construção dessa modalidade e avaliar se é possível de ser efetivada ou se o compartilhamento será fonte de novos conflitos.”[14]
Certamente o legislador, ao instituir a nova Lei da Guarda Compartilhada, estava repleto de boas intenções, visando à criação de um modelo que parecia ser a solução ideal para a disputa dos pais que querem ter os filhos sob seus cuidados. Porém, esqueceu que os conflitos são inerentes à espécie humana e que nem sempre os genitores estão dispostos a entrar em um acordo.
2 DIREITO DE CONVIVÊNCIA
2.1 DIREITO DE VISITAS
O regime de visitas ocorre na hipótese em que os genitores da criança não coabitam mais no mesmo local, onde um deles irá exercer a sua guarda unilateral, e o outro, o visitante, terá a companhia do filho em períodos previamente estabelecidos por acordo ou por decisão judicial. As visitas só se configuram quando já há a definição de quem irá ficar com a guarda do menor, sendo, portanto, um desdobramento da guarda quando da separação dos progenitores.
Este instituto vem regulado na legislação brasileira pelo artigo 1.589, do Código Civil, dispondo que o genitor que não seja detentor da guarda dos filhos poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, conforme o que for acordado com o genitor guardião, ou o que for fixado pelo magistrado, além de ter o dever de fiscalizar sua manutenção e educação.
Ademais, importante mencionar o parágrafo 2º, do artigo 1.121, do Código de Processo Civil de 1973, que verdadeiramente conceitua o regime de visitas, explicando que se trata da forma pela qual os genitores irão ajustar a permanência dos filhos em companhia daquele que não for o detentor da guarda, definindo como encontros periódicos regularmente estabelecidos, bem como divisão de férias escolares e datas festivas.
Maria Helena Diniz conceitua o direito de visitas da seguinte forma:
“Direito subjetivo do genitor que não tem a guarda e companhia da prole de visitá-la, desde que não se tenha enquadrado numa das hipóteses de perda de poder familiar. […] é o direito reconhecido aos ascendentes de visitarem seus descendentes (filhos ou netos) confiados à guarda de um dos pais ou de um terceiro.”[15]
Da análise do conceito acima citado, é possível concluir que a definição de direito de visitas não parece ser a mais acertada para os dias atuais, tendo em vista que o define como um direito unicamente do genitor de visitar sua prole. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a família passou a ser sujeito de deveres para com os seus membros, deixando de ser a visita um direito somente do pai de conviver com seu filho, mas também um direito do filho de conviver com seu pai. Dessa forma, além de uma obrigação, há um dever dos pais em cumprir os horários estabelecidos para as visitas, sendo inclusive um dos deveres do poder familiar.
Destarte, a expressão direito de visitas, na verdade, está equivocada, uma vez que “direito-dever de visitas” ou “direito de convivência” seriam locuções mais adequadas para tratar deste instituto. O direito de convivência é uma prerrogativa dos filhos de serem visitados, sendo dever do genitor visitante o cuidado com a prole, para que ela mantenha uma comunicação adequada com o progenitor com quem não conviva diariamente, reforçando os vínculos entre pais e filhos. Nesta senda, sendo a visita um direito-dever, na hipótese de deixar de ser cumprida, possibilita ser reclamada judicialmente.
Rolf Madaleno enfatiza com propriedade essa ideia, referindo que:
“As visitas se constituem antes de tudo, em um direito da criança ou do adolescente, de manter integral comunicação com o genitor que não ficou com sua custódia […]. Sob o prisma do ascendente, embora o artigo 1.589 do Código Civil informe se tratar de uma faculdade do pai ou da mãe, em cuja guarda não esteja o filho, visitá-lo ou tê-lo em sua companhia, além de fiscalizar sua manutenção e educação, constitui-se, em realidade, de um dever que os genitores devem exercer a fim de atender aos superiores interesses da criança e adolescente […].”[16]
Na língua portuguesa, o verbo visitar significa “ir ver (alguém) por dever, cortesia, afeição ou amizade”.[17] Desse modo, percebe-se que a expressão é inadequada para tratar do instituto, pois o contato que deve ser estabelecido entre pai e filho vai muito além do dever e da cortesia, servindo como forma de manterem contato frequente, a fim de estreitarem os laços de carinho e afeto, e para que o genitor contribua para a educação e a formação do filho. O direito, portanto, não é de ser visitado, e sim direito à convivência familiar.[18]
A importância da convivência paterno-filial mostra-se patente, pois são os genitores que têm o dever de educar e criar os filhos em um ambiente saudável e harmonioso, vide o que vem previsto nos artigos 7º e 19, do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que o ser humano é influenciado pelo ambiente social em que vive, e alguém que foi privado da companhia paterna em sua infância pode vir a sofrer deficiências em sua formação, o que poderá lhe trazer consequências severas na vida adulta.[19]
Assim, caso não haja essa convivência familiar em razão do descumprimento das visitas, a formação psicossocial da criança pode restar comprometida, sendo dever dos genitores fazer com que sempre o melhor interesse da criança seja atendido. No entanto, o direito de visitas não pode ser entendido como absoluto, pois, embora os pais não possam ser privados de conviver com seus filhos, existem situações em que seu exercício pode causar prejuízos à criança, o que é inadmissível, já que é um ser vulnerável que deve ter seus interesses sempre atendidos de forma preferencial e em detrimento dos demais.
2.2 DIREITO DE CONVIVÊNCIA
O artigo 227 da Constituição Federal estabelece à criança, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar, bem como o direito à dignidade. Pode-se dizer que esses dois direitos se complementam, na medida em que a dignidade da criança estará sendo respeitada e atendida quando ela tiver seu direito à convivência familiar exercido de forma plena. Isso porque tal convivência é peça fundamental na construção da personalidade de cada pessoa, que se monta a partir da interação constante entre o indivíduo e o meio em que está inserido.
A personalidade, entretanto, é de extrema vulnerabilidade, uma vez que está suscetível a se desestruturar quando fatores, tanto internos como externos, passam a interferir de forma negativa no curso saudável de sua construção. Para que não haja a sua ruína, é necessário que a convivência intra-familiar (relação entre pai, mãe e filho) se dê da forma mais pacífica e tranquila possível, com a participação efetiva dos pais da criança em sua rotina.
A proteção ao desenvolvimento da personalidade da criança encontra dificuldades no fato de que não se configura como uma categoria jurídica homogênea, fazendo com que o direito tenha que levar em conta as necessidades dos menores, bem como os seus respectivos cuidados, considerando as variações que decorrem da sua idade e de seu desenvolvimento biológico e psicológico. Atualmente, a situação que possui maior índice de desestruturação de personalidade das crianças é a ausência da prática de uma paternidade responsável, que se caracteriza como uma ideia de responsabilidade que deve ser observada tanto na formação como na manutenção da família.
A paternidade deve ser exercida de forma responsável, o que significa dizer que cada pessoa deve refletir, antes de optar em ter um filho, se terá condições de educá-lo, sustentá-lo, e acima de tudo, amá-lo. O ideal seria que quem não pudesse arcar com esses encargos, não optasse em tê-lo, porém, como se sabe, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (artigo 226, parágrafo 7º, da Constituição Federal).
Assim, é garantido a cada cidadão a opção de ter um filho, o que muitas vezes pode ocorrer de forma impensada e sem ser desejada por um ou ambos os pais. Entretanto, é sabido que atualmente o acesso à informação é amplamente difundido, bem como a diversidade de meios contraceptivos existentes, não havendo mais espaço para se aceitar a ocorrência de paternidades irresponsáveis. Por sua vez, essa não é a única hipótese onde o filho apresenta potencial de, no futuro, ser abandonado afetivamente por seu pai. Quando da separação dos pais, é muito comum que o genitor que construiu nova família queira apagar as lembranças do relacionamento amoroso anterior e deixe de procurar o filho advindo dessa relação.
Tais situações vêm sendo cada vez mais enfrentadas pelos aplicadores do Direito, na tentativa de conscientizar esses genitores da importância de sua relação regular com seus filhos, além de alertá-los que é um direito do filho a convivência com os pais, pois essencial para o seu desenvolvimento pleno, conforme o entendimento da psicologia.
Kellen Borges Pontes refere que estudos psicológicos apontam que crianças cujos pais participam de forma intensa de suas vidas desde o nascimento “têm mais vontade de aprender, adquirem mais senso de humor, maior capacidade de atenção”. Desse modo, quando um pai se mostra de fácil acesso ao filho, “este enriquece a imagem de si mesmo, desenvolve maior estabilidade emocional, torna-se seguro dos seus próprios valores, adquirindo até mesmo capacidade de resistir à pressão dos amigos”.[20]
O ideal seria que o Estatuto da Criança e do Adolescente definisse de forma clara um conceito para a paternidade responsável, que consistiria em discriminar, ao menos de forma exemplificativa, a responsabilidade que cabe aos pais na educação dos filhos, bem como as respectivas punições quando da omissão em relação a essas responsabilidades.
Segundo Cristiane Flôres Soares Rollin:
“[…] o rompimento do núcleo familiar gera conflitos nas crianças e adolescentes. Todavia, aqueles podem ser minorados e, talvez, até evitados, se os pais exercerem efetivamente uma paternidade responsável, que não traduz apenas em prover seus filhos materialmente, mas também provê-los de amor, carinho, afeto e segurança.”[21]
A aludida autora refere ainda que:
“As consequências do não-exercício da paternidade responsável, potencializada pelos casos de divórcio, especialmente naqueles em que os filhos são colocados no centro do conflito, refletem diretamente neles, que podem apresentar comportamento agressivo, depressão, gravidez na adolescência, uso de drogas, suicídio, entre tantos outros transtornos.”[22]
Portanto, tanto a escolha de ter um filho, quanto à separação dos genitores deve sempre ser feita de forma madura e responsável, tendo a percepção de que a criança e o adolescente precisam de cuidado e zelo. O carinho e a compreensão advindos da convivência familiar farão toda a diferença para que se tornem adultos livres de traumas e que venham a ser pessoas bem resolvidas no campo das relações interpessoais, já que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado (artigo 226, da Constituição Federal).
3 EXECUÇÃO DAS VISITAS
3.1 DESCUMPRIMENTO DAS VISITAS
As visitas são um desdobramento da guarda unilateral, sendo consideradas como o tempo de convivência estabelecido ao genitor que não for o detentor da guarda. Ela pode ser entabulada mediante acordo entre os genitores ou estabelecida por decisão judicial. No entanto, um dos ascendentes da criança pode deixar de cumprir o que fora avençado, podendo tal descumprimento ser justificado ou injustificado.
Nos casos de descumprimento justificado, há a tentativa do genitor visitante de cumprir a parte que lhe cabia no tocante às visitas, porém, por motivos alheios à sua vontade, não obteve êxito na realização das mesmas, razão pela qual não pode sofrer qualquer tipo de sanção. Contudo, caso reste constatado que o não cumprimento das visitas se deu em função de obstáculos colocados por parte do genitor guardião, ou por atitudes de um terceiro que impediram o seu exercício, contra esses é que a sanção será fixada.
Por sua vez, o descumprimento injustificado das visitas, diferentemente do descumprimento justificado, dá margem à aplicação de medidas coercitivas, pois o acordo ou a decisão judicial que as fixou foi desrespeitado sem qualquer explicação plausível por parte do genitor inadimplente. Porém, esse entendimento ainda não é pacificado na doutrina, como se pode observar da lição de Arnaldo Rizzardo:
“Não se encontra um meio jurídico para obrigar o pai ou a mãe que não tem a guarda a buscar o filho, ou a visitá-lo. É que a visita aos filhos constitui um direito e não um dever, dentro do âmbito jurídico. Trata-se de uma faculdade, não encontrando no direito positivo amparo para obrigar o progenitor omisso a ter os filhos consigo. De modo que aquele que exerce a guarda não se reveste de amparo legal para obrigar a visita, mas tão-somente para pleitear alimentos ou assistência econômica.”[23]
Entretanto, o direito de visitas não pode mais ser visto como uma faculdade do genitor que não detenha a guarda do filho, sendo a sua vontade irrelevante para o cumprimento do período de visitação fixado, já que constitui além de um direito do filho, um dever dos pais, fazendo parte, inclusive, de um dos deveres do poder familiar, ou seja, é um direito-dever.
Esse é o posicionamento de Rolf Madaleno:
“Têm os pais o dever expresso e a responsabilidade de obedecerem às determinações judiciais ordenadas no interesse do menor, como disso é exemplo o dever de convivência e de visitação, que há muito deixaram de representar mera faculdade do genitor não guardião, causando a irracional omissão dos pais irreparáveis prejuízos de ordem moral e psicológica à prole.”[24]
Nesta senda, embora não haja uma sanção típica prevista expressamente como forma de obrigar o progenitor omisso a ter o filho consigo, isso não quer dizer que não hajam meios coercitivos idôneos e satisfatórios que possam forçar o cumprimento das visitas, na medida em que se configuram como uma das formas de garantir o direito fundamental à convivência familiar.
Ressalta-se que, embora vigore o princípio da autonomia da família, existem situações em que o Estado tem o dever de preservar certos valores sociais e cumprir determinadas metas, oportunidade em que deverá intervir subsidiariamente. O Estado planeja e organiza um sistema corretivo-repressivo, que deverá ser acionado quando ocorrerem situações de crise no ambiente familiar, como é o caso do descumprimento injustificado do regime de visitação.
Como as visitas são estabelecidas ou homologadas judicialmente, a sentença constitui título executivo judicial (artigo 475-N, do Código de Processo Civil de 1973 e correspondente ao artigo 515, do Código de Processo Civil de 2015), razão pela qual o genitor visitante que tiver seu direito de visitas obstado poderá executar judicialmente o guardião. Por sua vez, o genitor guardião também poderá executar o visitante caso ele deixe de procurar o filho no período avençado para tanto. Dessa forma, é possível a execução das visitas pelo genitor que se sentir lesado em face do outro que descumprir o avençado. No entanto, deve ser frisado que a execução, por si só, talvez não atinja o fim almejado, sendo necessário, aliado a ela, uma medida que comprometa a capacidade financeira da parte inadimplente de forma a impulsionar o cumprimento do acordo entabulado.
Outro meio de coerção para o cumprimento das visitas é pela ação de busca e apreensão (artigo 839, do Código de Processo Civil de 1973), que se enquadra como uma demanda cautelar e cujo rito foi extinto no Código de Processo Civil de 2015. Quando o genitor não guardião está exercendo o seu direito de visitas, ele pode deixar de entregar o filho no dia e horário predeterminados, descumprindo, dessa forma, com a parte que lhe cabe. Assim, o genitor guardião poderá ingressar judicialmente com essa medida para que a criança retorne ao seu lar. Contudo, é sabido que a busca e apreensão é sempre um evento traumático, havendo vezes, inclusive, que se faz necessária a intervenção de força policial para a sua efetivação.
Notórias são as terríveis consequências que a criança irá sofrer com o cumprimento desta cautelar, já que levada “à força” por uma ordem judicial. Em razão disso, a busca e apreensão vem sendo cada vez menos utilizada, abrindo lugar para a aplicação de multa quando a entrega do filho não for efetivada, a chamada “astreinte”.
A multa também se configura como o meio mais eficaz e menos traumático quando o genitor guardião impede que o ascendente visitante conviva com sua prole no período estabelecido para esse fim, pois caso fosse utilizada a busca e apreensão, a criança, de igual modo, seria levada compulsoriamente.
3.2 A MULTA/ASTREINTES
Existem mecanismos idôneos para fazer com que o genitor que descumpriu o regime de visitas cumpra a parte que lhe cabe no acordo ou na decisão judicial que as regule. A multa, também conhecida como astreinte, é o meio mais eficaz para impulsionar o genitor inadimplente a realizá-las.
A astreinte, instituto processual que nasceu no direito francês, pode ser definida como a multa que se destina a forçar o devedor, de forma indireta, a fazer o que deve, e não a reparar dano decorrente do inadimplemento da obrigação.
Para Guilherme Rizzo Amaral, a astreinte:
“[…] constitui técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa pressionar o réu para que este cumpra mandamento judicial, sendo a pressão exercida através de ameaça ao seu patrimônio, consubstanciada em multa periódica a incidir em caso de descumprimento.”[25]
Joaquim Felipe Spadoni ensina que “serve a multa diária como um meio de pressão sobre a vontade da parte, intimidando-a a realizar a prestação que deve, sob pena de a ameaça de sanção pecuniária se concretizar”.[26]
Como no presente estudo a astreinte será tratada em relação ao descumprimento do direito-dever de visitas, enquadrado como uma obrigação de fazer pertencente ao Direito de Família, o artigo 461, parágrafos 4º, 5º e 6º, do Código de Processo Civil de 1973, que dispõe acerca do tema, será a base legal analisada e aplicada ao assunto ora em comento. Como informação complementar, ressalta-se que o Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/15), que entrará em vigor em 17 de março de 2016, prevê a multa diária em seus artigos 497, 536 e 537, não havendo mudanças substanciais em relação à sua aplicação.
O artigo 461, do Código de Processo Civil de 1973, refere que, nas ações que tiverem por escopo o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento (correspondência dos artigos 497, caput, e 536, caput, do Código de Processo Civil de 2015).
Da leitura do parágrafo 4º, é extraído que a fixação da multa não depende de pedido expresso da parte autora, podendo o magistrado impor a astreinte de ofício. Portanto, a multa diária pode ser requerida pela parte autora ou pelo juiz ex officio, para que haja, dentro de prazo razoável, o adimplemento da obrigação (correspondência do artigo 537, caput, do Código de Processo Civil de 2015). Vale lembrar que qualquer um dos genitores pode promover a execução para o cumprimento do regime de visitas. Assim, a parte autora a que se faz menção o dispositivo ora em comento pode ser tanto o genitor guardião como o genitor visitante.
Por sua vez, dispõe o parágrafo 5º do mesmo dispositivo que, caso não haja a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, no caso do cumprimento do regime de visitas, o magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, tem a prerrogativa de determinar medidas necessárias à sua efetivação, como é o caso da imposição de multa por tempo de atraso (correspondência do artigo 536, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015).
A astreinte, conforme acima conceituada, é essencialmente compreendida como uma multa diária. Porém, o juiz poderá estipular a periodicidade que achar mais conveniente para o caso concreto, não precisando a multa ser fixada por cada dia de descumprimento da obrigação, conforme dispõe o parágrafo 6º do aludido artigo (correspondência do artigo 537, parágrafo 1º, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015).
Ensina Cássio Scarpinella Bueno que:
“[…] não obstante o §4º do art. 461 fazer referência a “multa diária”, o melhor entendimento é que também a periodicidade da multa pode ser alterada de acordo com as necessidades do caso concreto. Ela pode ser fixada em parcelas de tempo superiores a um dia (por semana ou por mês, por exemplo) e em parcelas de tempo inferior a um dia (por hora, por minuto e, até mesmo, por segundo), tudo a depender dos objetivos que o magistrado pretende conseguir com o emprego desta medida coercitiva à luz das características de cada caso concreto que lhe seja apresentado para exame.”[27]
A despeito do tema, o entendimento é o de que quando se tratar de regulamentação de visitas, a multa a ser arbitrada para o caso de descumprimento deve ser periódica, e não diária, em razão da natureza da própria obrigação. Portanto, deve ser fixada em cada oportunidade que ocorrer o inadimplemento, ou seja, quando o acordo de visitas ou a decisão judicial que as fixou for desrespeitado.
Acerca do valor arbitrado a título de multa, salienta-se que poderá ser modificado caso reste configurada a insuficiência ou o excesso da mesma. Na lição de Marcus Vinícius Rios Gonçalves:
“As multas periódicas têm por objetivo pressionar o devedor a cumprir a obrigação. Sua finalidade não é repressiva ou punitiva. Não são sanção ou pena. Por isso, tem o juiz ampla liberdade de fixá-las, de ofício ou a requerimento do interessado, e estabelecer-lhes o valor, aumentando-o ou reduzindo-o quando necessário.”[28]
Não obstante, é necessário que o magistrado observe as condições econômicas da parte inadimplente, quer para não onerá-la de forma exagerada, quer para não estimular o descumprimento, pela insignificância de seu montante.[29] Destaca-se que o valor a ser fixado deve ser significativamente alto, em razão da sua natureza inibitória, não devendo o juiz ficar receoso de fixá-lo em patamar elevado, pois o seu objetivo não é o pagamento, e sim o cumprimento da obrigação específica.
No que tange à aplicação de multa no Direito de Família, anteriormente foi referido que o direito-dever de visitas se enquadra na definição de obrigação de fazer, mas uma ressalva deve ser feita, de que nem sempre foi esse o entendimento dado acerca do tema. Assim, é fundamental esclarecer que havia um questionamento acerca da aplicabilidade ou não dos dispositivos acima referidos (artigo 461, parágrafos 4º, 5º e 6º, do Código de Processo Civil de 1973) em face das ações que tenham por objeto o estabelecimento de um regime de visitas. Isso porque no Direito das Obrigações, o termo obrigação era reconhecido quase que de forma unânime pela doutrina dotado do requisito da patrimonialidade da prestação obrigacional.
Contudo, ensina Lauria que o Direito Civil encontra-se atualmente em um momento de despatrimonialização, não havendo mais espaço para se deixar sem tutela as obrigações relativas às situações existenciais sem possibilidade de expressão em dinheiro. Há, inclusive, disposição Constitucional expressa (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal) acerca da indenização por dano moral, instituto que trata de situação puramente existencial.[30]
É provável que o artigo 461, do Código de Processo Civil de 1973 tenha sido criado visando unicamente à tutela de situações que tivessem cunho pecuniário. Porém, como já referido, situações existenciais passaram a desempenhar papel prioritário no ordenamento jurídico brasileiro, vez que expressamente previstas na Constituição Federal. Assim, esses interesses que não possuem caráter patrimonial devem se valer de instrumentos idôneos para que sejam efetivamente cumpridos, como é o caso do instituto regulado pelo dispositivo aqui analisado, tendo em vista que não possuem meios próprios para a sua tutela.
Portanto, a expressão “obrigação de fazer e não fazer”, contida no caput do artigo 461, do Código de Processo Civil de 1973, deve ser interpretada de forma ampla e geral, englobando todo e qualquer dever jurídico, motivo pelo qual o direito de visitas pode ser incluído dentro dessas situações. Desse modo, pode-se dizer que a multa coercitiva é plenamente aplicável para os casos de inadimplemento do regime de visitação.
Atualmente, esse entendimento já vem sendo utilizado de forma frequente na doutrina que versa sobre o tema, conforme ensina Maria Berenice Dias, alegando que “o direito de visitas gera uma obrigação de fazer infungível, ou seja, obrigação personalíssima, que deve ser cumprida pessoalmente”.[31]
Joubert Rodrigues de Rezende segue o mesmo preceito, ao referir que a obrigação dos pais na visitação:
“[…] não se trata de obrigação de dar e de não fazer, restando, portanto, obrigação de fazer infungível, pois somente o pai (ou mãe) poderá exercer a visita (obrigação personalíssima). Se a obrigação infungível não é cumprida, o ordenamento jurídico municia o “credor” com a tutela específica das obrigações de fazer, podendo haver a imposição de astreinte para compelir o “devedor” a cumprir sua obrigação.”[32]
O legislador do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/15), em atenção a essas circunstâncias, houve por bem dispor em seu artigo 536, parágrafo 5º, que a imposição de multa, aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional, ou seja, prevê de forma inequívoca a possibilidade de aplicação de multa também para situações de natureza existencial, afastando qualquer dúvida ainda existente acerca dessa temática.
Portanto, conforme a lição de Raduan Miguel Filho, a astreinte:
“[…] trouxe para o Direito de Família instrumento de efetivação do comando judicial que vem de encontro com os anseios dos operadores do Direito e, principalmente, dando efetividade à prestação jurisdicional esperada pelos jurisdicionados que acorrem às Varas de Família para a solução de seus conflitos, na busca de uma convivência familiar pacífica.”[33]
Quanto à execução das visitas, quando for proposta ação de regulamentação de visitas sob o rito ordinário, pode o juiz determinar a expedição de mandado de intimação em face do genitor recalcitrante para que cumpra o regime estabelecido na sentença ou na decisão antecipatória de tutela, sob pena de ser fixada multa na própria decisão, a ser revertida em benefício do genitor requerente e cobrada mediante ação de execução por quantia certa.[34] Como já referido, a multa será revertida em prol de quem a requerer, isso porque no Direito brasileiro ela reverte em favor da parte que promove a execução, aplicando-se analogicamente o que vem previsto no artigo 601, do Código de Processo Civil de 1973. Em atenção à ausência de um dispositivo específico para tratar acerca dessa temática, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe, de forma expressa, que o valor da multa será devido ao exequente (artigo 537, parágrafo 2º).
Assim, uma vez que a multa pecuniária tem a função de forçar a parte inadimplente a cumprir a obrigação que lhe foi imposta, ela serviria como meio de coerção para que o genitor que descumpriu o que fora acordado a título de visitas cumpra a parte que lhe cabe.
4 A MULTA NO DESCUMPRIMENTO DO REGIME DE VISITAS E OS REFLEXOS DA NOVA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA
4.1 A MULTA NA HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO DAS VISITAS PELO GENITOR GUARDIÃO
Conforme analisado anteriormente, a astreinte pode ser aplicada para tentar impulsionar o genitor inadimplente a cumprir o regime de visitação estabelecido. Dessa forma, serão analisadas as duas principais hipóteses de aplicação da multa quando do descumprimento das visitas.
A primeira delas se configura quando o genitor guardião bloqueia ou tenta obstaculizar o horário de visitas do genitor visitante, entendendo-se que o guardião está proibindo o filho de conviver com o outro ascendente, o que acarreta, muitas vezes, um processo de aversão e afastamento da criança em relação ao genitor visitante. Como represália pelo final do relacionamento, o genitor que tem a posse e guarda dos filhos começa a dificultar a visita do progenitor não guardião, além de, muitas vezes, chegar ao ponto de impedi-lo de ver os filhos, acreditando que ao agir dessa forma, estará punindo-o por suas atitudes.
As razões pelas quais o guardião coloca obstáculos na convivência paterno-filial estabelecida pelo regime de visitas podem ser diversas, sendo a principal delas os rancores e ressentimentos que surgiram com o esfacelamento do vínculo conjugal, mas o que será estudado neste trabalho serão os efeitos que essa atitude impensada e inconsequente poderá futuramente causar ao infante.
O filho que é privado da convivência com o genitor visitante pode desencadear graves sequelas psicológicas em decorrência dessa atitude, que podem inclusive refletir negativamente em seu comportamento na vida adulta. Não obstante, tal situação hoje é conhecida pelo nome de Síndrome de Alienação Parental (SAP), regulada no Brasil pela Lei nº 12.318/2010.
Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno definem essa síndrome da seguinte forma:
“Trata-se de uma campanha liderada pelo genitor detentor da guarda da prole, no sentido de programar a criança para que odeie e repudie, sem justificativa, o outro genitor, transformando a sua consciência mediante diferentes estratégias, com o objetivo de obstruir, impedir ou mesmo destruir os vínculos entre o menor e o pai não guardião, caracterizado, também, pelo conjunto de sintomas dela resultantes, causando, assim, uma forte relação de dependência e submissão do menor com o genitor alienante.”[35]
Nessa esteira, tal atitude injustificada do guardião merece ser cessada, sendo a multa coercitiva a medida mais adequada para esse fim, tendo em vista que, como já analisado, a busca e apreensão é deveras traumática, expondo a criança a uma situação indesejável, vez que é retirada à força do seio de seu guardião.
Ademais, prevê o artigo 6º, inciso III, da Lei nº 12.318/2010, de forma expressa que, quando “caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: estipular multa ao alienador”.
A astreinte vem, portanto, referida como o meio mais eficaz para romper os obstáculos colocados no caminho da visitação entre pai e filho, considerando-se que o guardião da criança tem o dever moral de facilitar a convivência da prole com o genitor visitante, devendo abster-se de dificultar o cumprimento do que fora determinado mediante acordo ou fixado em sentença, conforme o douto entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REGULAMENTAÇAO DE VISITAS. ACORDO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO. EXECUÇÃO. CABIMENTO. 1 – No campo das visitas, o guardião do menor é devedor de uma obrigação de fazer, ou seja, tem o dever de facilitar a convivência do filho com o visitante nos dias previamente estipulados, devendo se abster de criar obstáculos para o cumprimento do que fora determinado em sentença ou fixado no acordo. 2 – A transação, devidamente homologada em juízo, equipara-se ao julgamento do mérito da lide e tem valor de sentença, dando lugar, em caso de descumprimento, à execução da obrigação de fazer, podendo o juiz inclusive fixar multa a ser paga pelo guardião renitente.3 – Recurso especial conhecido e provido a fim de determinar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para regular prosseguimento.”[36]
Esse também é o posicionamento que vem sendo utilizado pelas Câmaras que cuidam de Direito de Família no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. REALIZAÇÃO DE ACORDO JUDICIAL ENTRE AS PARTES. COMINAÇÃO DE MULTA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DO PACTO. CABIMENTO. Estando a menor sob a guarda e responsabilidade materna, é de ser assegurado ao pai o direito de visitas. Direito de visitação que se impõe resguardado. Decisão agravada que fixa multa para o caso de descumprimento do acordo, a fim de resguardar a convivência entre pai e filha. Redução, porém, do valor da penalidade imposta. Agravo de instrumento parcialmente provido.”[37]
“DIREITO DE VISITA DO GENITOR. DESENTENDIMENTO ENTRE OS PAIS. APLICAÇÃO DE MULTA À MÃE POR IMPEDIR A VISITAÇÃO DO PAI. 1. Como decorrência do poder familiar, tem o pai não-guardião o direito de avistar-se com a filha, acompanhando-lhe a educação e estabelecendo com ela um vínculo afetivo saudável. 3. Não havendo bom relacionamento entre os genitores e tendo o pai condições plenas para exercer a visitação, deve ser assegurado a ele o direito de conviver com a filha, inclusive através de aplicação de multa à guardiã por impedir a visitação. 4. A mãe deve ser severamente advertida de que deve respeitar o período de visitas, ficando esclarecida acerca da responsabilização pela desobediência, bem como do risco de que a guarda possa vir a ser revertida. 5. Fica determinado a fixação de multa pelo juízo a quo e a sua aplicação a ser imposta em relação a cada descumprimento informado, pois tal conduta materna é censurável e prejudicial aos interesses das próprias filhas. Recurso parcialmente provido.”[38]
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER. IMPOSIÇÃO À MÃE/GUARDIÃ DE CONDUZIR O FILHO À VISITAÇÃO PATERNA, COMO ACORDADO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. INDÍCIOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR PARTE DA GUARDIÃ QUE RESPALDA A PENA IMPOSTA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA).”[39]
Verifica-se, na hipótese, que tanto a doutrina como a jurisprudência majoritária admitem, quase em sua totalidade, a utilização da multa como o meio mais indicado para cessar atos que caracterizem a alienação parental, não havendo grandes discussões acerca dessa temática, até porque a própria lei que trata da matéria prevê expressamente a possibilidade de sua aplicação.
Portanto, fica nítida a prioridade do interesse do filho em ter seu direito à convivência com ambos os genitores garantido, em face dos interesses particulares de seu guardião, que de forma cega e egoísta só almeja se vingar do ex-companheiro pelas desavenças do final do relacionamento, utilizando a guarda que lhe foi conferida para atingi-lo, pouco se importando se estará destruindo a infância de seu filho e minando o seu relacionamento com o outro genitor.
Não obstante, há quem defenda que a guarda compartilhada é a melhor estratégia contra a ocorrência da Síndrome de Alienação Parental, ideal do qual também compartilho. Contudo, é importante frisar que tal situação só terá êxito quando os pais estiverem empenhados com as melhores das intenções, preenchidos pela confiança mútua, bem como estabelecendo um clima de paz e tranquilidade para a criança. Quando os genitores não agirem em comunhão de esforços para buscar proporcionar o melhor para o filho em comum, não há que ser falado em guarda compartilhada, razão pela qual a multa será o meio utilizado quando o clima hostil entre os genitores estiver afetando a convivência paterno-filial.
4.2 A MULTA NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DAS VISITAS PELO GENITOR VISITANTE
A aplicação da multa tem cabimento, também, quando a finalidade é incentivar o genitor não guardião a se relacionar e conviver com o filho no período estabelecido como sendo o das visitas. Deve ser observado, nesse caso, que há uma omissão paterna deliberada em buscar o filho nos momentos em que seriam de sua responsabilidade, o que é inadmissível, já que o genitor estaria violando o direito de convivência que é garantido ao filho, além de estar descumprindo um dever inerente ao exercício do poder familiar.
Na hipótese, Flávio Guimarães Lauria refere não ser recomendada a aplicação da multa coercitiva, uma vez que “embora seja direito do filho se comunicar com ambos os pais, as consequências decorrentes de uma visitação imposta por meios de coerção podem ser piores que a própria ausência do pai ou da mãe”.[40]
Filia-se a esse entendimento o 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que preleciona não ter como converter uma relação de afeto, cujo preço é inestimável, em uma multa pecuniária, tendo em vista que não se constitui na forma mais adequada de garantir o direito do filho de conviver com os pais, vez que os laços afetivos não surgem de uma decisão judicial e, sim, espontaneamente, sob pena de surtir mais efeitos maléficos do que benéficos no campo emocional da criança tutelada. Para clarear esse entendimento, calha conferir os seguintes julgados:
“APELAÇÃO CÍVEL. VISITAS. ACORDO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO PELO PAI VISITANTE, QUE NÃO BUSCA QUALQUER CONTATO COM OS FILHOS. EXTINÇÃO DO FEITO. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. É de pensar qual o ânimo de um pai que vai buscar contato com seus filhos premido exclusivamente pela ameaça de uma multa? Deixará ele perceber a tão desejada afetividade que idealmente deve permear a relação entre pais e filhos? Ou, ao contrário, constrangido pela situação que lhe é imposta, exporá as crianças a situações de risco emocional, ou até físico, como forma de provocar na parte adversa o desejo de vê-lo longe da prole, que é aquilo que, afinal, ele pretende… O resultado: um verdadeiro "tiro pela culatra", cujas vítimas serão as crianças, pois amor não se compra, nem se impõe… NEGARAM PROVIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR.”[41]
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE VISITAS. MULTA PELO DESCUMPRIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. A imposição de multa em caso de descumprimento do dever de visita não constitui a forma mais adequada de garantir o direito do filho ao convívio com o pai, eis que o relacionamento entre ambos deve se desenvolver a partir da livre e espontânea vontade das partes. RECURSO PROVIDO.”[42]
A leitura a ser extraída é que a ausência do genitor visitante, em certos casos, pode ser menos danosa para a criança do que a convivência com um pai que não faz questão de com ela manter contato. O convívio artificial e forçado pela imposição de uma multa poderá, na verdade, fazer com que ela se compare com as demais crianças que são criadas em um ambiente repleto de amor e carinho paterno, passando a se sentir inferior em relação às outras.
Ilustram os presentes julgados que, ponderando o direito à convivência garantido à criança, e o direito de liberdade conferido ao genitor não guardião, de não querer conviver com seu filho, optaram os nobres julgadores em priorizar a autonomia privada do pai em detrimento do direito à convivência familiar do filho. Porém, o mais sensato, sem sombra de dúvidas, seria ter garantido ao filho o seu direito de conviver com o genitor, pois como é sabido, a criança tem prioridade em face do peculiar e frágil estágio de desenvolvimento em que se encontra, devendo a vontade do pai estar em patamar inferior quando da balança entre os dois direitos.
Não obstante, é de ser observado que, como analisado no tópico anterior, a astreinte para o caso de descumprimento do regime de visitas pelo genitor guardião é plenamente aplicada, e que, quando o inadimplemento se dá pelo genitor visitante, ela não é utilizada. O que pode ser testemunhado é que há uma nítida contradição entre esses dois posicionamentos, uma vez que o direito fundamental à convivência familiar é o objeto das duas situações, não havendo razão para que ocorra essa diferenciação, tendo em vista que nos dois casos ele estaria sendo violado, caindo por terra o argumento de que o relacionamento entre pai e filho somente deve se desenvolver a partir da livre e espontânea vontade das partes.
Apesar desse grupo de juristas e doutrinadores entender não ser recomendada a fixação de multa de cunho coercitivo para o caso de omissão paterna, eles defendem que não se estará deixando o direito da criança desprovido de recurso, mesmo que não haja uma tutela específica a ser utilizada para esse caso. Isso porque não está excluída a possibilidade de utilização da tutela ressarcitória em sede de responsabilidade civil, para reparar o dano afetivo sofrido.
Esse, por sua vez, não é o entendimento majoritário adotado pela doutrina, e do qual também não compartilho. Rolf Madaleno entende que:
“As astreintes se mostram como eficiente instrumento de pressão […] tanto quando a sanção pecuniária é imposta à mãe guardiã que se nega injustificadamente a cumprir o regime de visitas, como em relação ao pai que se omite de cumprir suas datas de comunicação com o filho.”[43]
A mesma linha de raciocínio é desenvolvida por Maria Berenice Dias, ao referir que a multa é “um poderoso instrumento para induzir o genitor não guardião a cumprir a obrigação de, periodicamente, ter o filho em sua companhia”.[44]
Pensar de outra forma remeteria ao tempo em que as visitas representavam apenas um direito, e não uma obrigação dos genitores, onde a omissão deles significava apenas não estar de acordo com o bom-senso, visto que não se aconselhava forçar uma visitação onde um dos pais demonstrasse rejeição à sua prática. Além disso, esse pensamento se justificava na medida em que o regime de visitas se baseava apenas na vontade e na consciência do genitor não guardião, o que vai de total encontro ao novo panorama atribuído aos filhos na esfera do Direito de Família.
Ademais, conforme a doutrina de Rolf Madaleno, vale mencionar que:
“[…] a execução das visitas ou a figura jurídica das astreintes seriam as sanções tendentes a forçar o cumprimento regular das visitas e servir como um meio eficaz de vencer a resistência do recalcitrante genitor que cria obstáculos para o exercício das visitas, embora a multa nada acrescente de amor em um empedernido coração.”[45]
Dessa forma, a astreinte pode ser aplicada para fazer com que o genitor não guardião cumpra o período de visitação que recai a ele, porém, essa tentativa de aproximação com a criança, embora até possa, de fato, fazer com que pai e filho passem a estabelecer certa convivência, pode ser que nunca venha a se transformar em laços de amor. Certo é que não há uma fórmula para que um pai passe a amar um filho, porém cabe à Justiça garantir e tentar proporcionar o direito que esse filho tem de conviver e se comunicar com o seu outro genitor. Aliás, também é possível que o pai que abandonou afetivamente sua prole seja penalizado por ter violado os deveres morais na formação de sua personalidade, já que conforme o que preceitua o artigo 186, do Código Civil, comete ato ilícito aquele que, por omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ficando obrigado a repará-lo (artigo 927, do Código Civil).
Para tanto, insigne frisar que a utilização da astreinte como forma de compelir o genitor não guardião a cumprir o período de visitação não exclui que o filho que se sente desamparado afetivamente também entre com uma ação indenizatória por abandono afetivo. Esse é o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.[46]
Ainda que a multa seja aplicada, existe a possibilidade de ela não ser eficaz, razão pela qual o filho também pode se valer do ressarcimento financeiro pelo dano moral que lhe foi causado, pois possuem finalidades diversas. A astreinte busca forçar o cumprimento das visitas, já a reparação material por omissão afetiva visa reparar dano psíquico sofrido pelo filho que foi rejeitado durante sua infância e adolescência, servindo como meio de compensação, e não como forma de estabelecer afeto, que há anos não vem sendo cultivado pela total omissão e ausência paterna ou materna. Assim, notadamente a multa tem caráter preventivo, enquanto a indenização por abandono afetivo tem caráter reparatório.
Ressalta-se que, como bem referido por Helena de Azeredo Orselli:
“[…] está se defendendo o cumprimento do direito à convivência familiar do filho com o genitor não guardião, ainda que esse não demonstre interesse no relacionamento, desde que a convivência entre eles seja saudável, não haja risco à integridade física, nem psicológica, nem intelectual do filho, enfim, seja um relacionamento, se não pautado pelo amor, ao menos, pelo respeito.”[47]
Sob esse prisma, concluo que a multa, por si só, não tem força para despertar o amor de um pai por um filho, ela é apenas um meio de impulsão que tenta, lucidamente, aproximar ambos, para que nesses momentos de convivência oportunize-se o nascimento desse sentimento fraterno. Efetivamente, o amor não se impõe, mas formas de viabilizar o seu surgimento devem ser proporcionadas, sob pena de se estar retirando a chance da formação psicossocial plena de um ser humano ainda em desenvolvimento.
Valendo-se da máxima “melhor prevenir do que remediar”, a aplicação da multa deve ser estimulada sempre quando não se mostrar prejudicial aos interesses da criança envolvida, já que a convivência, mesmo que inicialmente forçada, pode se transformar em laços de amor, enquanto a indenização por abandono afetivo nada mais é do que a compensação pela falta de afeto. Ou seja, para que os casos de omissão paterna tornem-se cada vez mais remotos, se faz necessária a atuação do Estado, que irá se valer de meios preventivos a um futuro abandono afetivo, cujos danos, mesmo que sejam reparados de forma pecuniária, ficarão perpetuados na alma dessa pessoa pelo resto de sua vida.
4.3 EFEITOS REFLEXOS
A convivência entre pais e filhos é essencial para a formação saudável da personalidade de um ser humano completo afetivamente, livre de traumas na vida adulta. Todavia, existem casos em que os genitores não conseguem proporcionar a devida criação e educação de seus filhos, devendo a convivência ser suspensa por algum tempo, ou até mesmo por tempo indeterminado.
Quando qualquer comportamento ou atos praticados pelo genitor guardião estejam frustrando e, com isso, rompendo a necessária e indispensável convivência do filho com o genitor visitante, acarretando em um distanciamento na sua relação, autoriza-se que a guarda seja modificada (invertida) em prol do genitor não guardião ou suspensa judicialmente, dependendo da análise das circunstâncias do caso concreto.
Para que haja a modificação da guarda, é preciso que o magistrado esteja certo dos malefícios que essas condutas realizadas pelo genitor guardião estejam causando na criança, além de estar seguro de que as alegações em face do genitor visitante não passam de meras calúnias, devendo amparar sua decisão em laudo psicológico e em parecer de assistente social. Desse modo, a alteração da guarda exige cautela máxima, por ser fato traumático em si próprio, somente se justificando em razão do interesse da criança, quando ficar evidentemente comprovada situação de risco.
No entanto, o inverso também pode acontecer, tendo em vista que há hipóteses em que as visitas conferidas ao genitor não guardião podem ser modificadas, suspensas ou extintas, pela prática de atos que vão de encontro ao melhor interesse do infante.
Segundo Arnoldo Wald:
“O exercício das visitas só pode, pois, ser elidido quando estas representarem perigo para a integridade física e psicológica dos menores. Tão-somente nessas hipóteses, insista-se, quando o interesse do menor exigir, poderão as visitas vir a ser modificadas, suspensas ou definitivamente extintas.”[48]
A visitação deve ser exercida com zelo e responsabilidade, e deve proporcionar para a criança momentos de lazer, afetividade e descontração, permitindo uma convivência saudável entre o filho e o genitor não guardião, havendo razão para que sejam suspensas, diante de comportamento lesivo do genitor para com o menor, que deverá ser protegido e ter sua integridade física e emocional preservada.[49]
Portanto, a astreinte, embora na maioria das vezes atinja o seu fim maior, qual seja o estreitamento de laços afetivos entre pais e filhos, não pode ser vista como um meio suficiente em si mesmo, de caráter absoluto. Isso porque ela é apenas uma forma de viabilizar esse contato, cabendo aos envolvidos em cada caso se empenhar para que haja, de fato, a troca mútua de afeto.
4.4 MUDANÇAS TRAZIDAS PELA NOVA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA
Como já referido anteriormente, a nova Lei da Guarda Compartilhada tornou-a obrigatória, o que significa dizer que se os genitores silenciarem, ou seja, não manifestarem expressamente o interesse pela guarda unilateral, a guarda compartilhada será a modalidade aplicada. Neste diapasão, pode ser percebido que a guarda unilateral, que era a modalidade de guarda mais difundida e utilizada, passou a desempenhar papel secundário, pois o Código Civil agora demonstra expressa preferência pela guarda compartilhada, mesmo quando houver litígio entre os genitores da criança, razão pela qual, por consequência, as visitas também perderam grande significado.
Porém, ainda é cedo para afirmar que a guarda unilateral e as visitas estejam ficando sem importância, tendo em vista que a obrigatoriedade da guarda compartilhada é muito recente, e seus reflexos ainda são desconhecidos. O fato dos pais da criança estarem em litígio é de suma relevância para a análise do seu bem estar, pois essas desavenças podem acabar interferindo no melhor interesse do infante. Caso a dinâmica da guarda compartilhada não funcione, em função da imaturidade de um ou de ambos os genitores, entende-se possível que a guarda unilateral passe a ser adotada em detrimento da guarda compartilhada, sendo estabelecido um regime de visitas ao genitor que não conseguiu desempenhá-la de forma plena, já que o juiz poderá, sempre que for para o bem dos filhos, regular a guarda de maneira diferente (artigo 1.586, do Código Civil).
Não obstante, como a Lei Civil agora demonstra claramente a obrigatoriedade da guarda compartilhada, não seria correto trocá-la imediatamente pela guarda unilateral quando se verificar que um dos genitores não a esteja desempenhando de maneira correta. Assim como ocorre quando há o descumprimento do regime de visitação, é possível que, antes que se troque a guarda compartilhada pela guarda unilateral, seja aplicada multa ao genitor que não esteja desempenhando de forma regular e adequada suas funções quando do exercício da guarda compartilhada.
Portanto, o magistrado deverá, primeiramente, utilizar meio idôneo e eficaz, como é o caso da multa pecuniária, para tentar fazer com que o genitor cumpra as obrigações a ele destinadas no tocante à guarda compartilhada de seu filho. No entanto, caso a astreinte seja aplicada para forçar o seu cumprimento e, mesmo com essa coerção, o genitor continuar não demonstrando condições para o exercício conjunto da guarda, somente então é que o juiz irá optar pela modificação para a guarda unilateral.
Por conseguinte, o que se pode concluir é que a astreinte permanece sendo um tema atual e de extrema importância, tendo ainda grande aplicabilidade para tentar resolver conflitos que envolvam convivência familiar entre pais e filhos, mesmo com o surgimento da Lei nº 13.058/2014, podendo ser utilizada tanto para forçar o genitor que exerce a guarda compartilhada a cumprir as tarefas e os deveres a ele incumbidos, quanto para, na hipótese de guarda unilateral, impulsionar o genitor inadimplente a honrar as visitas na forma em que estabelecidas.
CONCLUSÃO
Com base nas pesquisas realizadas para a elaboração deste estudo, pode-se concluir que o regime de visitação é uma importante forma de efetivação do direito à convivência familiar, que é garantido às crianças e aos adolescentes com absoluta prioridade, conforme dispõe o artigo 227, da Constituição Federal.
Nessa esteira, o cumprimento das visitas pelos genitores é de suma relevância para o desenvolvimento saudável da personalidade da criança, razão pela qual, caso haja o seu inadimplemento, forças que visem sua efetivação devem ser aplicadas, na medida em que as visitas não são apenas um direito do filho de conviver com seus pais, mas também um dever dos pais de conviver com seu filho.
Verificou-se que a multa, a chamada astreinte, é atualmente o meio mais eficaz para a criança ter seu direito à convivência garantido, já que os meios anteriormente utilizados mostraram-se insuficientes ou demasiadamente traumáticos ao infante, como é o caso da execução das visitas (sem aplicação de multa) e a medida cautelar de busca e apreensão.
Como as visitas são estabelecidas ou homologadas judicialmente (título executivo judicial), a sentença é passível de execução, sendo cabível a fixação de multa em caso de descumprimento, que se caracteriza como uma coerção a ser exercida através de ameaça ao patrimônio do genitor inadimplente, como forma de impulsioná-lo a realizá-las.
No entanto, o estabelecimento de multa para esse caso ainda não é pacífico na doutrina e na jurisprudência, sendo necessária a análise das duas principais hipóteses de descumprimento das visitas para a verificação de sua aplicação: quando o genitor guardião bloqueia ou obstaculiza as visitas do genitor visitante e quando o genitor visitante omite-se em se comunicar com o filho no período previamente estabelecido como sendo o das visitas.
No primeiro caso, tanto a doutrina como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul são unânimes em entender ser possível a aplicação de multa para combater a ocorrência da Síndrome de Alienação Parental, situação em que o genitor guardião da criança tenta manipulá-la para romper os laços afetivos com o outro genitor, a fim de repudiá-lo, além de frustrar o período de visitação destinado a ele, bloqueando ou obstaculizando as visitas. O argumento utilizado é o de que a possibilidade do estabelecimento da multa está expressamente prevista na Lei nº 12.318/2010, mas principalmente pelo fato de que o genitor visitante estaria buscando conviver com o filho, não podendo ser impedido pelo guardião de exercer o seu direito de visitação.
No segundo caso, por outro lado, constatou-se que tanto a doutrina como a jurisprudência não são pacíficas quando as visitas deixam de ser cumpridas por omissão do genitor visitante. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entende não ter como converter uma relação de afeto em uma multa pecuniária, sob o argumento de que o amor não surge de uma decisão judicial, mas espontaneamente. Entretanto, a doutrina mais atenta às mudanças atinentes ao moderno Direito de Família vem dispondo que a multa é um grande instrumento para induzir o genitor não guardião a cumprir a obrigação de, periodicamente, ter o filho em sua companhia, já que o afeto não se confunde com o amor, pois o seu oposto é a indiferença e o não convívio, sendo o amor, na verdade, um desdobramento do afeto.
Da análise dos dois casos acima mencionados, observa-se que há uma nítida contradição entre os posicionamentos, tendo em vista que o direito à convivência familiar é o objeto das duas situações, não havendo razão para que haja diferenciação em face da aplicação de multa, já que em ambos os casos ele estaria sendo desrespeitado, não devendo o relacionamento entre pai e filho ser pautado somente a partir da livre e espontânea vontade das partes. Ou seja, não há porque tratar o mesmo direito de formas distintas, na medida em que ele está sendo violado em ambos os casos.
Dessa forma, o que se entende é que deve ser imposta multa pecuniária para forçar a relação entre pai e filho em qualquer hipótese de descumprimento do direito à convivência, tendo em vista que um sentimento de amor só pode vir a nascer caso haja uma comunicação regular entre ambos. A multa, por si só, não tem força para fazer com que um pai passe a amar seu filho, mas ela proporciona que nesses momentos de convivência haja espaço para o surgimento desse sentimento. Ela serve, portanto, como um meio preventivo a um futuro abandono afetivo por parte dos progenitores, evitando que o filho busque apenas a compensação pecuniária pela falta de afeto numa ação indenizatória, que não tem o fito de restabelecer laços paterno-filiais, mas apenas compensar dano sofrido.
Destaca-se, contudo, que o direito de visitas em relação ao genitor não guardião só deve ser cumprido, ainda que ele não demonstre interesse nessa relação, desde que a comunicação entre ambos seja saudável e benéfica para o desenvolvimento da criança, não lhe trazendo qualquer tipo de risco. Portanto, a multa deve ser aplicada à luz de cada caso concreto, analisando suas particularidades, não sendo um meio absoluto em si mesmo.
A análise casuística é essencial para a averiguação do meio em que o menor está inserido, bem como seus vínculos afetivos, além de sua relação com seus genitores, já que a convivência só deve ser estimulada e realizada quando se constatar que trará benefícios ao infante, indo ao encontro do princípio do melhor interesse do menor.
O cumprimento forçado das visitas só deve ser realizado quando não atentar contra a segurança e a integridade física e psicológica da criança, verificando-se que o que falta por parte do genitor omisso é incentivo ou ausência de interesse na convivência com o filho, oportunidade em que, caso estimulado, reverta-se no início do exercício de uma convivência familiar salutar.
Não obstante, o advento da Lei nº 13.058/2014 (nova Lei da Guarda Compartilhada), que tornou obrigatória a escolha pela guarda compartilhada mesmo quando não houver acordo entre os genitores acerca da guarda dos filhos, trouxe mais uma situação em que a multa pode vir a ser aplicada como forma de coerção. Sob a mesma ótica utilizada em relação ao descumprimento das visitas, constatou-se que a astreinte também terá papel de grande importância quando aplicada ao genitor que descumprir as tarefas e encargos que lhe foram conferidos no exercício da guarda compartilhada.
Desse modo, mesmo que o direito de visitas agora tenha perdido certo espaço com a preferência do legislador pela guarda compartilhada, a astreinte continuará tendo importante função, pois servirá tanto como meio de coerção em face do genitor que descumprir as tarefas atinentes ao exercício da guarda compartilhada, quanto para as hipóteses, mais reduzidas, de guarda unilateral com estabelecimento de visitas que não forem cumpridas por um dos progenitores. Isso porque em todas as hipóteses analisadas o que se está buscando é a efetivação, de forma prioritária, do direito à convivência da criança com seus pais.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
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