Resumo: O atual sistema de execução penal vigente no ordenamento jurídico brasileiro prevê a obrigatoriedade do trabalho do apenado à pena privativa de liberdade em caráter definitivo como forma de ressocialização da pessoa e para evitar o ócio carcerário, dentre outros fins. Tal trabalho sofre a não incidência dos direitos trabalhistas previstos na CLT conforme orientação legislativa O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho segue o estribado na lei. A mesma legislação que retira os direitos trabalhistas, em outro momento faz referência do trabalho prisional prestado para empresas privadas, sendo tal iniciativa de sua livre e espontânea vontade, o que afasta a previsão legal da não configuração da relação de emprego, em consonância com a efetivação da defesa da dignidade humana e do trabalho. Nessa situação o apenado poderá possuir todos os elementos essenciais configuradores da relação de emprego, e assim os argumentos carreados pelo TST, não merecerem prosperar.
Palavras-chave: Trabalho prisional; Tribunal Superior do Trabalho; Direito do Trabalho; Ressocialização.
Abstract: The current effective criminal enforcement system in the Brazilian legal system provides for compulsory work of the convict to deprivation of liberty on a permanent basis as a way of the person's rehabilitation and to avoid prison idleness, among other purposes. Such work suffers no impact of labor rights stipulated in the CLT as legislative guidance The understanding of the Superior Labor Court follows the estribado the law. The same legislation that removes labor rights in other time references of the prison work performed for private companies, being such an initiative of their own free will, which removes the legal provision of not setting the employment relationship, in line with the effectiveness of the protection of human dignity and work. In this situation the convict may have all configurators essential elements of the employment relationship, and so the arguments adduced by the TST, do not deserve to thrive.
Keywords: Prison labor; Superior Labor Court; Labor Law; Resocialization.
Sumário: 1.A marginalização celetista. 2.Argumentos para o não reconhecimento da relação de emprego. 3. O não reconhecimento do vínculo empregatício no Tribunal Superior do Trabalho. 4.O elemento volitivo. 5.A finalidade do trabalho carcerário. 6.Os direitos trabalhistas e a sentença penal condenatória. Considerações finais
A marginalização celetista
Atualmente, o apenado que se encontra trabalhando possui poucos direitos trabalhistas em função de estar marginalizado da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme destacado na própria LEP:
“Art. 28 LEP. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.”
Inicialmente, torna-se curioso o fato de o legislador considerar apenas a CLT como norma trabalhista, esquecendo-se da existência de leis esparsas (desvinculadas à CLT) que também tratam da relação de emprego, como é o caso do trabalho rural e doméstico. A doutrina e jurisprudência apontam diversos motivos para tal marginalização celetista, seja em função do trabalho do condenado possuir a finalidade educativa e produtiva (princípios os quais são encontrados no caput do mesmo artigo), ou pelo fato do trabalho prisional ser considerado obrigatório.
Porém, na exposição de motivos da LEP, mensagem n. 242 de 1983, encontra-se a razão pela qual existe a exclusão do trabalho do preso do rol das relações de emprego:
“56. O Projeto conceitua o trabalho dos condenados presos como dever social e condição de dignidade humana – tal como dispõe a Constituição, no art. 160, inc. II[1] –, assentando-o em dupla finalidade: educativa e produtiva.
57. Procurando, também nesse passo, reduzir as diferenças entre a vida nas prisões e a vida em liberdade, os textos propostos aplicam ao trabalho, tanto interno como externo, a organização, métodos e precauções relativas à segurança e à higiene, embora não esteja submetida essa forma de atividade à Consolidação das Leis do Trabalho, dada a inexistência de condição fundamental, de que o preso foi despojado pela sentença condenatória: a liberdade para a formação do contrato.” (grifo da autora)
Dessa forma, o legislador optou por não conceder os direitos celetistas ao preso em razão da sua falta de liberdade para a formação do contrato. O legislador considerou que a sentença penal condenatória retirou tal liberdade do preso. Lamentavelmente, equivocou-se ao prever tal premissa para todos os regimes prisionais. A solução encontrada jamais poderia ser considerada de maneira uniforme para todas as modalidades da laborterapia.
Apesar do disposto na LEP e na sua exposição de motivos, em momento anterior à publicação da LEP, havia reivindicações a respeito da possibilidade da concessão dos direitos trabalhistas ao preso, assim como a própria jurisprudência dos tribunais caminhava nesse sentido, conforme o relato de Vinicius Caldeira Brant:
“Alguns sindicatos chegaram a fazer gestões neste sentido junto ao governo de São Paulo, não só com o intuito de reconhecer os direitos dos trabalhadores presos, mas também em função dos efeitos da escravidão deles sobre o mercado de trabalho externo. Não só tal reivindicação foi desatendida, como a mais recente legislação federal, a nova Lei de Execução Penal, ao definir o trabalho dos condenados, passou a excluir expressamente o trabalhador encarcerado dos direitos da CLT. Anulou-se assim a jurisprudência do TST, bem como a melhor doutrina, assegurando-se a continuidade de uma super-exploração [sic] que a nada leva, nem do ponto de visto dos direitos dos detentos, nem do de sua suposta recuperação pelo trabalho”.[2]
Nesse mesmo sentido, Evaristo de Morais Filho, em 1975, já dissertava sobre o assunto:
“Com o trabalho realizado – quando existente – dentro dos muros das próprias penitenciárias, por conta da administração ou sob seu controle direto, não chega a se configurar um contrato de trabalho entre o apenado e quem lhe exige trabalho. Mas tudo muda de aspecto quando se trata de serviço prestado a terceiros, estranhos à administração, fora do recinto da prisão. Desde que prestado a empresa, pouco importa que o prestador seja um presidiário, no cumprimento da pena – o seu trabalho se equipara ao de qualquer trabalhador livre, com direito a todos os benefícios legais. Não vale invocar incapacidade contratual do apenado, nem alegar possível obrigatoriedade nesta prestação.
Nos regimes de semiliberdade e de prisão-albergue, aberta, envolve-se o apenado na vida civil dos cidadãos comuns, com todos os direitos e deveres conferidos a estes”.[3]
Destarte, o doutrinador já salientava a divisão em relação a favor de quem o trabalho será prestado. Se for para a administração pública, não há como se configurar o vínculo. Se o beneficiário for uma empresa privada, não será em razão de o trabalhador ser um preso que vinculará a aplicação ou não dos preceitos laborais.
Infelizmente, é parte da doutrina trabalhista que trata do assunto em seu mérito, pois como não é um empregado regido pelo direito laboral, os operadores trabalhistas não continuam o debate ao tema, deixando a questão para a doutrina criminalista, que por evidente não é a especialista para cuidar de quesitos que não guardam pertinência à sua matéria.
O projeto de Lei n. 513 de 2013 que pretende alterar a LEP continua a prever a mesma sistemática de marginalização celetista para o trabalho carcerário.[4] Porém, apesar da justificativa da "falta de liberdade" para contratação exposta na exposição de motivos de 1984 em decorrência da obrigatoriedade do trabalho do apenado, o PL não prevê mais a sua obrigatoriedade, mas sim o incentivo ao labor.[5] Dessa forma, mesmo sem a obrigatoriedade do trabalho, de acordo com a nova vontade do legislador pátrio disposta no PL, a marginalização persistirá. A incongruência e ilogicidade persistem.
Para melhor debate da matéria, inicialmente, serão demonstrados os argumentos contra a configuração do vínculo empregatício para o preso, inclusive diante do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, e logo após as razões para não subsistirem tais argumentos.
Argumentos para o não reconhecimento da relação de emprego
Para o não reconhecimento da relação empregatícia do trabalho carcerário é apontado como motivo principal a falta da vontade do apenado para a formação do contrato, visto que é obrigatório. De acordo com Mirabete: "Essa obrigatoriedade do trabalho no presídio decorre da falta do pressuposto liberdade, pois, em caso contrário, poder-se-ia considerar sua prestação como manifestação de um trabalho livre, que conduziria a sua inclusão no ordenamento jurídico trabalhista".[6]
Cesarino Júnior possui o mesmo entendimento do penalista, porém, o trabalhista já possuía esse entendimento mesmo à anterior promulgação da LEP:
“Sendo o acordo de vontades elemento característico do contrato, é evidente que os serviços dos detentos não constituem prestação de um contrato individual de trabalho e, nestas condições, o trabalho penitenciário não deve ser contemplado pelo Direito do Trabalho. Não obstam a esta conclusão os fatos do art. 29, §1°, determinar que o trabalho do sentenciado deva ser remunerado, e do art. 31, § único do Código Penal, lhe permitirem a escolha do trabalho, desde que tenha caráter educativo. É que a remuneração se destina a reparar o dano e proporcionar a execução da multa, embora sirva também para prover à subsistência da família do detento e constituir para ele um pecúlio indispensável à sua readaptação à vida social após o cumprimento da pena. E quanto ao segundo o detento é livre quanto à escolha do serviço, mas não quanto à sua prestação, que o Estado tem o direito de exigir-lhe como consequência da execução da pena.”[7]
E Francisco Antonio de Oliveira, ao utilizar os ensinamentos de Cesarino Júnior, também concorda pela não aplicação dos direitos trabalhistas: "Temos para nós que não há como aplicar o princípio do Direito do Trabalho a situação que além de alijar a possibilidade de constituição de vínculo empregatício, também não acena com nenhuma possibilidade de trabalho autônomo".[8]
José Martins Catharino partilha o mesmo entendimento:
“A presunção da contratualidade assenta, necessariamente, na liberdade de trabalho. Se o empregado presta serviços é porque quer. Igualmente, quanto ao empregador que o admite. O consenso fica impresso na atitude de ambos. As duas vontades se conjugam. Duas declarações volitivas paralelas somente se encontram no infinito. Faltando o trabalho livre, não haverá contrato nem relação de emprego, por isto, o detento não pode ser considerado empregado, embora a lei de acidentes do trabalho o proteja”.[9]
Alice Monteiro de Barros disserta sobre o assunto, justificando que a marginalização celetista pode decorrer da falta da liberdade contratual aliada ao outro elemento, a finalidade do trabalho carcerário (que almeja a ressocialização do apenado, assim como a diminuição da pena):
“Exatamente por faltar a liberdade contratual e de escolha do trabalho (consentimento), a legislação brasileira não reconhece o vínculo empregatício com o condenado que presta serviços com a finalidade de reeducação e reinserção na vida social, além de constituir, em determinadas situações, elemento de redução da pena”.[10]
E, ao tratar da marginalização trabalhista, assegura: "A exclusão refere-se ao trabalho do preso junto à penitenciária ou a particulares".[11]
Tais autores que defendem a falta da liberdade na pactuação do contrato de trabalho fixam-se no artigo 442 da CLT que estabelece que o "Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego". É nesse ponto que os defensores da marginalização celetista se concentram, pois como não há o "acordo", isto é, a vontade manifestada de forma expressa ou tácita para a formação contratual, não haveria a relação de emprego.
Por sua vez, Wueber Duarte Penafort alega que não seria o elemento volitivo, isto é, a falta de liberdade do apenado, que o marginaliza dos preceitos laborais, mas sim a finalidade do trabalho no sistema prisional, conforme explica:
“Não está no elemento volitivo do contratado, nem na sua relativa liberdade de dispor de seu suor laboral a demarcação da natureza jurídica do trabalho do preso. É da própria natureza da relação laboral o caráter alimentar das verbas salariais. Em países como o nosso, o trabalhador quando encontra um posto de trabalho, agarra-o para garantia de sua sobrevivência. Não tem a tão propalada liberdade contratual privada seja dentro ou fora do sistema carcerário”.[12]
O autor, inclusive, compara a situação dos presos com a dos trabalhadores considerados livres. Dessa forma, o que desvirtuaria o trabalho do preso da relação de emprego seria exigir a satisfação do binômio educação-produção, disposta no artigo 28 da LEP, conforme disserta:
“A natureza jurídica do trabalho penitenciário, quando verdadeiramente o é, indica um instituto de natureza administrativa, pois é um dos instrumentos estatais para reeducar o preso para a vida em sociedade e conta com a remição para reduzir-lhe a pena (art. 126, da LEP).
Quando uma empresa privada opera com trabalhador presidiário, devemos volver nosso olhar para a finalidade, especificamente, ao binômio educação-produção, conforme art. 28 da LEP.
Em caso de empresa privada, sempre que a ênfase incidir no elemento produtivo em detrimento do elemento educativo, a finalidade na execução do contrato está desfocalizada, eis aí o fenômeno da relação de emprego. Estaremos diante da relação de trabalho-espécie, o emprego. Em outras palavras, se o que estiver preponderando é o aspecto produtivo em relação ao educativo-ressocializador, estaremos, certamente, diante de emprego com a empresa tomadora de serviços”.[13]
Porém, o autor já acena para a possibilidade do vínculo empregatício quando a finalidade estiver desvirtuada, ou seja, caso o binômio educação-produção estiver desequilibrado com o elemento produção prejudicando o elemento educação.
Por sua vez, Vólia Bomfim Cassar justifica a falta do vínculo empregatício da seguinte forma:
“Não há vínculo de emprego entre o preso e o Estado, seja porque não aprovado em concurso público (art. 37, II CRFB), seja porque a Lei se manifesta nesse sentido – art. 28, § 2°, da Lei 7210/84 (Lei de Execução Penal).
O trabalho do preso tem conotação de reabilitação e exerce forte função social. Mas não é este o motivo que impede a formação do vínculo de emprego, e sim o comando legal que expressamente determina o afastamento da legislação trabalhista (CLT).”[14]
Corroborando a justificativa da autora, também existe a Súmula 363 do TST,[15] dispondo que o contrato será considerado nulo quando o servidor público não obtiver aprovação em concurso público. Realmente, quando o beneficiário do trabalho for a administração pública, a formação do vínculo é insustentável. Todavia, a doutrinadora esquece que não será apenas a administração pública a beneficiária do trabalho carcerário, mas também a iniciativa privada.
Marcos Abílio Domingues nas conclusões de seu trabalho destaca a possibilidade do vínculo, mas logo após, faz o seguinte desfecho:
“Portanto, o trabalho do preso tanto pode ser reconhecido como de natureza trabalhista como não trabalhista, dependendo das condições de trabalho. O que irá determinar a existência ou não de relação de emprego no trabalho penitenciário será a pretensão de resultado econômico para o tomador do serviço. Dessa maneira, o trabalho realizado pelo preso no propósito de mera manutenção do estabelecimento penitenciário não será enquadrado como relação trabalhista.
Todavia, reconhecemos que pelo ordenamento positivo nacional, acompanhado pela jurisprudência, não há vínculo empregatício em qualquer modalidade de trabalho realizado pelo preso. O entendimento excludente do vínculo de emprego para o trabalho penitenciário decorre de uma postura expressa do legislador, que afastou esta modalidade de trabalho da incidência trabalhista. Se assim fosse, com a devida venia, entendemos que na situação de trabalho não obrigatório estaria caracterizado o vínculo de natureza trabalhista”.[16]
Em que pese a inicial conclusão lógica do autor através da "pretensão de resultado econômico para o tomador do serviço" e a possibilidade da natureza trabalhista da relação, as suas palavras finais em que defende a marginalização trabalhista em razão do disposto pela LEP mostra o esquecimento do princípio da primazia da realidade.
E ainda há autores que, simplesmente, não argumentam o motivo pelo qual não existe o vínculo, apenas citam que não é configurado, como Valentin Carrion: "O trabalho penitenciário não é abrangido pelo direito social, a não ser ao seguro por acidente de trabalho (L, 6.367/76)".[17]
Em que pesem todas as argumentações aqui citadas para a contínua marginalização celetista, introduz-se o debate ao tema central do presente artigo com um doutrinador criminal que auxiliará o entendimento do assunto. Norberto Avena leciona a respeito do trabalho do preso, conforme abaixo:
“O trabalho interno do preso (realizado dentro do estabelecimento penal), sendo uma obrigação cujo descumprimento acarreta a imposição de sanções disciplinares, não está regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 28, § 2º, da LEP). O vínculo que se institui, portanto, é de direito público e não um vínculo empregatício. Em consequência, também não existirão encargos sociais incidentes sobre os valores pagos pela utilização dessa mão de obra, a exemplo de aviso prévio indenizado ou não, FGTS, repouso semanal remunerado, férias e décimo terceiro salário.
E quanto ao trabalho externo (realizado fora do presídio)? Tratando-se de preso em regime fechado, não há, do mesmo modo, vínculo empregatício, tampouco incidência dos referidos direitos sociais. Sendo hipótese de indivíduo que cumpre pena em regime aberto, pacificou-se a jurisprudência no sentido de que “o trabalho externo prestado por condenado em regime aberto não configura o trabalho prisional, previsto na Lei das Execuções Penais”, razão pela qual se reconhece “relação de trabalho que se sujeita à tutela da CLT”. O tema é discutido, porém, quando se trata de cumprimento de pena no regime semiaberto. Sem embargo da existência de corrente oposta, em inúmeras oportunidades têm os tribunais decidido que “o disposto no § 2º do art. 28 da LEP não pode servir de óbice ao reconhecimento da relação de emprego entre as partes”, devendo-se reconhecer a existência de vínculo trabalhista quando se trata de trabalho externo prestado por condenado em regime semiaberto.”[18]
Conforme mencionado pelo próprio autor, aos trabalhadores situados no regime fechado não seria possível a configuração do vínculo, pois esses, realmente, não possuem a liberdade de escolha para quem trabalhar. Já no regime semiaberto o tema ainda é discutido. No tocante ao regime aberto, apesar do doutrinador considerar a configuração do vínculo como pacífico nos tribunais, existem decisões não concedendo o liame empregatício conforme será demonstrado no item abaixo, sendo inclusive, esse o entendimento da mais alta corte trabalhista brasileira. O tema apenas seria totalmente pacífico caso o legislador consagrasse o trabalho prisional do regime aberto e do semiaberto como uma nova categoria de empregados. A celeuma não poderia ficar a cargo única e exclusivamente do poder judiciário. É necessário um debate sério e preciso realizado pela doutrina para a fatídica mudança realizada pelo legislador.
O não reconhecimento do vínculo empregatício no Tribunal Superior do Trabalho
A jurisprudência do TST foi modificada ao longo da sua história no que tange ao trabalho carcerário. Em momento anterior à promulgação da LEP, em 1964, o TST reconhecia o vínculo empregatício conforme a seguinte ementa: "O empregado sentenciado, exercendo trabalho remunerado em estabelecimento particular, por autorização do Juiz Criminal, é livre de contratar a prestação de serviços, estando amparado pela Consolidação das Leis do Trabalho, art. 3°".[19]
Já em 1973, em ementa de outra decisão: "Não impede a lei possa o presidiário custodiado estabelecer uma relação de trabalho subordinado, não lhe faltando capacidade para contratar, aplicando-se-lhe a legislação trabalhista em toda a sua plenitude".[20]
Infelizmente, atualmente, a mais alta corte trabalhista do país, em processo encontrado na pesquisa jurisprudencial a respeito da possibilidade da configuração da relação de emprego ao apenado laborando para a iniciativa privada, não reconheceu o vínculo do apenado, mesmo sendo prestado em regime semiaberto e aberto, conforme ementa abaixo:
“TRABALHO DO PRESO – RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA – ART. 28 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. O pedido de reconhecimento de relação empregatícia, em que o prestador de serviços é réu-preso, encontra óbice intransponível na normatização legal em vigor. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), ao cuidar do trabalho do réu-preso e suas consequências jurídicas, deixa explicitado que não se sujeita à CLT e Legislação Complementar (art. 28, § 2º), mas que objetiva, dentre outros, possibilitar sua recuperação, através de processo socioeducativo e produtivo, para que possa ser reintegrado à sociedade. Por isso mesmo, a contraprestação remuneratória pelo trabalho que executa não possui o significado técnico-jurídico de salário, daí a impossibilidade de se reconhecer, em relação ao tomador de seus serviços, um contrato de trabalho com suas consequências trabalhistas. Finalmente, revela ressaltar que seu direito ao trabalho não se altera pelo fato de ter obtido progressão do regime para semiaberto ou aberto, porque a norma não faz qualquer distinção quanto à forma em que deve cumprir a pena. Recurso de revista conhecido e não provido”.[21] (grifo da autora)
Segundo o TST, o liame empregatício não seria configurado em razão do "óbice intransponível na normatização legal em vigor", assim como a finalidade do trabalho carcerário, que seria a sua "recuperação, através de processo socioeducativo e produtivo, para que possa ser reintegrado à sociedade". Em que pesem as palavras prolatadas pelo Tribunal, refutar-se-ão essas e tantas outras logo abaixo.
O TST vai além, em outro julgado, considerando que não seria nem sua competência a apreciação da matéria:
“INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRABALHO REALIZADO POR PRESIDIÁRIOS A EMPRESA PRIVADA AUTORIZADA POR ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RELAÇÃO JURÍDICA VINCULADA À LEI Nº 7.214/84 (LEI DE EXECUÇÃO PENAL). CUMPRIMENTO DE PENA. FINALIDADE EDUCATIVA, PRODUTIVA E DE REINSERÇÃO SOCIAL. Nos termos da Lei nº 7.214/84 (Lei de Execução Penal), o trabalho do apenado está relacionado ao cumprimento da pena e possui finalidades educativas e produtivas, visando à sua reinserção social. Trata-se o trabalho prisional de um direito e de um dever do condenado, pois, além de estar ligado à própria pena, como meio de ressocialização e remição da pena, possui caráter de obrigatoriedade, o qual decorre da falta do pressuposto da liberdade e da voluntariedade. Ainda que o trabalho do presidiário seja prestado para empresa privada autorizada por estabelecimento prisional e esteja presente o aspecto econômico da prestação de serviços, permanece como prevalecente o seu aspecto reabilitador, de natureza essencialmente penal, determinando, portanto, que esteja inserido no âmbito de competência desta Justiça especializada. Nesse sentido, tem se inclinado a jurisprudência desta Corte superior, que, em casos análogos ao dos autos, decidiu que a relação institucional estabelecida entre os presidiários e o estabelecimento prisional ou a empresa privada autorizada pelo estabelecimento prisional está vinculada à Lei de Execução Penal (LEP), e, dessa maneira, refoge à competência desta Justiça especializada. Precedentes.”[22]
O caso em tela foi ajuizado pelo Ministério Público do Trabalho da 15ª Região mediante ação civil pública, sob a alegação de que a ré está praticando uma anômala forma de terceirização de sua atividade-fim, visando, como exclusiva beneficiária dos serviços, subtrair-se do ônus da relação de emprego formada com presidiários e desvirtuando a finalidade educativa e reabilitadora do trabalho de presidiários condenados, prevista na Lei nº 7.210/84. Porém, os ministros não se convenceram da argumentação do MPT sob a fundamentação que o trabalho prisional está relacionado à ressocialização e a remição da pena, além do trabalho ser obrigatório, sob a égide da Lei de Execução Penal, e assim, não sendo alvo dos cuidados da competência trabalhista.
No voto da citada ementa, ainda encontra-se o entendimento em relação ao trabalho prestado internamente, ou externamente:
“Extrai-se dos dispositivos de lei mencionados que o trabalho do apenado está relacionado ao cumprimento da pena e possui finalidades educativas e produtivas, visando à sua reinserção social, e pode ser realizado no âmbito interno ou externo ao estabelecimento prisional.
Trata-se o trabalho prisional de um direito e de um dever do condenado, pois, além de estar ligado à própria pena, como meio de ressocialização e remição da pena, possui caráter de obrigatoriedade, o qual decorre da falta do pressuposto da liberdade e da voluntariedade.
Dessa maneira, o trabalho do condenado recolhido a estabelecimento penitenciário é instituto que integra a pena, devendo ser compreendido dentro da execução deste instituto penal, motivo pelo qual, ainda que o trabalho do presidiário seja prestado para empresas privadas, embora esteja presente o aspecto econômico da prestação de serviços, permanece como prevalecente o seu aspecto reabilitador, de natureza essencialmente penal, determinando, portanto, que esteja inserido no âmbito de competência desta Justiça especializada.”
Ou seja, o TST disciplina que tanto o trabalho prestado internamente ou externamente, a competência será do juízo comum, e jamais da justiça especializada em razão do trabalho ser prestado em razão do cumprimento de uma pena. Todavia, o TST esquece que no momento que há a iniciativa privada se valendo da mão de obra prisional a preços menores, acaba por ocorrer o dumping social, ferindo o direito à livre concorrência entre as empresas que seguem à risca o pagamento dos direitos trabalhistas, podendo resultar no desemprego de trabalhadores livres, pois se tornam mais "caros", conforme situações já retratadas pelo MPT.[23] A questão do trabalho carcerário é muito mais complexa do que se pode imaginar, pois abrange toda a sociedade, seja com a perda do trabalho (para a contratação de um preso, pois é mais barato), assim como a futura recolocação do preso no seio da sociedade sem que a devida ressocialização almejada tenha sido atingida. Abaixo, serão abordados, isoladamente, os argumentos contra o vínculo empregatício do trabalho penitenciário e a respectiva desconstrução de tais pensamentos.
O principal argumento apontado pela doutrina que defende a marginalização celetista é a falta do elemento volitivo. Dentre os doutrinadores que manifestam essa ideia encontram-se: Julio Fabbrini Mirabete, Cesarino Júnior, Francisco Antonio de Oliveira, José Martins Catharino e Alice Monteiro de Barros, todos acima citados. Por eles é alegada, para a não configuração do contrato individual de trabalho, a ausência da vontade de contratar, pois o contrato não é de livre escolha, uma vez que faltaria a liberdade de opção sobre para quem será prestado o serviço.
A falta de liberdade de contratar, alegada na exposição de motivos da LEP, ocorreria nos trabalhos internos, que de acordo com a Lei em seu artigo 31 são obrigatórios. Porém, esse artigo encontra-se na Seção II da Lei que trata do trabalho interno. Tal argumentação da falta do elemento volitivo será de fácil contestação, conforme pode ser tranquilamente observado na LEP, na Seção III, que versa sobre o trabalho externo, que em seu artigo 36, § 3º determina: "a prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso". Qual seria a verdadeira razão de existir do parágrafo 3° do artigo 36, se não fosse a real necessidade da bilateralidade para a formação do contrato individual de trabalho?
Dessa forma, verifica-se a incidência da escolha em trabalhar e no que trabalhar, e desse modo a teoria clássica trabalhista deverá ser aplicada, por formar-se a típica relação de emprego entre as partes, pois nesse momento visualiza-se o elemento nuclear da proposta e aceitação para a formação do contrato de trabalho. Assim sendo, a argumentação existente na exposição de motivos da LEP, isto é, a falta da liberdade para formação do contrato, deverá ser aplicada única e exclusivamente para os apenados trabalhando internamente (pois o trabalho interno é obrigatório). No momento em que se vislumbra o trabalho externo, a argumentação encontrada na exposição dos motivos da LEP não deverá ser mantida. Por conseguinte, utilizar-se de tal expediente como a obrigação ao trabalho para justificar a falta de vontade e consequente marginalização do liame empregatício torna-se um verdadeiro colapso ocasionado por um sistema de normas e entendimentos equivocados.
Além do mais, a problemática é tamanha que, apesar do trabalho do preso ser considerado obrigatório, existem filas de espera para o trabalho em algumas prisões, inclusive sendo alvo de decisões judiciais a chamada remição ficta.[24] Então, no momento em que não há postos de trabalho suficientes, qual a razão de continuar se valendo do instituto da obrigatoriedade? Por mais que exista a celeuma a respeito da manutenção do trabalho obrigatório na atual ordem constitucional, na verdade, acaba não o sendo, visto que não há trabalho para todos. A formalidade do trabalho obrigatório acaba, na sua materialidade, não ocorrendo. Destarte, o preso acaba demonstrando a sua vontade de trabalhar. A obrigatoriedade ficaria apenas no plano formal, na Lei, servindo para a marginalização dos direitos trabalhistas.
De acordo com o explicitado, Evandro Urnau traz a ementa citada abaixo em processo tramitado pelo Superior Tribunal de Justiça:
“Definitiva a condenação e iniciado o cumprimento de pena, estabelece-se entre o apenado e o Estado-juiz uma nova relação jurídica, regulamentada pelas normas constantes da Lei de Execução Penal. O trabalho desempenhado pelo apenado não possui natureza de relação de trabalho a suscitar a competência da justiça trabalhista (art. 114 da CF), de forma que atenta à lei federal o aresto impugnado. "O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho" (art. 28, § 2º, da LEP). Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para determinar a competência da justiça comum.”[25]
Segundo o STJ, a relação laboral do preso não é de índole trabalhista para provocar a competência da justiça especializada. De acordo com os comentários do doutrinador a respeito da decisão, o STJ estaria parcialmente correto, conforme se verifica abaixo:
“De acordo com a posição do STJ, assim, ao preso não se aplicam quaisquer direitos trabalhistas, sendo da Justiça Comum Estadual apreciar as controvérsias envolvendo o trabalho do preso, a despeito da previsão do artigo 114 da CF/88 (com redação da EC 45/2004) que entrega para a Justiça do Trabalho a competência para qualquer lide decorrente de relações de trabalho.
O STJ, no entanto, está parcialmente correto.
Com efeito, o condenado recolhido à prisão forma com o Estado, de fato, uma relação especial de sujeição. O preso está em uma situação de subtração de seu direito de liberdade em virtude da prática de ato delituoso, devendo se submeter às normas aplicáveis ao caso.
O preso, ao prestar serviços no interior do estabelecimento prisional, ou até mesmo quando prestar serviços externos em prol de entidades públicas, mantém a sua condição de sujeição especial, não se lhe aplicando, conforme posição do STJ, quaisquer direitos trabalhistas.
Outra é a situação, no entanto, do preso em regime semi-aberto [sic] ou aberto que obtém a autorização para trabalho externo em prol de entidade particular.
Deveras, a sujeição especial do preso em relação ao Estado não vige na relação entre o apenado e a entidade privada que lhe toma o serviço, pois aí se forma um vínculo diferente daquele mantido com o Estado: um vínculo entre trabalhador e tomador de serviços.
Ao preso enquanto trabalhador da iniciativa privada são aplicáveis todos os direitos trabalhistas como qualquer outro trabalhador. Pensar em sentido contrário implica em tolher do preso direitos que não possuem ligação com a privação da liberdade, como os mais básicos direitos sociais conquistados pela sociedade.
Ademais, ao se permitir que empresas privadas tomem o serviço de apenados sem o respeito aos direitos trabalhistas, oficializa-se o dumping social, pois é criada uma concorrência desleal entre as empresas. Uma empresa que respeita os direitos dos trabalhadores, deposita o FGTS, recolhe o INSS, paga horas extras e o repouso semanal remunerado, possui um custo de produção diferente daquela que emprega presos.
Autorizando o trabalho precarizado dos presos estar-se-á incentivando a precarização dos direitos dos outros trabalhadores, pois para conseguir competir nos mercados todas as empresas terão que reduzir direitos ou jogar para a informalidade seus empregados para se equiparar àquelas que tomam serviços de presos.
Assim, não há negar ao preso em trabalho externo para entidade privada os mesmos direitos de todos os trabalhadores, o que atrai, por corolário, a competência da Justiça do Trabalho (art. 114 da CF/88).”[26]
As palavras do autor possuem fundamento. A laborterapia precisa ser tratada de maneira segregada de acordo com o favorecido pelo labor. O atual trabalho carcerário brasileiro em prol da iniciativa privada tem em vista a produção, a atividade lucrativa do empregador que utiliza a mão de obra barata para maior ganho empresarial. Claro que, por detrás disso, o empresariado estará a ajudar o preso concedendo-lhe trabalho, mas se efetivamente a reabilitação fosse a primeira finalidade do empregador, ele poderia optar pelo trabalho com carteira assinada, o que na maioria dos casos não faz.
Luiz Antonio Bogo Chies também trata dessa questão, conectado ao estudo a respeito da obrigatoriedade do trabalho prisional:[27]
“Ademais, a obrigatoriedade do trabalho, que na relação penitenciária é apenas o aspecto de dever de uma relação que encerra também direitos, está limitada por um elemento que é fundamental para que o trabalho penitenciário mantenha-se como legítimo perante o sistema social mais amplo. Tal elemento, como vimos sustentando, é a manutenção da liberdade de contratar a própria força de trabalho. Liberdade essa que, no caso do trabalho penitenciário, não obstante à condição do indivíduo como apenado, é mantida pelo condenado em parcelas suficientes para legitimar a relação, nos moldes atualmente existentes no ordenamento jurídico, perante a lógica da estrutura social mais ampla, e para justificar sua negativa ao trabalho que lhe for imposto apenas como um dever, sem o necessário respeito à essa liberdade de contratação. […]
Entretanto, não obstante não ser pacífico o entendimento de que o apenado conserva a liberdade de contratar sua própria força de trabalho, nas parcelas limitadas pelas restrições inerentes a sua condição de condenado, verifica-se que tal entendimento pode ser assumido como adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, numa decorrência da lógica manifesta por suas disposições”.[28]
O autor defende a manutenção da liberdade de contratação da própria força de trabalho do apenado. O jurista argumenta que, apesar de seu entendimento não ser pacífico, a sistemática de garantir o direito de livre contratação dos presos é plenamente possível através da sequência de disposições do ordenamento jurídico nacional.
A Organização Internacional do Trabalho já disciplinou que o trabalho prisional mesmo sendo obrigatório, encontra-se excepcionado da conceituação de trabalho forçado, conforme expressa disposição na Convenção 29, de 1930, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 41.721, em 25 de junho de 1957.[29] Para evitar que o mesmo tratamento fosse utilizado em prol da iniciativa privada, através do Relatório realizado pelo Comitê de Especialistas para a Aplicação de Convenções e Recomendações, exarou o seguinte entendimento para aclarar o disposto na sua Convenção n. 29, em seu artigo 2°, item 1:
“Segue-se no âmbito do parágrafo 2 (c), do artigo 2, da Convenção, como recordado no ponto 7, que a privatização das prisões e/ou de trabalho penitenciário só é compatível com a Convenção onde não envolver o trabalho compulsório.
A Comissão sempre deixou claro que, para cumprir a Convenção, o trabalho de presos para as empresas privadas exige o consentimento dado livremente dos trabalhadores em causa, sem a ameaça de qualquer penalidade no sentido amplo do artigo 2º, parágrafo 1, da Convenção, como a perda de privilégios ou uma apreciação desfavorável do comportamento tido em conta de redução da pena.
Além disso, no contexto do trabalho prisional não tendo acesso alternativo ao mercado de trabalho livre, "livre" para uma forma de emprego à primeira vista contra a letra da Convenção precisa ser autenticada pelas condições normais de mercado de emprego e aproximar a relação ao trabalho livre, tais como a existência de um contrato de trabalho entre o preso e a empresa privada que utiliza o seu trabalho ou o trabalho livre em condições orientadas para o mercado de trabalho em relação aos níveis salariais (deixando espaço para deduções e anexos), previdência social e segurança e saúde.”[30]
É cristalina a verificação do entendimento da OIT. Conforme já citado logo acima, o trabalho realizado entre o apenado e a iniciativa privada deverá ser realizado de acordo com os parâmetros do trabalho livre, pois exige a consensualidade na sua formação, com as condições relativas à espécie, pois para o correto trabalho obrigatório estipulado pela Convenção, o preso não poderia ser colocado à disposição de particulares. Assim, o ordenamento jurídico nacional fere as diretrizes internacionais exaradas pela OIT ao permitir o trabalho do preso sem os direitos trabalhistas mínimos. Utilizar a Convenção 29 como brecha para a inaplicação dos direitos trabalhistas é de uma artimanha que fere qualquer possível argumentação de acordo com os princípios trabalhistas. A própria Convenção é clara em suas palavras a respeito de quem deverá ser o beneficiário do labor.
Motivo apontado para a falta do vínculo empregatício é a razão pela qual o trabalho carcerário é prestado, conforme defendido por Wueber Duarte Penafort e Alice Monteiro de Barros, assim como a argumentação utilizada pelo TST para a não configuração empregatícia, de acordo com as argumentações trazidas acima, respectivamente. Existe a ideia de que a laborterapia existe para duas finalidades específicas: a remição da pena e a ressocialização do trabalhador.
Inicialmente, a remição da pena é utilizada como pretexto doutrinário para o principal desejo do preso na execução laboral (pois quanto mais se trabalhasse, mais o tempo da pena diminuiria). Argumentam que o preso estaria trabalhando não em razão do pagamento dos salários, mas sim com intuito de obter a remição da pena, e dessa forma desvirtuaria o caráter oneroso do trabalho carcerário. Porém, de acordo com a LEP, nem se pode considerar que a remição seja efetivamente um benefício concedido em favor do trabalho prestado, pois, como pode ser também facilmente verificado no artigo 126,[31] a remição não é um benefício concedido para os apenados ao regime aberto. Dessa forma, o chamado "benefício" levantado pela doutrina, na verdade, não existe para os apenados em que o trabalho é requisito. Assim, não se pode considerar a remição um benefício, e muito menos um motivo para o labor ser prestado e, consequentemente, marginalizado dos preceitos celetistas.
A remição não é um benefício, é um direito outorgado para os apenados que trabalharem ou estudarem. Tanto que não é um benefício específico para os trabalhadores, que inclusive quem estudar também será contemplado com a diminuição da pena. Ou seja, a remição não é um "benefício" decorrente exclusivamente do trabalho.
Já em relação à ressocialização almejada através do trabalho, há o argumento de que a laborterapia possui o viés de ressocialização do apenado. Inicialmente, é interessante mencionar as diretrizes expedidas pela ONU a respeito das Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos, em seu artigo 72, itens 1 e 2:
“1) A organização e os métodos do trabalho penitenciário devem aproximar-se tanto quanto possível dos que regem um trabalho semelhante fora do estabelecimento, de modo a preparar os reclusos para as condições normais do trabalho em liberdade.
2) No entanto o interesse dos reclusos e da sua formação profissional não deve ser subordinado ao desejo de realizar um benefício por meio do trabalho penitenciário”.
De acordo com a ONU, o trabalho deverá se aproximar do trabalho em liberdade, além do fato de que o trabalho não poderá ser prestado em troca de benefícios. A ressocialização se não for realizada da maneira certa, trará prejuízo, pois a noção ressocializatória só será adimplida se o trabalho for moldado dentro dos parâmetros de um trabalho com garantias e direitos trabalhistas. Tratar o trabalho prisional sem esse espírito transforma a situação em nociva, indo de encontro ao próprio sistema.
Nesse diapasão, Marco Antonio Bandeira Scapini enfatiza a importância do trabalho externo:
“[…] o exercício da atividade laboral fora do estabelecimento prisional deve ser incentivado. Não há forma mais adequada de observar a finalidade primordial da execução de propiciar harmônica integração social do apenado. É convivendo com o mundo exterior através do exercício de atividade lícita, não no ambiente hostil e degradante do cárcere, que o condenado poderá aderir a valores predominantes da vida em sociedade e promover o próprio sustento da família.”[32]
Rui Carlos Machado Alvim critica a doutrina defensora do trabalho prisional praticado similarmente ao trabalho em sociedade, mas que restringe os trabalhadores dos direitos trabalhistas:
“Difunde-se a ideia que a promoção do trabalho prisional deve ser semelhante, na maior amplitude, à realização do trabalho em sociedade […], sem entretanto, salientar-se, com o mesmo ímpeto, que esta identificação, para não malograr, deve passar também, pela assimilação dos direitos sociais.
Tal ponto de vista, sugerindo que apenas no terreno objetivo – da produção em si mesma – viabiliza-se a similitude, endossa o caráter mitológico da ressocialização, enquanto abandona seu escopo, o preso, subjetivado no conjunto de direitos decorrentes do trabalho realizado. Despercebe-se que esta marginalização destoa do interesse da própria sociedade, uma vez que a aproximação das igualdades (direitos razoavelmente iguais) para situações iguais (o trabalho) mune-se de importante passo no caminho do estímulo à reinserção social.
Porque, insistindo-se na ladainha da adaptação do preso às normas de convivência social sem a predisposição de uma concomitante outorga dos direitos inerentes aos membros desta sociedade, resulta no erguimento de uma barreira intransponível à plena reinstalação social do recluso, além de mostrar-se como um reflexo de que a própria sociedade também não está preparada à sua recepção”.[33]
Defender o trabalho do preso em iguais circunstâncias ao trabalho livre, mas retirar os seus direitos trabalhistas é de tamanha incongruência que caminha para o caminho oposto ao da reinserção social. Isso demonstra um bloqueio para a reintegração do preso, além do fato de a sociedade não estar preparada para o retorno do delinquente. O doutrinador continua:
“O Estado, pregando e disseminando o trabalho prisional como uma das principais passagens à ressocialização, não pode, ao mesmo tempo, estimular, na prática – pela negação das outorgas constitucionalmente postas –, a desvalorização deste trabalho […]. Quem quer que o caminho ressocializante passe pelo trabalho há de querer que este trabalho seja dotado de meios – sua valorização dentro do mínimo legalmente estabelecido, respeitando a pessoa do preso enquanto trabalhador e, por isso mesmo, sujeito de direitos – conduzentes àquela finalidade. Senão, à ressocialização, subsiste, e com reflexos na desproteção da sociedade, a marginalização, posto o retorna à criminalidade […].
A insistência em negar a esta espécie de trabalho tais características induz a refletir no posicionamento, para um tema confluente, do alemão Müller-Dietz – para quem a educação para a liberdade através da privação da liberdade é uma utopia pedagógica: – a persistência no trabalho presidiário, com a sistemática privação dos direitos sociais que lhe são inerentes, é uma utopia ressocializante. Mais uma.”[34]
Afastar os direitos trabalhistas de pessoas que deveriam ser alcançadas por esse manto protetivo, principalmente para aqueles em fase de ressocialização, fez o autor criticar o papel do Estado, chamando o trabalho carcerário nos atuais moldes como uma "utopia ressocializante". Se a ressocialização passa pelo trabalho, esse trabalho deverá ser ditado de acordo com um empregado sujeito de direitos.
A doutrina é unânime em defender o trabalho como fim ressocializador da pena privativa de liberdade. A própria LEP[35] tem por objetivo a harmônica integração social do condenado. Porém, qual o viés ressocializatório utilizado ao marginalizar os direitos trabalhistas? Um total contrassenso. A própria argumentação legitimadora do trabalho prisional, que no caso é a ressocialização, está desvirtuada. Qual seria o padrão de ressocialização dos presos no momento em que o mínimo positivado em lei não lhe é garantido?
A soma dos seguintes fatores: o apenado, como um ser já apartado da sociedade (assim como o estigma de egresso que encontrará no futuro), combinado com o fato de o trabalho ser um motivo ressocializante, leva ao resultado mais justo que seria a transformação do apenado como uma nova categoria de trabalhador dentro dos moldes da relação de emprego, até porque o preso, conforme demonstrado, pode cumprir as exigências para se enquadrar nesse conjunto.
No mesmo raciocínio, Jorge Luiz Souto Maior sinaliza sobre o caráter da ressocialização:
“Se o trabalho servisse para recuperar o preso, essa recuperação só poderia ser imaginada com o respeito de sua condição de cidadão, pois, do contrário, ao se sentir vítima de uma exploração (uma autêntica discriminação), aceita pela sociedade, talvez nunca mais acredite nesta mesma sociedade e jamais recupere sua condição de cidadão por inteiro. Com a exploração do trabalho do preso não se recupera um cidadão, criam-se pessoas que cada vez mais se revoltam com a hipocrisia da sociedade.”[36]
Isabella Monteiro Gomes partilha da mesma política sistemática de aplicação ressocializatória:
“Para que a esperada ressocialização (ou reinserção) social do trabalhador preso seja mais contundente e natural, é razoável que se garanta a ele a percepção de todos os direitos decorrentes do reconhecimento da existência da relação de emprego e da incidência das normas constitucionais, especialmente as do art. 7º da CF/1988”.[37]
Para os autores acima mencionados, para que seja conquistada a ressocialização, ela deverá guiar os ditames da vida em sociedade e, além disso, deverá ser respeitada a natureza e a qualidade dignas do trabalho executado à luz dos direitos consagrados a todos os empregados.
Rodrigo Garcia Schwarz critica a atual sistemática da LEP:
“No entanto, o caminho ressocializante do trabalho deve atentar para a sua valorização dentro do mínimo constitucionalmente estabelecido, respeitando a pessoa do preso enquanto trabalhador e, por isso mesmo, sujeito de direitos condizentes com aquela condição.
Assim, é manifestamente abusivo o preceito contido na Lei de Execução Penal, segundo o qual o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho. A ideia de negar direitos do trabalhador livre ao preso, desde que compatíveis com a sua condição pessoal, viola os direitos fundamentais da pessoa, além de propiciar o enriquecimento sem causa do tomador dos respectivos serviços”.[38]
O autor, além de depreciar a LEP e a marginalização celetista abusiva em todos os regimes prisionais, retoma os ensinamentos a respeito do dumping social ocasionado quando a mão de obra carcerária se torna um meio de diminuir os gastos trabalhistas propiciando o enriquecimento sem causa do tomador dos serviços.
Conforme demonstrado por Luiz Antônio Bogo Chies a respeito da temática do trabalho prisional e o seu modo de operação encarado diante da doutrina tem-se que:
“Desta forma, inicialmente, e mesmo já fundamentado sob um argumento do discurso ressocializador da pena, o trabalho prisional ainda é entendido como elemento de punição e, portanto, prioritariamente enfocado sob seu aspecto retributivo e de prevenção, podendo, para tanto, ser aflitivo, humilhante e, até, desprovido de uma utilidade econômica ou individualmente profissionalizante, desde que pudesse manifestar-se enquanto elemento disciplinador do apenado”.[39]
E, para ele, a solução para efetivamente encontrar-se a ressocialização seria:
“A superação dessa distância, com a tendente equiparação prisional com o trabalho livre, não obstante as diversas legislações existentes e seus diferentes níveis de aproximação, decorre substancialmente das reinterpretações do próprio conteúdo do paradigma da recuperação, ou seja, do significado das noções implícitas no paradigma através, especialmente, das expressões ressocializar, reeducar, regenerar e reinserir e recuperar.”[40]
E, por fim:
“Assim, a noção de tratamento penitenciário, ao inserir o trabalho prisional dentro de suas formas de consecução, redimensiona também sua interpretação viabilizando que o mesmo alcance níveis de desenvolvimento que resgatassem não só um mínimo de dignidade à atividade laboral humana, mesmo quando realizado por indivíduos que ofenderam a ordem social estabelecida, mas também, e sobretudo, que o reenquadrasse dentro da perspectiva de execução da pena não como um elemento de punição, essencialmente retributivo, mas sim como um elemento destinado, ainda que mais teoricamente do que na prática, prioritariamente à reinserção humanizada do condenado no ambiente social livre.”[41]
O autor idealiza a solução para a atual problemática laboral do preso no Brasil, a tendente equiparação com o trabalho livre, justamente para se atingir reinterpretações dos paradigmas da recuperação do apenado. Para isso, a ressocialização deverá estar calcada de acordo com o princípio norteador da existência humana, o princípio da dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é insubstituível, intangível, ela é a própria razão de ser da vivência humana, e em razão disso possui seu caráter único de fundamento constitucional. Conforme disposto no caput do artigo 28 da LEP, é realmente necessária uma dignidade material, e não meramente formal, a respeito do trabalho carcerário.
A dignidade da pessoa humana não está à disposição dos legisladores e operadores do direito. O princípio pode e deve ser aplicado em todos os momentos da execução penal, principalmente no contexto do trabalho, pois é a forma encontrada para ressocializar os detentos. Para transformar a laboraterapia em um meio digno de tratamento, nada melhor do que conceder os direitos atinentes aos trabalhadores, visto que não há motivos para marginalizá-los das normas juslaborais.
Interessante o embasamento encontrado no acórdão abaixo, justamente, trilhando caminho nesse sentido, reconhecendo o vínculo empregatício:
“O reclamante, cabe destacar, sofre pena restritiva de liberdade em regime semi-aberto [sic] (nos moldes do parágrafo único do artigo 8º da referida Lei), ou seja, não é preso em sentido estrito, mas apenas condenado. E o trabalho externo em prol de empreendedor privado tem finalidade lucrativa, ainda que paralelamente tenha a função ressocializadora. E para que tenha o cunho social e garanta a dignidade da pessoa humana, como disposto no artigo 28 supracitado, o trabalhador-condenado deve ter a mesma proteção de qualquer trabalhador, pois são vinculadas aos direitos sociais constitucionalmente protegidos. […] O fato de o trabalho resultar em redução da pena decorre da relação entre o apenado e o Estado, sem qualquer relevância na configuração da natureza do vínculo jurídico entre o reclamante e os réus. Portanto, admitida a prestação de serviços em benefício do primeiro reclamado, impõe-se reconhecer que foi nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT”.[42]
Ou seja, os desembargadores reconheceram a aplicação celetista ao apenado em função da atividade lucrativa do empregador, mesmo que, paralelamente, ocorra a função ressocializadora. Embasando tal entendimento, os magistrados se valem do princípio da dignidade da pessoa humana, concedendo a gama da proteção aplicada a qualquer trabalhador.
Dessa forma, os argumentos contra o vínculo de emprego em razão dos benefícios da remição e ressocialização, data venia, por mais que o trabalho, realmente, possua o objetivo de ressocialização, por si só, não são plausíveis para se admitir a exclusão dos direitos trabalhistas. Bem pelo contrário. A ressocialização será melhor aplicada caso sejam repassados aos presos os princípios, regras, condutas da vida livre.
Poder-se-ia pensar que o preso ao ser segregado e deslocado para o estabelecimento prisional perderia a sua condição de empregado e, consequentemente, os direitos trabalhistas. Parte-se para o curioso entendimento extraído do Código Penal, assim como na própria LEP, conforme leitura abaixo a respeito da possível perda dos direitos trabalhistas:
“Art. 38 CP. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.
Art. 40 CP. A legislação especial regulará a matéria prevista nos arts. 38 e 39 deste Código, bem como especificará os deveres e direitos do preso, os critérios para revogação e transferência dos regimes e estabelecerá as infrações disciplinares e correspondentes sanções.
Art. 3º LEP. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.”
Ou seja, o preso permanecerá com todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, pois não há a previsão para perda dos direitos trabalhistas. A única exceção encontrada é quanto à cassação de direitos políticos, os quais serão suspensos no caso da condenação criminal enquanto durarem seus efeitos, consoante o art. 15, III CRFB.[43]
O Código Penal de 1940 e a própria LEP alegam que ao preso serão conservados todos os direitos que não guardam relação com a perda da liberdade. Assim, se o trabalho ocorre para a iniciativa privada de acordo com os moldes da doutrina trabalhista, chega-se à conclusão de que não há razão para a restrição dos direitos trabalhistas. A exceção havida, conforme demonstrado, foi explicitamente trazida no texto da Constituição de 1988, não mantendo relação alguma com o direito do trabalho.
Outrossim, ainda no Código Penal, no capítulo VI, a respeito dos efeitos genéricos e específicos da condenação, encontra-se o artigo 91 e 92, que em nenhum momento afirmam a restrição dos direitos laborais.[44] E o Código de Processo Penal no artigo 377 traz que: "Transitando em julgado a sentença condenatória, serão executadas somente as interdições nela aplicadas ou que derivarem da imposição da pena principal". Ou seja, nos citados artigos continua-se a não visualizar a perda dos direitos trabalhistas.
Amaro Barreto, em manifestação prolatada em 1943, na vigência do atual Código Penal, exara a manutenção dos direitos trabalhistas após a condenação:
“A opinio communis dos tratadistas é que a condenação não suprime a personalidade jurídica do condenado, que conserva direitos e interesses protegidos pela lei e tutelados pela administração do estabelecimento penal e pelo juiz das execuções criminais.
Logo, quando o sentenciado aceita o serviço em determinada empresa, ajusta com esta um contrato de trabalho, pactuado com a intervenção tuteladora do diretor do presídio. […] Convém notar que os presos não são obrigados a irem trabalhar nas empresas, com percepção de salário, o que é reservado àqueles que o desejam e o aceitam se prende somente aos serviços do presídio ou do Estado, isto é, aos serviços públicos.
Nas empresas, conseguintemente os presos estão sob os liames do contrato de trabalho, firmado coletivamente pelo diretor do presídio, ficando, em consequência subordinados aos efeitos jurídicos e sociais desse contrato”.[45]
O doutrinador declara que o preso mantém a sua personalidade jurídica e, aliado a esse fato, não é obrigado a laborar para a iniciativa privada. Assim, o autor, na década de 40, já defendia o mesmo entendimento do artigo: a possibilidade do liame empregatício com a iniciativa privada no trabalho externo.
Guilherme José Purvin de Figueiredo ao defender o tema afirma que: "Não se pode, por consequência, sustentar com seriedade que uma condenação penal traz em seu bojo, implicitamente, a perda do direito do condenado de contratar sob o regime da CLT".[46]
Sendo assim, continua-se não visualizando a perda dos direitos trabalhistas no texto acima demonstrado. A perda da liberdade do indivíduo não poderia restringi-lo dos preceitos laborais, não há razão para tanto no trabalho realizado externamente em prol da iniciativa privada. A medida coativa está restringida à perda da liberdade de ir e vir, e não da liberdade contratual. São duas liberdades que, guardando as peculiaridades de cada regime prisional, não possuem pontos de encontro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São louváveis os preceitos dispostos ao longo da Lei de Execução Penal brasileira, porém, eles estão distanciados e separados por um grande abismo da atualidade nacional, o que tem transformado a LEP, em muitos aspectos, em letra morta pela falta de estrutura e conjuntura do ali disposto. No atual contexto prisional brasileiro, no qual presídios são chamados de a "Masmorra do Século XXI", uma nova política prisional tem sido pensada. É sabido que muitos condenados saem da prisão de uma forma muito pior do que entraram, que as condições carcerárias do Brasil estão longe das ideais. Pode e deve ser pensada, dentro dessa nova política, a questão do trabalho prisional, justamente com o fim de reabilitação do condenado para a futura vida em sociedade.
Se o trabalho dentro do sistema capitalista em que se vive atualmente possui tanta relevância, este, portanto, deverá ser tratado com adequada importância, inclusive, e ainda com maior vulto para as pessoas que mais precisam desse incentivo. Para isso, o trabalho, apontado, unanimemente, pela doutrina como fator de ressocialização do preso, deverá trilhar ações concretas ou ações bem encaminhadas e projetadas, e sair do discurso ideológico doutrinário. Para que isso ocorra, primeiramente é necessário o reconhecimento do tratamento diferenciado a respeito do trabalho diante de cada regime e de cada beneficiário do trabalho. Feito isso, regulamentações específicas visando ao tratamento do preso deverão ser realizadas, contemplando as finalidades almejadas por cada situação. Não é admissível que uma relação de trabalho realizada entre particulares seja tratada perante o Estado como uma relação de índole administrativa, unicamente pelo fato do apenado encontrar-se sob a custódia do Estado. Pensamentos como esse viciam todo o sistema do trabalho prisional, equipando relações realizadas entre particulares (que deveriam ser tratadas em consonância com o direito privado) como situações de direito público.
O direito do trabalho possui uma razão em existir, e a sua finalidade é, principalmente, a proteção dos trabalhadores. O preso também é um trabalhador e, consequentemente, merece atenção legislativa com os cuidados atinentes à pessoa humana na execução laboral. Políticas, planos, projetos devem ser muito bem aplicados, pois no momento em que o trabalho surge como uma alternativa de reinserção social, os cuidados devem ser redobrados. Atualmente, o trabalho, diversas vezes, acaba por ter um fim de uma sanção ainda maior, como se a pena privativa de liberdade já não fosse suficiente por si só e, por fim, não caracteriza a almejada ressocialização.
O preso não verá o trabalho com o intuito de crescimento pessoal, como uma relação recíproca de direitos e deveres, encarando-se cada vez mais abusado e inferiorizado pelo Estado e pela sociedade, apenas sendo utilizada sua mão de obra com o objetivo de produtividade e lucro. O seu labor não possui o mesmo valor que o realizado fora da prisão, simplesmente pelo fato de encontrar-se preso, porém a sua condição de preso, em regra, não deveria intervir na sua condição de trabalhador.
Não se pode continuar penalizando a pessoa que cometeu um crime, por mais grave que esse delito seja, privando-o de direitos que podem ser estendidos a ele mesmo durante o cumprimento de sua pena. O Estado, ao proibir a pena de morte e a pena em caráter perpétuo, deverá preparar o futuro egresso para que tenha condições de viver com os demais.
Cai-se na premissa de como ressocializar o preso, sendo que essa pessoa talvez nunca possa ter sido socializada. Muitas vezes é afirmado que os presos saem da prisão de uma forma pior do que entraram, esta é chamada de "a escola do crime". O trabalho devidamente regulado poderá mudar, e muito, a situação. O apenado deverá ser reeducado, ou em casos mais graves, educado, visto que a educação pode nunca ter sido passada a ele, recebendo pela primeira vez os ditames de uma vida regrada, com uma política social, com direitos e deveres. Isso deverá ser ensinado, passado e repassado ao apenado, e, com o advento da sua liberdade, este poderá ser um cidadão efetivamente apto para colaborar com a sociedade da qual foi retirado.
Por fim, a contínua desvalorização do trabalho carcerário continua a fomentar a descrença no sistema prisional brasileiro, que deveria servir de reabilitação, mas está por realizar o inverso, com a falta de observância aos preceitos trabalhistas. Punir o condenado não basta. São necessárias providências além da punição para que esse indivíduo tenha uma verdadeira reintegração pós-cárcere. É esse o objetivo do presente trabalho, sem o intuito de esgotar o tema. Bem pelo contrário, o escopo desta pesquisa é apenas iniciar o debate a essa matéria tão esquecida e mal interpretada pelo Estado, pela sociedade e pelos operadores do direito, fomentando a construção dos direitos trabalhistas aos presos.
Professora de direito e processo do trabalho. Advogada pós-graduada em direito e processo do trabalho. Mestra em direito do trabalho pela UFRGS. Avaliadora de diversas revistas acadêmicas. Link para currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0555594539829843
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