A nova Lei 12.433 de 2011 e as tentativas tardias de adequar o nosso ordenamento ao direito penal democrático

Resumo: A lei 12.433 de 2011 veio como tentativa para se otimizar, atualizar e abranger a LEP e buscar (embora quimericamente) efetivar os princípios democráticos penais. Tal lei traz algumas mudanças no tocante ao processo penal brasileiro, que podem significar modificações expressivas com relação a democratização do Direito Penal e a efetivação dos Direitos e Garantias


Palavras-chave: LEI 12.433/2011, Direitos e Garantias, remissão;


Abstract: Law 12.433/2011came as an attempt to optimize, update and include the LEP and search carry out democratic principles in criminal matters. This law brings some changes regarding the criminal justice process, which can mean significant changes regarding the democratization of the criminal law and enforcement of the Rights and Guarantees


Keywords: LAW 12.433/2011, Rights and Guarantees, remission;
Introdução


Desde 1984 o Brasil vem consolidando como quimérica e utópica a Lei de execuções penais, perpetuando a sua total inaplicabilidade prática e demonstrando a nossa incapacidade, inaptidão e inabilidade em efetivar medidas humanísticas e pautadas em Direitos Fundamentais com efeito social prático como as ações preconizadas na lei 7.210 de 1984.


Com o advento da Constituição de 1988, seria de se imaginar, até de maneira previsível, que as medidas sociais e Garantistas de LEP seriam mais facilmente cumpridas e concretizadas.


Isso por que para se concretizar a edificação de um Estado democrático de Direito, pautado na dignidade da pessoa humana e alicerçado nos princípios do contraditório e do indubio pro reo precisaríamos levar a cabo uma lei de execuções penais que prezasse pela ressocialização (mesmo sendo a ressocialização um mito questionável).


Infelizmente 26 anos depois da LEP e 21 anos depois da Constituição não é o cenário ressocializador e de inclusão social que se pinta na realidade carcerária brasileira.


A LEP era em meados dos anos 80, uma lei corajosa, inovadora, vanguardista e moderna, uma lei moderada nos avanços da criminologia da década de 70, inventariadas na nova criminologia, criminologia crítica dentre outras teorias (não era perfeita, mas bem melhor que a realidade a sua volta).


Hodiernamente tal lei já perdeu o seu vigor inovador e corajoso. E exatamente por isso é mais vergonhoso a desídia dos governantes Brasileiros em não aplicar as soluções ali elencadas.


Nestas quase três décadas de não aplicabilidade da LEP e nas duas décadas de desrespeito a Constituição, não por coincidência, vivemos uma escalada da criminalidade, da rotulação de sujeitos e do sentimento de insegurança. Com uma política criminal pautada no excesso de leis e na precariedade de medidas efetivas na área penal.


O mais espantoso é vislumbrar que apesar de tal situação a população ainda parece apostar em medidas falaciosamente rigorosas, em ampliações de pena, aumento das figuras delitivas e perpetuação de um sistema punitivo inoperante e crudelíssimo.


A sede da população se dá, nas palavras de Cíntia Toledo (HASSEMER, 2011; PÁG XVI) “pela edição de leis de emergência que claramente violam os princípios fundamentais do Direito Penal Democrático”.


É claramente evidente que a engrenagem criminal retroalimenta a violência e potencializa a insegurança generalizada. Vivemos uma crise do sistema punitivo criado pelo Direito Penal nos últimos 3 séculos.


O que torna a situação inverossímil é que mesmo vivendo a total falência do aparelho estatal, continuamos a patrociná-lo e a ampliá-lo como se Teseu[1] ao invés de enfrentar o Minotauro o alimenta.


Aceitarmos a inoperância do Estado e ainda criticarmos as medidas pautadas na Constituição é nas palavras de Hassemer (2011, pág. XIX), “Simplesmente aceitar como perfeita a ordem social vigente”.


E a realidade Brasileira está distante da perfeição da ordem vigente. Devido a essa deficiência deve o Estado buscar soluções constitucionais e democráticas para as questões penais, evitando assim a tentação de utilizar de leis populescas e autoritárias para o controle de criminalidade.


A nova lei 12.433 de 2011


A introdução do presente artigo se fez necessária, pois muito vem se falando do caráter liberal das leis 12.403 de 2011 (Lei referente a prisões provisórias, medidas cautelares e liberdade provisória) assim como a lei 12.433 de 2011.


Podemos classificar como falaciosas e reacionárias as opiniões que tratam estes diplomas normativos como excessivamente liberais. Pelo contrário, podemos afirmar que tais atos normativos são tentativas tardias de adequar o nosso ordenamento ao DIREITO PENAL DEMOCRÁTICO, preconizado por Hassemer e Conde (HASSEMER, 2011.)


A lei 12.433 de 2011 veio como tentativa para se otimizar, atualizar e abranger a LEP e buscar (embora quimericamente) efetivar os princípios democráticos penais.


Com a indigitada alteração, os condenados que se encontram sob regime penal fechado ou semiaberto (que já poderiam remir seu tempo de condenação por tempo de trabalho) podem agora remir por estudo, parte do tempo de execução da pena. Sendo que a cada 12 horas de estudo (mesmo que desenvolvidos a distância) no ensino fundamental, médio, superior ou curso profissionalizante, o reeducando pode reduzir a pena em um dia.


Lembramos que pelos dados do próprio DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, a massa carcerária brasileira é formada em sua maioria por pessoas com o ensino fundamental ou médio incompletos, sendo que dos quase meio milhões de presos, menos de 2 mil tem ensino superior completo (ou seja menos de 0,5% da população carcerária tem diploma universitário).


Nem mesmo o príncipe Michkin[2] com todo o seu otimismo, conseguiria ficar impassível a esses números e imaginar que as pessoas com grau de instrução elevado não delinqüem em nossa sociedade e estão imunes a comportamentos desviados.


Assim sendo tal lei vem corroborar com uma política criminal pautada na reinserção do preso na sociedade, pois a formação educacional pode auxiliar na realocação do egresso no seio da comunidade.


Embora o impacto de tal alteração legislativa tenha sido negativo junto à opinião pública, tal lei nada traz de novo, pois o instituto da remição faz parte do nosso ordenamento há décadas.


A remição versa sobre o perdão de parte da punição instituída pelo Estado ao Réu por meio do labor (e agora o Estudo) desenvolvido pelo próprio condenado, trata-se de um meio digno e constitucional de se abreviar a pena.


É um DIREITO do condenado e um DEVER do Estado disponibilizar está condição. Ora se a pena deve ser regida pelo princípio da individualização, nada mais individual que oportunizar ao preso a chance do trabalho (ou estudo) pessoal e digno para fins de extinção de parte de sua pena. Trata-se de uma prerrogativa constitucional.


Do ponto de vista da política criminal tal instituto não merece repreensão, pois o trabalho e o estudo ensejam a disciplina no condenado, desenvolve o terreno para uma melhor readaptação social, estimula os encarcerados e ainda recoloca o Estado onde ele preteritamente faltou (na educação do cidadão).


Ademais a nova lei nada mais faz do que reafirmar um Direito que a jurisprudência já havia vislumbrado: A súmula nº 341 do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”.


A lei 12.433 de 2011 traz como alteração significativa ao art. 126 E seguintes da LEP: 


“Altera a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou por trabalho.


Art. 1o Os arts. 126, 127, 128 e 129 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passam a vigorar com a seguinte redação:


“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.


§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:


I – 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;


II – 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.


§ 2o As atividades de estudo a que se refere o § 1o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.


§ 3o Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem.


§ 4o O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.


§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação.


§ 6o O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.


§ 7o O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar.


§ 8o A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa.” (NR)


“Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.” (NR)


“Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.” (NR)


“Art. 129. A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do “Art. 129. A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles.


§ 1o O condenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal deverá comprovar mensalmente, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar.


§ 2o Ao condenado dar-se-á a relação de seus dias remidos.” (NR)


Outra mudança significativa no tocante a remição foi a alteração do art. 127 da LEP, que antes revogava na totalidade o tempo remido pelo condenado em caso de cometimento de faltas graves. Com a nova redação o juiz poderá revogar até 1/3(um terço) do tempo remido.


Na conclusão de alguma das etapas de ensino (fundamental, médio ou superior), o preso tem a pena reduzida em um terço. Lembramos ainda que a nova medida pautada nos princípios democráticos e constitucionais deve beneficiar os condenados por crimes hediondos.


Conclusão


Tarefa árdua e inútil seria analisarmos a lei em tela neste artigo, apenas de maneira formal e técnica, assim como infrutífero seria analisá-la isoladamente de nosso contexto atual.


Tal lei do ponto de vista teórico pode ser vista com otimismo, pois vem a corrigir um esquecimento do legislador de 1984, ademais tal atualização legal vem de encontro com os preceitos constitucionais preconizados pelo Estado Democrático de Direito.


Já do ponto de vista prático as nossas feições devem entristecer e empalidecer frente a realidade que vivemos hoje no Direito penal e processual Brasileiro. Nem o mais otimista dos juristas é capaz de afirmar que a lei 12.433 de 2011 vai trazer alguma mudança ao nefasto cenário penitenciário.


Desde 1984, não consiguimos vislumbrar a disponibilidade de postos de trabalho para toda a massa carcerária. Hoje com meio milhão de presos a situação ruim do passado se tornou caótica. Não existe possibilidade, pelo menos a curto e médio prazo para que sejam criadas vagas de emprego para atender as diretrizes da LEP.


Portanto não será diferente no caso dos “Estudos”. Na teoria oportunizar a remição pelo Estudo soa como constitucional e humano. Mas na prática soa como um discurso falacioso que apenas sobreviverá no campo das hipóteses.


Na realidade o que veremos serão os presídios cada vez mais abarrotados, presos ociosos e o Estado ainda mais omisso em seu DEVER de oferecer trabalho e agora estudo.


 


Referências bibliográficas:

HASSEMER, WINFRED. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro: Lumen  Juris,2010.

MAYRINK DA COSTA, Álvaro; Raízes da Sociedade Criminógena. Rio de Janeiro: Lumen  Juris,1997.

PASUKANIS. Eugeni. A teoria geral do direito e o marxismo. Tradução de Paulo Bessa. São Paulo: Renovar, 1989.

PEREIRA DE MOURA, Genilma. Ideologia da defesa social e a construção da ideologia da punição. 2008. Disponível em: < http://www.conpedi.org/manaus/ arquivos/anais/bh/genilma_pereira_de_moura.pdf > Acesso em 10 nov. 2008

THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? 3°. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas. A perda de legitimidade do sistema penal. Tradução por Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. 5°. Ed. Rio de Janeiro:  Revan, 2001.

WACQUANT, Loic. Punir os pobres – A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Tradução de Gizlene Neder. 3º Ed. Rio de Janeiro. Revan, 2007.


Notas:

[1] Teseu era filho de Egeu, rei de Atenas, e de Etra, filha do rei de Trêzen, por quem foi criado. Depois de homem foi mandado a Atenas e entregue a seu pai. Teseu dentre outras coisas enfrentou o Minotauro.

[2] Michkin é o Persongem principal do Romance “o idiota” do russo Fiodor dostoivescki

Informações Sobre o Autor

Rubens Correia Junior

Parecista, Advogado, Palestrante e Professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Antonio Carlos – UNIPAC/MG e Professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica – PUC/MG. Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba. É Especialista em Direito Tributário e Direito Penal e Processual Penal pela Universidade de Franca (2007) e pós-graduado em Criminologia pela PUC/BH e doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires – UBA.


Equipe Âmbito Jurídico

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