Carola Maciel de Souza[1]
Resumo: Após rápida discussão nas Casas do Congresso Nacional nasce a Lei nº 13.869/19, com o objetivo de modernizar e tipificar novas condutas que configuram o Crime de Abuso de Autoridade. Porém, a urgência na edição do projeto de lei evidencia o objetivo implícito: inibir a prestação jurisdicional. A nova legislação é motivo de preocupação do membros do Poder Judiciário, e seus auxiliares, e demais usuários do direito, uma vez que a utilização dos chamados Conceitos Jurídicos Indeterminados acarreta grande insegurança jurídica na atuação dos agentes públicos, que em um paradoxo jurídico, podem se tornar sujeitos ativos do delito que têm a responsabilidade de valorar. A falta de balizas semânticas, abre a possibilidade de que Magistrados tenham suas interpretações criminalizadas, numa das previsões que atenta diretamente contra os pilares do Estado Democrático de Direito e contra a ordem constitucional brasileira. Diante disso, toma espaço a discussão acerca da constitucionalidade do novo texto legal, que representa verdadeiro desvio de finalidade e grave violação a princípios constitucionais.
Palavras chave: Crime de abuso de autoridade. Conceitos jurídicos indeterminados. Crime de hermenêutica. Insegurança jurídica. Princípio da Legalidade.
Abstract: After a quick discussion in the Houses of the National Congress, Law nº 13.869/19 was born, with the objective of modernizing and typifying new behaviors that configure the Crime of Abuse of Authority. However, the urgency in editing the bill highlights the implicit objective: to inhibit jurisdictional provision. The new legislation is a matter of concern for members of the Judiciary, and their assistants, and other users of the law, since the use of the so-called Indeterminate Legal Concepts causes great legal uncertainty in the performance of public agents, who in a legal paradox, can become active subjects of the offense that they have a responsibility to value. The lack of semantic beacons opens up the possibility that magistrates may have their interpretations criminalized, in one of the predictions that directly attacks the pillars of the Democratic Rule of Law and the Brazilian constitutional order. In view of this, the discussion about the constitutionality of the new legal text takes place, which represents a real deviation in purpose and a serious violation of constitutional principles.
Keywords: Crime of abuse of authority. Undetermined legal concepts. Crime of hermeneutics. Juridical insecurity. Principle of Legality.
Sumário: Introdução. 1. Lei nº 13.869 de 2019: a nova lei de abuso de autoridade – origem e alterações. 1.1. Vetos presidenciais. 2. Lei nº 4.898/65 e Lei nº 13.869 de 2019: breves comparações entres as leis sobre abuso de autoridade. 3. Problemas semânticos: conceitos jurídicos indeterminados e valorativos. 4. Art. 9º: a tipificação da hermenêutica dos magistrados. 5. A insegurança jurídica na atuação dos agentes públicos. 5.1. A (In)Constitucionalidade da Nova Lei de Abuso de Autoridade. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Diante das evoluções sociais fez-se necessária a modernização do entendimento do que é Abuso de Autoridade, neste contexto estreia a Lei nº 13.869/19, com o objetivo de corrigir erros e omissões das legislações anteriores.
No entanto, o novo texto legal traz consigo um misto de preocupação e insegurança, considerando algumas das escolhas do legislador, que ensejaram na problematização da Nova Lei de Abuso de Autoridade.
Vista por muitos intérpretes, doutrinadores, agentes públicos e pessoas da sociedade civil como um meio de inibir a atuação dos agentes responsáveis, em especial, pelo combate a corrupção, já que passou a criminalizar algumas condutas relacionadas a Operação Lava-Jato, afetando diretamente investigações e julgamentos.
O presente artigo científico não tem ambição, ou finalidade, de exaurir todos os problemas e questões levantados sobre a Nova Lei de Abuso de Autoridade, mas busca demonstrar como o uso desmedido dos chamados Conceitos Jurídicos Indeterminados podem afetar a prestação por parte dos agentes públicos, em razão da grave insegurança jurídica gerada. Ademais, torna-se oportuna, a discussão sobre a previsão que tipifica o Crime de Hermenêutica, uma vez que penaliza o Magistrado por sua interpretação e atenta contra os pilares do Estado Democrático de Direito, traduzidos pela autonomia e independência do Poder Judiciário.
Através da pesquisa bibliográfica, finda-se por demonstrar o paradoxo jurídico em que o mesmo agente responsável pela valoração dos conceitos vagos e amplos utilizados pelo legislador, pode tornar-se sujeito ativo das figuras típicas trazidas pela Lei nº 13.869/19.
A nova Lei de Abuso de Autoridade descende do Projeto de Lei nº 7.596, apresentado em 10 de maio de 2017, cuja autoria é, do então, Senador Randolfe Rodrigues. No entanto o projeto só teve a sua discussão iniciada, em turno único e em regime de urgência, na Sessão Deliberativa Extraordinária da Câmara dos Deputados, em 14 de agosto de 2019.
Nesta ocasião, o Projeto de Lei foi emendado e encaminhada para a votação, também em turno único, sendo aprovado, foi transformado na Lei Ordinária 13.869/2019, tendo sido publicado no Diário Oficial da União do dia 05 de setembro de 2019, após a sanção parcial do Presidente Jair Messias Bolsonaro[2].
Após a emenda, o projeto, além de dispor especificamente sobre os crimes de abuso de autoridade, revogando a legislação anterior, a Lei nº 4.898, de 1965, que versava sobre o assunto; revogou, também, o §2º do Artigo 150 do Código Penal, que dispunha sobre a violação de domicílio majorada, quando praticada por agente público com inobservância das permissões ou formalidades legais, ou com abuso de poder; e, o Art. 350 do Código Penal, que previa o delito do agente público que ordenasse ou executasse medida privativa de liberdade individual por exercício arbitrário ou com abuso de poder.
A nova lei alterou, também, dispositivos da Lei de Prisão Temporária, acerca da expressa previsão, no mandado, da duração da prisão temporária e da data da libertação do preso, bem como, a obrigação da autoridade responsável pela custódia pôr o preso em liberdade, imediatamente e independentemente de ordem judicial, salvo exceções, após o final do prazo determinado, e passou a incluir o dia do cumprimento do mandando de prisão, no cálculo do prazo da prisão temporária[3].
Já na Lei de Interceptação Telefônica, passou-se a tipificar a autoridade judicial que determina a execução de interceptação telefônica, de informática ou telemática, ou que determine a escuta ambiental ou a quebra do segredo de justiça com objetivos ilegais, figura que punia, até então, apenas o agente que realizasse essas condutas sem autorização judicial[4].
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi acrescido do Art. 227-A, que dispõe sobre a necessidade de reincidência nos crimes previstos pelo ECA e praticados por servidores públicos com abuso de autoridade, para que ensejem na perda do cargo, mandato ou função pública, como efeito da condenação. Sem, no entanto, vincular a pena aplicada à reincidência aos esses efeitos da condenação[5].
E, o último diploma a ser alterado pela Nova Lei de Abuso de Autoridade foi o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), onde tipificou-se a violação de direitos e prerrogativas inerentes aos Advogados[6].
Essas alterações e os demais dispositivos da Lei nº 13.869/2019 entraram em vigor no dia 03 de janeiro de 2020, após o período de vacation legis, corresponde a 120 dias da primeira publicação em Diário Oficial.
1.1 VETOS PRESIDENCIAIS
Conforme dito anteriormente, ao sancionar a Nova Lei de Abuso de Autoridade, o atual Presidente Jair Messias Bolsonaro vetou parcial ou integralmente 19 artigos desse diploma legal. As principais justificativas são acerca da inconstitucionalidade, da contrariedade ao interesse público e da insegurança jurídica gerada ao agente público no momento de sua atuação[7].
No entanto, o Congresso Nacional foi responsável pela derrubada de 10 destes vetos presidenciais, passando a ser oficialmente promulgados em 27 de setembro de 2019.
Dentre os vetos derrubados estão: o Art. 3º que dispõe sobre a ação penal pública incondicionada nos crimes previsto nesta lei, e sobre a possibilidade de ação penal privada subsidiária da pública; o Art. 9º, que versa sobre a criminalização das decisões proferidas em “manifesta desconformidade com a hipóteses legais”, tema que será aprofundado posteriormente.
O Art. 13, caput e inciso III, que tipifica o constrangimento ilegal do preso ou detento, com finalidade de que produza provas contra si; o Art. 15, que consiste no constrangimento de pessoa a depor, mesmo que tenha o dever de guardar segredo ou resguardar sigilo, conforme previsões constitucionais, ou daqueles que tenham exercido o direito ao silêncio, ou estejam ausentes seus patronos requisitados.
O Art. 16, que tipifica a conduta do agente que deixa de se identificar ou o faz falsamente, no momento da captura do preso, ou quando deva faze-lo, ou, ainda, quando responsável por interrogatório em fase de investigação; e o Art. 30, que pune o agente público que inicia persecução penal, civil ou administrativa, contra quem sabe ser inocente ou sem justa causa.
Além dos Art. 20 e 43 que resguardam o direito a entrevista pessoal entre preso e advogados, bem como as demais prerrogativas previstas pelo EAOAB, conforme alteração narrada anteriormente; e o Art. 32, que além de resguardar o direito do investigado e de seu advogado a ter acesso aos autos ou quaisquer documentos referentes a investigação preliminar, pune a conduta de quem os impeça indevidamente.
Bem como, o Art. 38, que cria o delito destinado ao responsável pelas investigações, que, por quaisquer meios, antecipe a atribuição de culpa, antes da conclusão das apurações e do próprio processo.
Alguns dos dispositivos mantidos na Lei nº 13.869/2019 representam grande inovação no que diz respeito a tipificação das condutas abusivas por parte de servidores públicos, principalmente se comparados com a legislação anterior que tratava do assunto, conforme será demonstrado a seguir. No entanto, muitos outros dispositivos no novo texto legal apresentam problemas de ordem interpretativa e valorativa, que podem acarretar grande insegurança jurídica àqueles a quem a lei se dirige, situação que será melhor desenvolvida ao logo deste artigo.
A Lei nº 4.898/65 e a Lei nº 13.869/19, apesar de versarem sobre o mesmo assunto, com previsões acerca da configuração dos delitos de Abuso de Autoridade, têm características próprias quanto a forma que o fazem, já que refletem as épocas em que foram criadas. A primeira tem sua origem em 09 de dezembro de 1965, pouco mais de um ano após o Golpe Militar de 1964, que iniciou um grande período de Ditadura Militar no Brasil, e representou uma tentativa de demonstrar que o então Governo puniria aqueles que abusassem de suas atribuições.
Já a atual Lei nº 13.869 estreia em meio as prisões, condenações e vazamentos de informações relativas a crimes de colarinho branco oriundos da Operação Lava Jato. Funcionando, na verdade, como uma forma de inibir os agentes públicos responsáveis pelas investigações.
Na Lei anterior, o Legislador não preocupou-se em conceituar Crime de Abuso de Autoridade, omissão esta que foi parcialmente corrigida pela Nova Lei, onde passou-se a entender Crime de Abuso de Autoridade como toda conduta praticada por agente público, ainda que transitoriamente e sem remuneração, “com finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”[8], ainda que o conceito careça de valoração interpretativa.
Já no que diz respeito ao sujeito ativo, a legislação antecessora reputa-se ao delito próprio de “autoridade” como aquele que exerce cargo, emprego ou função pública, ainda que transitoriamente, exigindo-se que detenha algum poder de sujeição sobre o particular, devendo, o abuso, ser praticado no exercício de suas atribuições, ou após tê-las invocadas, já que o delito só admite modalidade dolosa. O conceito de autoridade aproxima-se da definição de Funcionário Público trazida pelo Art. 327 do Código Penal, e, ainda que a Lei nº 4.898 não tenha tratado expressamente dos funcionários públicos por equiparação, como foi feito pelo §1º do Art. 327, do CP[9], entende-se que estes devem ser abarcados pelo conceito de autoridade (GONÇALVES; BALTAZAR JR, 2017. p. 473).
Na legislação atual, o sujeito ativo teve sua abrangência ampliada passando a abarcar todo e qualquer agente públicos das entidades da Administração Pública Direta e Indireta, com rol exemplificativo. Muito embora, o legislador tenha se preocupado em tipificados abusos e excesso oriundos das atribuições dos membros do Poder Judiciário, de Ministério Públicos e das Polícias Judiciárias. O delito exige, ainda, que seja praticado no exercício do cargo, emprego ou função pública, ou em função deles. Mas passando a direcionar-se não apenas as “autoridades”, no sentido estrito da palavra, já que poderá ser praticado por serventuário da Justiça que dolosamente, deixe de praticar ou retarde a realização de determinados atos, como dito pelo Art. 19, do novo diploma; ou, quando funcionários de repartições alimentem a excessiva burocracia, com base no Art. 33, da referida lei, por exemplo.
Além disso, tratando-se de delito próprio, no qual há necessidade de vinculo funcional ativo, por isso, o agente público poderá praticar delito descrito como abuso de autoridade mesmo que de férias ou licença. No entanto, o mesmo não ocorre com o aposentado, que não poderá ser sujeito ativo do crime de abuso de autoridade por não possui mais vinculo funcional ativo com a Administração Pública (FERREIRA; PORTOCARRERO, 2019. p. 39). E, continua sendo possível o concurso de pessoas entre agente público e o particular, vez que a elementar dos delitos é comunicável, por força do Art. 30 do CP, quando o particular tiver conhecimento da condição de seu participe.
Outra importante diferenciação trata da classificação das condutas típicas e das sanções impostas, na Lei nº 4.898/65 têm-se os chamados Crimes de Atentados, tratando-se de delitos formais, não exigem a obtenção de prejuízos ao sujeito passivo, na verdade, restam consumados com o mero atentado a direitos fundamentais trazidos pelo rol do Art. 3º do texto legal; ou aquelas condutas disposta pelo Art. 4º, que acarretam a ilegalidade da prisão, conforme as normas do Código de Processo Penal.
Já na Nova Lei, os crimes tornaram-se materiais, passando a exigir o efetivo prejuízo de terceiros, ou a obtenção de benefícios para o sujeito ativo ou para outrem, assim sendo, passou-se a admitir a modalidade tentada dos delitos. Além disso, muitos dos delitos descritos pela Lei nº 13.869/2019 são plurinucleares, ou seja, possuem uma pluralidade de núcleos do tipo, onde a pratica de apenas um deles já enseja na consumação do tipo penal descrito.
No entanto, mesmo o Legislador tendo modificado a natureza dos delitos que configuram os Crimes de Abuso de Autoridade, a forma como o texto legal foi escrito se manteve, ainda que de forma mais comedida, a utilização de conceitos jurídicos amplos e indeterminados, com o objetivo de manter a legislação atualizadas aos olhos dos interpretes, continua causando insegurança jurídica, já que, em alguns casos, o agente responsável pela valoração da norma poderá se tornar o sujeito ativo do delito.
No que diz respeito às sanções impostas, anteriormente havia um rol taxativo de penalidades genéricas que poderiam ser aplicadas autônomas ou cumulativamente, conforme a gravidade do abuso. As sanções administrativas constituíam-se em advertência, repreensão, suspensão do cargo, com perda dos vencimentos e vantagens pelo prazo de cinco a centro e oitenta dias, destituição da função e demissão. A sanção civil consistia no pagamento de indenização, que poderia ter o valor predeterminado, quando não fosse possível mensurar a extensão do dano. Já a sanção penal poderia culminar na imposição de multa, detenção por dez dias a seis meses ou perda do cargo e na inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo prazo de até três anos[10].
Agora, cada conduta tem sua própria sanção penal, com penas em abstrato de detenção, com a duração máxima de até quatro anos, podendo ser cumuladas com o pagamento de multa, e independentes das sanções civis e administrativas cabível.
Sendo possível, em alguns casos, a Transação Penal nos delitos com pena máxima de até 2 anos, cumulado ou não com multa[11], como medida alternativa a imposição de pena privativa de liberdade, que consiste na substituição e aplicação imediata de pena de multa ou restritiva de direitos (LOPES JR, 2016. p. 402). Ou a aplicação da Suspensão Condicional do Processo, o chamado sursis processual, nos delitos em que a pena mínima seja de até 1 ano, o Ministério Público poderá propor a suspensão pelo prazo de dois a quatro anos, quando presentes os requisitos, e após o período de prova, o juiz declarará extinta a punibilidade do agente[12], uma vez que o procedimento dos Juizados Especiais, disciplinado pela Lei nº 9.099/95, tem aplicação subsidiária.
Além disso, tornaram-se efeitos da condenação, a obrigação de indenizar os danos causados; e exigindo reincidência em crime de abuso de poder, mediante decisão motivada, a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de um a cinco anos e/ou a perda do cargo, mandado ou função pública[13].
Em relação a Ação Penal, em ambos os diplomas, trata-se de Pública Incondicionada, porém, a Legislação mais antiga ao exigir a “representação da vítima”, quis, na verdade, referir-se a noticia criminis, como, posteriormente, explicou o Art. 1º da Lei nº 5.249/67[14] e como vinha entendendo os Tribunais Superiores (GONÇALVES; BALTAZAR JR, 2017. p. 501 e 502). O novo texto legal, corrigiu o uso equivocado do termo, passando a previr, expressamente, a natureza da Ação Penal Pública e Incondicionada, bem como a possibilidade de se propor Ação Penal Privada Subsidiária da Pública, quando houver inércia do Ministério Público.
Por último, a Lei nº 13.869/19 aboliu quaisquer regras procedimentais previstas pela Lei nº 4.898/65, passando a aplicar as regras procedimentais comuns ao Código de Processo Penal, com rito próprio aos delitos cometidos por funcionários públicos, previsto no Art. 319 e seguintes do CPP, e subsidiariamente as dos Juizados Especiais, nos delitos de pequeno potencial ofensivo, com penas máximas de até 2 anos. Além disso, aplicam-se as regras gerais para a fixação de competência da Justiça Comum, Federal ou Especializada[15]. Ademais, deve-se observar as regras de competência relativas as prerrogativas de foro por função, que, segundo entendimento recente do STF[16], serão aplicadas quando guardarem relação direta com o exercício da função pública.
No Brasil é comum o legislador se utilizar de algumas expressões com certo grau de vagueza, como forma de manter a norma atualizada por mais tempo, frente as evoluções sociais e culturais de uma sociedade. No entanto, em matéria penal há que se ponderar como esse tipo de expressões indeterminadas, que carecem de interpretação valorativa por parte dos julgadores e intérpretes, afrontam os princípios constitucionais, em especial os: da legalidade, da taxatividade e o da reserva legal.
Pondo em tela o estudo da legislação sobre os Crimes de Abuso de Autoridade, torna-se evidente a evolução trazida com a nova Lei nº 13.869/19, na qual o legislador teve maior preocupação em descrever as condutas típicas, porém, isso não impediu que expressões abertas fossem utilizadas.
Assim sendo, diante da necessidade interpretativa dos termos escolhidos pelo legislador, Tércio Sampaio Ferraz Jr. enfatiza a diferenciação entre conceitos jurídicos indeterminados e conceitos jurídicos valorativos, o primeiro denota imprecisão quanto aos objetos abarcados pelo conceito, já que não lhe é possível delimitar, automaticamente, o significado, dependendo de um “processo de refinamento progressivo do seu sentido”. Já o conceito jurídico valorativo manifesta-se através da imprecisão quanto a intenção em que foi utilizado, requerendo a observação dos valores que lhe foi implícito e das referências da respectiva sociedade (FERRAZ JR, 2018. p. 310 e 311). Ainda que haja esta diferenciação, na prática, ambos os conceitos dependerão da interpretação e valoração, já que não possuem definição bem delimitada.
Assim sendo, o problema dá utilização de conceitos vagos ou ambíguos, para a descrição de tipos penais, reside na abertura interpretativa do texto legal. No caso da Nova Lei de Abuso de Autoridade cria-se um verdadeiro “paradoxo jurídico”, em que o mesmo agente responsável por interpretar e valorar a lei, pode, em contrapartida, torna-se sujeito ativo perante ela.
Então, há que se observar o princípio da legalidade, onde uma parte mínima do texto penal deve ser vinculada e expressamente determinada, não sendo passível de valoração por parte do agente público. No caso do julgador, cabe a realização da análise do caso concreto frente ao extraído do texto legal, realizando a subsunção do fato a norma, com certo grau de subjetividade, mas, não além do que já prevê expressamente a norma, uma vez que essas considerações determinarão o tramite da demanda.
Além disso, quando a redação do tipo penal é abrangente demais ou genérica, a chamada Reserva Legal, que sendo princípio descendente do devido processo legal, pode ser prejudicada, já que preceitua que a tipificação da conduta criminosa deva ser detalhada, abrangendo circunstâncias específicas descritas com o intuito de gerar maior segurança jurídicas para os usuários e pacientes do direito penal (CAPEZ, 2012. p. 58 e 59).
Em vista disso, expressões como “por mero capricho”, “satisfação pessoal”, “sem justa causa”, “pleito de preso”, “manifestamente cabível, “prazo razoável”, entre outras contidas no texto da Lei nº 13.869/19 demonstram a grande carga valorativa necessária à aplicação do disposto pelo diploma legal. Até mesmo na configuração dos delitos de Abuso de Autoridade, já que dependera de o julgador determinar se a conduta do acusado foi praticada “por mero capricho” ou objetivando a sua “satisfação pessoal”[17], expressões que carecem de significado jurídico predeterminado.
É importante ressaltar, que a utilização desses termos vagos foi o ponto central das reclamações e do inconformismo dos agentes, a quem a Nova Lei se destina. Em Nota Técnica emitida pelo Ministério Público Federal, os procuradores reconhecem a criação de “zonas cinzentas” sobre a adequação das condutas e a aplicação da Lei, que ao se utilizar de conceitos genéricos, vagos e ambíguos, o Legislador contradisse o seu próprio objetivo[18], já que a indeterminação gera grave insegurança jurídica na atuação desses profissionais, como será descrito mais adiante.
Outro pronto que tem preocupado os profissionais da Justiça é a previsão trazida pelo Art. 9º, caput e parágrafo único da Nova Lei de Abuso de Autoridade. Neste dispositivo há a penalização do Magistrado que “decretar medida de privação da liberdade em ‘manifesta desconformidade’ com as hipóteses legais”, podendo ser condenado a pena de detenção, de 1 a quatro anos e multa, equiparando-se aqueles julgadores que “dentro do ‘prazo razoável’ deixarem de: I. relaxar prisão ‘manifestamente ilegal’; II. substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando ‘manifestamente cabível’; III. deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando ‘manifestamente cabível’”.
A crítica, principal, ao dispositivo em comento relaciona-se ao uso das expressões “prazo razoável” e “manifestamente cabível”, que são consideradas como sendo vagas e imprecisas, uma vez que não possuem definição jurídicas predeterminadas.
No primeiro caso, o conceito indeterminado: “prazo razoável”, abre margem para a tipificação do Magistrado, que fica a mercê da burocracia e da demora natural ao Judiciário brasileiro. Os defensores da Nova Legislação entendem tratar-se do prazo de 48 horas, descrito no parágrafo único do Art. 322 do Código de Processo Penal[19], referente a decisão que fixa fiança, nos casos em que a autoridade policial não possa fazê-lo. No entanto, este entendimento é mera analogia, ainda não pacificada, já que o legislador perdeu a oportunidade de prever, expressamente, o prazo para a prática deste e de outros atos descritos na Nova Lei de Abuso de Autoridade.
Já no caso da expressão “manifestamente cabível” há que se observar que no Brasil, adota-se o livre convencimento motivado do Magistrado, assim sendo, presentes os requisitos legais, o julgador decidirá de forma livre e autônoma, conforme seu convencimento com base nos fatos e provas trazidas pelas partes. E o inconformismo com a decisão proferida, ou pela demora, deve ser manifestado pela via recursal, sendo desproporcional a responsabilização penal do Magistrado, ainda que errônea tenha sido a sua decisão.
Deve-se lembrar que o Direito Penal tem como característica, ser a ultima ratio, isto é, somente deve ser aplicado ao caso concreto quando os demais ramos do Direito tornarem-se insuficientes (CAPEZ, 2012. p. 35).
Neste sentido, manifestou-se o ex-Ministro do STF Carlos Ayres Britto, em Parecer emitido a pedido do Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), onde defendeu que o Art. 9º atenta contra a independência e a autonomia do Magistrado, que se vê criminalizado por sua interpretação da norma. Além disso, disse, ainda, que nenhuma norma infraconstitucional pode determinar “coordenadas mentais” para orientar os juízes. Ayres Brito reconheceu, ainda, a presença de inconstitucionalidades em diversos artigo da Lei nº 13.869/19, entre eles, o supracitado Art. 9º[20].
Diante do exposto, não se pode contestar que o legislador infraconstitucional, ao estabelecer as regras do Art. 9º da Lei nº 13.869/19, visualizou a eliminação da discricionariedade comum às decisões judiciais, tipificando, diretamente, o Magistrado, em razão de sua interpretação, ou seja, criminalizando sua hermenêutica jurídica. E, por falta de balizas e limites semânticos para determinar o “manifestamente cabível” abriu margem para revanchismos da parte inconformada.
Em Nota Técnica, o MPF, defendeu que a criminalização da hermenêutica ofende pilares do Estado Democrático de Direito, que se traduzem na independência e na imparcialidade do Juiz. O órgão, na pessoa de seus Procuradores, entende que o Art. 9º permite a punição do juiz que, por decisão fundamentada, mantenha uma prisão, se posteriormente essa decisão vier a ser reformada[21]. O resultado é a criminalização do Magistrado por seu entendimento, muito embora, seja mais gravosa a conduta daquele que se omite. E, não sendo, o Direito, uma ciência exata, decisões divergentes ou errôneas devem ser reformadas por meios próprios.
A liberdade do Juiz em formular suas decisões, não enseja em insegurança jurídica aos pacientes da atuação jurisdicional, já que devem ser pautadas por textos legais e pela jurisprudência pacificada, porém, o que a Nova Lei de Abuso de Autoridade prevê é a tentativa de punir os Magistrados que interpretem a lei de forma diferente, o que traduz-se em um pensamento autoritário que visa inibir a atuação jurisdicional.
Ainda que a Lei nº 13.869/19 disponha expressamente, que divergência de interpretação não enseja em Crime de Abuso de Autoridade[22], está previsão, sozinha, não tem o condão de resguardar os agentes públicos do revanchismo da parte inconformada, e dos malefícios que uma ação penal, ainda que descabida, possa acarretar, a exemplo, o afastamento do exercício da função pública como medida cautelar, prevista pelo Art. 319 do CPP.
Cabendo ressaltar, que a comprovação da real finalidade em “prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro” é essencial à consumação e configuração do Abuso de Autoridade, e que o ônus cabe a acusação, podendo, está, acabar por praticar o delito de Denunciação Caluniosa previsto no Art.339, ou de Falsa Comunicação de Crime, tipificado no Art. 340, ambos do CP.
A forma como as condutas da Nova Lei de Abuso de Autoridade foram descritas, com elementos vagos e ambíguos, abrem margem para interpretações voltadas a inibir a atuação dos agentes, que por temor à represálias podem deixar de atuar, e findam por praticar o delito de prevaricação, tipificado no Art. 319 do Código Penal.
No delito de Prevaricação, o agente público por ação ou omissão, retardar ou deixa de praticar ato de ofício, ou o pratica em contrariedade com a lei, visando satisfazer “interesse ou satisfação pessoal”, podendo ser condenado a detenção de três meses a 1 ano e ao pagamento de multa. Segundo Heleno Cláudio Fragoso, o interesse pessoal pode ser de qualquer espécie, e o sentimento pessoal traduz-se pela afeição do agente em relação as pessoas e aos fatos atingidos pelo ato a ser praticado (FRAGOSO apud GRECO, 2017. p. 817). Assim, o crime pode restar configurado, se houve demonstração imprescindível[23], que o agente público se eximiu por temor de praticar os delitos descritos pela Nova Lei da Abuso de Autoridade.
O receio dos Magistrados foi marcado por notícias que divulgaram decisões fundamentadas na Lei nº 13.869/19, antes mesmo do término da vacation legis. Como por exemplo: a decisão proferida pela Juíza Pollyanna Maria Barbosa Piraná Cotrim, que revogou a prisão preventiva de 12 acusados em processo que apura a pratica do delito de Associação Criminosa, no âmbito da Lei de Drogas. Segundo a Juíza, não haviam mais indícios que pudessem fundamentar da manutenção da prisão preventiva dos acusados, e que com advento da nova legislação sobre abuso de autoridade, tornou-se crime manter alguém preso quando manifestamente cabível sua soltura ou medida cautela, com fundamento no Art. 9º, mesmo se tratando de delitos de maior gravidade. E diante da abertura dada pela expressão “manifestamente”, a regra deverá ser a soltura, em quanto não for sedimentado pelo STF rol taxativos de hipóteses em que a prisão será manifestamente cabível[24].
Outro exemplo que merece destaque foi a Portaria nº 22/2019, editada pelo Juiz de Direito Eduardo Ressetti Pinheiro Marques Vianna, publicada em 30/09/2019, que determinou a suspensão de penhoras online, em contas correntes e aplicações financeiras da parte devedora, via BACENJUD[25], exceto se por determinação superior, com fundamento no Art. 36 da Lei nº 13.869/19[26], alegando que o Magistrado, no momento em que determina a Penhora de bens, não tem possibilidade de conhecer e corrigir o exagero no valor, já que o próprio sistema do BACENJUD não é imediato. Além disso, fez menção a vagueza do dispositivo legal, diante das expressões utilizadas pelo legislador.
A ordem dispõe, ainda, que a suspensão se aplica a todas as Varas Cíveis e Criminais, e em seus respectivos anexos, bem como nos Juizados Especiais da Comarca de Palmas, no Paraná, a partir de janeiro de 2020[27].
A Portaria foi duramente criticada, tendo sido impugnada por petição da OAB-Palmas, com o fundamento de que meios legais para que a concessão da penhora online não enseja prejuízos as partes e ao próprio Magistrado. Sugerindo, inclusive, a adaptação do sistema do BACENJUD, para que seja devolvido automaticamente o valor excedente, em caso de bloqueios exagerados[28]. A Portaria foi revogada em outubro de 2019, pelo mesmo Juiz de Direito[29].
O terceiro exemplo, é da decisão proferida pela Juíza Federal Substituta Diana Wanderlei, que ao negar a concessão de penhora online dos ativos financeiros do executado, fundamentou-se, também, no Art. 36 da Lei 13.869/19. Sob os argumentos de que a descrição do delito tem “densidade subjetiva e aberta, e que geram insegurança jurídica, pois dependem da análise do intérprete (operadores de direito), em cada caso concreto”. E que há o perigo de dano concreto e iminente, uma vez que as decisões e atos que dispõem sobre a penhora de valores, e sua manutenção, estão sempre a se renovar, e a expressão “deixar de corrigi-la” concede caráter permanente ao crime do Art.36.
A Magistrada defendeu, ainda, que neste contexto, há a criminalização da conduta típica dos Magistrados, qual seja, julgar. E concluiu que, tendo sido interposta Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a fim de discutir a constitucionalidade de vários dispositivos, da Lei nº 13.869/19, se favorável pela inconstitucionalidade, o juízo será capaz de rever e reanalisar a decisão negada[30].
Diante dos problemas da Nova Lei de Abuso de Autoridade, pela insegurança jurídica gerada, em decorrência dos termos vagos, subjetivos e ambíguos utilizados pelo legislador, Magistrados, Procuradores, Delegados e outras classes de agentes públicos, que em razão de suas atribuições, podem ter suas condutas tipificas como abuso de autoridade, através de suas associações representativas, decidiram interpor Ações Diretas de Inconstitucionalidade, após a publicação da nova lei, ainda durante a vacation legis, como analisaremos a seguir.
5.1 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
Diversas foram as ações interpostas visando questionar a constitucionalidade de vários dos dispositivos da Lei nº 13.689/19, que começaram a se propostas após a publicação da referida lei, e foram distribuídas, por prevenção, ao Ministro Celso de Mello, no STF[31].
Muitos são os dispositivos questionados, mas aqueles mais recorrentes são: o Art. 9º, que como já demonstrado, criminalizou a hermenêutica de Magistrados; o Art. 27, que versa sobre o delito de requisitar ou instaurar procedimento investigatório penal, civil ou administrativo, quando “houver falta de indícios” da prática de infrações; o Art. 30 que prever a tipificação do agente que der início ou proceder persecução penal, civil ou administrativa, “sem justa causa” fundamentada ou contra quem sabe-se inocente; Os três artigos têm em comum a falta de balizas semânticas, em razão da utilização de expressões vagas, que oportunizam diversas interpretações, e findam por ensejar na criminalização das atribuições comuns de Magistrados, membros do Ministério Público e da Polícias Judiciárias.
Outro dispositivo de destaque nas ADI, é o Art. 43, que cria o Art. 7-B no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados Brasileiros (EAOAB)[32], e passa a tipificar a violação de direitos e prerrogativas de advogados contidas no Art.7 do Estatuto. Este dispositivo havia sido objeto de veto do Presidente da República, sob o argumento de as prerrogativas dos advogados não geram imunidade absolutas, e que o artigo, ora questionado, criminaliza condutas consideradas legitimas pelo ordenamento jurídico brasileiro[33].
Convém salientar, que o ex-Ministro do STF Ayres Britto se manifestou, através de Parecer que fundamentou a ADI nº 6236, proposta pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), no sentido de enxergar a inconstitucionalidade dos dispositivos questionados, entendendo que há a violação da constituição em sentido formal e material, e o comprometimento do exercício da função jurisdicional do Estado[34].
No entanto, as ações encontram-se em fase inicial de análise, algumas aguardam a prestação de informações do Presidente da República e dos Presidentes das Casas do Congresso Nacional, e outras estão no período de habilitação dos amicus curiae, que dependem da aprovação do Relator. Assim, é improvável acreditar que teremos logo a definição acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos dispositivos da Nova Lei de Abuso de Autoridade, já que a dimensão desta discussão pode ser equiparada a amplitude da insegurança geradas aos agentes públicos.
No entanto, alguns doutrinadores tem reconhecido o especial vicio de finalidade da Lei nº13.869/19, uma vez que a aprovação emergencial, como pouca discussão nas Casas do Congresso Nacional, representa verdadeiro artifício para inibir a prestação jurisdicional, objetivando dificultar as investigações e condenações pela pratica dos delitos de corrupção. Já que o legislador priorizou reprimir os abusos e excessos comuns às atribuições dos membros do Poder Judiciário, tendo se omitido em positivar os abusos de autoridade praticados pela classe política (PINHEIRO; CAVALCANTE; BRANCO, 2020. p. 31-38).
Sem perceber, no entanto, que a finalidade desviada da Nova Lei de Abuso de Autoridade atenta contra Convenções e Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, em especial a Convenção de Mérida[35], onde o Brasil se obriga a prestar uma tutela mínima de combate à corrupção. E considerando, o entendimento pacificado pelo STJ, que reconheceu a superioridade das regras de direito internacional, a Lei nº 13.869/19, representaria verdadeiro retrocesso legislativo, vedado conforme previsão do Art. 60, §4 da Constituição Federal, já que segundo esta corrente, o “Direito Anticorrupção”[36] é reconhecido como direito fundamental de 6º Geração (BULOS apud PINHEIRO; CAVALCANTE; BRANCO, 2020. p. 35)[37]. Por isso os problemas da legislação mais recente sobre Abuso de Autoridade vão além da intenção de seus autores, através das condutas legitimas que tenta inibir.
CONCLUSÃO
A modernização das condutas que configuram Abuso de Autoridade, pode ser considerada o acerto mais evidente da nova legislação. Já que a normas anteriores possuíam mero caráter paliativo, sem aplicabilidade efetiva, e estavam diretamente relacionadas a períodos controversos da história do Brasil.
No entanto, diante da batalha em se alcançar um real Estado Democrático, o vício de finalidade presente na nova legislação configura o erro que impossibilita a norma seja bem aceita pela sociedade e pelos usuários do direito, uma vez que fere preceitos básicos da ordem constitucional brasileira.
Torna-se evidente que o novo texto legal possui caráter revanchista, oriundo da classe política, em muitos dos dispositivos. A prestação jurisdicional ativa fez avanços marcante ao longo dos anos, no que diz respeito às investigações e ao combate aos crimes de corrupção. Assim, previsões que penalizam a interpretação das normas representam a real intenção em inibir a atuação de Magistrados e outros membros da Justiça. Ademais, a criminalização da hermenêutica não tem cabimento na ordem jurídica brasileira, que preceitua a independem e a autonomia dos Poderes Públicos.
Além disso, a utilização de conceitos demasiadamente amplos e vagos, também não se sustenta no âmbito do direito penal, já que estas normas devem ser especificas, com a finalidade de conferir o máximo de segurança jurídica as partes, ao julgador, bem como a todos os demais auxiliares da Justiça que possam de alguma forma se sentir inibidos pela nova legislação, que em muitos momentos não deixa, suficientemente, clara a conduta que pretende reprimir.
Bem verdade, que a discussão acerca dos problemas da nova legislação demanda tempo e a análise profunda das novas previsões sob óbice da Constituição Federal, dos princípios fundamentais e das normas de Direito Internacionais das quais o Brasil se obrigou em atender. Já que a insegurança jurídica causada aos agentes públicos pode inibir a atuação jurisdicional, fato que pode nos fazer regressar a momentos obscuros, em que reinavam os sentimentos de impunidade e a desconfiança na Justiça.
Com a modernização da sociedade, surgem novas formas de abuso, que não podem macular a atuação dos Poderes Públicos, assim faz-se, realmente, necessária a tipificação correta e vinculada, que não deixe margem para oportunismos e outros desvios que deixam o agente público à mercê do que a parte inconformada pode alegar.
Em suma, o legislador perdeu a oportunidade de responder a anseios populares, que demandam por uma sociedade mais justa e igualitária, em que os membros da Administração Pública Direta ou Indireta, o aqueles que se equiparem, deixem de abusar de suas prerrogativas, com o instituto de obter quaisquer vantagens, mas continuem atuando ativa e efetivamente para impedir a praticada de delitos que por muito tempo mancharam e infectaram toda a sociedade e a máquina pública.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6302, Brasília, DF em 08 de janeiro de 2020. Requerente: PODEMOS (partido político). Relator: Ministro Celso de Mello. Autuação em 09 de janeiro de 2020.
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[1]Bacharel em Direito, pela UNESA em 2018. Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal, pela UNESA em 2020. c.macielsouza@hotmail.com. O presente Artigo Científico Jurídico foi apresentado à Universidade Estácio de Sá, Curso de Pós-Graduação/MBA em Direito Penal e Processo Penal, como requisito parcial para conclusão do curso. Sob orientação do Professor Ralph Ribeiro Mesquita.
[2] Processo de Tramitação do PL n 7596/2017. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2136580
[3] Nova redação do Art. 2º, §§4 e 7, e inclusão do §8, da Lei nº 7.960/1989.
[4] Nova redação dada ao Caput do Art. 10 e a inclusão do §único, da Lei nº 9.296/1996.
[5] Foi incluído o Art. 227-A e o respectivo §único à Lei nº 8.069/1990.
[6] Foi incluído o Art. 7-B à Lei nº 8.906/1994.
[7]Mensagem de Veto nº 406, de 5 de setembro de 2019. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-406.htm
[8] Lei nº 13.869/2019. Art. 1º, §1.
[9] O §1º do Art. 327, do CP, equipara a Funcionário Público aqueles que exercem cargo, emprego ou função em entidade paraestatal e quem trabalha em empresa privada concessionária e permissionária de serviço público.
[10] Lei nº 4.898/65. Art. 6, §§1º, 2º e 3º.
[11]Lei nº 9.099/95. Art. 76.
[12] Lei nº 9.099/95. Art. 89.
[13] Lei nº 13.869/19. Art. 4º.
[14] Prevendo expressamente, que a falta de representação do ofendido, não impede a ação penal.
[15] A Justiça Militar é competente para processar e julgar militar por abuso de autoridade, em razão da nova redação do Art.9, II, do Código Penal Militar, modificada pela Lei nº 13.491/2017; Segundo entendimento do TSE, a Justiça Eleitoral atrai a competência para processo e julgamento dos crimes conexos aos crimes eleitorais, dentre eles, o abuso de autoridade (RHC nº 334-25.2013.6.09.0000/TSE-Goiás. Relator: Ministro Henrique Neves da Silva. Publicado em 15/05/2014).
[16] RE 1185838 AgR/STF-SP. Relator: Ministra Rosa Weber. Relator do Acórdão: Ministro Alexandre de Moraes. Publicado em 08/08/2019.
[17] Lei nº 13.869/19. Art. 1º, §1º.
[18]MPF entrega ao Planalto nota técnica que sugere veto parcial ao PL do abuso de autoridade. Disponível em http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-entrega-ao-planalto-nota-tecnica-que-sugere-veto-parcial-ao-pl-do-abuso-de-autoridade. Acessado em 14/01/20.
[19] A nova Lei de Abuso de Autoridade. Supremo Cast. Disponível em https://open.spotify.com/episode/58WcJrVwOrm6RWK5H9XRRU?si=qtN6k2TVSuCNjvTdYNa5nA. Acessado em 19/12/2019.
[20] Ayres Britto aponta inconstitucionalidade em dispositivos da Lei de Abuso de Autoridade. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/ayres-britto-aponta-inconstitucionalidades-em-dispositivos-da-lei-do-abuso-de-autoridade/463243. Acessado em 16/01/2020.
[21]NOTA TÉCNICA 2ª, 4 ª, 5ª e 7ª CCRs/MPF n.013/2019. p. 4 e 5. Disponível em http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/NotaTecnica.n13245e7ccrPL75962017.pdf. Acessada em 16.01.2020.
[22] Lei nº 13.869/19. Art. 1º, §2.
[23] O STJ entende ser imprescindível a indicação, por qualquer meio, do interesse ou sentimento pessoal a ser atendimento no delito de Prevaricação (HC 63.919/SP. Relator: Min. Felix Fischer. 5ª Turma. DJE: 04/08/2008.
[24]Processo nº 2641-40.2017.8.17.0640. 1ª Vara Criminal de Garanhuns (PE). DJE em 25/09/2019; “Juíza cita Lei de Abuso de Autoridade ao libertar 12 detidos em Pernambuco”. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-set-27/juiza-cita-lei-abuso-autoridade-libertar-12-pe. Acessado em 09/12/2019.
[25] “O BacenJud é um sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituições bancárias, para agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, via internet.” Disponível em https://www.cnj.jus.br/sistemas/bacenjud/. Acessado em 12/02/2020.
[26] Lei nº 13.869/19. Art. 36: prevê como abuso de autoridade a decretação da indisponibilidade de valores em “quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la”
[27]Portaria nº 22/2019. Palmas – TJPR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/juiz-suspende-penhora-online-comarca.pdf. Acessado em 17/01/2020.
[28] Petição de Impugnação da Portaria nº22/2019. OAB-Palmas (PR). Disponível em https://rbj.com.br/wp-content/uploads/2019/10/OAB-PORTARIA-22-2019.pdf. Acessado em 17/01/2020.
[29]Poder Judiciário de Palmas revoga portaria do BACENJUD. Disponível em https://rbj.com.br/justica/poder-judiciario-de-palmas-revoga-portaria-do-bacenjud-1903.html. Acessado em 17/01/2020.
[30]Processo nº 0026309-34.2007.4.01.3400. TRF-1. 5ª Vara de Brasília (SJDF). DJE em 04/10/2019. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/juiza-federal-nega-pedido-bloqueio.pdf. Acessado em 17/01/2020.
[31] ADI nº 6234, protocolada em 26/09/2019. Requerente: Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e do Distrito Federal (ANAFISCO); ADI nº 6236, protocolada em 28/09/19. Requerente: Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); ADI nº 6238, protocolada em 09/10/19. Requerente: Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) e outros; ADI nº 6239, protocolada em 09/10/19. Requerente: Associação dos Juízes Federais do Brasil; ADI nº 6240, protocolada em 14/10/19. Requerente: Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP); ADI nº 6266, protocolada em 22/11/19. Requerente: Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal; ADI nº 6302, protocolada em 08/01/2020. Requerente: PODEMOS (partido político).
[32] Lei nº 8.904, de 1994.
[33] Mensagem de Veto nº 406, de 5 de setembro de 2019. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-406.htm
[34] “O Regime Constitucional do Poder Judiciário e da Função Jurisdicional do Estado”. Parecer Jurídico. Carlos Ayres Britto. Disponível em https://migalhas.com.br/arquivos/2019/10/art20191029-07.pdf. Acessado em 22/11/2019.
[35]Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, “Convenção de Mérida”, adotada pela Assembleia-Geral das Nações unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Foi Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006.
[36] Termo utilizado por André Pimentel Filho, em sua obra: (Uma) Teoria da Corrupção – Corrupção, Estado de Direito e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2015. p.110.
[37] Que segundo UADI Bulos, os Direitos Fundamentais de 6ª Geração compreendem, também, ao direito à democracia, à liberdade de informação, à informação e ao pluralismo.
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